1. Agravo de Instrumento n. 2014.048832-4, de Criciúma
Agravante : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotor : Dr. Luiz Fernando Góes Ulysséa (Promotor)
Agravada : Fundação do Meio Ambiente FATMA
Advogado : Dr. Geraldo Stélio Martins (7398/SC)
Relator: Des. Subst. Luiz Zanelato
DECISÃO MONOCRÁTICA
I - Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs agravo de
instrumento da decisão de fls. 37-41, proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda da
comarca de Criciúma, que, nos autos da Ação Civil Pública n. 020140021787,
ajuizada em face da Fundação do Meio Ambiente FATMA, indeferiu a antecipação de
tutela pleiteada, que tinha por objetivo determinar à Fundação do Meio
Ambiente-FATMA a realização de auditoria dos procedimentos atinentes às licenças
ambientais expedidas pela Coordenadoria de Desenvolvimento Ambiental de
Criciúma, a partir de 17 de setembro de 2010, a fim de verificar a aplicação dos
artigos 36 e seguintes da Lei Estadual n. 14.675/09 e do Decreto n. 2.955/2010.
Requer a concessão de efeito suspensivo-ativo e, ao final, a reforma da
decisão recorrida.
II - Por presentes os requisitos de admissibilidade previstos no art. 525,
I, do CPC, conheço o recurso.
III - Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito
suspensivo fundado nos arts. 527, III, e 558, caput, ambos do CPC.
Da interpretação conjugada desses dispositivos extrai-se que a
concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento condiciona-se ao
preenchimento de dois requisitos: relevância da motivação (as razões devem ser
plausíveis, com fundada possibilidade de acolhimento do recurso pela câmara
competente) e possibilidade de lesão grave e de difícil reparação até o julgamento
pelo órgão colegiado decorrente do cumprimento da decisão agravada.
A princípio cabe observar que, nesta fase incipiente do procedimento
recursal, em que a cognição é apenas sumária, a análise dá-se de forma perfunctória,
de modo a verificar eventual desacerto da decisão recorrida, pois o exame
aprofundado do mérito recursal fica reservado ao Órgão Colegiado, já com a resposta
e os elementos de prova da parte agravada.
Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública aforada pelo Ministério
Público do Estado de Santa Catarina em face da Fundação do Meio
Ambiente-FATMA, ao constatar irregularidades na expedição de licenças ambientais
para atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental, em especial no
que toca à não observância da Lei Estadual n. 14.675/09 e do Decreto 2.955/10 pelo
órgão ambiental.
No caso em apreço, a controvérsia cinge-se na decisão do juízo a quo
2. que negou a antecipação de tutela requerida pelo parquet, a qual foi prolatada
escorando-se nos seguintes fundamentos (fls. 37-41):
[...] Cuida-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado
de Santa Catarina em face da Fundação do Meio Ambiente (FATMA), ao argumento,
em suma, de que a Coordenadoria de Desenvolvimento Ambiental de Criciúma não
tem observado fielmente o que determina o Decreto n. 2.955/2010 e o art. 36 e
seguintes da Lei n. 14.675/2009 quando da análise e expedição de licenças
ambientais nos 26 (vinte e seis) Municípios abrangidos em sua competência,
referente a todas as atividades consideradas potencialmente causadoras de
degradação ambiental.
Como sabido, a ação civil pública tem por escopo a proteção de interesses
difusos ou coletivos.
Para garantir desde logo a preservação dos interesses tutelados pela ação civil
pública, o legislador pátrio previu a possibilidade de concessão de medida liminar
pela Lei n. 7.347/85: "Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificação prévia, em decisão sujeita a agravo".
Traz-se a jurisprudência aplicável:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR.
CABIMENTO. REQUISITOS PRESENTES. RECURSO IMPROVIDO.
Uma vez demonstrados, em ação civil pública, os requisitos do fumus boni juris
e do periculum in mora, cumpre ao julgador conceder a liminar de que trata o art. 12,
caput, da Lei n. 7.347/85 (LACP). (AI n. 8.251, de Içara, Rel. Juiz Dionízio Jenczak).
A concessão da medida liminar, portanto, depende da presença de dois
requisitos, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, os quais passo a
analisar.
O Representante Ministerial pretende seja a FATMA compelida, liminarmente,
a realizar uma auditoria, nas dependências físicas da Coordenadoria de
Desenvolvimento Ambiental de Criciúma ou, se necessário, na sede de qualquer
outra Coordenadoria de Desenvolvimento Ambiental, nos procedimentos atinentes
às licenças e autorizações novas, prorrogadas e/ou renovadas a partir da
entrada em vigor do Decreto n. 2.955/2010, com o objetivo principal de verificar se
esse Decreto e os artigos 36 e seguintes da Lei n. 14.675/2009 vêm sendo
cumpridos por ocasião de todas as licenças e autorizações novas, prorrogadas
e/ou renovadas nos 26 (vinte e seis) Municípios abrangidos pela Coordenadoria
de Desenvolvimento Ambiental de Criciúma, expedidas a partir de 17-9-2010,
referentes a todas as atividades consideradas potencialmente causadoras de
degradação ambiental. Ainda em liminar, pugna o Parquet seja a requerida
compelida a exigir que os empreendedores se sujeitem a idêntico procedimento
adotado para fins de obtenção de nova licença, quando expirado o prazo mínimo
para o requerimento de renovação ou prorrogação da licença ambiental, bem como a
regularização dos empreendimentos que, constatados pela auditoria, estejam em
situação irregular.
Portanto, o ponto nuclear da quaestio consiste em verificar se há
necessidade/possibilidade de o Poder Judiciário determinar a realização, pela
requerida, da citada "auditoria" na Coordenadoria de Desenvolvimento Ambiental de
Criciúma.
Verifica-se que o único caso de irregularidade no procedimento de renovação
de Licença Ambiental de Operação identificada pelo Parquet na inicial é o da
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3. empresa CDM do Brasil Indústria e Comércio de Cereais Ltda, questão que foi objeto
de discussão nos autos da Ação Civil Pública n. 020.12.019030-3, proposta neste
juízo.
Segundo relatado na exordial, a pedido do Ministério Público, a Coordenadoria
de Desenvolvimento Ambiental de Criciúma encaminhou à 9ª Promotoria de Justiça
desta Comarca a relação de todas as licenças e autorizações novas, prorrogadas
e/ou renovadas, a partir de 17-9-2010, nos 26 (vinte e seis) Municípios abrangidos
pela referida Coordenadoria, de todas as atividades consideradas potencialmente
causadoras de degradação ambiental, documentação que compõe 07 volumes do
Inquérito Civil que acompanha a inicial (volumes 4 a 10).
Em que pese a vasta documentação que instrui o Inquérito Civil em comento,
não foram especificadas na exordial outras situações que tenham ensejado a
expedição, de forma irregular, de licenças e autorizações ambientais referentes a
atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental, além daquela já
discutida nos autos da Ação Civil Pública n. 020.12.019030-3.
Assim, nessa análise preliminar, não vislumbro presente o fumus boni juris,
pois não cabe ao Poder Judiciário, em princípio, imiscuir-se em atribuição própria da
Administração Pública, sob pena de indevida invasão da esfera administrativa, salvo
se ficar demonstrada a prática de evidente ilegalidade no atuar do agente público, o
que não se verifica in casu.
Ademais, não se pode perder de vista que a Administração Pública detém
poder de autotutela para rever seus próprios atos, podendo determinar, se entender
necessário, a realização de vistoria/inspeção/perícia em seus órgãos para fiscalizar o
cumprimento da lei nas atividades que lhe são inerentes, independentemente de
decisão judicial nesse sentido.
Dito isso, INDEFIRO o pedido de liminar.
Cite-se com as advertências legais.
Intime-se.
Sustenta, o recorrente, que se encontra devidamente comprovada nos
autos a não observância, pelo órgão ambiental, da legislação que disciplina o
procedimento de emissão de licenças, o que demonstra o equívoco da decisão de 1º
Grau, que se afasta de resguardar o meio ambiente da prática de possíveis danos.
Analisados os autos, verifica-se que as razões recursais possuem
mesmo a relevância necessária ao deferimento do almejado efeito suspensivo-ativo.
Sobre o tema, é de se ressaltar, de início, que a Lei Estadual n.
14.675/09 - que institui o Código Estadual do Meio Ambiente - determina que são
passíveis de licenciamento ambiental, pelo Órgão Estadual de Meio Ambiente, "as
atividades consideradas, por meio de Resolução do CONSEMA, potencialmente
causadoras de degradação ambiental" (art. 29), assim como "a expansão de atividade
licenciada que implicar alteração ou ampliação do seu potencial poluente" (art. 30).
O processo de licenciamento, assim, realizado nos moldes dos arts. 36 a
42 do mencionado diploma legal, cujo procedimento é pormenorizado no Decreto
Estadual n. 2.955/10, resulta na emissão de Licença Ambiental com prazo de validade
assinalado pela autoridade competente, a depender da modalidade de licença
(Prévia, de Instalação ou de Operação) e de acordo com os limites estipulados no art.
40.
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4. A renovação da licença, por sua vez, "deverá ser requerida no órgão
ambiental licenciador com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da
expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença" (art. 40, § 5º),
oportunidade em ficará automaticamente prorrogada até a manifestação definitiva do
órgão licenciador. Do contrário, a teor do art. 43 do Código Ambiental Estadual,
deverá ser formulado um novo pedido de licença, realizando-se, de acordo com a
modalidade a ser expedida, todo o procedimento descrito a partir do art. 36 em
combinação com o Decreto n. 2.955/10 que regulamenta a matéria:
Art. 43. Decorrido o prazo de validade de uma licença sem que haja solicitação
de prorrogação ou renovação, e respeitados os prazos máximos a que se refere o
art. 40, a continuidade das atividades dependerá da formulação de novo pedido de
licença.[grifou-se]
Ocorre que, como ficou demonstrado por meio das provas contidas nos
autos, a Coordenadoria de Desenvolvimento Ambiental da FATMA-Regional de
Criciúma vem promovendo a renovação de licenças para atividades potencialmente
causadoras de lesão ao meio ambiente sem a devida observância das normas que
disciplinam a matéria, em especial desatendendo a necessidade de adoção de novo
processo de licenciamento quando o pedido de renovação não atende ao prazo fixado
no art. 40, § 5º, mesmo em casos em que já se esgotou por completo o prazo de
validade da licença, e ainda em hipóteses em que há atualização de área útil e área
construída do empreendimento.
Neste sentido, diversamente do que apontou o magistrado de 1º Grau na
decisão agravada, a licença concedida irregularmente à CDM do Brasil Indústria e
Comércio de Cereais Ltda. não se trata de caso isolado, mas foi apenas um caso em
que, em face das circunstâncias envolvidas, houve a ciência do Ministério Público,
havendo, ao que tudo indica, inúmeros outros casos que restam, por hora,
desconhecidos, tendo em vista que a própria gerência do órgão ambiental em
Criciúma assume que não vinha aplicando corretamente as normas que
regulamentam a expedição de licença, conforme se extrai do Ofício n. 585/2012,
encaminhado pelo Gerente de Desenvolvimento Ambiental da Coordenadoria de
Criciúma da FATMA, Alexandre Carniel Guimarães (fl. 54):
Quanto ao estabelecido no art. 43 da Lei Estadual n. 14.675/09, informo que a
FATMA a nível estadual nunca havia colocado em prática este procedimento de novo
pedido de licenciamento; apesar de mera formalidade começaremos a aplicar
referido procedimento; [grifou-se]
No mesmo sentido, esclarece a declaração de Ramon Meller Citadin,
engenheiro ambiental da FATMA de Criciúma, contida no Termo de fls. 101-102:
[...] que está lotado na gerência/coordenadoria da FATMA de Criciúma, como
analista técnico de gestão ambiental, nível 4; que o depoente atua na área de análise
de processo de licenciamento ambiental, vistorias, fiscalizações, etc.; [...] que
segundo o depoente no caso de renovação de LAO, quando não requerida dentro do
prazo de 120 (cento e vinte) dias, não é observado a necessidade de se elaborar um
novo processo de licenciamento, vez que "o próprio sistema não tranca"; ao que tem
conhecimento o pedido de novo licenciamento ambiental, quando não requerida a
renovação da LAO dentro do prazo de 120 (cento e vinte) dias, não está sendo
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5. cobrada no Estado de Santa Catarina, logo, não se cobra nem o Decreto n.
2.955/2010 e nem o art. 43 do Código Ambiental Catarinense [...]; (grifou-se).
Informações ainda corroboradas no Termo de declaração da servidora
Tânia Nara Medeiros (fls. 103-104):
[...] que a depoente encontra-se atualmente lotada na Gerência/Coordenadoria
da FATMA de Criciúma; que a sua participação na FATMA sempre foi na área de
fiscalização, expedição de licenças, vistorias, laudos técnicos etc.; que a depoente já
exerceu a Chefia da Gerência/Coordenadoria durante o período de férias de
gerentes/coordenadores; que depoente já substituiu o Senhor Alexandre Carniel
Guimarães, atual gerente/coordenador da FATMA em Criciúma, em duas
oportunidades, período de 30 (trinta) dias; que a depoente realiza análise de
processo de licenciamento envolvendo as seguintes atividades: postos de gasolina;
transportes de produtos perigosos; metal mecânica; metalúrgica; lavanderias;
alimentícia; tinturaria; plástico; recicladoras entre outras; [...] informa a depoente que
o Decreto n. 2955/2010, que trata dos procedimentos de licenciamento ambiental,
não é observado quando do pedido de renovação da LAO dentro do prazo de 120
(cento e vinte) dias, vez que o próprio sistema "deixa passar esses casos, não
tranca"; que informa a depoente que o Decreto 2.955/2010 começou a ser observado
na gerência/coordenadoria de Criciúma a partir de Setembro de 2011; [...] que foi a
depoente quem analisou e expediu a renovação da LAO em favor da empresa
denominada CDM do Brasil e Comércio de Cereais Ltda.; que entende a depoente
que a troca de razão social, de Alcril para CDM do Brasil e Comércio de Cereais
Ltda.; com a atualização de dados, tais como, área útil, área construída, número
de funcionários, controles ambientais, alteração de controles ambientais etc., em
se tratando da "mesma atividade sócios", não necessitaria a exigência de um novo
pedido de licenciamento ambiental de operação, mas apenas renovação, prática,
aliás, adotada no passado; [...] que também foi a depoente quem analisou a
expedição de licença ambiental de operação em favor do "Posto Chile"; que
também com relação ao LAO do Posto Chile não doi observado os
procedimentos mencionados no Decreto 2.955/2010, em especial no que toca à
exigência de um novo pedido de licença ambiental; [...]; (grifou-se).
No mais, é de se esclarecer que a medida pretendida pelo parquet não
se refere à suspensão imediata, pelo Judiciário, das licenças expedidas pelo órgão
ambiental, o que certamente demandaria a indicação individual, pelo requerente,
acerca de cada caso em que constatada irregularidade.
Todavia, o pleito consiste justamente na provocação do órgão público
para que efetue auditoria interna no sentido de identificar as licenças irregularmente
concedidas e promover a correção das irregularidades, dado que está evidenciado
nos autos por declarações de servidores da própria FATMA que irregularidades
existem, apenas não identificadas quais foram as licenças alcançadas pelos
mencionados vícios.
Relevantes, assim, as alegações recursais, verifica-se que o risco de
dano irreparável ou de difícil reparação advém da continuidade no exercício de
atividades potencialmente lesivas por todos aqueles que obtiveram a renovação da
licença de forma irregular, destacando-se a possibilidade de que, algumas dessas
empresas venham, inclusive, ocasionando danos ao meio ambiente, na medida em
que, como constatado, a simples renovação foi deferida mesmo em hipóteses em que
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6. há alteração da área construída, expandindo-se o potencial poluidor, circunstâncias
essas que afrontam por completo o princípio da precaução que milita em favor do
meio ambiente, pois neste tema, a cautela deve propender em prol dos interesses da
sociedade objeto de discussão.
À luz dessas considerações, visualizando relevância na fundamentação
do recurso (fumus boni juris), concluo pela existência de equívoco na decisão
censurada, de onde deriva dano irreparável ou de difícil reparação, circunstâncias
que, a teor do art. 558, caput, do CPC, conduzem ao deferimento do efeito
suspensivo-ativo postulado.
IV - Ante o exposto, por presentes os requisitos elencados no art. 558,
caput, do CPC, defiro o efeito suspensivo-ativo ao agravo, determinando à Fundação
do Meio Ambiente-FATMA, que realize auditoria interna na Coordenadoria Ambiental
de Criciúma, a fim de apurar se as licenças ambientais renovadas a partir de
17-09-2010 encontram-se de acordo com as prescrições contidas nos arts. 40 e 43 do
Código Ambiental Estadual, devendo, no prazo de 60 (sessenta) dias, apresentar, nos
autos de origem, relatório detalhado da auditoria, informando as irregularidades
encontradas, e adotando as medidas necessárias a fim de que as licenças
concedidas irregularmente sejam substituídas por novas licenças, observadas as
diretrizes dos arts. 36 a 42 da Lei Estadual n. 14.675/09 e as disposições do Decreto
Estadual n. 2.955/2010, sob pena de multa diária fixada em R$ 2.000,00 (dois mil
reais).
Comunique-se, com urgência, o juízo de origem.
Redistribua-se (art. 12, § 4º, do Ato Regimental n.41/2000).
Cumpra-se o disposto no art. 527, V e VI, do CPC.
Publique-se. Intimem-se.
Florianópolis, 22 de outubro de 2014.
Luiz Zanelato
RELATOR
Gabinete Des. Luiz Zanelato