O documento trata de um pedido de habeas corpus impetrado por Alexander Pareja Garcia para a restituição ou nomeação como fiel depositário de um imóvel sequestrado no bojo de uma ação penal por tráfico de drogas. O relator nega o pedido por entender que o habeas corpus não é o meio adequado para tutelar interesses patrimoniais, devendo ser utilizados os recursos ordinários.
Hc 207913 rj_o habeas é antídoto de prescrição restrita
1. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 207.913 - RJ (2011/0121104-0)
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de habeas corpus impetrado em benefício de Alexander Pareja
Garcia, apontada como autoridade coatora o Tribunal Federal da 2ª Região.
Colhe-se dos autos que o paciente, denunciado como incurso nos arts.
35 e 40 da Lei nº 11.343/2006, e art. 1º, da Lei nº 9.613/1998, teve contra si
determinado o seqüestro de vários bens, dentre eles o imóvel do Condomínio
Waterways.
Em relação ao referido imóvel, foi formulado pedido de restituição, o qual
restou indeferido pelo Juiz de primeiro grau, havendo o Tribunal de origem mantido tal
provimento em sede de mandado de segurança ali manejado, assim ementado o
acórdão (fl. 85):
PENAL - PROCESSO PENAL - MANDADO DE SEGURANÇA -
CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS - LAVAGEM DE DINHEIRO
- CONSTRIÇÃO CAUTELAR DE BENS - LEVANTAMENTO -
DIREITO CONSTITUCIONAL DE MORADIA - DIREITO
LÍQUIDO E CERTO - AUSÊNCIA - DENEGAÇÃO DA
SEGURANÇA.
O art. 5º da Lei nº 9.613/98 autoriza ao juiz que, quando as
circunstâncias o aconselharem, ouvido o Ministério Público,
nomeará pessoa qualificada para a administração dos bens,
direitos e valores apreendidos ou sequestrados, mediante termo
de compromisso.
A expressão 'pessoa qualificada' excluiu a possibilidade de o réu
estar na administração dos referidos bens, pois que se atentaria à
finalidade de todo o ordenamento jurídico, de vez que se estaria
propiciando a utilização pelo réu de bens acoimados de terem
sido adquiridos com produtos de crime, mesmo que
momentaneamente.
As circunstâncias não aconselham a medida pleiteada, já que o
referido imóvel funciona como depósito de bens móveis de
elevado valor, também sequestrados de pessoa jurídica vinculada
ao grupo criminoso do qual supostamente o impetrante faz parte.
Segurança denegada.
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2. Superior Tribunal de Justiça
Na presente impetração, alega o impetrante ser cabível o habeas
corpus, pois o paciente encontra-se privado de adentrar no imóvel objeto da medida
cautelar. Acrescenta que o seqüestro do bem foi decretado em 2007, respondendo o
paciente como réu solto desde 2009, sem que tenha sido proferida sentença.
Aduz, ainda, que o imóvel precisa de benfeitorias indispensáveis à
conservação, além do pagamento de tributos, não sendo razoável que seja mantido
fechado por mais de 4 anos.
Requer, assim, a restituição do bem ao paciente, ou que este seja
nomeado como fiel depositário do imóvel referido, bem como dos bens móveis que o
guarnecem, até o trânsito em julgado da ação penal de que se cuida.
A liminar foi indeferida pelo antigo relator à fl. 97.
Notificada, a autoridade coatora prestou informações às fls. 105/114.
A douta Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se, opinou
pelo não conhecimento do writ.
É o relatório.
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3. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 207.913 - RJ (2011/0121104-0)
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Conforme relatado, busca-se na presente impetração a restituição, ou a
nomeação do paciente como fiel depositário, de bem imóvel sujeito à medida cautelar
de sequestro no bojo de ação penal, na qual o paciente responde por associação para
o tráfico de drogas, havendo indícios de que o imóvel aludido constitui produto do
crime.
Após detida análise dos autos, verifica-se que a presente irresignação
não se encontra dentre as hipóteses passíveis de apreciação no âmbito do habeas
corpus.
A respeito, mister ressaltar que o habeas corpus, ação de natureza
constitucional, é antídoto de prescrição restrita, que somente se presta a reparar
constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável e que, portanto, mostra-se
de plano comprovável e perceptível ao julgador.
Além disso, o habeas corpus constitui remédio heróico voltado ao
combate de constrangimento ilegal específico, de ato ou decisão que afete, potencial
ou efetivamente, direito líquido e certo de cidadão, com reflexo direto em sua liberdade
de locomoção. Portanto, não se presta à correção de decisão sujeita a recurso próprio
e adequado, previsto no sistema processual penal, não sendo, pois, substitutivo de
recursos ordinários, especial ou extraordinário.
Na hipótese em apreço, não há esforço argumentativo que permita
vislumbrar qualquer ameaça ou lesão ao direito de liberdade do paciente.
Isso porque, conforme informado pela própria petição inicial, o paciente
responde em liberdade à acusação de associação para o tráfico, não existindo sequer
menção a eventual constrição que tenha sido imposta pelas instâncias ordinárias a seu
direito de locomoção.
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4. Superior Tribunal de Justiça
O que se pretende, na verdade, é proteger interesse patrimonial, sob o
pretexto de tutela ao direito de moradia, tudo isso lançando mão da via estreitíssima do
writ, que em nenhuma circunstância poderia ser cogitada para esses casos.
A abrangência que vem sendo dada nos últimos tempos a esse instituto
tão caro ao nosso ordenamento jurídico-constitucional deve ser contida, de forma a
impedir esse tipo de abuso, sob pena de ficarem relegadas e esquecidas as questões
cruciais, para as quais o habeas corpus foi historicamente concebido, repito, aquelas
que envolvam a prática de flagrante ilegalidade diretamente relacionada à liberdade de
locomoção.
Nesse sentido o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
A - HABEAS CORPUS . EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE AZAR.
BUSCA E APREENSÃO DE MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS.
DESCONSTITUIÇÃO. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS .
VIA INADEQUADA. AÇÃO MANDAMENTAL DE TUTELA DO
DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE IR E VIR.
AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. ORDEM NÃO
CONHECIDA.
1. O habeas corpus é ação de índole constitucional, marcado
por cognição sumária e rito célere, que tem como escopo
resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou
abuso de poder.
2. In casu, não se verifica constrangimento ilegal ao direito
de ir e vir pela medida constritiva aos bens do paciente
consistente na busca e apreensão de duas máquinas
caça-niqueis.
3. Inexiste interesse de agir à defesa na impetração de ordem
mandamental visando desconstituir medida de busca e
apreensão, diante da ausência do objeto tutelado pela norma
constante nos arts. 5º, LXVIII, da Constituição Federal e 647 do
CPP, qual seja, liberdade de ir e vir.
4. Ordem não conhecida. (HC nº 179.566/PR, Relator o Ministro
JORGE MUSSI, DJe de 21/9/2011.)
B - HABEAS CORPUS . EXECUÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. AUSÊNCIA DE
PAGAMENTO DA PENA DE MULTA. CARÁTER PENAL.
PEDIDO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE AMEAÇA À LIBERDADE
AMBULATORIAL DO PACIENTE. NÃO CABIMENTO DO
HABEAS CORPUS . SÚMULA 693/STF. PARECER DO MPF
PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Na via do Habeas Corpus é incabível afastar-se
constrangimento cuja ilegalidade apontada não exponha a
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5. Superior Tribunal de Justiça
risco a liberdade de locomoção do indivíduo.
2. No caso sub judice, não podendo a pena de multa ser
convertida em privativa de liberdade, inexiste sequer ameaça à
liberdade ambulatorial do paciente, o que torna imperativo o não
conhecimento do writ (Súmula 693/STF).
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Habeas Corpus não conhecido. (HC nº 150.753/SP, Relator
o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 1/8/2011.)
C - PENAL. HABEAS CORPUS . TRÁFICO ILÍCITO DE
DROGAS. JULGAMENTO DA APELAÇÃO CONFIRMATÓRIO
DA SENTENÇA CONDENATÓRIA, POR MAIORIA DE VOTOS.
OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRETENSÃO
QUE SEJAM RECEBIDOS COMO EMBARGOS
INFRINGENTES. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE.
INVIABILIDADE. ERRO GROSSEIRO. ESGOTAMENTO DAS
VIAS PROCESSUAIS ORDINÁRIAS. NÃO OCORRÊNCIA.
IMPETRAÇÃO QUE DEVE SER COMPREENDIDA DENTRO
DOS LIMITES DA RACIONALIDADE RECURSAL. ORDEM NÃO
CONHECIDA.
I. Na oposição dos embargos de declaração perante a Corte a
quo, o paciente, àquela ocasião embargante, não se atentou
para o fato de ter sido o acórdão proferido na apelação pelo
Tribunal estadual, desprovido por maioria, em seu desfavor,
cabendo, assim, embargos infringentes, que, além de terem como
objetivo fazer prevalecer o voto divergente, têm a função de
esgotamento das vias processuais ordinárias para a interposição
dos recursos extraordinários.
II. Na hipótese, vendo os impetrantes que não esgotaram
devidamente as instâncias ordinárias para a interposição do
recurso adequado, vêm, através do presente writ, tentar fazer
prevalecer a tese da incidência do princípio da fungibilidade,
sendo certo que tal princípio não pode ser aplicado, porquanto a
oposição de embargos de declaração ao invés de infringentes,
configura-se erro grosseiro, por serem de recursos com escopos
nitidamente diversos.
III. A impetração de habeas corpus deve ser compreendida
dentro dos limites da racionalidade recursal preexistente e
coexistente, para que não se perca a razão lógica e
sistemática dos recursos ordinários e mesmo dos
excepcionais por uma irrefletida banalização e vulgarização
deste remédio constitucional, hoje praticamente erigido para
qualquer irresignação, no mais das vezes muito longe de
qualquer alegação de violência ou coação contra a liberdade
de locomoção, como é o caso.
IV. Ordem não conhecida, nos termos do voto do Relator. (HC nº
163.653/SP, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJe de 1º/7/2011.)
Não é demais destacar que o instrumento processual utilizado pelo
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impetrante perante o Tribunal de origem, para arguir a mesma questão aqui suscitada,
foi o mandado de segurança, ação constitucional igualmente nobre, cuja missão é
justamente proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, sendo
clara a relação de subsidiariedade entre o mandamus estabelecida pela própria
Constituição.
É, assim, de todo inadmissível que o impetrante se utilize, agora, nesta
Corte Superior, do habeas corpus como sucedâneo do meio recursal cabível.
Ante todo exposto, manifesta a inviabilidade do pedido nessa via, não
conheço do habeas corpus.
É como voto.
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