1) O documento discute a necessidade de espiritualização da humanidade em tempos de "anemia moral" e "noite moral".
2) Defende que o problema humano maior é a criatura humana em si e sua carência moral/valores espirituais.
3) Aponta que a espiritualização, por meio de uma consciência cósmica e vínculo com a divindade, traria benefícios como paz e harmonia.
1. ESPIRITUALIDADE e CIVILIZAÇÃO do ESPÍRITO
Adriana C.S. Melzer∗∗∗∗
“O futuro da humanidade está biologicamente em sua espiritualização.”
(Pietro Ubaldi)13
Léon Denis, no início do século XX em sua obra “O problema do ser, do destino e da dor”1
referiu-se ao momento vivido pela humanidade de então como sendo “tempos de anemia
moral”. Em uma coletânea das obras de Divaldo Franco ditadas pelo espírito Victor Hugo,5
falou-se da “noite moral” que governa destinos sob espessas sombras e que “O problema da
Humanidade, antes que socioeconômico é sociomoral”. Completando esse pensamento, em
uma de suas obras com Joanna de Ângelis,4 Divaldo afirma que “O problema humano,
portanto, maior e mais urgente para ser equacionado, é a própria criatura humana”.
De fato, diariamente somos confrontados por dezenas de acontecimentos que evidenciam a
carência moral e a insuficiência de valores espirituais no mundo atual. De tragédias familiares,
crimes variados e violência gratuita a excessivo culto ao corpo, exibicionismo desmedido e
exposição desnecessária da vida alheia, transita-se por uma vasta lista de desmazelos e
inconsequências que, juntando-se a ainda mais ampla gama de distúrbios, doenças,
sofrimento e dor, muito bem ilustram o quadro de indigência espiritual que povoa o mundo.
Pietro Ubaldi, em sua “Grande Síntese”,13 afirma que a maneira de se vencer a inércia moral
é espiritualizar-se. Na obra complementar, “A Nova Civilização do III Milênio”14 enfatiza que o
homem moderno é “...vivo só na carne, mas ainda adormecido no que diz respeito ao espírito”.
O autor explica que a atual maioria da humanidade vive e age na superfície,
inconscientemente, como que manobrada por instintos, sem saber quase nada a respeito do
porquê das coisas, “...em uma espécie de resignação à ignorância, de adaptação à
inconsciência...”, crendo estar sozinha no caos quando na verdade participa de imenso
organismo. Assim, se nos assustamos com a atual fase das coisas é porque somente vemos
essa superfície, não pensamos em profundidade.
∗
Terapeuta Holística, Fisioterapeuta, Mestre em Saúde Pública, Doutora em Saúde Coletiva (Unicamp)
2. Esta consciência espiritual13 ou esta faculdade de viver a vida cotidiana mantendo vínculo
mental com a continuidade da existência, ou seja, de viver com senso de eternidade3 é o que
aqui denominamos Espiritualidade.
Trata-se de mudar o nível de percepção da realidade, de sair da dualidade e despertar
para a unidade, para a essência,13 compreendendo a ligação entre todos os fenômenos, a
eternidade do espírito, a meta da vida, a lógica do destino, a significação das provas e da dor,
“...acostumar a conceber os efeitos a longos vencimentos, na vossa vida eterna, e não no
instante presente...”.13
O que falta ao homem é a responsabilidade de entender este “valor espiritual da vida”,
desenvolvendo a sua consciência cósmica, ao restabelecer o vínculo com a Divindade que o
inspira e conduz, entendendo que a vida é feita pelas forças da Lei, independente da sua
vontade e consciência. 5,13
A vivência da unidade cósmica ou vínculo com a Divindade – seja denominado Deus,
Brahma, Inteligência Suprema ou Absoluto – é que traz sentimentos de paz, confiança,
entrega, serenidade e harmonia, permitindo a não identificação com atitudes e
acontecimentos circunstanciais. 12
A consciência sobre a lei universal/ordem soberana mostra que no universo tudo clama
causalidade, ordem, indestrutibilidade. Tudo é função, equilíbrio e justiça e tudo está ligado
por uma rede de reações, conjugado ao funcionamento do grande organismo. Quando não se
tem essa consciência refugia-se na inconsciência do “aproveitar a vida”: filosofia do desespero,
cegueira intelectual e moral. 13
Em tempos onde a necessidade é “transformar o homem para que o mundo se
transforme,”8 é mister, como assevera Léon Denis: direcionar a atividade humana “.. com mais
intensidade para os caminhos do espírito.”1
3. Espiritualidade e Materialismo
“A vida perde o seu sentido, a sua significação, a sua razão de ser, quando o
homem se afasta da compreensão espiritual, buscando no mundo material a
única explicação das coisas.”
(J. Heculano Pires)8
Nas palavras de Victor Hugo (espírito), a vida material, “..breve parênteses aberto na
Eternidade...”, é a “asfixia da alma.” 9
Todos os indivíduos em experiência na dimensão física são impelidos por necessidades
eminentemente materiais e estão em luta com as “vozes da matéria”, constantemente atraindo
e influenciando suas ações. 1
Assim assinala Bezerra de Menezes abrindo o Prefácio da obra de Gilson Freire e
Adamastor (Espírito), “Senda Redentora”:6
“Em trânsito pela ribalta terrena, o espírito é incapaz de
antever com clareza a grande realidade em que se acha
imerso. Portando uma mente acanhada, abafada pelas
vestes carnais, envolvido pelas necessidades de
sobrevivência e ameaçado pelas adversidades naturais
de seu caminho, ele não conhece a sua origem, ignora
sua natureza e não percebe sua real destinação...” (p.13)
Todavia, isso não os obriga a manter a consciência exclusivamente nesse nível de realidade.
Para Léon Denis,1 o materialismo em si (enquanto filosofia), embora tenha representado uma
vigorosa e inevitável reação contra o dogma e a superstição e a favor do livre pensamento,
nada soube construir, pelo contrário, provocou o fechamento das almas a fé e tirou do homem
a sua “luz moral”, estancando a evolução moral do mundo.
Quanto mais a consciência é materialista, mais dela se subtraem os princípios da
moralidade e seus deveres. 2 Daí se explicam a crise moral e a decadência da nossa época,
ambas resultantes da imobilização do espírito humano e do enfraquecimento do sentimento
do dever: “A origem de todos os males está em nossa falta de saber e em nossa inferioridade
moral”.1
4. Herculano Pires8 observa que tanto o materialismo quanto o religiosismo (de onde se
derivam o ateísmo e a crendice, respectivamente) são “dois extremos perigosos da condição
humana”. De um lado, a “fé pela fé” (o extremo da religião), em que o homem crê sem indagar,
sem compreender nem querer compreender. De outro, aquele que só está bem enquanto não
lhe faltam recursos materiais. Ambos podem quebrar-se com facilidade ante os golpes da vida
porque as duas visões estão presas a um ponto de vista estreito: “...tanto à descrença absoluta
como à crendice beata faltam as luzes do verdadeiro esclarecimento espiritual, da verdadeira
ligação do homem com o sentido da vida.”
Enfim, é preciso entender a enorme superioridade do espírito sobre a matéria,1
possibilitando ao ser em evolução abrir-se para o seu verdadeiro caminho: a cidadania eterna
do espírito.13
Espiritualidade e Espiritismo
“Antes de tentardes fazer alguém espiritista, tornai-o espiritualista”
Allan Kardec (citado pelo espírito Victor Hugo).9
As ciências, filosofias e religiões representam estágios ou trechos percorridos pela
humanidade. As religiões em particular - quando não se fecham em dogmas estreitos e rígidos
que tolhem a liberdade do indivíduo - contribuem para a educação humana na medida em que
põem freio às paixões e à barbárie e fortalecem a noção moral da criatura. Elas não podem,
todavia, impedir a evolução do pensamento, devendo antes representar a síntese, enquanto a
ciência, representa a análise.1
A humanidade hoje (ou ao menos uma parcela dela em vias do despertamento) busca uma
concepção religiosa que esteja ao mesmo tempo em harmonia com os avanços da ciência e
que possa satisfazer a razão (procura pela verdade). A busca é pela libertação do miraculoso e
do sobrenatural, sem abandonar a relação homem-mundo invisível-Deus.2 Como enfatiza
Allan Kardec em "O Evangelho Segundo o Espiritismo”: "Só é inabalável a fé que pode encarar
a razão face a face, em todas as etapas da humanidade."10
Da união entre ciência e religião, destacaram-se os estudos que, acompanhando a
ascensão e evolução do pensamento no Ocidente, contemplavam o domínio do invisível,
intangível e imponderável. Nesse rol encontram-se as dezenas de pesquisas realizadas a partir
do século XIX, em especial sobre magnetismo e fluidos, enumerados e resumidos em muitas
obras, dentre as quais a de Léon Denis, “O problema do ser, do destino e da dor”1
5. Cabe ressaltar que muito antes desses estudos, os fenômenos espirituais estiveram nas
bases de todas as grandes doutrinas do passado e a relação entre os dois mundos, visível e
invisível, era parte delas. 2
O que se verifica é que embora muitas escolas ocultistas, esotéricas e teosóficas tenham
penetrado fundo no assunto relacionado aos fenômenos espirituais, apresentaram concepções
nem sempre admissíveis à luz da razão8 e isso não condiz com o pensamento crítico do
homem de hoje.
O espiritismo (a que Léon Denis denomina “Espiritualismo Moderno”2) se destaca por
abranger três características que a distinguem das demais escolas espiritualistas: é uma
doutrina cientifica, dado seu caráter experimental, buscando o esclarecimento através da
pesquisa, do estudo e da exposição da verdade;7 é doutrina filosófica sintética sobre a
existência, fórmula mais extensa e elevada da verdade2; e é também religião, considerando-se
a acepção original do termo, ou seja, no sentido de religação do homem a Deus, embora sem
dogmatizar e ritualizar como em muitas outras religiões.
Sobre as características do espiritismo, Allan Kardec enfatiza em seus escritos que por
basear-se em observações e deduções e posteriores comparações com as comunicações dos
espíritos, trata-se de uma doutrina científica e filosófica com consequências morais e
religiosas, como toda doutrina espiritualista, devido ao alcance psicológico que possui ao
modificar a visão de mundo dos indivíduos. Embora o codificador reconheça a possibilidade
de haver uma fase religiosa do movimento espírita, para ele o espiritismo não é uma religião
constituída, tendo em vista não ter nem culto, nem rito, nem templo, tampouco, entre os seus
adeptos, nenhum que tenha tomado ou recebido o título de sacerdote ou sumo-sacerdote.
“Essas qualificações são pura invenção da crítica”, disse ele. 7,11
Camille Flammarion, em discurso proferido sobre o túmulo de Kardec, assim se refere ao
espiritismo:
“...o Espiritismo não é uma religião, mas é uma ciência, ciência
da qual conhecemos apenas o a b c. O tempo dos dogmas
acabou. A Natureza abarca o Universo, e o próprio Deus, que
se fez outrora à imagem do homem, não pode ser considerado
pela metafísica moderna senão como um Espírito na
Natureza. O sobrenatural não existe mais. As manifestações
obtidas por intermédio dos médiuns, como as do magnetismo e
6. do sonambulismo, são de ordem natural, e devem ser
severamente submetidas ao controle da experiência. Não há
mais milagres. Assistimos à aurora de uma ciência
desconhecida. Quem poderia prever a quais consequências
conduzir·, no mundo do pensamento, o estudo positivo dessa
psicologia nova?”11
O espiritismo pode, portanto, ser considerado um dos (não o único) mais fidedignos
caminhos para se chegar à espiritualidade, enquanto ainda não podemos atingir a unidade
perfeita, quando as ciências, religiões, filosofias, hoje divididas, se unirem em uma síntese,
abrangendo todos os reinos da ideia, inaugurando “o esplendor do espírito, o reinado do
conhecimento”. 1
Para Léon Denis, o espiritismo é para espíritos livres, capazes de por si sós
compreenderem e encontrarem a solução para seus problemas. 1 Para aqueles que se inclinam
muitas vezes, “...a julgar os fatos no limite do acanhado horizonte dos seus preconceitos e dos
seus conhecimentos...”, o apóstolo do espiritismo enfatiza que cabe com urgência, “...elevar
mais alto, projetar mais longe o olhar e medir a sua fraqueza em face do Universo. Assim se
aprenderá a ser modesto, a nada rejeitar nem condenar sem prévio exame”. 2
Espiritualidade e Cristianismo
“O Cristianismo é a espiritualização da religião”.
(J. Herculano Pires)8
Cristo é a expressão mais alta da evolução espiritual do homem9 e a sua doutrina, o elo de
ligação da humanidade terrestre a Deus. Fonte pura de nutrição moral, o Cristianismo
promove a elevação da alma em detrimento da matéria e indica a finalidade da vida terrestre
como etapa de educação da alma.2 Pietro Ubaldi assim de refere ao legado de Cristo: “O vosso,
é o mundo visto da Terra; o Evangelho é o mundo visto do céu”. 13
Quando examinado no início de sua marcha, percebe-se como o Cristianismo surge como
momento de emancipação espiritual do homem, sendo, apenas mais tarde, desvirtuado de sua
missão original ao submeter-se aos dogmas e rituais impostos pelo Catolicismo.8
7. Ubaldi, que sintetiza Cristo segundo uma visão cósmica de sua passagem pela Terra,
assegura que a sua doutrina revela a técnica evolutiva enquadrada na biologia universal do
espírito: “Cristo nos mostrou o caminho da redenção, mas cada um deve percorrê-lo com o
seu próprio esforço”. 16
Desse modo, tanto a doutrina do Cristo quanto a doutrina dos espíritos querem que “...o
homem egoísta, brutal, carnal, agressivo, animalesco, seja substituído pelo homem
espiritual.”16 O espiritismo traz a missão de completar a obra do Cristo, libertando a religião
dos compromissos exteriores e instaurando na terra o reinado do espírito, base da nova
civilização do porvir.
A Civilização do Espírito
“...é pela soma de amor acumulada em nós que podemos avaliar o caminho que
temos andado para Deus”.
(Léon Denis)1
“A vida para o homem espiritual não é só rejeição dos valores do mundo, mas é,
acima de tudo, operosidade de conquista dos valores do Céu”.
(Pietro Ubaldi)16
Pietro Ubaldi afirma em “A Grande Síntese”13 que o deslocamento das aspirações humanas
e a inversão dos valores comuns, mudando o eixo da vida no sentido da revalorização de si
mesmo num nível mais elevado, conduzirão à construção de uma “alma nova”. Processo que
requer grande esforço, mas que terá como “farol luminoso” a nova espiritualidade: religião
sintética do porvir, feita da força do espírito e da bondade, enraizada na eternidade, universal
para sobreviver no tempo e sem limitações de espaço.
Produto da maturação que se alcança por evolução,13 o homem terá então uma visão
precisa do objetivo da existência e uma noção positiva do destino, que estimulará seu
aperfeiçoamento, com responsabilidade e disciplina moral. 2
A nova espiritualidade não será de casos individuais e isolados, mas se desenvolverá na
“reconstrução orgânica da civilização”. Ubaldi assim profetiza: “A nova espiritualidade do ano
3.000 deverá realizar-se em plano coletivo muito mais amplo, profundo e orgânico do que dos
precedentes.”14
8. A chamada Civilização do III Milênio representará o renascimento do mundo para a vida do
espírito, porque “...a verdadeira civilização está no ideal espiritual e (...) sem ele, os povos
caem na corrupção e na decadência”. 1
A Civilização do Espírito entenderá a alma (espírito) como “partícula da essência divina”,
que persiste e permanece na sua perpetuidade, em marcha ascendente, destinada a conhecer,
adquirir e possuir tudo, percorrendo no tempo e no espaço, um caminho sem limites. Os
homens seguirão essa “surda aspiração”, essa “...íntima energia misteriosa que nos encaminha
para as alturas, que nos faz tender para destinos cada vez mais elevados...”1
E então nos encontraremos onde se movem as forças do infinito, na “...torrente de
pensamentos e de energias...”,15 momento em que deixaremos de tocar as profundezas
sombrias do abismo para tocarmos “...as alturas fulgurantes do céu, o império glorioso dos
Espíritos”.1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (em ordem alfabética)
1. Denis, Léon. O problema do ser, do destino e da dor. 20ª edição. Rio de Janeiro: FEB, 1998.
2. Denis, Léon. Cristianismo e Espiritismo. 7ª Edição. Rio de Janeiro: FEB, 1978.
3. Ferreira, Inácio. A escada de Jacó. Psicografia de Carlos A. Bacelli. Uberaba: Pedro e Paulo
Editora, 2004.
4. Franco, Divaldo. Pelo espírito Joanna de Ângelis. O ser consciente. Disponível em:
http://www.bvespirita.com
5. Franco, Divaldo e Fernandes, Washington L. Nogueira (org.). 100 Reflexões filosóficas e cor
local nos romances mediúnicos de Victor Hugo. Salvador: Livraria Espírita Alvorada, 2009.
6. Freire, Gilson T. Pelo espírito Adamastor. Senda Redentora: a saga do espírito que retorna a
Deus. 1ª Edição. Belo Horizonte: Editora INEDE, 2011.
7. Guimarães, Carlos Antonio Fragoso. O Espiritismo. Disponível em:
http://bvespirita.com/O%20Espiritismo%20(Carlos%20Antonio%20Fragoso%20Guimar%C
3%A3es).pdf
8. Herculano-Pires, J. O Homem Novo. Disponível em: http://bvespirita.com/
9. Hugo, Victor (Espírito). Na sombra e na luz. Psicografia de Zilda Gama. Rio de Janeiro: FEB,
2007.
10. Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 191ª edição. São Paulo: Instituto de
Difusão Espírita, 1995.