1. Organização Contemporânea - Aula 5
Armando Levy
armando@epress.com.br
Desvendando a alma das organizações (2)
1. A alma das organizações
Vários pesquisadores, entre eles psicólogos, economistas e administradores, estudaram
diferentes aspectos das organizações. Ao reunir essas informações, é possível ter uma idéia
abrangente de todas as forças que atuam para formar as complexas culturas organizacionais
com as quais nos deparamos hoje.
Jung, Morgan, Senge, Kotter e Haskett, Tregoe e Zimmermann, Collins e Porras, entre
muitos outros dissecaram as estruturas organizacionais e nos permitiram enxergar de perto
essa realidade complexa, às vezes perturbadora, que parece ser o reflexo da personalidade
humana.
Nesta aula vamos concluir a análise da estrutura da cultura corporativa, analisando os
seguintes aspectos:
- Missão, visão e credos
- Estratégias, decisões e processos
1.1 Os valores determinam a missão, visão e credos
Segundo Silvio Luiz Johann, os valores adjacentes são novos valores culturais que vão
sendo agregados à cultura da empresa no decorrer de sua trajetória e evolução à medida que
mudanças no ambiente macro-organizacional vão forjando a necessidade de um
reposicionamento cultural em face de novas situações e desafios.
Johann pesquisou 65 empresas apontadas entre as melhores e maiores empresas apontadas
pela Revista Exame em relação a vários aspectos culturais e no que diz respeito à questão
de valores adjacentes, ele constatou:
“Se os valores trazidos pelo mito fundador da empresa ou pelo sonho de fundação
(cultura do descartável, cultura da portabilidade) contribuem para a formação de
uma cultura densa, a flexibilidade necessária está ligada à rapidez de absorção dos
novos valores presentes no ambiente. Por outro lado, os dados qualitativos
levantados pela nossa pesquisa nos permitem afirmar que está sendo exatamente
nessa dimensão – flexibilidade/inovação – que as empresas vêm encontrando as
maiores dificuldades a serem vencidas, dada a sua relação direta na elaboração de
estratégias de negócios bem-sucedidas. Ao se darem conta dessa falha, algumas
organizações até iniciam algumas ações facilitadoras dessa absorção –
comunicação multidirecionada, pesquisas de clima, desenvolvimento de
competências para o trabalho em equipe, entre outras – mas ainda lhes falta um
projeto que articule esses mecanismos em torno de uma mesma visão e seja capaz
de criar sinergia entre eles.
2. Por meio de análise qualitativa, nossa pesquisa identificou que as principais
dificuldades que as empresas enfrentam nessa revaloração estão relacionadas com:
- Arrogância: “somos os melhores”, o sucesso obtido em determinada área do
negócio ou em certo período de tempo tende a alimentar uma falsa certeza sobre a
sua continuidade, ilusão essa que pode encobrir a incompetência. Desconsiderar
mudanças importantes nos cenários bem como minimizar adversidades são atitudes
típicas dessa dificuldade.
- Cultura fossilizada: quando a arrogância de que falamos acima se estende por
um período mais longo, tende a internalizar na cultura um sentido de permanência
que, além de fantasioso, torna-a reativa à inovação. Essa “parada no tempo”
geralmente ocorre nas fases de declínio do ciclo de vida organizacional.
- Dificuldade em lidar com o subjetivo/falta de comprometimento: na ausência de
medições e números, os aspectos intangíveis da mudança geralmente ficam em
segundo plano, como se ignorá-los os fizesse desaparecer de cena.
- Resistência dos níveis intermediários: seja por influência da zona de conforto,
por conflito de interesses menores ou até por limitações pessoais, é inevitável que
surja um movimento de oposição à mudança, até por causa de seus reflexos sobre a
distribuição de poder e influência.
- Influência da zona de sombras/contratos psicológicos negativos: mágoas, medos,
preconceitos e conflitos podem estar fragilmente represados desde há muito tempo,
apesar da aparência de normalidade nos relacionamentos entre pessoas e áreas. A
possibilidade da mudança pode tornar ainda mais instável esse “equilíbrio” ao
potencializar as perdas e inseguranças.
- Experiências anteriores fracassadas/modismos: o descrédito gerado pela
sensação de “já ter visto esse filme antes” faz com que aumente o grau de
desconfiança com relação a tudo o que envolva mudanças, especialmente se forem
classificadas na categoria dos modismos que volta e meia infernizam a vida
organizacional.
Peter Senge, em seu livro “A liderança do mundo dos vivos”, alerta para o fato de que a
maioria das pessoas e das organizações encontram-se condicionadas a um mundo
mecanicista e sistêmico, repleto de causa-efeito, planos e programas, avaliações, controles,
feedback e ajustes. Segundo Silvio Luiz Johann:
“A instabilidade, a mutação, a complexidade e, até certo ponto, a caoticidade do
macroambiente têm levado as organizações a tentarem internalizar, na sua cultura,
novos valores culturais – ou valores adjacentes – que auxiliem na busca de resultados
efetivos. Quanto mais próximo do estado da arte em termos de gestão organizacional,
mais preparada estará a empresa para enfrentar e vencer os desafios do mercado, das
mudanças políticas, das alterações no comportamento dos consumidores, das
oscilações econômicas, do advento de novos meios tecnológicos e assim por diante.
Vários autores contemporâneos apontam para o fato de que as organizações precisam
incorporar valores como:
• Construção de uma visão de futuro compartilhada – elaboração de uma clara
e inequívoca visão de futuro que preserve o cliente e sirva como desafio
mobilizador para os funcionários da organização. Muitas organizações
3. dispõem, atualmente, de uma visão de futuro meramente formal, que não está
sintonizada com a cultura da organização e que, muitas vezes, foi definida de
forma top-down, sem a participação da maioria das pessoas. Não estando
sintonizada com a cultura da empresa e sendo estabelecida de forma pouco
participativa, dificilmente a visão da empresa passa a ser compartilhada pela
maioria das pessoas na organização.
• Adoção de um modelo participativo de gestão empresarial – como a busca da
qualidade/produtividade requer que as pessoas canalizem as suas energias e
sua motivação em prol da organização onde atuam é pressuposto básico que
devam ser instituídos alguns mecanismos de gestão participativa como:
o Tomada de decisão descentralizada, consensual e integrada
o Autonomia operacional às atividades ligadas ao atendimento a clientes
o Comunicação interna multidirecionada, abrangente e envolvente
o Criação de forças-tarefas auto-geridas
o Números e resultados da organização abertos e transparentes ao corpo
funcional
• Direcionamento ao cliente – a partir do nível estratégico, a organização que
busca a excelência em seus serviços deve ter toda a sua estrutura e a sua ação
operacional direcionada à clientela, bem como estar sempre atenta às
mudanças que poderão afetá-la, inclusive as manobras provenientes da
concorrência. Isto requer:
o Identificação e melhoria nos procedimentos de todos os pontos possíveis
de contato dos clientes com a organização (momentos da verdade)
o Detecção e satisfação das necessidades/expectativas (ouvir o cliente)
o Adequação da estrutura hierárquica ao novo enfoque na clientela
o Benchmarking
o Combate à burocracia, com eliminação de atividades supérfluas e
concentração de esforços nas tarefas que agreguem valor ao cliente
o Valorização e reconhecimento dos melhores desempenhos
• Avaliações sistemáticas e criação de padrões – na nova estrutura de serviços, o
cliente passa a ter voz ativa, necessitando-se pesquisas de opinião sistemáticas
a serem divulgadas e debatidas por toda a organização. A criação de grupos de
enfoque (reunião com grupos de clientes), Serviço de Atendimento ao
Consumidor, a investigação das reclamações e uma agenda de visitas a alguns
clientes são medidas que ajudam a montar um sistema de informações na área.
Cresce de importância, ainda, a criação de padrões em serviços, desde a forma
de atender o telefone até o tempo de espera numa fila, por exemplo. A definição
de quais procedimentos serão monitorados via indicadores dependerá do grau
de importância do mesmo para o cliente (e não para a organização).
Inserção das pessoas no ambiente informatizado – nos dias atuais, materializou-se a
profecia que Alvin Toffler enunciou em 1992, de que a competição no macroambiente
empresarial passaria a ser, fundamentalmente, entre as organizações rápidas e as
organizações lentas, independentemente de seus portes. Esta nova realidade insere a
tecnologia da informação e a Internet como ferramentas a serviço da estratégia
competitiva e, mais do que isso, como uma questão de sobrevivência da própria empresa.
4. Sendo indutoras da mudança, a tecnologia da informação e a Internet devem estar ao
abrigo de um tipo de cultura organizacional na qual os valores ligados a esse admirável
mundo novo estejam devidamente internalizados e sejam professados no dia-a-dia da
organização”.
1.1.1 Filme o nascimento da Motorola mostra uma empresa que percebe os valores
adjacentes.
1.2 Missão, visão e credos
Embora seja moda promover uma reunião para definir missão, visão e credos ou valores, a
realidade pura e simples é que missão, visão e credos já estão definidos culturalmente e
sofrem grande influência de facetas como Força Motriz e Ideologia Central da empresa, que
vimos na aula passada. Uma empresa com força motriz de crescimento e lucro vai estar
enganando a si própria se afirmar em sua missão que seu objetivo é “melhorar a vida das
pessoas”.
1.2.1 O filme “O nascimento da Kellog’s” mostra a influência dos credos na
formação da empresa.
1.3 Estratégias, decisões e processos
Neste nível básico, é assim que a empresa se posiciona perante o mundo. Este é o lado
visível da empresa, como ela define suas estratégias, que estratégias são essas, como ela
toma decisões e como estrutura os seus processos.
Embora a estratégia de uma empresa pareça ser absolutamente circunstancial, ditada por
necessidades imediatas do mercado, a realidade é muito mais complexa. Em muitos casos
envolvendo grandes corporações, a estratégia da empresa é algo que remonta à sua origem,
ao momento mesmo da sua criação, à decisão inicial que levou o empreendedor a fundar o
negócio, desenvolver um produto, lutar pela sua execução e colocá-lo à venda.
As estratégias empresariais estão intimamente ligadas à visão e credo do fundador da
empresa.
1.3.1 O filme “O nascimento do McDonald’s”
... mostra uma empresa que definiu sua estratégia desde o nascimento, uma estratégia que
começa agora a dar sinais de esgotamento.
1.3.2 O filme “O nascimento da Gilette”
... é uma claríssima demonstração de como o fundador da empresa definiu sua estratégia
antes mesmo de criar a empresa, a partir de sua visão de mundo, estratégia essa que é
mantida até os dias de hoje. Embora essa definição cultural tenha sido a responsável pelo
grande sucesso da empresa, pode significar, também, a ruína.
Para os executivos que atuam em grandes empresas, conhecer a origem da companhia, a
estratégia que remonta a essa origem e como isso influencia as atividades presentes da
5. empresa pode significar um passaporte para a sobrevivência. Imagine um executivo que
desconheça o fato de que a Gilette é uma empresa culturalmente comprometida com a
cultura do descartável que se proponha a criar “a lâmina de barbear que dura muito mais
que as outras”. O futuro da carreira desse executivo estaria comprometido na Gilette.
2. Debate
O artigo “Comparando culturas” revela que as culturas de algumas empresas podem levá-
las a becos sem saída, que precisam ser vistos. Este processo é crítico, doloroso e exige
gerenciamento.
3. Dinâmica de grupo
Muitas empresas são acometidas de graves problemas de comunicação, principalmente em
função da troca constante de pessoal. Em determinadas fases de vida da empresa, as
pessoas acham que tudo o que precisava ser dito já foi e que basta ir fazendo do jeito que
sempre foi feito. Esquecem que os quadros funcionais mudam, que as pessoas trocam de
áreas, se aposentam, mudam de emprego. Esta dinâmica procura evidenciar a importância
da comunicação clara no desenvolvimento de qualquer projeto, bem como a necessidade de
estabilidade no quadro de pessoal porque mudanças constantes simplesmente inviabilizam a
produção dos produtos como eles foram idealizados.
4. Leitura para a próxima aula
A revaloração da cultura na General Electric
Extraído do livro Gestão da Cultura Corporativa, de Silvio Luiz Johann.
O salão de eventos do Helmsley Palace, em Nova York, estava lotado e abrigava a elite dos
executivos e empresários norte-americanos. Todos pareciam à vontade. A estrela da festa
era um homem calvo e de estatura baixa. Parecia estar com a bola toda e conseguia
magnetizar as pessoas, que se aproximavam dele e o cumprimentavam efusivamente.
Afinal, aos 43 anos de idade e depois de uma disputa acirrada, Jack Welch estava
assumindo as funções de CEO – Chief Executive Office – de uma das dez maiores
corporações do planeta, um conglomerado de empresas que produziam desde lâmpadas até
aparelhos de raio x e turbinas de avião a jato. Nada mal para o filho único de uma dona de
casa e de um modesto funcionário de trens de subúrbio. Da família, Welch herdara valores
como a devoção ao trabalho e a integridade. De sua mãe recebeu o estímulo contínuo que
lhe permitiu formar-se em Engenharia e, posteriormente, obter o título de PhD. Acometido
de uma gagueira persistente, na infância, sua mãe aumentava-lhe a auto-estima dizendo-lhe
que não se preocupasse pois, na realidade, ele não tinha problema de fala, mas sim alta dose
de inteligência, que tornava a sua cabeça muito mais rápida do que a sua boca.
Corria o ano de 1981 e Welch sabia que tinha pela frente – com a sorte ao seu lado – cerca
de vinte anos para tornar realidade o seu grande sonho: promover uma ampla e profunda
mudança na cultura organizacional da sua empresa. Conforme suas próprias palavras,
tratava-se de infundir na alma de uma grande empresa o clima de informalidade da
6. mercearia de um bairro familiar. Welch indignava-se, há muito tempo, com o sentimento de
amabilidade superficial que reinava em sua corporação e estava disposto a substituí-la por
um relacionamento autêntico em que predominasse a franqueza e a objetividade. Quanto
maior o negócio, menos envolvidas pareciam as pessoas, afundadas em burocracia. A
empresa era mastodôntica: nela conviviam mais de 25 mil gerentes e cerca de 130
executivos ostentavam o galardão de vice-presidente disto, vice-presidente daquilo. A
organização era maciça e formal, com doze níveis hierárquicos entre o CEO e o chão de
fábrica. O número total de funcionários passava de 400 mil. Nas reuniões do board,
rotineiramente, dezenas de pessoas se submetiam a reuniões de avaliação de projetos
impessoais e frios. Os indivíduos comportavam-se como cachorros amestrados e
submetiam-se a rituais nos quais a letra fria da papelada valia muito mais do que a energia,
o entusiasmo, a postura corporal e o empenho das pessoas em vender as suas idéias. A
empresa não valorizava a paixão; interessava-se por rotinas e por números, incapazes de
mobilizar adequadamente o coração das pessoas. Na época, uma frase dita e repetida à
exaustão pelos executivos da GE mostrava sem margem a dúvida o perfil da empresa.
Dizia-se na GE: “Se o produto não foi criado e desenvolvido aqui na GE, não presta”.
Apesar de ser contrário à cultura predominante em sua empresa, Welch fizera uma carreira
brilhante, atuando durante muitos anos em subsidiárias geograficamente distantes do poder
central. Embora conhecido por seu comportamento diferenciado – informal, extrovertido,
aglutinador e um pouco rebelde – que apresentava discrepância ante o formalismo e a
circunspecção dos modelos sociais de sua corporação, ele foi hábil o suficiente para nunca
estourar a bolha do seu sonho de crescer na empresa; sabia que se molestasse em demasia e
xingasse o sistema, este se voltaria contra ele. Ao longo do tempo, a empresa proporcionou-
lhe uma quantidade incrível de experiências diversas, às quais ele soube corresponder com
resultados excepcionais. A cada novo desafio que lhe era proposto, Welch procurava
cercar-se das pessoas certas que, aglutinadas e agindo sob sua batuta, viessem a oferecer o
melhor de si para a empresa. Sua marca registrada também era o costume de celebrar com a
sua equipe – geralmente em bares – as pequenas e as grandes vitórias. Ele sempre procurou
pensar grande e oferecer idéias para os seus superiores, com o intuito de se destacar da
multidão de executivos. Aos poucos, seus repetidos sucessos despertaram um interesse
maior da cúpula e ele passou a trabalhar no escritório central da companhia. O peixe que
sempre se movimentara em águas rasas agora nadava em um lago profundo. Com a
transferência, novamente reformulou o seu time, agregando novos profissionais brilhantes,
com habilidades complementares em finanças, recursos humanos, estratégia e legislação.
Sua responsabilidade aumentava cada vez mais: saíra da administração de um negócio de
US$ 100 milhões e estava comandando divisões com orçamentos de mais de US$ 2 bilhões.
Para continuar obtendo êxito, Welch percebeu que não bastava motivar e aglutinar as
pessoas; precisava recompensar muito bem as melhores e tratar de afastar aqueles cujo
desempenho não fosse brilhante.
A atuação de Jack Welch na sede corporativa proporcionou-lhe uma perspectiva ambígua:
ao mesmo tempo em que sua imagem se firmava como aquele que fazia acontecer, o radar
do sistema político e de poder da corporação o detectava. Iniciava-se a luta pela sucessão
do chairman da companhia e Welch estava no páreo. A disputa era dura e a lista de
oponentes multiplicava-se. Como indicador do calor da batalha, o principal executivo de
7. recursos humanos corporativos assinalou na ficha funcional de Welch: “Foco excessivo em
resultados. Sua rebeldia é motivo de preocupação”. O fogo vinha de inimigos poderosos.
Mas foram justamente suas características diferenciadas, como o inconformismo, a
descontração, a grande habilidade em lidar com pessoas e formar equipes campeãs, que
decidiram seu futuro na empresa. O conselho de administração julgou que a companhia
necessitava mudar e que Welch reunia as qualidades para fazê-lo. E, assim, aos 43 anos de
idade, ele se tornara CEO. Nas suas próprias palavras: “Finalmente o cargo máximo era
meu!”
Como CEO, seu caminho estava livre. Agora, poderia fomentar uma nova cultura. A
mercearia poderia substituir o dinossauro. Contudo, a tarefa era portentosa e monumental.
Sua primeira providência foi, novamente, cercar-se das pessoas certas para lidar com as
circunstâncias, com as responsabilidades e a abrangência do novo cargo. Áreas novas,
como relacionamento com a mídia e com o mercado de capitais, tiveram que ser confiadas
a profissionais hábeis e competentes. Ele também tinha um trunfo a seu favor: a empresa
não estava em crise, tinha um ótimo balanço patrimonial e mostrava-se forte e estável. Para
a maioria dos consultores, executivos e analistas, a pergunta óbvia talvez fosse: “Para que
mudar?” Para Welch, a pergunta também era essa, mas ele tinha a resposta: “Mudar para se
preparar para os novos tempos”. Afinal, ele percebia, com nitidez, que a concorrência
asiática e a possível globalização poderiam infligir, num futuro não muito distante, pesados
danos à sua empresa, caso ela não se preparasse adequadamente. Eram notórios os estragos
que os japoneses já estavam impondo, no território norte-americano, a alguns segmentos
econômicos como o de fabricação de automóveis, uma área onde a GE não atuava. Era,
portanto, o momento certo de agir. Tratava-se de dotar um superpetroleiro das capacidades
de uma lancha de assalto, rápida, ágil e capaz de manobras repentinas.
Welch tinha nítida percepção do que desejava. Sua intenção era tornar a empresa repleta de
empreendedores autoconfiantes que enfrentassem a realidade todos os dias. Cada marco da
estrada, registrando a distância percorrida, deveria ser comemorado a fim de tornar os
negócios mais divertidos. Embora tivesse formado com maestria a sua equipe, ele sabia que
a sua missão extrapolaria, em muito, o círculo dos seus colaboradores diretos; teria de
encontrar meios de divulgar continuamente suas idéias, convencendo os funcionários de
todos os níveis, de forma que elas fossem assimiladas e passassem a permear a nova cultura
organizacional. Deveria, também, formular estratégias inovadoras que pudessem mobilizar
as pessoas. E, por fim, deveria alterar ou extinguir as práticas administrativas que
estivessem em desacordo com a nova cultura. Parecia ser tarefa para um titã. A cultura
vigente fora sedimentada em consonância com outros tempos, quando a estrutura de
comando e de controle fazia sentido. Vigorava o preceito POIM (Planejar, Organizar,
Integrar e Medir). Por ter atuado durante tanto tempo no campo, Welch nutria forte
preconceito contra a maioria do pessoal da sede corporativa. Ele tinha a impressão de que
aquele pessoal praticava a amabilidade superficial – agradável na superfície, mas, no fundo,
cheia de desconfiança e hostilidade selvagem. Essa expressão talvez resuma com precisão o
comportamento dos burocratas num ambiente de jogos de poder e de politicagem, sorrindo
para o interlocutor, mas sempre procurando, pelas costas, um “te peguei!”
8. Para confrontar – e tentar vencer – a barragem da antiga cultura, Welch tratou de traduzir a
percepção de futuro que ele tinha para a companhia em algo que fizesse sentido para todos
e, mais, que permitisse verificar o deslocamento ou o progresso da empresa em direção a
esse novo dia. Nesse sentido, enunciou uma filosofia de trabalho com algumas idéias
centrais norteadoras, como:
• Enfrentar a realidade: significa que o contrato psicológico anterior entre a
empresa e seus subordinados foi rompido. Não há mais estabilidade no emprego e
tampouco espaço para a zona de conforto. O foco deve estar no mercado, no
ambiente.
• Faça algo, ponha a bola em jogo: é um incitamento à ação. Significa que a
empresa necessita – e aprecia – a velocidade, o ritmo forte.
• Empresa sem fronteiras: significa que os feudos e as barreiras de quaisquer
espécies devem ser derrubados. É bem-vindo o esforço cooperativo entre as
pessoas. Os recursos dos diversos setores, unidades e empresas, devem estar à
disposição de quem necessitar. É aberta uma guerra às barreiras.
• Número 1, número 2: esta expressão sintetiza a visão estratégica da corporação.
Significa que, na nova cultura, nos segmentos empresariais em que a empresa vier a
atuar, ela deverá ser a primeira em tamanho/desempenho ou, na pior das hipóteses, a
segunda. Todos os negócios que não se enquadrem nessa nova realidade devem ser
vendidos.
• Círculo dos negócios corporativos: trata-se de uma figura composta por três
círculos superpostos, retratando os interesses estratégicos da organização. O
primeiro deles, o do centro, indica os negócios centrais da corporação (por exemplo,
turbinas, transportes, motores, linha branca, iluminação); o segundo contém os
negócios de alta tecnologia (eletrônicos industriais, equipamentos médicos,
aeroespaciais); e o terceiro, os negócios relativos a serviços (serviços nucleares,
construção e engenharia, crédito/finanças). Significa que os negócios que ficam
dentro dos três círculos receberão recursos da empresa; os de fora, não. As empresas
da corporação fora dos três círculos serão vendidas. Os círculos superpostos
também sinalizam que a corporação está se dimensionando para a área de serviços
de elevado valor agregado.
• Empresa A+: a corporação é uma empresa de classe mundial (A+) e necessita de
executivos tipo A1. Este modelo de líder consegue atingir resultados e,
paralelamente, coloca em prática os novos valores da cultura da organização. Os
demais tipos de chefia (A2, A3 e A4) deverão ser culturalmente administrados. A
corporação deverá desenvolver os executivos A2 (os que compartilham valores da
cultura, mas não atingem resultados satisfatórios) e deverá demitir os executivos de
tipo A3 (aqueles que não atingem resultados e não compartilham os valores da
cultura). Finalmente, a corporação deverá tentar cooptar os executivos tipo A4 (que
têm bom desempenho, mas não compartilham os valores da cultura) e caso não
consiga, deverá demiti-los, demonstrando a alta importância que Welch dava ao
compartilhamento à nova cultura.
Diagnóstico do quadro de executivos da GE
9. Desempenho
Ações/Resultado
s
Alto
A4 A1
Baixo
A3 A2
Prática dos novos
Baixo Alto valores
Adequação à cultura
Executivo A1: Herói situacional, bom desempenho, total adesão aos
valores da nova cultura. Remunerar.
Executivo A2: Profissional com alta adesão aos novos valores, mas baixo
desempenho. Buscar desenvolver a eficácia. Verificar
potencial. Caso não reaja, desligar.
Executivo A3: Baixo desempenho e baixa adesão ao novos valores.
Desligar. Sem chances.
Executivo A4: Alto desempenho, mas baixa adesão aos novos valores.
Tentar cooptar para as novas práticas. Em caso extremo,
desenvolver substituto e desligar.
Paralelamente aos esforços de criação e de divulgação da nova filosofia de trabalho, Welch
obteve a aprovação do conselho de administração para dispor de uma verba de US$ 46
milhões para modernizar o centro de treinamento da empresa, um verdadeiro campus
denominado Crotonville. As reformas permitiram atualizar tecnologicamente o centro de
treinamento, renovar as instalações físicas e a infra-estrutura, ao mesmo tempo em que
ampliavam e modernizavam a ala residencial, tornando-a um verdadeiro hotel de luxo.
Welch decidira que Crotonville seria o templo a partir do qual irradiaria a sua revolução
cultural. Com a coordenação de um ex-professor da Harvard Business School, Crotonville
passou a contar com Welch como conferencista emérito e assíduo. Para ele, era um prazer
dirigir a palavra e comunicar suas idéias aos executivos da empresa que participavam de
programas de imersão. Porém, no início, os resultados se revelaram profundamente
desoladores. As pessoas pareciam ter ouvidos de mercador. Rapidamente, Welch percebeu
que a sua nova filosofia estava levando as pessoas a um estado de confusão e temor. Afinal,
os gerentes haviam se alistado numa empresa diferente da que ele pretendia. Suas idéias
lhes pareciam mais opressoras do que motivadores. Ele tentava estabelecer um novo pacto
com as pessoas, a fim de tornar a empresa o melhor emprego do mundo para os indivíduos
competitivos. A empresa garantiria o treinamento e os recursos necessários para que
aderissem ao novo pacto, da mesma forma que estava disposta a remunerar à altura aqueles
que se destacassem. Todavia, a densidade da cultura antiga falava mais alto; as pessoas
pareciam não apreciar a mudança.
10. Acuado, Welch passou a depender desesperadamente de resultados práticos que lhe
possibilitassem mostrar às pessoas que as suas idéias eram viáveis e interessantes. A
estratégia de se desfazer de empresas que estivessem fora de seu foco estava em execução,
porém não contava com a simpatia dos empregados, que consideravam que a organização
estava se enfraquecendo ou diminuindo de tamalho. A venda de algumas empresas antigas
chegou a provocar uma enxurrada de cartas criticando a decisão corporativa. Na realidade,
essa estratégia fortalecia o caixa da empresa, mas provocava o corte de muitos postos de
trabalho. Na mídia, Welch passou a ser conhecido como “Nêutron Jack”, uma alusão à
bomba de nêutrons, que mata pessoas sem danificar propriedades.
Então, felizmente, surgiu o grande lance que desestimulou os pessimistas e convenceu os
descrentes: capitalizada, a empresa pôde adquirir uma poderosa e conceituada rede de TV
norte-americana. Esse fato reafirmou o orgulho dos funcionários, novamente contentes em
pertencer à companhia, e foi o grande divisor de águas no processo de mudanças. Mas a
nova cultura ainda não estava consolidada. Dentro dessa perspectiva, Welch percebeu que
os programas de desenvolvimento de executivos, no campus de Crotonville, eram muito
tradicionais e não alcançavam os propósitos almejados, ou seja, obter uma legião de
seguidores da nova cultura. Algo tinha de ser feito e, de preferência, que unisse a teoria à
prática, isto é, não bastava somente divulgar, mas era necessário especialmente praticar em
sala de aula alguns dos preceitos da nova filosofia. Surgiu, então, o programa workout,
composto de sessões de treinamento de dois ou três dias, nos quais os participantes
avaliavam, em sala de aula, como retirar do sistema o trabalho desnecessário. Cada sessão
começava com a apresentação inicial de um gerente, que propunha um desafio ou definia
uma agenda de trabalho ampla, e depois se retirava. Sem a presença do chefe e com um
facilitador para animar as discussões, pedia-se aos participantes que identificassem
problemas, debatessem soluções e se preparassem para vender suas idéias ao chefe assim
que ele voltasse. Ao final, o gerente retornava e os participantes lhe apresentavam sua
idéias. No ato, o chefe devia decidir sobre 75% das propostas, dando um sim ou não.
Quando era impossível definir um sim ou não, fixava-se uma data para a decisão final. Não
se engavetava nenhuma proposta. Quando as pessoas perceberam que suas propostas eram
levadas a sério, analisadas e aprovadas ou rejeitadas na hora, o workout converteu-se em
verdadeiro demolidor da burocracia. Em meados de 1992, mais de 200 mil empregados da
empresa já haviam participado de workouts, numa fantástica difusão da nova cultura, na
qual as idéias de todos se tornaram importantes e os líderes passaram a realmente liderar
em vez de apenas gerenciar. Durante o desdobramento da sua gestão, Welch também foi
pioneiro na implementação de uma série de técnicas gerenciais inovadoras como o
feedback 360 graus (quando uma pessoa é avaliada por chefes, pares e subordinados), o
benchmarking (avaliar a melhor prática, esteja ela onde estiver), o direcionamento para os
serviços e a reengenharia. Ele também apoiou programas de vanguarda como o Seis Sigma
e o E-Business. Ao se aposentar compulsoriamente, em 2001, Welch tornara-se uma
espécie de herói corporativo norte-americano, sendo conhecido até do grande público.
Alguns segmentos da mídia e do meio acadêmico consideram-no o mais influente líder
empresarial do século XX. Por ter modificado radicalmente a cultura da sua empresa e
adotado uma boa estratégia de negócios, deixou a General Electric como a primeira
colocada entre as 100 maiores empresas do mundo, pelo critério valor de mercado, superior
11. neste ranking, por exemplo, a empresas de grande preso como a Coca-Cola, a Shell, a NTT
(Japão) e a Microsoft. A general Electric também é uma das maiores empresas do mundo
em faturamento e – importante – em lucratividade. Segundo as próprias palavras de Welch,
as vitórias foram obtidas “porque se deve gerenciar menos e liderar mais, essa é a lei!”
Após a leitura do texto, produza um texto de 20 linhas no mínimo refletindo sobre as
seguintes questões:
1. Se a GE tivesse tentado a mudança em uma situação de crise, teria alcançado o
mesmo sucesso?
2. É possível afirmar que a mudança cultural na GE está concluída?
3. Por que a GE empreendeu uma mudança de cultura organizacional?
4. O fato de Welch escolher a Universidade GE como base de sua revolução teve
algum caráter simbólico?
5. Você acha que a organização onde você atua conseguiria empreender semelhante
mudança? Por que?