A Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) é uma das mais antigas sociedades médicas portuguesas, tendo sido criada em 1942 para estudar doenças como a sífilis e a lepra. A SPDV organiza congressos anuais e outras atividades para promover a educação médica. Embora a distribuição de dermatologistas no país ainda seja desigual, o número de profissionais tem aumentado para atender às necessidades da população.
1. Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia
Prof. Américo Figueiredo
Enquanto Presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venerealogia
(SPDV), pode resumir a história da Sociedade.
A Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia é das mais antigas Sociedades
Médicas portuguesas, tendo sido criada em 1942. Ou seja, assinalámos o ano passado os
70 anos de existência que foram celebrados no nosso XIIº Congresso anual que
realizamos em Tróia.
É, portanto, uma Sociedade Científica antiga, de uma especialidade também ela antiga,
que há muito trabalha no meio médico e académico, e que surgiu com o objectivo de
estudar a sífilis e a lepra, doenças matrizes da nossa especialidade, que grandes
profissionais de muita valia e qualidade tratavam, como era o caso do Dr. Sá Penela em
Lisboa e do Prof. Rocha Brito em Coimbra.
Na época – há mais de 70 anos – Sá Penela frequentou os melhores centros de
Dermatologia a nível europeu tendo feito estágios prolongados na Alemanha em
diversas cidades e em Paris, França . Com o apoio dos colegas europeus e o
conhecimento factual do que de melhor se fazia internacionalmente convenceu os
colegas portugueses, na época todos de Lisboa, a criar a Sociedade. Foi assim, que
surgiu a SPDV liderada pelo Dr. Luís Sá Penela.
Todos os que lhe seguiram o caminho têm dado o melhor de si para honrar a herança e
hoje a SPDV é uma das Sociedades nacionais mais antigas e mais activas a trabalhar na
área da medicina. Somos uma Sociedade acreditada nacional e internacionalmente que
já teve sob a sua responsabilidade a organização de dois Congressos da EADV –
European Academy of Dermatology and Venereology em Lisboa, respectivamente em
1996 e 2011, que tem sempre representantes de qualidade nos diversos palcos europeus
da especialidade, e a especialidade médica portuguesa que mais publica
internacionalmente segundo os rankings europeus.
Que principais objectivos e actividades tem a SPDV?
A nossa principal e mais visível actividade é o Congresso Anual. Não obstante, já a
partir deste ano organizámos o primeiro congresso de dermatologia cosmética. Isto
porque, os dermatologistas portugueses consideraram que a especialidade de
dermatologia não se resume a tratar a pele doente, mas também a tratar/manter a pele sã.
Por outro lado, percebemos que há cada vez mais profissionais de saúde, e outros,
envolvidos e a envolverem-se nesta área e que tínhamos a obrigação de formar os
nossos internos da especialidade para saber e saber fazer, estando deste modo
capacitados para ocupar o espaço que cabe à dermatologia no tratamento da pele sã. Ou
seja, conhecer os cuidados com a pele sã numa abordagem mais lata da cosmética
dermatológica.
Assim, a partir deste ano temos dois congressos anuais: um Congresso de Dermatologia
Cosmética acoplado à Reunião da Primavera da SPDV e depois o Congresso Anual da
SPDV em Outubro-Novembro.
Gostaria ainda de acrescentar que a Sociedade organiza ao longo do ano um grande
Fórum do Interno em que se discutem áreas técnicas mas também áreas estratégicas e de
Ética Médica e ainda um reunião no interior do país, em que a capacidade
organizacional autónoma é limitada, a que chamámos “Um Sábado com a
Dermatologia”. Esta iniciativa é essencialmente vocacionada para médicos de Medicina
Geral e Familiar, para especialistas e internos de outras especialidades que estão no
2. interior do país, mas também para enfermeiros, farmacêuticos. Como a grande parte
dos eventos científicos se fazem no litoral a Sociedade entendeu que era sua obrigação
ir ao interior do país e levar as grandes áreas temáticas da Dermatologia.
Como é feita a escolha dos temas das reuniões? Os Congressos são temáticos ?
A escolha dos temas a abordar nos eventos é entregue a uma comissão científica que
inclui um ou dois elementos da direcção da SPDV. O objectivo é a actualização global
em dermatologia, mas tentamos que em cada ano existam diversas temáticas em
discussão, não havendo um tema principal propriamente dito. Ou seja, tentamos abordar
a cada ano as situações/patologias mais pertinentes e que se discutem a nível nacional e
internacional dando-lhe diversas formas, desde as tradicionais, como as conferências,
até ao “teste-se a si próprio” em sessões adequadas com televoto. São também a ocasião
para todos, mas principalmente os internos, apresentarem os seus casos clínicos e
comunicações. Para isso, para além de conferencistas nacionais de diversas áreas
convidamos também especialistas estrangeiros.
Considera que a dermatologia tem o número suficiente de profissionais?
Acho que a área começa a ter os profissionais suficientes. Claro que a distribuição pelo
país ainda é muito heterogénea, com muita falta sentida na zona interior do país. Apesar
de tudo, começa a ser colmatada com a abertura de novos concursos. Mas a quantidade
de internos em formação – cerca de 50 – começa a ser capaz de fazer uma cobertura
nacional quase homogénea. E digo homogénea, porque a percentagem nacional segundo
as necessidades propostas pela Organização Mundial de Saúde está para além do
exigido. Ou seja, existe em Portugal mais do que um dermatologista por 25 mil
habitantes, embora os profissionais continuem muito localizados no litoral com alguma
penalização dos territórios do interior.
Da sua prática clínica considera que a população e os profissionais de saúde estão
mais sensibilizados para os problemas da pele?
Sim, existe uma maior sensibilização. Já muita gente começa a cumprir aquilo que
habitualmente recomendamos como prevenção primária ou alteração dos
comportamentos de risco em relação ao sol. E isso começa a verificar-se na prática do
dia-a-dia, embora não se vá sentir na incidência do cancro da pele a curto prazo. Por
exemplo no melanoma que continua e vai continuar a crescer de uma forma
completamente desajustada, quase epidémica.
O melanoma aumenta a incidência em quase todos os países europeus entre 3 a 7% ao
ano. Em Portugal parece aumentar de uma forma mais acentuada, ou seja, a incidência
está mais próxima dos 7 do que dos 3%, e nos próximos anos vamos continuar a ter um
acréscimo. Refira-se que o melanoma manifesta-se após muitos anos de prática de
comportamentos de risco ou em doentes com fotótipo muito baixo.
Por isso, julgo que só daqui a alguns anos estaremos em condições de usufruir do
trabalho de alerta e prevenção que fazemos neste momento. Claro que as pessoas que
continuam a não ter comportamentos racionais com o sol, e que vão continuar a
“trabalhar para o bronze” vão naturalmente a longo prazo sofrer as consequências, quer
no envelhecimento precoce da pele que no aparecimento de cancros da pele, e entre
eles, do melanoma.
É curioso que o homem é o único animal que se expõe ao sol no pico do calor. Todos os
outros animais disputam um lugar à sombra. Só o homem é que decidiu que o
bronzeado é moda e lhe dá estatuto social. E como nos movimentamos (todos) pelo
3. estatuto, ter um ar bronzeado é passar a mensagem de capacidade de tirar férias e de
poder sócio-económico.
Nos anos 30 e 40 do século passado, passava-se exactamente o mesmo – luta pelo
estatuto social -, mas ao contrário – ser branquinho. Nessa altura, ser claro queria dizer
que não precisava de andar ao sol para ganhar a vida, pertencia à burguesia. Depois na
década de 50, Coco Chanel lançou a moda do bronzeado que se mantém até hoje. Estar
bronzeado é sinal de saúde, de ter meios para usufruir do sol durante uns meses de praia
num local de qualidade e eventualmente mais que uma vez por ano.
Falando de tratamentos para o melanoma. Durante muitos anos não houve
desenvolvimentos nesta área. Surgiram recentemente alguns avanços. Acha que
são suficientes.
Não, longe disso. Eu vejo os novos fármacos como uma linha de investigação, como
pilares para os que hão-de surgir.
Durante muitos anos tínhamos apenas um único fármaco sistémico com resultados nada
animadores. Mas era o que tínhamos e que existia em todo o mundo.
Nos últimos tempos surgiram dois novos fármacos, e outros estão próximos da
utilização, para tratar o melanoma avançado e de alguma forma são os guias para
percorrermos um novo caminho e para o desenvolvimento de outros. Vão ser pilares e
ficar na história da modificação do tratamento do melanoma, porque pela primeira vez
foi possível melhorar a sobrevida dos doentes, algumas vezes com uma qualidade de
vida nem sempre cotejada da melhor forma, mas é o que temos e é o caminho. No
entanto, estes fármacos não modificaram de todo, o panorama terrível do melanoma em
todo o mundo e nomeadamente o melanoma metastizado.
Nesse sentido, talvez o conhecimento que se tem relativamente à doença não seja
ainda suficiente…
Não é com certeza. Todos os que se dedicam e estudam o melanoma sabem que para
além do sol deverá haver outros factores ainda completamente desconhecidos e que nos
escapam. Sou dos que acredita que apesar dos estudos retrospectivos chamarem a
atenção para o sol, é de supor que outros factores possam estar implicados na patogenia
do melanoma. A investigação não pára e está a ampliar-se à medida que a doença
passou a ser mais frequente. Porque o melanoma já foi uma doença extremamente rara.
Quando entrei na especialidade não havia melanomas e na primeira revisão que fiz de
melanoma, na década final de 80, consegui compilar nas Instituições de Coimbra, em
muitos anos, pouco mais de 100 casos. Neste momento, só aqui no serviço temos cerca
de 100 novos casos por ano.
Portanto tem de haver mais investigação, quer ao nível da terapêutica, quer ao
nível da doença?
Penso que a investigação está a ser feita,e naturalmente, quanta mais, melhor. Há grupos
a trabalhar extremamente bem na área genética, e existe ciência – básica e aplicada –
desde há muitos anos dedicada ao melanoma. Há revistas exclusivamente dedicadas ao
melanoma, algo impensável há uns anos atrás. Existem vários estudos a decorrer, até
porque a quantidade de doentes é neste momento suficiente para fazermos movimentar,
a nível internacional, também o interesse da procura de novos fármacos para o
tratamento do melanoma e portanto a indústria farmacêutica. Mas mesmo ao nível da
investigação fundamental e universitária, estamos muito bem.
Há inclusive investigação a decorrer com fármacos que actuam em vias que são comuns
a outros tumores. Há já conhecimento que mostra claramente que as vias de início e de
4. propagação das células malignas são muitas delas comuns a outros cancros. Por isso a
investigação vai continuar não só dirigida ao melanoma mas de uma forma global ao
cancro.
Falando de guidelines. No I Simpósio do Intergrupo Português do Melanoma
falou-se na possibilidade de criarem guidelines nacionais. Concorda com essa ideia.
Seria útil?
Naturalmente. As linhas de orientação terapêutica são muito importantes como guias
globais dos profissionais de saúde e de alguma forma para a uniformização de
procedimentos. Toda a gente vê com bom grado a existência de linhas de orientação
terapêutica que não têm de ser propriamente escritas em mármore. Vejo essa
possibilidade também como uma preocupação de equidade ao nível da prestação de
cuidados. Isto é, que um doente de Coimbra, do Porto ou de Bragança seja tratado da
mesma forma desde que na mesma situação. Portanto essas linhas de orientação devem
estender-se a todo o território nacional, e devem ser acolhidas por todos os profissionais
de saúde que lidam com o melanoma. Quem conhece melhor o melanoma são os
dermatologistas que desde há mais de uma centena de anos viram, pela primeira vez, o
panarício melânico de péssimo prognóstico. Desta forma têm de continuar a ser
charneiras em todos os processos de decisão porque a luta contra o melanoma ou é
integrada ou é um fracasso.