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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
DEPARTAMENTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO
CURSO DE ARTES VISUAIS
ENSAIOS PLÁSTICOS EM QUADRINHOS
DANIEL RAPHAEL MAGALHÃES
Campo Grande – MS
2009
DANIEL RAPHAEL MAGALHÃES
ENSAIOS PLÁSTICOS EM QUADRINHOS
Relatório apresentado como exigência parcial
para obtenção do grau de Bacharel em Artes
Visuais à Banca Examinadora da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, sob orientação
da Profª.Drª. Carla de Cápua.
Campo Grande – MS
2009
RESUMO
Este relatório é formado por um apanhado de conceitos e discussões acerca das
histórias em quadrinhos e sobre a importância dos estilos gráficos e plásticos que
envolvem a ilustração de qualquer história, quadrinhos ou não. Para ilustrar estes
argumentos foram escolhidas três músicas brasileiras: Rita Lee, dos Mutantes; Maria
Inês, do Karnak; e Maldito Hippie Sujo, do Matanza. A letra de cada uma dessas
músicas serviu como base para o roteiro de uma história em quadrinhos, que foi
interpretada visualmente conforme sensações sobre a melodia que acompanhou
determinada letra. Assim sendo, três histórias em quadrinhos foram produzidas em
estilos diferentes, finalizadas em materiais distintos, explorando desenho, pintura e
texturas. Foram desenvolvidas algumas alternativas no que diz respeito à criação de
arte seqüencial.
Palavras-chave: arte seqüencial, criação, desenho, estilo, histórias em quadrinhos.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ........................................................... 04
INTRODUÇÃO .....................................................................06
1 ESTUDANDO QUADRINHOS .........................................09
1.1 CONHECER, COMPARAR E COMBINAR .................................09
1.2 E DAÍ? ........................................................................................ 12
1.3 AGREGANDO CONHECIMENTO ..............................................14
2 FAZENDO QUADRINHOS .............................................. 17
2.1 RITA LEE ....................................................................................17
2.1.1 Interpretar ............................................................................... 18
2.1.2 Construir ................................................................................. 19
2.1.3 Observar ................................................................................. 21
2.2 MARIA INÊS ...............................................................................23
2.2.1 Interpretar ............................................................................... 23
2.2.2 Construir ................................................................................. 24
2.2.3 Observar ................................................................................. 27
2.3 MALDITO HIPPIE SUJO ............................................................ 30
2.3.1 Interpretar ............................................................................... 30
2.3.2 Construir ................................................................................. 31
2.3.3 Observar .................................................................................. 36
2.4 MEU GIBI ....................................................................................39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................ 40
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Capa da edição nº1 de Sandman, Dave McKean................................ 06
Figura 2. Capa de Elektra: Assassina, Bill Sienkiewicz. ............................... 07
Figura 3. Capa da compilação norte-americana de Kingdom Come, Alex Ross.07
Figura 4. Esboços para Rita Lee. ............................................................... 18
Figura 5. Esboços da página 02 de Rita Lee. .....................................................19
Figura 6. Lápis final da página 02 de Rita Lee. ..........................................20
Figura 7. À esquerda, teste com lápis aquarelável; à direita, página pronta
com a cor definitiva em aquarela e tratamento digital. .................... 20
Figura 8. Todas as páginas de Rita Lee. .....................................................21
Figura 9. Estrutura das páginas de Rita Lee. .....................................................21
Figura 10. Leitura convencional...........................................................................22
Figura 11. Fluxo real. .................................................................................... 22
Figura 12. Fluxo induzido. ..........................................................................22
Figura 13. Thumbnails para Maria Inês. .....................................................24
Figura 14. Progresso do desenho para a página 3 de Maria Inês. .....................24
Figura 15. Arte final digitalizada (e) e editada (d). ..........................................25
Figura 16. Camada de textos da página 03. .....................................................25
Figura 17. Detalhe de madeira escolhido e editado. ..........................................25
Figura 18. Maria Inês, página 03. ............................................................... 26
Figura 19. Todas as páginas de Maria Inês. .....................................................27
Figura 20. Estrutura das páginas de Maria Inês. ..........................................28
Figura 21. Conjunto de closes de olhar, reunidos numa única imagem
mantendo suas respectivas posições na página. .....................29
Figura 22. Thumbnails para MHS. ............................................................... 31
Figura 23. Pintura central da página 2 . .....................................................33
Figura 24. Quadros desenhados da página 2.................................................. 32
Figura 25. Rosto do hippie. ...................................................................... 32
Figura 26. Requadros da página 2. ............................................................. 32
Figura 27. Página 2 de Maldito hippie Sujo. .....................................................32
Figura 28. Requadros da página 3 ......................................................... 35
Figura 29. Desenho de fundo. ................................................................. 34
Figura 30. Pintura de fundo. ................................................................. 34
Figura 31. Quadros desenhados. ............................................................... 34
Figura 32. Estampas das roupas do Hippie (e) e do patrão (d). .....................34
Figura 33. Página 3 de Maldito Hippie Sujo .................................................... 34
Figura 34. Todas as páginas de MHS. ............................................................... 35
Figura 35. Estrutura das páginas de MHS. .....................................................35
Figura 35. Imagens originais para o rosto dos hippies. ............................... 37
Figura 36. Edição final dos rostos. ............................................................... 37
Figura 37. Outras páginas. ..........................................................................38
6
INTRODUÇÃO
Com mais de um século de história, os quadrinhos já não são novidade.
Talvez seu valor ainda seja duvidoso para alguns, mas isso não tira seu mérito
técnico ou artístico na maioria das vezes.
Essa linguagem, os quadrinhos, agrega um enorme potencial cinematográfico
e pode até representar seus gêneros sem dificuldades ou estranhamento do leitor.
Outrossim, a narrativa pode ser um tanto subjetiva. Muitas vezes, no cinema, uma
determinada ação recebe alguns cortes que eliminam cenas para aumentar a
dramaticidade ou eliminar momentos difíceis de serem realizados pelo elenco. Nos
quadrinhos essas limitações técnicas de efeitos especiais e dublês não existem, e os
cortes são puramente estéticos.
É, pois, essa qualidade cinematográfica das histórias em quadrinhos e,
principalmente, suas possibilidades plásticas que pretendi abordar neste projeto. As
histórias em quadrinhos apresentam uma enorme possibilidade de criação.
Fotografia, desenho, pintura, arte digital e até mesmo esculturas podem ser vistas
em algum álbum de quadrinhos. Dessa forma, ainda há muito o que explorar no que
diz respeito à expressão plástica nas histórias em quadrinhos.
Muitos artistas plásticos en-
contraram seu espaço nos quadrinhos,
nas maiores editoras americanas,
chamadas de mainstream, como DC e
Marvel (casas de Super-Homem e
Homem-Aranha, respectivamente) que
são os gigantes do mercado ocidental.
Para citar alguns dos mais renomados e
premiados nesse meio editorial
específico, cito Dave McKean e Bill
Sienkiewicz. O primeiro é conhecido por
suas capas em publicações do
personagem Sandman, de Neil Gaiman
(figura 1), onde utiliza desde simples
Fig. 1. Capa da edição nº1 de Sandman
Autor: Dave McKean
Fonte: http://www.comicoo.com/
sandman/Sandman01/html/image1.htm
7
manipulação digital de fotografias a
escultura, pintura, desenho e assem-
blages em belíssimas obras de arte.
As capas foram publicadas mensal-
mente de 1988 a 96, sem contar
edições especiais e encadernados. Já
Sienkiewicz aproveita de seu estilo
muito particular de desenho como
alicerce para uma “orgia” de grafismos
e aberrantes representações de
anatomia, como pode ser visto em
Elektra: Assassina (1986) (fig. 2).
Outro artista, este muito popular
do meio dos comics (como os
quadrinhos são chamados em língua
inglesa), é Alex Ross. Virtuoso artista,
Fig. 2. Capa de Elektra: Assassina
Autor: Bill Sienkiewicz
Fonte: http://hqmaniacs.uol.com.br/
img/materia/elektraassassina_panini.jpg
originário do mundo publicitário, Ross ficou mundialmente conhecido por Marvels
(1994) e Kingdom Come (1996) (fig. 3), onde emprega desenho e pintura foto-
realísticos.
Fig. 3. Capa da compilação norte-americana de Kingdom Come
Autor: Alex Ross
Fonte: http://goodcomics.comicbookresources.com/wp-
content/uploads/2009/07/4pb0h7k.jpg
8
Mesmo assim existem parâmetros a serem observados: clareza na narrativa,
harmonia do conjunto e diagramação das páginas. Tudo isso deve “funcionar como
um relógio” para que o produto não seja corrompido pela falta de coesão e le-
gibilidade. Desenhar bem não é o suficiente. Escrever bem também não. A narrativa
gráfica em quadros se apresenta como um sistema complexo de signos e depen-
dência intrínseca entre arte e texto, mesmo quando esse último não aparece.
Para preencher a necessidade textual das histórias em quadrinhos que
produzi para este trabalho, utilizei músicas brasileiras. A letra de cada música serviu
de argumento enquanto a melodia guiou a interpretação plástica. Foram
selecionadas: Rita Lee, de Arnaldo e Sérgio Baptista e Rita Lee, da banda Mutantes;
Maria Inês, de André Abujamra, da banda Karnak; e Maldito Hippie Sujo, de Donida,
da banda Matanza. Assim, a partir das músicas selecionadas uma pesquisa de
materiais e suportes seguiu o desenvolvimento da idéia até sua conclusão impressa.
“Muitas pessoas pensam que é fácil escrever. Quem tem essa opinião ge-
ralmente não escreve nem lê nada” (MARAT, 2006:11). Esse trabalho também ser-
viu para me dar mais segurança no que diz respeito à elaboração de roteiros, já que
tive as letras de música como base. Explorar essa área também me interessa, para
futuramente trabalhar com meus próprios personagens em publicações completa-
mente autorais.
Mas a questão central é: como adequar possibilidades plásticas dentro de
uma mídia gráfica para que a narrativa continue concisa e fluida conservando ou in-
tensificando valores dramáticos presentes na narrativa musicada de origem?
Responder isso foi o meu objetivo. Experimentar algumas possibilidades
plásticas encontradas durante a pesquisa para o meio gráfico dos quadrinhos e
apresentar algumas possibilidades narrativas, também.
Este relatório está dividido em duas partes. Na primeira descrevo minha
pesquisa por fundamentos, buscando autores e artistas que utilizei como ponto de
partida para meu trabalho e abordando algumas características dos comics que se
relacionam com sua própria estrutura. Na segunda apresento minha produção,
mostrando passo a passo como ela foi construída e discutindo algumas escolhas
mais profundamente.
Ao final deste relatório, um volume com a obra concluída segue em anexo.
9
1 ESTUDANDO QUADRINHOS
O mundo dos quadrinhos é rico em temas, formas e definições. O que
Eisner já chamou de narrativas gráficas (2005), atualmente considera-se como
“imagens pictóricas e outras justapostas em seqüência deliberada” (McCLOUD,
2005). Cito alguns estudiosos e artistas dessa área que influenciaram a
materialização deste projeto e que me encantam com suas pesquisas e obras já há
muito tempo.
Muitos artistas já passaram por esse meio e outros se aventuram entre os
quadros e as onomatopéias. Mesmo tendo uma vasta gama de personagens de co-
nhecimento público e sendo berço de grandes obras, não é tão conhecida a
produção teórica sobre o assunto. “Para muitos educadores e autoridades, os
quadrinhos são ainda um passatempo infantil, próprio para iletrados e acometidos de
preguiça mental” (Henrique Magalhães in GROENSTEEN, 2004:13).
Existem, entretanto, artistas-teóricos que com anos de experiência na área
das tiras e gibis resolveram pesquisar mais a fundo os mistérios narrativos escondi-
dos nas entrelinhas e canaletas (também chamadas de sarjetas ou calhas, os
espaços entre os quadros), buscando apresentar ao maior número de pessoas os
fundamentos dessa forma de arte, ou, “com todo o respeito às outras, para mim,
quadrinho é a primeira arte” (Sidney Gusman in A NONA ARTE, 2008).
1.1 CONHECER, COMPARAR E COMBINAR
O mais popular e considerado um gênio desta forma de narração é Will Eisner
(1917-2005), autor de duas obras importantíssimas para quem quer entender
quadrinhos (Quadrinhos e arte seqüencial e Narrativas gráficas). Sempre será lem-
brado por seu personagem que revolucionou a maneira de fazer quadrinhos, The
Spirit (O Espírito), de 1940, que segue sendo publicado por outros autores até hoje,
em aventuras que misturam mistério, ação e algumas pitadas de humor. Outro autor
americano, também quadrinhista, Scott McCloud carrega o fardo de atualizar as
10
teorias de Eisner e demonstrar as novidades e possibilidades dentro do novo século,
como os webcomics, os quadrinhos para Internet. Sua trilogia (Desvendando os
quadrinhos, 2005, Reinventando os quadrinhos, 2006, e Desenhando quadrinhos,
2008) é esclarecedora e acrescenta muito a quem estuda ou produz quadrinhos.
No Brasil, Álvaro de Moya e Moacy Cirne escreveram muito sobre o assunto e
exploraram muitos tópicos importantes para o desenvolvimento da leitura de HQs
(abreviação convencionada para Histórias em Quadrinhos) de uma maneira mais
séria e crítica. Diz Cirne que “além da importância ideológica e social, os quadrinhos
registram uma problematicidade expressional de profundo significado estético,
tornando-se a literatura por excelência do século XX” (1974:22-3). Tanto ele quanto
os autores supracitados serviram de pedra fundamental no que diz respeito à
construção teórica deste trabalho, que também contou com meu acervo pessoal de
quadrinhos, além de outros autores.
No campo da prática, adquiri gosto por alguns artistas que explorei no de-
senvolvimento da linguagem trabalhada em cada uma das músicas escolhidas para
a conclusão do projeto. Artistas como os já citados McKean e Sienkiewicz, que tra-
balham com várias técnicas entrelaçadas. Também os brasileiros Flávio Colin e
Rafael Grampá serviram de inspiração. Colin com seus brilhantes enquadramentos e
arte excepcional, e Grampá com seu traço sujo e cheio de hachuras. Artistas muito
diferentes entre si e que em sua obra me ajudaram a alcançar soluções plásticas
para materializar histórias presentes em músicas de autores nacionais.
Como a intenção deste projeto é desenvolver e demonstrar possibilidades
plásticas em meio gráfico, muito de composição e conteúdo específico de artes foi
revisado, incluindo a Pop-art, que lembrou o mundo das artes da existência dos
quadrinhos.
Por falar em narrativas, as obras teóricas de Eisner (2001 e 2005) e McCloud
(2005, 2006 e 2008) funcionam como pedra fundamental, mas estão lado a lado com
outra mídia que também foi investigada para este trabalho: o cinema. Narrativas
seqüenciais são comuns tanto ao cinema quanto aos quadrinhos, mesmo que de
forma ligeiramente diferente. Primeiramente, há a relação entre os quadrinhos e o
storyboard, que é uma ferramenta/etapa muito importante da produção
cinematográfica e é, sem dúvida, uma forma de narrativa gráfica. O cinema também
nos fez ver imagens que acreditávamos impossíveis, tornando suas possibilidades
“supraterrestres” (BENJAMIN, 1993), mesmo quando muitas das imagens que se
11
tornavam tão surpreendentes na tela já haviam sido vistas de diversas formas nas
páginas dos comics.
As histórias em quadrinhos permitem até uma revolução de subtexto e
narração, que nunca foram vistos em outras mídias, tendo como álibi o suporte ou
seja, a página e a maneira como se relacionam. A narração gráfica não estabelece
sua duração de tempo, sequer obedece as leis da física. Lapsos temporais,
onipresença e seqüências de ação impossíveis são tão simples quanto rabiscar
grama ou traçar nuvens num quadrinho. Thierry Groensteen diz sobre histórias em
quadrinhos:
... usa códigos particulares; aqueles, notadamente, dos cortes, bem
dizendo das elipses, e da paginação, quer dizer, da disposição das
imagens na página e na justaposição planejada. Uma história de
mais de um século e meio soube trazer aos quadrinhos um alto grau
de sofisticação. (2004:19)
Mas, assim como o cinema algumas vezes se inspirou nos quadrinhos, os
quadrinhos às vezes tomam emprestadas maneiras cinematográficas de contar
histórias, embora sejam técnicas que podem ser vistas mesmo em gravuras ou
pinturas, como é o caso do plano de rolo que seria o equivalente gráfico, guardadas
as devidas proporções, ao plano-seqüência cinematográfico, onde não há cortes e a
cena se desenrola sem mudanças abruptas de plano e, principalmente, sem cortes.
As histórias em quadrinhos têm muita relação com o cinema, principalmente
por serem as principais formas narrativas que lidam com o campo visual e o tempo.
“Os romances são normalmente longos e lentos. Não se lê um romance geralmente
de uma só vez. Ver um filme é habitualmente algo que se assiste uma só sessão, e
esta diferença é muito importante” (Wolf Rilla apud MARNER, 2006:56).
Nos quadrinhos o mesmo conceito é aplicável se este for considerado mero
entretenimento, da mesma forma que o cinema, que já passou pelos mesmos
questionamentos e hoje não se duvida de suas possibilidades artísticas; Duhamel
dizia que o cinema era um passatempo para analfabetos, Werfel não o considerava
arte se mostrasse realidade e Mars via o cinema como renascentista, onde só se
deveria mostrar o belo (apud BENJAMIN,1993).
12
Histórias curtas e tiras também não costumam ser feitas para serem lidas e
relidas. Mesmo arcos de histórias que durem meses para serem concluídos
dificilmente são relidos depois de concluídos. Além do que:
O cinema exige pouco mais do que a atenção de um espectador, en-
quanto os quadrinhos precisam de um pouco da capacidade de leitura
e participação. O espectador de um filme fica aprisionado até um filme
terminar, mas o leitor de quadrinhos está livre para folhear a revista,
olhar o final da história ou se deter numa imagem e fantasiar (EISNER,
2005:75).
É como diz Benjamin: “as massas procuram diversão, mas a arte exige
concentração” (1993:26) e, com relação ao cinema, “o público das salas obscuras é
bem um examinador, porém um examinador que se distrai” (1993:27). Da mesma
forma, a mídia impressa dos quadrinhos faz com que o leitor possa facilmente viajar
entre as páginas e ver como a história termina, fazendo com que o autor tenha a
difícil tarefa de prender o leitor em seu conteúdo. E o público deve conhecer a mídia
e a linguagem tanto quanto o artista (COSTA, 1999).
A obra deve absorver a atenção do leitor por completo e os conhecimentos
envolvidos ajudam nesse aspecto. E para o artista, conhecimento é primordial. O
artista amador já foi aceito após indicar produção eficiente de nível profissional. Hoje
é muito mais difícil entrar no meio sem a academia. Mesmo assim, o amador que se
inicia nas artes e tem então uma vasta produção tem alguma chance e deve dominar
as novas tecnologias para alcançar o profissionalismo (id, ibid.).
1.2 E DAÍ?
Todos os elementos que constituem a página (número, formato e dis-
tribuição dos quadros, estilo do desenho, imagens em cor ou em preto
e branco, presença ou não de texto escrito) influenciam a mensagem
produzida pelo leitor durante a leitura (SRBEK, 2006:64).
13
Desde a mais antiga concepção deste trabalho, quis demonstrar o valor de
cada peça da composição das histórias em quadrinhos. Principalmente no que diz
respeito à arte.
Quão importante é a maneira como uma história é ilustrada? Qual a diferença
entre a leitura de A Divina Comédia com as gravuras de um ou outro artista? Que
diferença existe na leitura das paráfrases pintadas por Picasso e as obras originais?
Qual a diferença entre utilizar páginas simples ou páginas duplas numa história? E
se o estilo de arte variar durante a história, isso interfere na leitura? Foram questões
desse tipo que quis responder dentro do universo das histórias em quadrinhos.
As outras falas que considerei fundamentais para a materialização deste
trabalho são:
A realidade é que o estilo de arte conta uma história. Lembre-se de
que este é um meio gráfico e o leitor absorve o tom e outras abstra-
ções através da arte. O estilo de arte não só conecta o leitor com o ar-
tista, mas também prepara a ambientação e tem valor de linguagem
(EISNER, 2005:159); e
A interpretação dos resultados da pesquisa em arte não converge para
a univocidade, mas para a multivocidade, uma vez que cada interlo-
cutor deverá fazer sua interpretação pessoal e proceder uma leitura
subjetiva para analisar o resultado da pesquisa contido na própria obra
de arte (ZAMBONI, 2001:59).
Lembrando que o leitor também é co-autor das histórias, criando voz e
entonação para os personagens; as obras que materializam minha pesquisa ao final
deste relatório não pretendem ter um significado único, sua interpretação é aberta.
As páginas de quadrinhos que produzi são parte da minha interpretação sobre suas
músicas de origem. São a minha versão para uma adaptação. Essa é muito mais
uma arte de comunicação do que uma simples aplicação de arte (EISNER, 2001). “A
imagem não é a expressão de um código, é a variação de um trabalho de
codificação: não é o depósito de um sistema, e sim a geração de sistemas” (Roland
Barthes apud SRBEK, 2006:47).
14
1.3 AGREGANDO CONHECIMENTO
Lembrando que a emoção expressa em arte é mais bem expressa assim e
recebida dessa forma do que por outros meios (OSBORNE, [s/d]) e que toda expe-
riência visual é dinâmica e inserida num contexto de espaço e tempo (ARNHEIM,
1980), um importante conceito deve ser explicado: o que é timing (EISNER, 2001)?
Relativo a tempo (time em inglês), Eisner descreve-o com dramaticidade.
Serve muito comumente como expressão quando se diz que alguém “tem timing”
para alguma coisa. Como quando um comediante conta uma história que soa engra-
çada e seu vizinho conta a mesma história e lhe passa despercebida. Descrever o
tempo de uma maneira dramática altera a percepção da história e destaca um
acontecimento que você deseja que o leitor creia ser mais importante do que outros.
Ação dramática leva mais tempo na mente do leitor mesmo que dure apenas dez ou
quinze segundos no mundo real. Um diálogo que levaria dez minutos no dia-a-dia
pode ser contado em poucos quadros e durar apenas poucos segundos na mente do
leitor. Isso é timing.
Nos quadrinhos, a principal maneira de manipular o tempo é a divisão de
quadros. Uma página com muitos quadros leva mais tempo para ser lida. Um quadro
sem falas é lido rapidamente, mas é entendido como uma duração maior de tempo
conforme seu tamanho. O tamanho dos balões interfere em como o leitor “ouve” a
fala de uma personagem. O leitor é conduzido e manipulado pelas páginas por
muitos fatores que, às vezes, não compreende, mas aceita e torce para que isso
aconteça da maneira mais natural possível.
Para o criador de quadrinhos, o leitor está sempre pronto para a leitura. No
momento em que o consumidor final abre um fumetto (como os italianos chamam as
HQs), entende-se que ele esteja a par do “contrato” (EISNER, 2005). Isto significa
que o leitor sabe que deve ler em determinado sentido, compreender as leis da
física, entender como os balões e legendas funcionam, ter criatividade o suficiente
para compreender o que não é mostrado nos desenhos e assim por diante, pois as
imagens raramente são passíveis de sobreposição, tal qual um desenho animado ou
um storyboard.
15
O storyboard muitas vezes é lembrado como uma forma de quadrinhos que
reforça a relação entre HQs e cinema. Apesar disso, existem muitas diferenças entre
ambos. Diferenças estas que esclarecem porque quadrinhos podem ser
considerados uma forma de arte, um instrumento de expressão autônoma, uma obra
em si, e o storyboard não.
Dentro do que diz respeito a cinema, o storyboard não passa de uma etapa
que constitui a obra, o filme. É uma ferramenta de tradução do roteiro em imagens,
funcionando como uma interpretação gráfica do que se pretende ver na tela. É o
primeiro conjunto de imagens concretas de um filme. Mas não é um filme, não é
cinema. E também não é história em quadrinhos. Pode ser considerado um esboço
do filme, no mesmo nível de um copião, que é a primeira filmagem completa, ainda
sem edição, apenas um aglomerado de filme em seqüência lógica.
O storyboard representa para o cinema o que os thumbnails (as miniaturas –
“unhas de dedão” em tradução livre) representam para os quadrinhos. O processo
chamado de thumbnailing é semelhante ao do storyboard, representando o primeiro
esboço do que irá se tornar uma obra de fato. No cinema o desenhista lê o roteiro e
apresenta sua interpretação imagética do que está escrito. No caso dos quadrinhos,
algumas vezes o escritor já tem alguma idéia de como deve ser a página, que
estrutura de quadros ele deve conter. No cinema, alguns diretores produzem seus
próprios storyboards.
Acredito que a principal diferença entre uma e outra forma de narração
gráfica, quadrinhos e storyboard, seja seu valor como obra. Da mesma forma que
não considero storyboard quadrinhos, não considero thumbnailing como quadrinhos.
São pequenas etapas, pequenas partes da engrenagem, e não se comparam ao
todo.
As páginas constituem boa parte do significante das histórias em quadrinhos.
Não apenas o papel, a folha, mas qualquer suporte onde quadrinhos possam ser
lidos: arquivos de imagem no computador, tiras pintadas em paredes ou seqüências
riscadas numa calçada. Deve haver ritmo, deve haver continuidade, deve haver um
trajeto. Por isso chama-se arte seqüencial.
No ocidente, por causa do sentido de leitura da esquerda para a direita e de
cima para baixo, o fluxo de leitura sempre levará o leitor ao canto inferior direito (no
oriente, o canto inferior esquerdo), fazendo com ele se sinta obrigado a virar a
16
página, continuar a leitura, buscar mais informações. Quanto mais natural for essa
necessidade de continuar lendo, melhor será a experiência de leitura.
Ler é uma atividade da qual é fácil se distrair. Uma oscilação na luz ambiente
pode distrair o leitor, assim como um ruído ou uma música, podem fazê-lo pular uma
linha de texto.
Se o leitor conseguir virar a página sem perceber que está fazendo isso, é
uma conquista da obra. Significa que houve “imersão”. O leitor está envolvido com o
enredo de tal forma que não repara mais nas divisões dos quadros ou na cor da
roupa dos figurantes. Ele quer a história, quer continuar lendo, continuar virando as
páginas e isso só é possível quando há um bom roteiro e este é acompanhado de
uma boa arte.
Os quadrinhos, “seja numa função alegremente digestiva ou seriamente
crítica, constituíram-se numa articulação imagística original e própria” (Cohen e
Klawa in MOYA, 1977:110). Surgiu como opção à literatura, aproveitou-se de
linguagens cinematográficas e depois das artes plásticas; hoje os quadrinhos são
uma forma de arte particular para além da literatura e artes plásticas, onde texto e
imagem têm a mesma importância dentro da página.
17
2 FAZENDO QUADRINHOS
O mais divertido (e tenso) após tanta pesquisa foi materializar toda leitura
e teorias em aplicações práticas atraentes visualmente. Fazer HQs. Depois de muito
esforço e trabalho, três quadrinhizações foram produzidas para ilustrar melhor este
pequeno estudo e aplicar seu conteúdo sobre narrativa em páginas que buscam
materializar todas as impressões que tive ao ouvir as músicas selecionadas.
2.1 RITA LEE
Quando entrei na universidade ouvia Mutantes regularmente. Quando defini
que iria adaptar músicas para os quadrinhos, a música Rita Lee, homônima à
integrante do grupo e música do álbum homônimo à banda, logo veio à minha
cabeça. As razões eram óbvias para mim para que começasse por essa música
gravada em 1969. Simples, divertida e curta. Pareceu-me um ótimo ponto de partida.
A música narra as desventuras da personagem Rita Lee que, solitária, sonha
com o amor e espera por seu “príncipe encantado” até que, não mais que de
repente, ela se casa. Fim.
Assim, de supetão, a história termina com ela contraindo matrimônio com
alguém que surge sem nome ou procedência. A letra da música pode ser dividida
em três partes, considerando suas três estrofes, que são breves e objetivas. Na
primeira, Rita Lee passeia triste e não consegue ficar feliz de maneira alguma, por
causa de sua solidão. Na segunda, ela sonha em encontrar alguém e continua triste
por ser tão sozinha, ainda. Na terceira, ela está em uma igreja se casando e se
tornando uma pessoa muito mais feliz. A história tem um quê de sonho de menina,
um tanto ingênua. O pessimismo do começo se transforma imediatamente na
realização de uma doce fantasia adolescente, onde uma menina se casa em uma
igreja com o homem de seus sonhos.
18
2.1.1 Interpretar
Entendi que seria correto fazer, então, uma história em quadrinhos com
apenas três páginas, onde cada uma representa uma parte da história. Depois de
esboçar essas páginas (fig. 4), testei-as individualmente e em conjunto, buscando
Fig. 4. Esboços para Rita Lee.
encontrar a diagramação correta para
definir os quadros nas páginas e o
desenho final. Estes testes foram
realizados em folhas sulfites tamanho A4
(21x29,7cm), o que se mostrou um
empecilho desnecessário, pois desde
quando decidi produzir HQs eu tive a
certeza de utilizar o formato americano
(aproximadamente 17x26cm).
Rascunhar em A4 me atrapalhou
porque o formato americano, apesar de
ser pouco menor, é mais estreito. Assim,
as relações entre a altura e a largura dos
desenhos tiveram que ser alteradas nas
páginas definitivas.
Com relação às cores, o humor interferiu muito na realização da pintura, o
que causou um resultado vibrante devido à música soar para mim muito alegre. Uma
balada agridoce com final feliz. A primeira parte é um tanto triste, mas um dia lindo;
uma página com cores vibrantes, porém soturna. Então ela sonha com um possível
amado indefinidamente; um pouco melancólica, o predominante verde produziu a
página mais morna do conjunto. E, eis que, casou-se e realizou seu grande sonho;
muita vibração e “alegria aos baldes”. A paleta restrita a cores primárias e
secundárias tornou tudo mais intenso, mais vivo.
O uso do nanquim branco na última página é mais um dos diferenciais do fim
da história, que organizei para se destacar das demais e, de certa maneira,
sobrecarregar o leitor. Aumentar a surpresa. O nanquim branco permitiu uma
cobertura e brilho diferentes da aquarela, o que era necessário para o efeito que
19
busquei com sua utilização. A última página também trouxe a única palavra da HQ.
“Fim”. Escrito com sobreposição de cores aquareladas.
A partir do momento em que essa música foi escolhida não consegui imaginar
outras cores para utilizar, bem como a escolha pela aquarela, tinta aguada que
permite uma mistura e variedade de nuances que considerei ideais para uma história
tão “bonitinha”. Essas sutilezas também me levaram à não utilização de legendas ou
balões de fala. Isso tornou a leitura mais objetiva e a surpresa ao final da história
surge tão abruptamente quanto a chegada do leitor ao final, dada uma leitura tão
breve.
2.1.2 Construir
Apresento-lhes, agora, o processo de criação para a segunda página.
O primeiro rascunho foi elaborado na mesma folha em que tinha a letra da
música para eu estudar (fig. 4). Risquei cada página com quase duas polegadas de
altura. A partir desse esboço, testei a mesma página no formato A4, para ter melhor
noção em tamanho maior e ficar mais certo de que fizera as melhores escolhas (fig.
5). O desenho final foi feito com lápis HB e 2B sobre papel Montval 270g/m² (fig. 6).
Fig. 5. Esboços da página 02 de Rita Lee.
20
Com o desenho definido em uma margem de 25x38 cm, próxima à proporção
do formato americano, digitalizei-o em um scanner doméstico e imprimi em um A3
couché fosco 170g/m², para testar as cores. Utilizei lápis aquarelável.
Fig. 6. Lápis final da página 02 de Rita Lee.
A página final foi pintada com
aquarela em bisnaga sobre o papel com
o desenho. As cores foram tratadas
digitalmente de maneira discreta, apenas
para remediar os problemas de contraste
da digitalização (fig.7).
Fig. 7. À esquerda, teste com lápis aquarelável;
à direita, página pronta com a cor definitiva em aquarela e tratamento digital.
21
2.1.3 Observar
Levando em consideração a simplicidade do argumento desta história, minha
construção de páginas tornou-a ainda mais objetiva. Sua leitura é muito rápida não
só pela história breve, mas, principalmente, pelos seguintes motivos: a falta de
balões/legendas e de quadros “coadjuvantes”. Vejamos todas as páginas prontas,
lado a lado (fig.8), e então um diagrama estrutural das páginas (fig.9).
Fig. 8. Todas as páginas de Rita Lee.
Fig. 9. Estrutura das páginas de Rita Lee.
22
Como podem ver, as páginas são
praticamente iguais. A repetição estru-
tural também influi no ritmo de leitura,
fazendo com que o leitor repare menos
na diagramação dos quadros e mais no
conteúdo deles. A ausência de balões
também aumenta o valor de significação
das imagens, além de aumentar a
velocidade de leitura. Pode-se entender
melhor o fluxo de leitura com as imagens
ao lado (figuras 10,11 e 12).
Começo dando valor aos quadros.
Os quadros com requadros têm mais
valor porque neles há história se
desenvolvendo. Os quadros que
compõem o fundo das páginas não
representam muito da história e servem
mais como momentos de contemplação,
“tempos mortos” se fosse cinema.
Assim, o fluxo de leitura que
normalmente seria representado como
na figura 10 identifica-se melhor com o
da figura 11.
A ausência de texto nas páginas
força ainda mais o fluxo de leitura. Esse
“empurrão”, associado aos valores
narrativos dos quadros que compõem as
páginas, representa um fluxo como o da
figura 12 e contribui para uma leitura
inicial de poucos segundos, onde a
página é mais percebida como
composição e menos pelos quadros. Os
valores pictóricos acabam pedindo uma
segunda leitura.
Fig. 10. Leitura convencional.
Fig. 11. Fluxo real.
Fig. 12. Fluxo induzido.
23
2.2 MARIA INÊS
Quis transformar Maria Inês em quadrinhos desde a primeira vez em que a
ouvi. Sua letra, escrita por André Abujamra, conta a história de uma mulher que,
cansada dos abusos do marido, enfia a faca no “miserável”. Sua vingança não passa
despercebida. Seu cunhado e depois seu sobrinho partem em seu encalço. Gravada
em 2000, no álbum Estamos Adorando Tokio, da banda Karnak, Maria Inês nos
remete à literatura de cordel. No cordel, história de apelo popular ganham forma em
contos curtos, geralmente rimados e ilustrados com gravuras.
2.2.1 Interpretar
Das três músicas escolhidas, esta foi a mais difícil de começar a desenhar.
Demorei a ter alguma idéia de como elaborar as páginas. Os personagens foram
mais fáceis de encontrar, principalmente a família de Antônio, marido de Maria Inês.
O que levou algum tempo foi encontrar o traço para eles, pois a forma de interpretar
esta música em quadrinhos já era bem clara para mim: eu iria simular xilogravuras,
forma tradicional de ilustrar cordéis. A música me inspirou nesse caminho desde o
início. As linhas tiveram que engrossar, ou serem pensadas para ficarem mais
grossas depois.
Produzir em preto e branco foi inquestionável, assim como buscar um traço
que reforçasse a associação com a literatura de cordel. Decidi utilizar imagens como
se fossem cortadas na madeira e tratá-las no computador. Todavia, tenho certeza de
que, se essas páginas realmente tivessem sido feitas em madeira e gravadas em
papel, o resultado teria sido muito mais impressionante. Isso implicaria, todavia não
conseguir cumprir meus prazos no fim do semestre. Xilogravura é uma técnica que
muito me agrada e interessa. Aproveitei a oportunidade de abordá-la com esta
história, mesmo que apenas como simulação. Ainda tenho vontade de fazer uma
história em quadrinhos toda em matrizes de madeira. Definitivamente teria que ser
feito em outro projeto. Um dia, quem sabe?
24
2.2.2 Construir
Vamos ver como foi realizada a página 03 de Maria Inês.
Depois das miniaturas das páginas elaboradas (fig. 13 e fig.14, primeira
etapa), os rascunhos foram realizados em margens de 12,8x19,6 cm em sulfite
75g/m² (fig. 14, segunda etapa). O desenho foi feito em papel layout 140g/m²,
inicialmente com grafite HB 0,5mm verde e então com lápis 2B e 4B (fig. 14, terceira
etapa). Com uma mesa de luz fiz a arte final em papel layout 63g/m², em nanquim,
com canetas descartáveis 0.3 e 0.8mm e pincéis variados (fig.15, primeira etapa).
Essa página foi digitalizada e teve suas sarjetas preenchidas digitalmente (fig.15,
segunda etapa).
Fig. 13. Thumbnails para Maria Inês.
Fig. 14. Progresso do desenho para a página 3 de Maria Inês.
25
Fig. 15. Arte final digitalizada (e) e editada (d).
Todo o texto e os balões foram
feitos no computador (fig. 16) e depois
inseridos nas imagens digitalizadas. Só
então a imagem final foi tratada para se
parecer com uma gravura. Para simular
o efeito de xilogravura nas páginas,
algumas imagens de madeira foram
selecionadas e editadas digitalmente
(fig. 17).
Fig. 16. Camada de textos da página 03.
Fig. 17. Detalhe de madeira escolhido e editado.
26
O resultado você pode conferir abaixo (fig.18).
Fig. 18. Maria Inês, página 03.
27
2.2.3 Observar
Vamos, primeiramente, olhar como ficaram as páginas prontas (fig. 19) e
entender suas estruturas (fig. 20).
Fig. 19. Todas as páginas de Maria Inês.
28
Fig. 20. Estrutura das páginas de Maria Inês.
Durante a elaboração das páginas notei uma curiosidade no meu processo
narrativo: todas as páginas ímpares tinham uma personagem que se revoltava e,
nas pares, uma que morria. Assim, decidi elaborar uma relação entre os
personagens que se revoltavam, tornando este sentimento claro por meio do
enquadramento do seu olhar e cenho franzido no momento em que sentem “sangue
nos olhos”. Veja: página 1, quadro 9; página 3, quadro 9; página 5, quadro 5; e
página 7, quadro 1, sendo neste último quadro de uma maneira diferente.
29
Estes enquadramentos também elevam suas posições no decorrer das
páginas, terminando, na página 07, com um agrupamento de policiais no topo da
página, caçando Maria Inês. Podemos agrupá-los numa mesma imagem (fig. 21) e
entender como o perigo aumentou para Maria Inês durante a história.
Fig. 21. Conjunto de closes de olhar,
reunidos numa única imagem mantendo
suas respectivas posições na página.
Além disso, existe outra relação
entre as páginas que, infelizmente, só
não foi possível entre as duas primeiras.
A metade da primeira página serviu para
introduzir a história e isso exigiu mais
quadros. Dessa forma, o destino de
Antônio, marido de Maria Inês, foi
decidido em duas páginas com 9 e 6
quadros respectivamente. Nas outras
páginas os personagens são envolvidos
na trama e têm sua participação
concluída com o mesmo número de
quadros. O delegado Tonhão, 10 e 10.
João Augusto, 7 e 7. Maria Inês encerra
sua trajetória com 6 e 6 quadros.
A segunda página poderia
também ser contada em 9 quadros, mas
não existiu a necessidade para isso. A
morte de Antônio deveria ocupar muito
da página e uma maior divisão do resto
da página iria reduzir o valor dos outros
quadros. Assim, enquanto a primeira
página chama o leitor para a história, a
segunda chama atenção pelo impacto da
desforra.
A violência na primeira página prepara o leitor para a morte de Antônio e para
as seguintes, quando, com gradual aceleração, os antagonistas de Maria Inês são
elencados e o duelo é travado.
30
2.3 MALDITO HIPPIE SUJO
Antes de decidir interpretar letras de música com estilos diferentes, meu
projeto era transformar em quadrinhos apenas músicas da banda Matanza. Isso
mudou quando me deparei como uma vontade de desenhar muitas outras músicas.
Claro que guardei uma do Matanza para o final e, entre todas, a Maldito Hippie Sujo
propiciava uma liberdade que permitiu uma experimentação mais aberta.
2.3.1 Interpretar
Por dois ou três anos, Maldito Hippie Sujo foi um objetivo pessoal. Tinha que
virar quadrinhos de uma vez por todas. As outras histórias elaboradas para esse
volume foram planejadas como um todo, algo que em MHS (como vou chamar essa
história daqui em diante) ocorreu de maneira ligeiramente diferente. Assim como as
outras, MHS foi planejado pensando na seqüência de todas as páginas, mas cada
página deveria permitir uma interpretação imagética diferente. Seu conjunto de
páginas foi rascunhado várias vezes. Antes mesmo de as outras músicas serem
escolhidas para esse projeto, MHS já tinha sido pensado em páginas. Depois das
outras músicas terem sido rascunhadas, MHS foi rascunhado novamente. Depois
das outras prontas, MHS foi rascunhado outra vez.
O produto desse estudo foi um material calcado na experimentação individual
das páginas. Suportes diferentes, materiais diferentes. Foi um relativo descanso. Ao
invés de pensar na produção integral da história, como uma página se relacionaria
com a outra, decidi que cada página se relacionaria com o próprio trecho da música
que representa. A produção fragmentada se sobressai, mantendo a narrativa.
As histórias anteriores foram produzidas na exata seqüência em que se
apresentam. MHS não. Suas páginas com suportes diferentes foram feitas na ordem
da vontade. Quando eu queria trabalhar com tinta acrílica, pintava de uma só vez
tudo o que eu gostaria que fosse assim. Quando queria trabalhar apenas com lápis,
31
fazia quadros soltos que não faziam parte da mesma página. Alguns desenhos
foram intuitivos e riscados diretamente com caneta sobre o papel. Outros foram
finalizados no estilo linha clara, comum aos quadrinhos franco-belgas, como Tintin,
de Hergé. Realizei também algumas colagens digitalmente, utilizando material
digital, papel de embalagem, imagens da Internet, rabiscos e outras coisinhas.
Menos racionalização e mais inspiração. O produto é o mais contemporâneo do
conjunto ao lidar com fusão de materiais e linguagens analógicas e digitais.
2.3.2 Construir
Com tantos recursos diferentes, veremos o processo que envolveu a criação
das páginas 2 e 3 de MHS.
Muito thumbnailing foi realizado. O último, que serviu para orientar os
rascunhos foi este da figura 22. Olhando com algum cuidado, observa-se que
poucas páginas sofreram grandes alterações. Apesar de parecerem tão diferentes
entre si no produto final, o objetivo é sempre fazer com que funcionem em conjunto.
Também dá para ver que algumas
páginas estão em branco. Aconteceu a
mesma coisa durante a produção de
Maria Inês. Certas páginas só se tornam
claras para mim quando outras já estão
prontas. Depois de concluir uma ou duas
páginas é que os tons da arte e da
narrativa se confirmam ou não, e o resto
é produzido como conseqüência das
decisões tomadas nessas primeiras
páginas feitas.
Fig. 22. Thumbnails para MHS.
32
Na página 2 (fig. 27), utilizei tinta acrílica para a imagem central, apenas preto
e branco (fig. 23). Os quadros superior e inferior foram feitos com lápis e nanquim
branco em retalhos de caixas de camisa (fig. 24). O rosto do hippie (fig. 25),
personagem título, é totalmente digital. Os requadros são digitais (fig. 26). Na página
3 (fig. 33), os requadros (fig. 28), as estampas dos tecidos (fig.32) e o rosto do hippie
são imagens digitais. Os quatro quadrinhos justapostos (fig. 31) foram feitos em
papel, antes fundo de um bloco de papel Canson. Usei lápis e caneta-corretor
escolar. O desenho ao fundo (fig. 29) foi feito com caneta nanquim descartável em
Layout 63g/m². As manchas (fig. 30) foram feitas com tinta acrílica preta e branca,
também sobre fundo de bloco de papel. Essas mesmas manchas também compõem
a última página dessa história.
Entenda melhor o processo dessas páginas a seguir.
Fig. 23. Pintura central da pág. 2.
Fig. 25. Rosto do hippie.
Fig. 24. Quadros desenhados da pág. 2.
Fig. 26. Requadros da página 2.
33
Fig. 27. Página 2 de Maldito hippie Sujo.
34
Fig. 28. Requadros da página 3.
Fig. 30. Pintura de fundo.
Fig. 32. Estampas das
roupas do Hippie (e) e do patrão (d).
Fig. 29. Desenho de fundo.
Fig. 31. Quadros desenhados.
35
Fig. 33. Página 3 de Maldito Hippie Sujo.
36
3.3.3 Observar
Vejamos todas as páginas (fig. 34) e suas estruturas (fig. 35).
Fig. 34. Todas as páginas de MHS.
Fig. 35. Estrutura das páginas de MHS.
37
Escolhi falar das páginas 2 e 3 pois acredito que elas deram o tom do que
viria a seguir e já vemos nelas boa parte das soluções que seriam utilizadas no
decorrer de MHS. Lidemos primeiro com a página 2.
As páginas 1-3 foram pensadas como uma coisa só que iria se desenvolver
até chegar ao tom da história. Como a página 1 é muito semelhante à 02, eu decidi
retirá-la do comparativo. Também a imagem escolhida para a capa desta história é
um detalhe da página 02, que poderia muito bem fazer parte da página 01, e serve
para iniciar a experiência do leitor dentro do clima das primeiras páginas e evitar um
contraste estrondoso ao iniciar a leitura. Desta maneira, o leitor inicia sua leitura com
linhas e tinta e aos poucos vê interferências digitais e colagens. Mais para frente
será apresentado a texturas e muitas interferências mais.
Olhando as páginas e estruturas de MHS, percebemos duas grandes
diferenças quanto às outras histórias deste volume: variedade de materiais e
páginas duplas.
A variedade de materiais torna a leitura mais dinâmica, embora tire a atenção
do texto algumas vezes. Quanto mais atraente a arte, mais a atenção se desvia do
texto, mais tempo é reservado à contemplação das páginas. Se as técnicas e
materiais dessa arte variam não há como passar despercebido pelos desenhos.
Assim, para não complicar muito a experiência do leitor, todo o texto presente nos
quadrinhos foi retirado da letra do Matanza. Esse “delírio visual” também possibilitou
um uso maior de texturas nas imagens, algo que eu buscava por me agradar e que
tentei colocar em todas as páginas de MHS.
As páginas duplas também serviram para aumentar a importância das
imagens. MHS é uma história recheada de violência. As passagens mais violentas
mereceram páginas duplas. As páginas duplas pouco acrescentam para a narrativa,
pois sua utilização interrompe o ritmo do leitor. Mesmo assim, ao invés de atrapalhar
a leitura, elas geram alívio e um momento de contemplação e surpresa,
principalmente por fugirem de uma diagramação padronizada. Isso não aconteceria
se a história tivesse sido elaborada em pranchas horizontais, de forma que todas as
páginas fossem duplas.
Da mesma forma, o rosto dos hippies causa enorme estranhamento no início
da história por não se relacionar com os outros rostos. Ao final, quando outros
hippies aparecem na cidade, o rosto multiplicado em todos os hippies massifica o
medo daquele povoado. Quando todos são o mesmo, cada um perde a
38
individualidade no grupo. A turba acaba por perder o rosto onde todos são iguais. Se
eles eram apenas uma multidão enfurecida, agora são uma força da natureza com
sede de vingança.
Todo o processo de criação da face dos hippies foi digital. Veja melhor
abaixo, dos rascunhos (fig. 36) às edições finais (fig. 37).
Fig. 35. Imagens originais para o rosto dos hippies.
Fig. 36. Edição final dos rostos.
39
2.4 MEU GIBI
Fig. 37. Outras páginas.
Depois das três histórias
concluídas, um volume foi elaborado para
reuni-las. Ao lado podem ser conferidas
as páginas que preenchem o resto do
volume (fig. 37).
Elas foram realizadas sempre com
a intenção de página dupla. De cima para
baixo: a capa, imagem contendo detalhes
das três histórias; a folha de rosto, com
parte das informações contidas também
na folha de rosto desse relatório; o índice,
também com alguns detalhes das
histórias; a página que antecede Rita Lee
e a que encerra a leitura após Maldito
Hippie Sujo; e as últimas páginas do
volume, contendo uma breve biografia
minha e informações para contato. Todas
essas páginas foram desenvolvidas para
se relacionarem com a diagramação das
capas individuais, mantendo áreas
divididas por linhas.
Toda a experiência de leitura
pensada para as histórias se mantém. O
leitor começa com páginas coloridas e
amplas, pouco texto, seguindo para a
leitura de Rita Lee. Quando termina o
volume de histórias encontra uma página
preta e então uma página dupla que, de
certa forma, dá continuidade à
experiência de MHS.
40
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este trabalho realizei um sonho: fiz quadrinhos. Anos de rabiscos e
rascunhos finalmente construíram um gibi. Exigiu mais paciência do que eu gostaria,
mais tempo do que eu previ, mas resultou muito melhor do que eu esperava.
Rita Lee, efêmera e graciosa; Maria Inês, dolorida e violenta; Maldito Hippie
Sujo, chocante e delirante. Era tudo o que eu queria. A seleção das capas
individuais e a composição da capa do volume; a criação das páginas adicionais.
Fazer este trabalho foi espetacular.
O único porém talvez seja a não publicação (ainda) deste material. Procurei
fazê-lo de maneira independente, mas os custos são altíssimos, visto o número de
páginas e sua impressão colorida. O que não diminuiu minha satisfação em tê-lo
produzido. De qualquer forma, o gibi está disponível para leitura online e download
gratuito no endereço <http://issuu.com/shamaniel/docs/epeq>.
Devo acrescentar que as referências não se limitam às listadas no final deste
relatório. Muito mais material sobre quadrinhos, cinema e história da arte foi lido. A
lista é enorme e se eu citasse a todos, possivelmente não sobraria muito espaço
para minhas próprias opiniões.
Ao final deste relatório segue em anexo um volume desta obra que servirá
tanto para mostrar que fui capaz de concluir o que me propus como projeto, que
consigo trabalhar com diferentes formas de finalização e, também, que eu consegui
produzir um conteúdo prático e teórico dentro da área dos quadrinhos que servirá
como portfólio para minha vida profissional.
Muita produção me aguarda fora destas páginas. Muitos quadrinhos a serem
preenchidos. Ainda existem muitas formas de se elaborar uma página que eu não
utilizei, muitas técnicas que deixei de lado, muitas maneiras de diagramar uma
página, de pintar uma cena, de narrar uma história.
Obrigado pela atenção e até o próximo quadrinho.
41
REFERÊNCIAS
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual - uma psicologia da visão criadora.
Nova versão. Trad. Ivone Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira: Ed. da USP,
1980.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Trad.
José Lino Grünnewald. IN: Textos escolhidos. 2ª Ed. São Paulo: Abril Cultural,
1993, p. 03-28.
CIRNE, Moacy. A exploxão criativa dos quadrinhos. Petrópolis: Vozes, 1974.
COSTA, Cristina. Questões de arte: a natureza do belo, da percepção e do prazer
estética. São Paulo: Moderna, 1999 (coleção Polêmica).
EISNER, Will. Narrativas gráficas. Trad. Leandro Luigi Del Manto. São Paulo:
Opera Graphica, 2005.
________________. Quadrinhos e arte seqüencial. Trad. Luís Carlos Borges. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
GROENSTEEN, Thierry. Histórias em quadrinhos: essa desconhecida arte
popular. Trad. Henrique Magalhães. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004.
MARAT, Marcelo. A palavra em ação: a arte de escrever roteiros para histórias em
quadrinhos. 3ª ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006.
MARNER, Terence. A realização cinematográfica. Trad. Manuel Costa e Silva.
Edições 70, 2006.
McCLOUD, Scott. Desenhando os quadrinhos. Trad. Roger Maioli dos Santos. São
Paulo: M. Books, 2008.
42
McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. Trad. Helcio de Carvalho e Marisa
do Nascimento Paro. São Paulo: M. Books, 2005.
________________. Reinventando os quadrinhos. Trad. Roger Maioli. São Paulo:
M. Books, 2006.
MOYA, Álvaro de. Shazam! 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1977.
NONA ARTE, A. Quadrinhos, [s/l]: Canal Brasil, 26 ago. 2008. Programa de TV.
OSBORNE, Harold. Estética e teoria da arte: uma introdução histórica. Trad.
Octavio Mendes Cajado. 3ª ed. São Paulo: Cultrix, [s/d].
SRBEK, W. Quadrinhos & outros bichos. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006.
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. 2ª ed.
Campinas: Autores Associados, 2001.

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Quadrinhos musicais

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO CURSO DE ARTES VISUAIS ENSAIOS PLÁSTICOS EM QUADRINHOS DANIEL RAPHAEL MAGALHÃES Campo Grande – MS 2009
  • 2. DANIEL RAPHAEL MAGALHÃES ENSAIOS PLÁSTICOS EM QUADRINHOS Relatório apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Artes Visuais à Banca Examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob orientação da Profª.Drª. Carla de Cápua. Campo Grande – MS 2009
  • 3. RESUMO Este relatório é formado por um apanhado de conceitos e discussões acerca das histórias em quadrinhos e sobre a importância dos estilos gráficos e plásticos que envolvem a ilustração de qualquer história, quadrinhos ou não. Para ilustrar estes argumentos foram escolhidas três músicas brasileiras: Rita Lee, dos Mutantes; Maria Inês, do Karnak; e Maldito Hippie Sujo, do Matanza. A letra de cada uma dessas músicas serviu como base para o roteiro de uma história em quadrinhos, que foi interpretada visualmente conforme sensações sobre a melodia que acompanhou determinada letra. Assim sendo, três histórias em quadrinhos foram produzidas em estilos diferentes, finalizadas em materiais distintos, explorando desenho, pintura e texturas. Foram desenvolvidas algumas alternativas no que diz respeito à criação de arte seqüencial. Palavras-chave: arte seqüencial, criação, desenho, estilo, histórias em quadrinhos.
  • 4. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ........................................................... 04 INTRODUÇÃO .....................................................................06 1 ESTUDANDO QUADRINHOS .........................................09 1.1 CONHECER, COMPARAR E COMBINAR .................................09 1.2 E DAÍ? ........................................................................................ 12 1.3 AGREGANDO CONHECIMENTO ..............................................14 2 FAZENDO QUADRINHOS .............................................. 17 2.1 RITA LEE ....................................................................................17 2.1.1 Interpretar ............................................................................... 18 2.1.2 Construir ................................................................................. 19 2.1.3 Observar ................................................................................. 21 2.2 MARIA INÊS ...............................................................................23 2.2.1 Interpretar ............................................................................... 23 2.2.2 Construir ................................................................................. 24 2.2.3 Observar ................................................................................. 27 2.3 MALDITO HIPPIE SUJO ............................................................ 30 2.3.1 Interpretar ............................................................................... 30 2.3.2 Construir ................................................................................. 31 2.3.3 Observar .................................................................................. 36 2.4 MEU GIBI ....................................................................................39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................ 40
  • 5. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Capa da edição nº1 de Sandman, Dave McKean................................ 06 Figura 2. Capa de Elektra: Assassina, Bill Sienkiewicz. ............................... 07 Figura 3. Capa da compilação norte-americana de Kingdom Come, Alex Ross.07 Figura 4. Esboços para Rita Lee. ............................................................... 18 Figura 5. Esboços da página 02 de Rita Lee. .....................................................19 Figura 6. Lápis final da página 02 de Rita Lee. ..........................................20 Figura 7. À esquerda, teste com lápis aquarelável; à direita, página pronta com a cor definitiva em aquarela e tratamento digital. .................... 20 Figura 8. Todas as páginas de Rita Lee. .....................................................21 Figura 9. Estrutura das páginas de Rita Lee. .....................................................21 Figura 10. Leitura convencional...........................................................................22 Figura 11. Fluxo real. .................................................................................... 22 Figura 12. Fluxo induzido. ..........................................................................22 Figura 13. Thumbnails para Maria Inês. .....................................................24 Figura 14. Progresso do desenho para a página 3 de Maria Inês. .....................24 Figura 15. Arte final digitalizada (e) e editada (d). ..........................................25 Figura 16. Camada de textos da página 03. .....................................................25 Figura 17. Detalhe de madeira escolhido e editado. ..........................................25 Figura 18. Maria Inês, página 03. ............................................................... 26 Figura 19. Todas as páginas de Maria Inês. .....................................................27 Figura 20. Estrutura das páginas de Maria Inês. ..........................................28 Figura 21. Conjunto de closes de olhar, reunidos numa única imagem mantendo suas respectivas posições na página. .....................29 Figura 22. Thumbnails para MHS. ............................................................... 31 Figura 23. Pintura central da página 2 . .....................................................33 Figura 24. Quadros desenhados da página 2.................................................. 32 Figura 25. Rosto do hippie. ...................................................................... 32 Figura 26. Requadros da página 2. ............................................................. 32 Figura 27. Página 2 de Maldito hippie Sujo. .....................................................32 Figura 28. Requadros da página 3 ......................................................... 35
  • 6. Figura 29. Desenho de fundo. ................................................................. 34 Figura 30. Pintura de fundo. ................................................................. 34 Figura 31. Quadros desenhados. ............................................................... 34 Figura 32. Estampas das roupas do Hippie (e) e do patrão (d). .....................34 Figura 33. Página 3 de Maldito Hippie Sujo .................................................... 34 Figura 34. Todas as páginas de MHS. ............................................................... 35 Figura 35. Estrutura das páginas de MHS. .....................................................35 Figura 35. Imagens originais para o rosto dos hippies. ............................... 37 Figura 36. Edição final dos rostos. ............................................................... 37 Figura 37. Outras páginas. ..........................................................................38
  • 7. 6 INTRODUÇÃO Com mais de um século de história, os quadrinhos já não são novidade. Talvez seu valor ainda seja duvidoso para alguns, mas isso não tira seu mérito técnico ou artístico na maioria das vezes. Essa linguagem, os quadrinhos, agrega um enorme potencial cinematográfico e pode até representar seus gêneros sem dificuldades ou estranhamento do leitor. Outrossim, a narrativa pode ser um tanto subjetiva. Muitas vezes, no cinema, uma determinada ação recebe alguns cortes que eliminam cenas para aumentar a dramaticidade ou eliminar momentos difíceis de serem realizados pelo elenco. Nos quadrinhos essas limitações técnicas de efeitos especiais e dublês não existem, e os cortes são puramente estéticos. É, pois, essa qualidade cinematográfica das histórias em quadrinhos e, principalmente, suas possibilidades plásticas que pretendi abordar neste projeto. As histórias em quadrinhos apresentam uma enorme possibilidade de criação. Fotografia, desenho, pintura, arte digital e até mesmo esculturas podem ser vistas em algum álbum de quadrinhos. Dessa forma, ainda há muito o que explorar no que diz respeito à expressão plástica nas histórias em quadrinhos. Muitos artistas plásticos en- contraram seu espaço nos quadrinhos, nas maiores editoras americanas, chamadas de mainstream, como DC e Marvel (casas de Super-Homem e Homem-Aranha, respectivamente) que são os gigantes do mercado ocidental. Para citar alguns dos mais renomados e premiados nesse meio editorial específico, cito Dave McKean e Bill Sienkiewicz. O primeiro é conhecido por suas capas em publicações do personagem Sandman, de Neil Gaiman (figura 1), onde utiliza desde simples Fig. 1. Capa da edição nº1 de Sandman Autor: Dave McKean Fonte: http://www.comicoo.com/ sandman/Sandman01/html/image1.htm
  • 8. 7 manipulação digital de fotografias a escultura, pintura, desenho e assem- blages em belíssimas obras de arte. As capas foram publicadas mensal- mente de 1988 a 96, sem contar edições especiais e encadernados. Já Sienkiewicz aproveita de seu estilo muito particular de desenho como alicerce para uma “orgia” de grafismos e aberrantes representações de anatomia, como pode ser visto em Elektra: Assassina (1986) (fig. 2). Outro artista, este muito popular do meio dos comics (como os quadrinhos são chamados em língua inglesa), é Alex Ross. Virtuoso artista, Fig. 2. Capa de Elektra: Assassina Autor: Bill Sienkiewicz Fonte: http://hqmaniacs.uol.com.br/ img/materia/elektraassassina_panini.jpg originário do mundo publicitário, Ross ficou mundialmente conhecido por Marvels (1994) e Kingdom Come (1996) (fig. 3), onde emprega desenho e pintura foto- realísticos. Fig. 3. Capa da compilação norte-americana de Kingdom Come Autor: Alex Ross Fonte: http://goodcomics.comicbookresources.com/wp- content/uploads/2009/07/4pb0h7k.jpg
  • 9. 8 Mesmo assim existem parâmetros a serem observados: clareza na narrativa, harmonia do conjunto e diagramação das páginas. Tudo isso deve “funcionar como um relógio” para que o produto não seja corrompido pela falta de coesão e le- gibilidade. Desenhar bem não é o suficiente. Escrever bem também não. A narrativa gráfica em quadros se apresenta como um sistema complexo de signos e depen- dência intrínseca entre arte e texto, mesmo quando esse último não aparece. Para preencher a necessidade textual das histórias em quadrinhos que produzi para este trabalho, utilizei músicas brasileiras. A letra de cada música serviu de argumento enquanto a melodia guiou a interpretação plástica. Foram selecionadas: Rita Lee, de Arnaldo e Sérgio Baptista e Rita Lee, da banda Mutantes; Maria Inês, de André Abujamra, da banda Karnak; e Maldito Hippie Sujo, de Donida, da banda Matanza. Assim, a partir das músicas selecionadas uma pesquisa de materiais e suportes seguiu o desenvolvimento da idéia até sua conclusão impressa. “Muitas pessoas pensam que é fácil escrever. Quem tem essa opinião ge- ralmente não escreve nem lê nada” (MARAT, 2006:11). Esse trabalho também ser- viu para me dar mais segurança no que diz respeito à elaboração de roteiros, já que tive as letras de música como base. Explorar essa área também me interessa, para futuramente trabalhar com meus próprios personagens em publicações completa- mente autorais. Mas a questão central é: como adequar possibilidades plásticas dentro de uma mídia gráfica para que a narrativa continue concisa e fluida conservando ou in- tensificando valores dramáticos presentes na narrativa musicada de origem? Responder isso foi o meu objetivo. Experimentar algumas possibilidades plásticas encontradas durante a pesquisa para o meio gráfico dos quadrinhos e apresentar algumas possibilidades narrativas, também. Este relatório está dividido em duas partes. Na primeira descrevo minha pesquisa por fundamentos, buscando autores e artistas que utilizei como ponto de partida para meu trabalho e abordando algumas características dos comics que se relacionam com sua própria estrutura. Na segunda apresento minha produção, mostrando passo a passo como ela foi construída e discutindo algumas escolhas mais profundamente. Ao final deste relatório, um volume com a obra concluída segue em anexo.
  • 10. 9 1 ESTUDANDO QUADRINHOS O mundo dos quadrinhos é rico em temas, formas e definições. O que Eisner já chamou de narrativas gráficas (2005), atualmente considera-se como “imagens pictóricas e outras justapostas em seqüência deliberada” (McCLOUD, 2005). Cito alguns estudiosos e artistas dessa área que influenciaram a materialização deste projeto e que me encantam com suas pesquisas e obras já há muito tempo. Muitos artistas já passaram por esse meio e outros se aventuram entre os quadros e as onomatopéias. Mesmo tendo uma vasta gama de personagens de co- nhecimento público e sendo berço de grandes obras, não é tão conhecida a produção teórica sobre o assunto. “Para muitos educadores e autoridades, os quadrinhos são ainda um passatempo infantil, próprio para iletrados e acometidos de preguiça mental” (Henrique Magalhães in GROENSTEEN, 2004:13). Existem, entretanto, artistas-teóricos que com anos de experiência na área das tiras e gibis resolveram pesquisar mais a fundo os mistérios narrativos escondi- dos nas entrelinhas e canaletas (também chamadas de sarjetas ou calhas, os espaços entre os quadros), buscando apresentar ao maior número de pessoas os fundamentos dessa forma de arte, ou, “com todo o respeito às outras, para mim, quadrinho é a primeira arte” (Sidney Gusman in A NONA ARTE, 2008). 1.1 CONHECER, COMPARAR E COMBINAR O mais popular e considerado um gênio desta forma de narração é Will Eisner (1917-2005), autor de duas obras importantíssimas para quem quer entender quadrinhos (Quadrinhos e arte seqüencial e Narrativas gráficas). Sempre será lem- brado por seu personagem que revolucionou a maneira de fazer quadrinhos, The Spirit (O Espírito), de 1940, que segue sendo publicado por outros autores até hoje, em aventuras que misturam mistério, ação e algumas pitadas de humor. Outro autor americano, também quadrinhista, Scott McCloud carrega o fardo de atualizar as
  • 11. 10 teorias de Eisner e demonstrar as novidades e possibilidades dentro do novo século, como os webcomics, os quadrinhos para Internet. Sua trilogia (Desvendando os quadrinhos, 2005, Reinventando os quadrinhos, 2006, e Desenhando quadrinhos, 2008) é esclarecedora e acrescenta muito a quem estuda ou produz quadrinhos. No Brasil, Álvaro de Moya e Moacy Cirne escreveram muito sobre o assunto e exploraram muitos tópicos importantes para o desenvolvimento da leitura de HQs (abreviação convencionada para Histórias em Quadrinhos) de uma maneira mais séria e crítica. Diz Cirne que “além da importância ideológica e social, os quadrinhos registram uma problematicidade expressional de profundo significado estético, tornando-se a literatura por excelência do século XX” (1974:22-3). Tanto ele quanto os autores supracitados serviram de pedra fundamental no que diz respeito à construção teórica deste trabalho, que também contou com meu acervo pessoal de quadrinhos, além de outros autores. No campo da prática, adquiri gosto por alguns artistas que explorei no de- senvolvimento da linguagem trabalhada em cada uma das músicas escolhidas para a conclusão do projeto. Artistas como os já citados McKean e Sienkiewicz, que tra- balham com várias técnicas entrelaçadas. Também os brasileiros Flávio Colin e Rafael Grampá serviram de inspiração. Colin com seus brilhantes enquadramentos e arte excepcional, e Grampá com seu traço sujo e cheio de hachuras. Artistas muito diferentes entre si e que em sua obra me ajudaram a alcançar soluções plásticas para materializar histórias presentes em músicas de autores nacionais. Como a intenção deste projeto é desenvolver e demonstrar possibilidades plásticas em meio gráfico, muito de composição e conteúdo específico de artes foi revisado, incluindo a Pop-art, que lembrou o mundo das artes da existência dos quadrinhos. Por falar em narrativas, as obras teóricas de Eisner (2001 e 2005) e McCloud (2005, 2006 e 2008) funcionam como pedra fundamental, mas estão lado a lado com outra mídia que também foi investigada para este trabalho: o cinema. Narrativas seqüenciais são comuns tanto ao cinema quanto aos quadrinhos, mesmo que de forma ligeiramente diferente. Primeiramente, há a relação entre os quadrinhos e o storyboard, que é uma ferramenta/etapa muito importante da produção cinematográfica e é, sem dúvida, uma forma de narrativa gráfica. O cinema também nos fez ver imagens que acreditávamos impossíveis, tornando suas possibilidades “supraterrestres” (BENJAMIN, 1993), mesmo quando muitas das imagens que se
  • 12. 11 tornavam tão surpreendentes na tela já haviam sido vistas de diversas formas nas páginas dos comics. As histórias em quadrinhos permitem até uma revolução de subtexto e narração, que nunca foram vistos em outras mídias, tendo como álibi o suporte ou seja, a página e a maneira como se relacionam. A narração gráfica não estabelece sua duração de tempo, sequer obedece as leis da física. Lapsos temporais, onipresença e seqüências de ação impossíveis são tão simples quanto rabiscar grama ou traçar nuvens num quadrinho. Thierry Groensteen diz sobre histórias em quadrinhos: ... usa códigos particulares; aqueles, notadamente, dos cortes, bem dizendo das elipses, e da paginação, quer dizer, da disposição das imagens na página e na justaposição planejada. Uma história de mais de um século e meio soube trazer aos quadrinhos um alto grau de sofisticação. (2004:19) Mas, assim como o cinema algumas vezes se inspirou nos quadrinhos, os quadrinhos às vezes tomam emprestadas maneiras cinematográficas de contar histórias, embora sejam técnicas que podem ser vistas mesmo em gravuras ou pinturas, como é o caso do plano de rolo que seria o equivalente gráfico, guardadas as devidas proporções, ao plano-seqüência cinematográfico, onde não há cortes e a cena se desenrola sem mudanças abruptas de plano e, principalmente, sem cortes. As histórias em quadrinhos têm muita relação com o cinema, principalmente por serem as principais formas narrativas que lidam com o campo visual e o tempo. “Os romances são normalmente longos e lentos. Não se lê um romance geralmente de uma só vez. Ver um filme é habitualmente algo que se assiste uma só sessão, e esta diferença é muito importante” (Wolf Rilla apud MARNER, 2006:56). Nos quadrinhos o mesmo conceito é aplicável se este for considerado mero entretenimento, da mesma forma que o cinema, que já passou pelos mesmos questionamentos e hoje não se duvida de suas possibilidades artísticas; Duhamel dizia que o cinema era um passatempo para analfabetos, Werfel não o considerava arte se mostrasse realidade e Mars via o cinema como renascentista, onde só se deveria mostrar o belo (apud BENJAMIN,1993).
  • 13. 12 Histórias curtas e tiras também não costumam ser feitas para serem lidas e relidas. Mesmo arcos de histórias que durem meses para serem concluídos dificilmente são relidos depois de concluídos. Além do que: O cinema exige pouco mais do que a atenção de um espectador, en- quanto os quadrinhos precisam de um pouco da capacidade de leitura e participação. O espectador de um filme fica aprisionado até um filme terminar, mas o leitor de quadrinhos está livre para folhear a revista, olhar o final da história ou se deter numa imagem e fantasiar (EISNER, 2005:75). É como diz Benjamin: “as massas procuram diversão, mas a arte exige concentração” (1993:26) e, com relação ao cinema, “o público das salas obscuras é bem um examinador, porém um examinador que se distrai” (1993:27). Da mesma forma, a mídia impressa dos quadrinhos faz com que o leitor possa facilmente viajar entre as páginas e ver como a história termina, fazendo com que o autor tenha a difícil tarefa de prender o leitor em seu conteúdo. E o público deve conhecer a mídia e a linguagem tanto quanto o artista (COSTA, 1999). A obra deve absorver a atenção do leitor por completo e os conhecimentos envolvidos ajudam nesse aspecto. E para o artista, conhecimento é primordial. O artista amador já foi aceito após indicar produção eficiente de nível profissional. Hoje é muito mais difícil entrar no meio sem a academia. Mesmo assim, o amador que se inicia nas artes e tem então uma vasta produção tem alguma chance e deve dominar as novas tecnologias para alcançar o profissionalismo (id, ibid.). 1.2 E DAÍ? Todos os elementos que constituem a página (número, formato e dis- tribuição dos quadros, estilo do desenho, imagens em cor ou em preto e branco, presença ou não de texto escrito) influenciam a mensagem produzida pelo leitor durante a leitura (SRBEK, 2006:64).
  • 14. 13 Desde a mais antiga concepção deste trabalho, quis demonstrar o valor de cada peça da composição das histórias em quadrinhos. Principalmente no que diz respeito à arte. Quão importante é a maneira como uma história é ilustrada? Qual a diferença entre a leitura de A Divina Comédia com as gravuras de um ou outro artista? Que diferença existe na leitura das paráfrases pintadas por Picasso e as obras originais? Qual a diferença entre utilizar páginas simples ou páginas duplas numa história? E se o estilo de arte variar durante a história, isso interfere na leitura? Foram questões desse tipo que quis responder dentro do universo das histórias em quadrinhos. As outras falas que considerei fundamentais para a materialização deste trabalho são: A realidade é que o estilo de arte conta uma história. Lembre-se de que este é um meio gráfico e o leitor absorve o tom e outras abstra- ções através da arte. O estilo de arte não só conecta o leitor com o ar- tista, mas também prepara a ambientação e tem valor de linguagem (EISNER, 2005:159); e A interpretação dos resultados da pesquisa em arte não converge para a univocidade, mas para a multivocidade, uma vez que cada interlo- cutor deverá fazer sua interpretação pessoal e proceder uma leitura subjetiva para analisar o resultado da pesquisa contido na própria obra de arte (ZAMBONI, 2001:59). Lembrando que o leitor também é co-autor das histórias, criando voz e entonação para os personagens; as obras que materializam minha pesquisa ao final deste relatório não pretendem ter um significado único, sua interpretação é aberta. As páginas de quadrinhos que produzi são parte da minha interpretação sobre suas músicas de origem. São a minha versão para uma adaptação. Essa é muito mais uma arte de comunicação do que uma simples aplicação de arte (EISNER, 2001). “A imagem não é a expressão de um código, é a variação de um trabalho de codificação: não é o depósito de um sistema, e sim a geração de sistemas” (Roland Barthes apud SRBEK, 2006:47).
  • 15. 14 1.3 AGREGANDO CONHECIMENTO Lembrando que a emoção expressa em arte é mais bem expressa assim e recebida dessa forma do que por outros meios (OSBORNE, [s/d]) e que toda expe- riência visual é dinâmica e inserida num contexto de espaço e tempo (ARNHEIM, 1980), um importante conceito deve ser explicado: o que é timing (EISNER, 2001)? Relativo a tempo (time em inglês), Eisner descreve-o com dramaticidade. Serve muito comumente como expressão quando se diz que alguém “tem timing” para alguma coisa. Como quando um comediante conta uma história que soa engra- çada e seu vizinho conta a mesma história e lhe passa despercebida. Descrever o tempo de uma maneira dramática altera a percepção da história e destaca um acontecimento que você deseja que o leitor creia ser mais importante do que outros. Ação dramática leva mais tempo na mente do leitor mesmo que dure apenas dez ou quinze segundos no mundo real. Um diálogo que levaria dez minutos no dia-a-dia pode ser contado em poucos quadros e durar apenas poucos segundos na mente do leitor. Isso é timing. Nos quadrinhos, a principal maneira de manipular o tempo é a divisão de quadros. Uma página com muitos quadros leva mais tempo para ser lida. Um quadro sem falas é lido rapidamente, mas é entendido como uma duração maior de tempo conforme seu tamanho. O tamanho dos balões interfere em como o leitor “ouve” a fala de uma personagem. O leitor é conduzido e manipulado pelas páginas por muitos fatores que, às vezes, não compreende, mas aceita e torce para que isso aconteça da maneira mais natural possível. Para o criador de quadrinhos, o leitor está sempre pronto para a leitura. No momento em que o consumidor final abre um fumetto (como os italianos chamam as HQs), entende-se que ele esteja a par do “contrato” (EISNER, 2005). Isto significa que o leitor sabe que deve ler em determinado sentido, compreender as leis da física, entender como os balões e legendas funcionam, ter criatividade o suficiente para compreender o que não é mostrado nos desenhos e assim por diante, pois as imagens raramente são passíveis de sobreposição, tal qual um desenho animado ou um storyboard.
  • 16. 15 O storyboard muitas vezes é lembrado como uma forma de quadrinhos que reforça a relação entre HQs e cinema. Apesar disso, existem muitas diferenças entre ambos. Diferenças estas que esclarecem porque quadrinhos podem ser considerados uma forma de arte, um instrumento de expressão autônoma, uma obra em si, e o storyboard não. Dentro do que diz respeito a cinema, o storyboard não passa de uma etapa que constitui a obra, o filme. É uma ferramenta de tradução do roteiro em imagens, funcionando como uma interpretação gráfica do que se pretende ver na tela. É o primeiro conjunto de imagens concretas de um filme. Mas não é um filme, não é cinema. E também não é história em quadrinhos. Pode ser considerado um esboço do filme, no mesmo nível de um copião, que é a primeira filmagem completa, ainda sem edição, apenas um aglomerado de filme em seqüência lógica. O storyboard representa para o cinema o que os thumbnails (as miniaturas – “unhas de dedão” em tradução livre) representam para os quadrinhos. O processo chamado de thumbnailing é semelhante ao do storyboard, representando o primeiro esboço do que irá se tornar uma obra de fato. No cinema o desenhista lê o roteiro e apresenta sua interpretação imagética do que está escrito. No caso dos quadrinhos, algumas vezes o escritor já tem alguma idéia de como deve ser a página, que estrutura de quadros ele deve conter. No cinema, alguns diretores produzem seus próprios storyboards. Acredito que a principal diferença entre uma e outra forma de narração gráfica, quadrinhos e storyboard, seja seu valor como obra. Da mesma forma que não considero storyboard quadrinhos, não considero thumbnailing como quadrinhos. São pequenas etapas, pequenas partes da engrenagem, e não se comparam ao todo. As páginas constituem boa parte do significante das histórias em quadrinhos. Não apenas o papel, a folha, mas qualquer suporte onde quadrinhos possam ser lidos: arquivos de imagem no computador, tiras pintadas em paredes ou seqüências riscadas numa calçada. Deve haver ritmo, deve haver continuidade, deve haver um trajeto. Por isso chama-se arte seqüencial. No ocidente, por causa do sentido de leitura da esquerda para a direita e de cima para baixo, o fluxo de leitura sempre levará o leitor ao canto inferior direito (no oriente, o canto inferior esquerdo), fazendo com ele se sinta obrigado a virar a
  • 17. 16 página, continuar a leitura, buscar mais informações. Quanto mais natural for essa necessidade de continuar lendo, melhor será a experiência de leitura. Ler é uma atividade da qual é fácil se distrair. Uma oscilação na luz ambiente pode distrair o leitor, assim como um ruído ou uma música, podem fazê-lo pular uma linha de texto. Se o leitor conseguir virar a página sem perceber que está fazendo isso, é uma conquista da obra. Significa que houve “imersão”. O leitor está envolvido com o enredo de tal forma que não repara mais nas divisões dos quadros ou na cor da roupa dos figurantes. Ele quer a história, quer continuar lendo, continuar virando as páginas e isso só é possível quando há um bom roteiro e este é acompanhado de uma boa arte. Os quadrinhos, “seja numa função alegremente digestiva ou seriamente crítica, constituíram-se numa articulação imagística original e própria” (Cohen e Klawa in MOYA, 1977:110). Surgiu como opção à literatura, aproveitou-se de linguagens cinematográficas e depois das artes plásticas; hoje os quadrinhos são uma forma de arte particular para além da literatura e artes plásticas, onde texto e imagem têm a mesma importância dentro da página.
  • 18. 17 2 FAZENDO QUADRINHOS O mais divertido (e tenso) após tanta pesquisa foi materializar toda leitura e teorias em aplicações práticas atraentes visualmente. Fazer HQs. Depois de muito esforço e trabalho, três quadrinhizações foram produzidas para ilustrar melhor este pequeno estudo e aplicar seu conteúdo sobre narrativa em páginas que buscam materializar todas as impressões que tive ao ouvir as músicas selecionadas. 2.1 RITA LEE Quando entrei na universidade ouvia Mutantes regularmente. Quando defini que iria adaptar músicas para os quadrinhos, a música Rita Lee, homônima à integrante do grupo e música do álbum homônimo à banda, logo veio à minha cabeça. As razões eram óbvias para mim para que começasse por essa música gravada em 1969. Simples, divertida e curta. Pareceu-me um ótimo ponto de partida. A música narra as desventuras da personagem Rita Lee que, solitária, sonha com o amor e espera por seu “príncipe encantado” até que, não mais que de repente, ela se casa. Fim. Assim, de supetão, a história termina com ela contraindo matrimônio com alguém que surge sem nome ou procedência. A letra da música pode ser dividida em três partes, considerando suas três estrofes, que são breves e objetivas. Na primeira, Rita Lee passeia triste e não consegue ficar feliz de maneira alguma, por causa de sua solidão. Na segunda, ela sonha em encontrar alguém e continua triste por ser tão sozinha, ainda. Na terceira, ela está em uma igreja se casando e se tornando uma pessoa muito mais feliz. A história tem um quê de sonho de menina, um tanto ingênua. O pessimismo do começo se transforma imediatamente na realização de uma doce fantasia adolescente, onde uma menina se casa em uma igreja com o homem de seus sonhos.
  • 19. 18 2.1.1 Interpretar Entendi que seria correto fazer, então, uma história em quadrinhos com apenas três páginas, onde cada uma representa uma parte da história. Depois de esboçar essas páginas (fig. 4), testei-as individualmente e em conjunto, buscando Fig. 4. Esboços para Rita Lee. encontrar a diagramação correta para definir os quadros nas páginas e o desenho final. Estes testes foram realizados em folhas sulfites tamanho A4 (21x29,7cm), o que se mostrou um empecilho desnecessário, pois desde quando decidi produzir HQs eu tive a certeza de utilizar o formato americano (aproximadamente 17x26cm). Rascunhar em A4 me atrapalhou porque o formato americano, apesar de ser pouco menor, é mais estreito. Assim, as relações entre a altura e a largura dos desenhos tiveram que ser alteradas nas páginas definitivas. Com relação às cores, o humor interferiu muito na realização da pintura, o que causou um resultado vibrante devido à música soar para mim muito alegre. Uma balada agridoce com final feliz. A primeira parte é um tanto triste, mas um dia lindo; uma página com cores vibrantes, porém soturna. Então ela sonha com um possível amado indefinidamente; um pouco melancólica, o predominante verde produziu a página mais morna do conjunto. E, eis que, casou-se e realizou seu grande sonho; muita vibração e “alegria aos baldes”. A paleta restrita a cores primárias e secundárias tornou tudo mais intenso, mais vivo. O uso do nanquim branco na última página é mais um dos diferenciais do fim da história, que organizei para se destacar das demais e, de certa maneira, sobrecarregar o leitor. Aumentar a surpresa. O nanquim branco permitiu uma cobertura e brilho diferentes da aquarela, o que era necessário para o efeito que
  • 20. 19 busquei com sua utilização. A última página também trouxe a única palavra da HQ. “Fim”. Escrito com sobreposição de cores aquareladas. A partir do momento em que essa música foi escolhida não consegui imaginar outras cores para utilizar, bem como a escolha pela aquarela, tinta aguada que permite uma mistura e variedade de nuances que considerei ideais para uma história tão “bonitinha”. Essas sutilezas também me levaram à não utilização de legendas ou balões de fala. Isso tornou a leitura mais objetiva e a surpresa ao final da história surge tão abruptamente quanto a chegada do leitor ao final, dada uma leitura tão breve. 2.1.2 Construir Apresento-lhes, agora, o processo de criação para a segunda página. O primeiro rascunho foi elaborado na mesma folha em que tinha a letra da música para eu estudar (fig. 4). Risquei cada página com quase duas polegadas de altura. A partir desse esboço, testei a mesma página no formato A4, para ter melhor noção em tamanho maior e ficar mais certo de que fizera as melhores escolhas (fig. 5). O desenho final foi feito com lápis HB e 2B sobre papel Montval 270g/m² (fig. 6). Fig. 5. Esboços da página 02 de Rita Lee.
  • 21. 20 Com o desenho definido em uma margem de 25x38 cm, próxima à proporção do formato americano, digitalizei-o em um scanner doméstico e imprimi em um A3 couché fosco 170g/m², para testar as cores. Utilizei lápis aquarelável. Fig. 6. Lápis final da página 02 de Rita Lee. A página final foi pintada com aquarela em bisnaga sobre o papel com o desenho. As cores foram tratadas digitalmente de maneira discreta, apenas para remediar os problemas de contraste da digitalização (fig.7). Fig. 7. À esquerda, teste com lápis aquarelável; à direita, página pronta com a cor definitiva em aquarela e tratamento digital.
  • 22. 21 2.1.3 Observar Levando em consideração a simplicidade do argumento desta história, minha construção de páginas tornou-a ainda mais objetiva. Sua leitura é muito rápida não só pela história breve, mas, principalmente, pelos seguintes motivos: a falta de balões/legendas e de quadros “coadjuvantes”. Vejamos todas as páginas prontas, lado a lado (fig.8), e então um diagrama estrutural das páginas (fig.9). Fig. 8. Todas as páginas de Rita Lee. Fig. 9. Estrutura das páginas de Rita Lee.
  • 23. 22 Como podem ver, as páginas são praticamente iguais. A repetição estru- tural também influi no ritmo de leitura, fazendo com que o leitor repare menos na diagramação dos quadros e mais no conteúdo deles. A ausência de balões também aumenta o valor de significação das imagens, além de aumentar a velocidade de leitura. Pode-se entender melhor o fluxo de leitura com as imagens ao lado (figuras 10,11 e 12). Começo dando valor aos quadros. Os quadros com requadros têm mais valor porque neles há história se desenvolvendo. Os quadros que compõem o fundo das páginas não representam muito da história e servem mais como momentos de contemplação, “tempos mortos” se fosse cinema. Assim, o fluxo de leitura que normalmente seria representado como na figura 10 identifica-se melhor com o da figura 11. A ausência de texto nas páginas força ainda mais o fluxo de leitura. Esse “empurrão”, associado aos valores narrativos dos quadros que compõem as páginas, representa um fluxo como o da figura 12 e contribui para uma leitura inicial de poucos segundos, onde a página é mais percebida como composição e menos pelos quadros. Os valores pictóricos acabam pedindo uma segunda leitura. Fig. 10. Leitura convencional. Fig. 11. Fluxo real. Fig. 12. Fluxo induzido.
  • 24. 23 2.2 MARIA INÊS Quis transformar Maria Inês em quadrinhos desde a primeira vez em que a ouvi. Sua letra, escrita por André Abujamra, conta a história de uma mulher que, cansada dos abusos do marido, enfia a faca no “miserável”. Sua vingança não passa despercebida. Seu cunhado e depois seu sobrinho partem em seu encalço. Gravada em 2000, no álbum Estamos Adorando Tokio, da banda Karnak, Maria Inês nos remete à literatura de cordel. No cordel, história de apelo popular ganham forma em contos curtos, geralmente rimados e ilustrados com gravuras. 2.2.1 Interpretar Das três músicas escolhidas, esta foi a mais difícil de começar a desenhar. Demorei a ter alguma idéia de como elaborar as páginas. Os personagens foram mais fáceis de encontrar, principalmente a família de Antônio, marido de Maria Inês. O que levou algum tempo foi encontrar o traço para eles, pois a forma de interpretar esta música em quadrinhos já era bem clara para mim: eu iria simular xilogravuras, forma tradicional de ilustrar cordéis. A música me inspirou nesse caminho desde o início. As linhas tiveram que engrossar, ou serem pensadas para ficarem mais grossas depois. Produzir em preto e branco foi inquestionável, assim como buscar um traço que reforçasse a associação com a literatura de cordel. Decidi utilizar imagens como se fossem cortadas na madeira e tratá-las no computador. Todavia, tenho certeza de que, se essas páginas realmente tivessem sido feitas em madeira e gravadas em papel, o resultado teria sido muito mais impressionante. Isso implicaria, todavia não conseguir cumprir meus prazos no fim do semestre. Xilogravura é uma técnica que muito me agrada e interessa. Aproveitei a oportunidade de abordá-la com esta história, mesmo que apenas como simulação. Ainda tenho vontade de fazer uma história em quadrinhos toda em matrizes de madeira. Definitivamente teria que ser feito em outro projeto. Um dia, quem sabe?
  • 25. 24 2.2.2 Construir Vamos ver como foi realizada a página 03 de Maria Inês. Depois das miniaturas das páginas elaboradas (fig. 13 e fig.14, primeira etapa), os rascunhos foram realizados em margens de 12,8x19,6 cm em sulfite 75g/m² (fig. 14, segunda etapa). O desenho foi feito em papel layout 140g/m², inicialmente com grafite HB 0,5mm verde e então com lápis 2B e 4B (fig. 14, terceira etapa). Com uma mesa de luz fiz a arte final em papel layout 63g/m², em nanquim, com canetas descartáveis 0.3 e 0.8mm e pincéis variados (fig.15, primeira etapa). Essa página foi digitalizada e teve suas sarjetas preenchidas digitalmente (fig.15, segunda etapa). Fig. 13. Thumbnails para Maria Inês. Fig. 14. Progresso do desenho para a página 3 de Maria Inês.
  • 26. 25 Fig. 15. Arte final digitalizada (e) e editada (d). Todo o texto e os balões foram feitos no computador (fig. 16) e depois inseridos nas imagens digitalizadas. Só então a imagem final foi tratada para se parecer com uma gravura. Para simular o efeito de xilogravura nas páginas, algumas imagens de madeira foram selecionadas e editadas digitalmente (fig. 17). Fig. 16. Camada de textos da página 03. Fig. 17. Detalhe de madeira escolhido e editado.
  • 27. 26 O resultado você pode conferir abaixo (fig.18). Fig. 18. Maria Inês, página 03.
  • 28. 27 2.2.3 Observar Vamos, primeiramente, olhar como ficaram as páginas prontas (fig. 19) e entender suas estruturas (fig. 20). Fig. 19. Todas as páginas de Maria Inês.
  • 29. 28 Fig. 20. Estrutura das páginas de Maria Inês. Durante a elaboração das páginas notei uma curiosidade no meu processo narrativo: todas as páginas ímpares tinham uma personagem que se revoltava e, nas pares, uma que morria. Assim, decidi elaborar uma relação entre os personagens que se revoltavam, tornando este sentimento claro por meio do enquadramento do seu olhar e cenho franzido no momento em que sentem “sangue nos olhos”. Veja: página 1, quadro 9; página 3, quadro 9; página 5, quadro 5; e página 7, quadro 1, sendo neste último quadro de uma maneira diferente.
  • 30. 29 Estes enquadramentos também elevam suas posições no decorrer das páginas, terminando, na página 07, com um agrupamento de policiais no topo da página, caçando Maria Inês. Podemos agrupá-los numa mesma imagem (fig. 21) e entender como o perigo aumentou para Maria Inês durante a história. Fig. 21. Conjunto de closes de olhar, reunidos numa única imagem mantendo suas respectivas posições na página. Além disso, existe outra relação entre as páginas que, infelizmente, só não foi possível entre as duas primeiras. A metade da primeira página serviu para introduzir a história e isso exigiu mais quadros. Dessa forma, o destino de Antônio, marido de Maria Inês, foi decidido em duas páginas com 9 e 6 quadros respectivamente. Nas outras páginas os personagens são envolvidos na trama e têm sua participação concluída com o mesmo número de quadros. O delegado Tonhão, 10 e 10. João Augusto, 7 e 7. Maria Inês encerra sua trajetória com 6 e 6 quadros. A segunda página poderia também ser contada em 9 quadros, mas não existiu a necessidade para isso. A morte de Antônio deveria ocupar muito da página e uma maior divisão do resto da página iria reduzir o valor dos outros quadros. Assim, enquanto a primeira página chama o leitor para a história, a segunda chama atenção pelo impacto da desforra. A violência na primeira página prepara o leitor para a morte de Antônio e para as seguintes, quando, com gradual aceleração, os antagonistas de Maria Inês são elencados e o duelo é travado.
  • 31. 30 2.3 MALDITO HIPPIE SUJO Antes de decidir interpretar letras de música com estilos diferentes, meu projeto era transformar em quadrinhos apenas músicas da banda Matanza. Isso mudou quando me deparei como uma vontade de desenhar muitas outras músicas. Claro que guardei uma do Matanza para o final e, entre todas, a Maldito Hippie Sujo propiciava uma liberdade que permitiu uma experimentação mais aberta. 2.3.1 Interpretar Por dois ou três anos, Maldito Hippie Sujo foi um objetivo pessoal. Tinha que virar quadrinhos de uma vez por todas. As outras histórias elaboradas para esse volume foram planejadas como um todo, algo que em MHS (como vou chamar essa história daqui em diante) ocorreu de maneira ligeiramente diferente. Assim como as outras, MHS foi planejado pensando na seqüência de todas as páginas, mas cada página deveria permitir uma interpretação imagética diferente. Seu conjunto de páginas foi rascunhado várias vezes. Antes mesmo de as outras músicas serem escolhidas para esse projeto, MHS já tinha sido pensado em páginas. Depois das outras músicas terem sido rascunhadas, MHS foi rascunhado novamente. Depois das outras prontas, MHS foi rascunhado outra vez. O produto desse estudo foi um material calcado na experimentação individual das páginas. Suportes diferentes, materiais diferentes. Foi um relativo descanso. Ao invés de pensar na produção integral da história, como uma página se relacionaria com a outra, decidi que cada página se relacionaria com o próprio trecho da música que representa. A produção fragmentada se sobressai, mantendo a narrativa. As histórias anteriores foram produzidas na exata seqüência em que se apresentam. MHS não. Suas páginas com suportes diferentes foram feitas na ordem da vontade. Quando eu queria trabalhar com tinta acrílica, pintava de uma só vez tudo o que eu gostaria que fosse assim. Quando queria trabalhar apenas com lápis,
  • 32. 31 fazia quadros soltos que não faziam parte da mesma página. Alguns desenhos foram intuitivos e riscados diretamente com caneta sobre o papel. Outros foram finalizados no estilo linha clara, comum aos quadrinhos franco-belgas, como Tintin, de Hergé. Realizei também algumas colagens digitalmente, utilizando material digital, papel de embalagem, imagens da Internet, rabiscos e outras coisinhas. Menos racionalização e mais inspiração. O produto é o mais contemporâneo do conjunto ao lidar com fusão de materiais e linguagens analógicas e digitais. 2.3.2 Construir Com tantos recursos diferentes, veremos o processo que envolveu a criação das páginas 2 e 3 de MHS. Muito thumbnailing foi realizado. O último, que serviu para orientar os rascunhos foi este da figura 22. Olhando com algum cuidado, observa-se que poucas páginas sofreram grandes alterações. Apesar de parecerem tão diferentes entre si no produto final, o objetivo é sempre fazer com que funcionem em conjunto. Também dá para ver que algumas páginas estão em branco. Aconteceu a mesma coisa durante a produção de Maria Inês. Certas páginas só se tornam claras para mim quando outras já estão prontas. Depois de concluir uma ou duas páginas é que os tons da arte e da narrativa se confirmam ou não, e o resto é produzido como conseqüência das decisões tomadas nessas primeiras páginas feitas. Fig. 22. Thumbnails para MHS.
  • 33. 32 Na página 2 (fig. 27), utilizei tinta acrílica para a imagem central, apenas preto e branco (fig. 23). Os quadros superior e inferior foram feitos com lápis e nanquim branco em retalhos de caixas de camisa (fig. 24). O rosto do hippie (fig. 25), personagem título, é totalmente digital. Os requadros são digitais (fig. 26). Na página 3 (fig. 33), os requadros (fig. 28), as estampas dos tecidos (fig.32) e o rosto do hippie são imagens digitais. Os quatro quadrinhos justapostos (fig. 31) foram feitos em papel, antes fundo de um bloco de papel Canson. Usei lápis e caneta-corretor escolar. O desenho ao fundo (fig. 29) foi feito com caneta nanquim descartável em Layout 63g/m². As manchas (fig. 30) foram feitas com tinta acrílica preta e branca, também sobre fundo de bloco de papel. Essas mesmas manchas também compõem a última página dessa história. Entenda melhor o processo dessas páginas a seguir. Fig. 23. Pintura central da pág. 2. Fig. 25. Rosto do hippie. Fig. 24. Quadros desenhados da pág. 2. Fig. 26. Requadros da página 2.
  • 34. 33 Fig. 27. Página 2 de Maldito hippie Sujo.
  • 35. 34 Fig. 28. Requadros da página 3. Fig. 30. Pintura de fundo. Fig. 32. Estampas das roupas do Hippie (e) e do patrão (d). Fig. 29. Desenho de fundo. Fig. 31. Quadros desenhados.
  • 36. 35 Fig. 33. Página 3 de Maldito Hippie Sujo.
  • 37. 36 3.3.3 Observar Vejamos todas as páginas (fig. 34) e suas estruturas (fig. 35). Fig. 34. Todas as páginas de MHS. Fig. 35. Estrutura das páginas de MHS.
  • 38. 37 Escolhi falar das páginas 2 e 3 pois acredito que elas deram o tom do que viria a seguir e já vemos nelas boa parte das soluções que seriam utilizadas no decorrer de MHS. Lidemos primeiro com a página 2. As páginas 1-3 foram pensadas como uma coisa só que iria se desenvolver até chegar ao tom da história. Como a página 1 é muito semelhante à 02, eu decidi retirá-la do comparativo. Também a imagem escolhida para a capa desta história é um detalhe da página 02, que poderia muito bem fazer parte da página 01, e serve para iniciar a experiência do leitor dentro do clima das primeiras páginas e evitar um contraste estrondoso ao iniciar a leitura. Desta maneira, o leitor inicia sua leitura com linhas e tinta e aos poucos vê interferências digitais e colagens. Mais para frente será apresentado a texturas e muitas interferências mais. Olhando as páginas e estruturas de MHS, percebemos duas grandes diferenças quanto às outras histórias deste volume: variedade de materiais e páginas duplas. A variedade de materiais torna a leitura mais dinâmica, embora tire a atenção do texto algumas vezes. Quanto mais atraente a arte, mais a atenção se desvia do texto, mais tempo é reservado à contemplação das páginas. Se as técnicas e materiais dessa arte variam não há como passar despercebido pelos desenhos. Assim, para não complicar muito a experiência do leitor, todo o texto presente nos quadrinhos foi retirado da letra do Matanza. Esse “delírio visual” também possibilitou um uso maior de texturas nas imagens, algo que eu buscava por me agradar e que tentei colocar em todas as páginas de MHS. As páginas duplas também serviram para aumentar a importância das imagens. MHS é uma história recheada de violência. As passagens mais violentas mereceram páginas duplas. As páginas duplas pouco acrescentam para a narrativa, pois sua utilização interrompe o ritmo do leitor. Mesmo assim, ao invés de atrapalhar a leitura, elas geram alívio e um momento de contemplação e surpresa, principalmente por fugirem de uma diagramação padronizada. Isso não aconteceria se a história tivesse sido elaborada em pranchas horizontais, de forma que todas as páginas fossem duplas. Da mesma forma, o rosto dos hippies causa enorme estranhamento no início da história por não se relacionar com os outros rostos. Ao final, quando outros hippies aparecem na cidade, o rosto multiplicado em todos os hippies massifica o medo daquele povoado. Quando todos são o mesmo, cada um perde a
  • 39. 38 individualidade no grupo. A turba acaba por perder o rosto onde todos são iguais. Se eles eram apenas uma multidão enfurecida, agora são uma força da natureza com sede de vingança. Todo o processo de criação da face dos hippies foi digital. Veja melhor abaixo, dos rascunhos (fig. 36) às edições finais (fig. 37). Fig. 35. Imagens originais para o rosto dos hippies. Fig. 36. Edição final dos rostos.
  • 40. 39 2.4 MEU GIBI Fig. 37. Outras páginas. Depois das três histórias concluídas, um volume foi elaborado para reuni-las. Ao lado podem ser conferidas as páginas que preenchem o resto do volume (fig. 37). Elas foram realizadas sempre com a intenção de página dupla. De cima para baixo: a capa, imagem contendo detalhes das três histórias; a folha de rosto, com parte das informações contidas também na folha de rosto desse relatório; o índice, também com alguns detalhes das histórias; a página que antecede Rita Lee e a que encerra a leitura após Maldito Hippie Sujo; e as últimas páginas do volume, contendo uma breve biografia minha e informações para contato. Todas essas páginas foram desenvolvidas para se relacionarem com a diagramação das capas individuais, mantendo áreas divididas por linhas. Toda a experiência de leitura pensada para as histórias se mantém. O leitor começa com páginas coloridas e amplas, pouco texto, seguindo para a leitura de Rita Lee. Quando termina o volume de histórias encontra uma página preta e então uma página dupla que, de certa forma, dá continuidade à experiência de MHS.
  • 41. 40 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este trabalho realizei um sonho: fiz quadrinhos. Anos de rabiscos e rascunhos finalmente construíram um gibi. Exigiu mais paciência do que eu gostaria, mais tempo do que eu previ, mas resultou muito melhor do que eu esperava. Rita Lee, efêmera e graciosa; Maria Inês, dolorida e violenta; Maldito Hippie Sujo, chocante e delirante. Era tudo o que eu queria. A seleção das capas individuais e a composição da capa do volume; a criação das páginas adicionais. Fazer este trabalho foi espetacular. O único porém talvez seja a não publicação (ainda) deste material. Procurei fazê-lo de maneira independente, mas os custos são altíssimos, visto o número de páginas e sua impressão colorida. O que não diminuiu minha satisfação em tê-lo produzido. De qualquer forma, o gibi está disponível para leitura online e download gratuito no endereço <http://issuu.com/shamaniel/docs/epeq>. Devo acrescentar que as referências não se limitam às listadas no final deste relatório. Muito mais material sobre quadrinhos, cinema e história da arte foi lido. A lista é enorme e se eu citasse a todos, possivelmente não sobraria muito espaço para minhas próprias opiniões. Ao final deste relatório segue em anexo um volume desta obra que servirá tanto para mostrar que fui capaz de concluir o que me propus como projeto, que consigo trabalhar com diferentes formas de finalização e, também, que eu consegui produzir um conteúdo prático e teórico dentro da área dos quadrinhos que servirá como portfólio para minha vida profissional. Muita produção me aguarda fora destas páginas. Muitos quadrinhos a serem preenchidos. Ainda existem muitas formas de se elaborar uma página que eu não utilizei, muitas técnicas que deixei de lado, muitas maneiras de diagramar uma página, de pintar uma cena, de narrar uma história. Obrigado pela atenção e até o próximo quadrinho.
  • 42. 41 REFERÊNCIAS ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual - uma psicologia da visão criadora. Nova versão. Trad. Ivone Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira: Ed. da USP, 1980. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Trad. José Lino Grünnewald. IN: Textos escolhidos. 2ª Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1993, p. 03-28. CIRNE, Moacy. A exploxão criativa dos quadrinhos. Petrópolis: Vozes, 1974. COSTA, Cristina. Questões de arte: a natureza do belo, da percepção e do prazer estética. São Paulo: Moderna, 1999 (coleção Polêmica). EISNER, Will. Narrativas gráficas. Trad. Leandro Luigi Del Manto. São Paulo: Opera Graphica, 2005. ________________. Quadrinhos e arte seqüencial. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. GROENSTEEN, Thierry. Histórias em quadrinhos: essa desconhecida arte popular. Trad. Henrique Magalhães. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004. MARAT, Marcelo. A palavra em ação: a arte de escrever roteiros para histórias em quadrinhos. 3ª ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006. MARNER, Terence. A realização cinematográfica. Trad. Manuel Costa e Silva. Edições 70, 2006. McCLOUD, Scott. Desenhando os quadrinhos. Trad. Roger Maioli dos Santos. São Paulo: M. Books, 2008.
  • 43. 42 McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. Trad. Helcio de Carvalho e Marisa do Nascimento Paro. São Paulo: M. Books, 2005. ________________. Reinventando os quadrinhos. Trad. Roger Maioli. São Paulo: M. Books, 2006. MOYA, Álvaro de. Shazam! 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1977. NONA ARTE, A. Quadrinhos, [s/l]: Canal Brasil, 26 ago. 2008. Programa de TV. OSBORNE, Harold. Estética e teoria da arte: uma introdução histórica. Trad. Octavio Mendes Cajado. 3ª ed. São Paulo: Cultrix, [s/d]. SRBEK, W. Quadrinhos & outros bichos. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006. ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. 2ª ed. Campinas: Autores Associados, 2001.