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7
INTRODUÇÃO
Este relatório descreve e analisa o processo de produção de duas versões de
uma obra de síntese de imagens e sons digitais que foi denominada “Estórias do
Cotidiano”. A produção das imagens foi feita a partir de fotografias digitais que,
posteriormente, foram editadas, organizadas em seqüência e sonorizadas. O
processo de criação e produção da obra foi inspirado nas idéias do teatrólogo russo
Stanislavski (1982), que se baseava em cenas apreendidas do cotidiano para
compor parte dos enredos e ambientes de suas peças.
Dentre os elementos do processo de criação, Stanislavski ressalta a
imaginação e a memória, principalmente, das memórias das emoções, destacando
também a emoção e o subconsciente, ao tratar do limiar do subconsciente. Esse
mesmo autor também fala sobre a fantasia.
Sobre a fantasia, é Bruno Munari (1981) quem fortalece este relatório com
seus pensamentos. O desenvolvimento das idéias de inspiração realista e de
fantasia, como liberdade de criação sem compromisso direto com a realidade é
apresentado no primeiro capítulo deste texto, que também trata da fotografia e da
fotografia digital, indicando o seu caráter informal e ocasional relacionado com o
cotidiano.
A fotografia informal é tratada por Busselle (1988) que a qualifica como o
registro fotográfico que dispensa a pose e enfatiza as situações em que a pessoa ou
as pessoas fotografadas desenvolvem suas atividades de forma natural e
espontânea.
8
A expressão “ação natural” é associada ao cotidiano, que foi o tema
ordenador do trabalho produzido. Este tema também foi tratado por outros artistas
em linguagens que se diferenciam da fotografia. Duane Hanson (1925) representou
em suas esculturas o cotidiano do turista; Meziat (2004) retratou o cotidiano carioca
na suas pinturas hiper-realistas; Hooper também tratou dos ambientes e da vida no
dia-a-dia da cultura moderna, representando em suas pinturas os postos de
gasolina, os bares, os hotéis e os escritórios.
O processo de trabalho para a produção das “Estórias do Cotidiano” também
foi influenciado pelos estudos de dois movimentos da Historia da Arte: o Dadaísmo,
que contemplou o acaso na captura e produção de imagens, e o Surrealismo que
compôs representações realistas tornando-as fantásticas, por um processo baseado
na irracionalidade e no subconsciente. O segundo capítulo deste relatório trata das
representações do cotidiano na arte e na fotografia.
O terceiro capítulo analisa as duas versões da síntese audiovisual e dinâmica
intitulada como “Estórias do Cotidiano”. Cada uma das versões é composta por 14
imagens encadeadas e sonorizadas. O encadeamento propõe uma obra de síntese,
que organiza no espaço e no tempo as imagens escolhidas para interagirem entre si,
produzindo um sentido maior do que a soma de suas significações isoladas. O
sentido produzido instaura a fantasia no cotidiano das pessoas.
As fotografias receberam um tratamento de computação gráfica que lhes
alterou as texturas e as relações tonais, cromáticas e luminosas, além de alterar
também as composições originais, com a repetição de elementos e outros efeitos de
edição. Os programas utilizados para o tratamento das imagens foram: Photoshop
7.0 e Coreldraw 11. Depois de tratadas, as fotografias foram editadas, numa primeira
versão, no programa Pinnacle 9.3, que permitiu uma rica incorporação de sons,
determinando o caráter audiovisual da obra. Uma outra versão foi editada no
programa Power Point, que permitiu um incremento na inserção de elementos
gráficos, mas reduziu as possibilidades de sonorização da síntese de imagens.
9
1. O PROCESSO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA
Todo processo de criação, conforme exposto por Munari (1981) e Stanislavski
(1982), deve ter alguns elementos principais que formam uma estrutura criadora,
para que dela nasça a criação.
No caso dos processos de criação, os elementos principais são instrumentos
de raciocínio. Pode-se pensar quais seriam esses elementos e como seria esse
raciocínio para entender a estrutura criadora. Talvez, a palavra-chave seja
“conhecimento”. Esse seria então o começo de tudo?
De acordo com Munari (1981) para se criar alguma coisa mental, alguma idéia,
é preciso ter um certo conhecimento cultural. Porém, não é só disso que se compõe
o processo de criação, porque para se obter conhecimentos e promover a criação, a
mente do homem dispõe de outros recursos, tais como: a emoção, a memória, a
imaginação e a fantasia (em seus aspectos conscientes e subconscientes).
1.1 A IMAGINAÇÃO
Para se compreender o que é a Imaginação foi estabelecido um diálogo com
os autores acima citados, uma vez que o presente trabalho se utiliza do processo
criador com base na imaginação.
10
Stanislavski (1982) considera que a imaginação é o elemento de criação ou
lugar que dá origem à idéia. Munari (1981) trata a imaginação como um suporte
visual da mente.
Para Munari (1981: 24): “a imaginação é o meio para visualizar, para tornar
visível aquilo que pensam a fantasia, a invenção e a criatividade”. É Stanislavski
(1982, p. 82) quem associa a imaginação à arte ao afirmar que “a arte é produto da
imaginação assim como deve ser a obra do dramaturgo”.
De acordo com as afirmações acima, a Imaginação assume dois papéis, que
são um pouco diferentes em cada uma das situações propostas. Porém, em ambos
os casos a imaginação é associada a atividades criadoras. Primeiramente, ela dá
origem à imagem mental, projetando o resultado. Depois ela orienta o fazer,
concebendo a arte como sendo a imagem e a idéia juntas. A imaginação é
destacada como elemento de criação de idéias e pensamentos, formulando
conceitos e imagens artísticas.
1.2 A MEMÓRIA
A memória pode ser um instrumento de trabalho para qualquer tipo de
profissional, pois ela é sempre utilizada para lembrar algo ou recordar alguma
informação. A memória é acionada quando o artista, seja um autor ou um ator, vai
compor uma cena ou uma personagem.
Há também memórias de sentimentos e vivências, o artista expressa idéias
e sentimentos que, de alguma forma, ele já conhece ou reconhece. Por meio da
imaginação ele pode conseguir recompor esses conhecimentos de modo novo e
inusitado. No caso do ator, ele utiliza a memória, para poder sentir e viver uma
personagem e situá-la no seu ambiente imaginário.
11
No dicionário Laurosse Cultural (MAFRA,1992, p. 736), o significado do
termo memória é apresentado como sinônimo de “lembrança” ou “recordação” e
descrito como: “a atividade biológica e psíquica que permite reter as experiências
anteriormente vividas”.
Retomando ao exemplo do ator, é interessante como Stanislavski recorre à
memória de seus alunos para formá-los como atores:
Deixem que eu os veja utilizar a sua psicotécnica, apresentando
novos elementos imaginativos que lhes despertem os sentimentos
adormecidos. Se o conseguirem, poderei reconhecer provas que há
em vocês memória de emoção (STANISLAVSKI, 1982, p.183).
Além de salientar a importância da memória das emoções para o ator,
Stanislavski descreve uma outra situação que, também, pode explicar, mesmo que
indiretamente, o papel da memória na estruturação da cena. Nesse sentido, a idéia
da fotografia como registro ou memória de uma cena ou de um instante é, também,
suscitada pela fala do mestre aos alunos:
Não há dúvida que conservaram toda marcação, os movimentos, as
ações exteriores, a seqüência e cada mínimo detalhe dos
agrupamentos com uma exatidão espantosa. Podia-se facilmente
pensar que vocês fotografaram a montagem (STANISLAVSKI, 1982,
p.183).
A ênfase na memória como fonte de informação, garantindo a construção e a
continuidade da cena teatral, justifica também a utilização da fotografia como
instrumento de composição e registro no processo de criação proposto por
Stanislavski (1982) e adotado no processo de produção das imagens que são,
prioritariamente, apresentadas e analisadas neste relatório.
12
As imagens que compõem o objeto de estudo deste relato, cujo conjunto é
denominado de “Estórias do Cotidiano”, expressam um jogo imaginativo que
relaciona memórias.
A memória fotográfica de momentos do cotidiano foi acrescida com elementos
visuais produzidos pela interferência de recursos gráfico-digitais, recuperados da
memória funcional do computador. Essas interferências foram regidas pela memória
e pela imaginação artística, passando a expressar, portanto, um tipo de realismo
fantástico.
As imagens mostram cenas do cotidiano entrelaçadas com recursos da
imaginação e, possivelmente, poderiam conceber cenários e cenas do teatro ou
vídeo, recobrindo com fantasia até mesmo a própria fotografia.
1.3 A EMOÇÃO
A emoção é um elemento muito importante para o artista; muitas vezes, é
pelo estado emocional que se começa uma criação. É no sentimento que
Stanislavski (1982) se baseia para criar. A relação entre emoção e sentimento pode
ser encontrada no dicionário, que descreve a emoção como uma “alteração súbita
ou agitação passageira causada por um sentimento de medo, de surpresa, etc.”
(MAFRA,1982, p. 397).
Para Aristóteles (GILES, 1993, p. 709), “a emoção é uma expressão do
sentimento ou da paixão, relacionada ao termo grego pathos”. Ao considerar a
persuasão como algo diferente do convencimento, Aristóteles relaciona o
convencimento aos argumentos lógicos, cerebrais, e a persuasão aos sentimentos, à
paixão e à emoção (PUC/RIO, 2004).
13
Ao contrário do lógico ou do professor, que busca o entendimento do ouvinte
ou espectador, o ator deve considerar também e, principalmente, a emoção como
parte do processo de expressão teatral.
Stanislavski propõe um exercício para usar a emoção, sugerindo uma
situação em que todos os seus alunos estão no interior de uma casa a mercê de um
louco fugido do hospício que tenta abrir a porta da mesma. Proposta no início de seu
livro, essa estória é repetida no seu desenrolar, para que se possa avaliar os
sentimentos dos alunos, como atesta a citação a seguir:
Esses sentimentos tirados da nossa experiência real e transferidos
para o nosso papel, é que dão vida à peça. Toda produção exterior é
formal, fria e sem sentido, quando não tem motivação interior. Aí esta
a diferença entre as duas atuações. No começo quando lhes fiz a
sugestão sobre o louco, todos sem exceção se concentraram, cada
qual com seu próprio problema de segurança íntima, e só depois é
que começaram a atuar. Era esse o processo lógico: a experiência
interior vinha antes e depois se incorporava numa forma exterior. Da
primeira vez foram impelidos a agir pelos seus sentimentos íntimos e
pela intuição, por sua experiência humana (STANISLAVSKI, 1982, p.
184-185).
Aqui, o processo está direcionado para o ator. Porém, não é somente este
profissional que se utiliza da emoção para criar, também os outros artistas, sejam
pintores, escultores ou fotógrafos, devem utilizar esse elemento de criação.
1.4 O SUBCONSCIENTE
Além da emoção, aspectos subconscientes também participam da criação e,
ao consultar o dicionário, fica esclarecido que o subconsciente é “um estado
psíquico do qual o indivíduo não tem consciência, mas que influi em seu
comportamento” (MAFRA, 1992:1051).
14
Para Stanislavski (1982), o subconsciente é um campo muito importante para
a formulação da expressão artística, porque é uma reserva de emoções e intuições
que dão acabamento ao projeto da personagem. De acordo com as palavras do
autor:
Nosso consciente muitas vezes aponta a direção em que o
subconsciente continuará com a tarefa. Portanto o objetivo
fundamental da nossa psicotécnica é colocar-nos em um estado
criador no qual o nosso subconsciente funcione naturalmente. É justo
dizer que esta técnica tem com a natureza criadora subconsciente a
mesma relação da gramática com a poesia. No teatro isso se dá com
excessiva freqüência, mas ainda assim, não se pode passar sem a
gramática. Deve-se usá-la como auxiliar no arranjo do material
criador subconsciente, pois só depois de organizado é que ele pode
assumir forma artística. No primeiro período da elaboração
consciente de um papel, o ator busca, tateando, chegar a vida de sua
parte, sem entender completamente o que se esta passando nela,
nele mesmo e em volta dele. Quando atinge a região do
subconsciente abrem-se os olhos de sua alma e ela se apercebe de
tudo, até de íntimos detalhes e tudo aquilo adquire um significado
totalmente novo. Tem consciência de novos sentimentos,
concepções, visões, atitudes, tanto no papel, como em si próprio.
Transpondo o limiar, nossa vida interior, espontaneamente assume
uma forma simples, plena, pois a natureza orgânica dirige todos os
centros importantes do nosso equipamento criador. A consciência
nada sabe disso tudo – nem mesmo os nossos sentimentos sabem o
caminho nessa região – e, entretanto, sem eles a verdadeira
criatividade é impossível. Eu não lhes dou nenhum método técnico
para adquirir controle do subconsciente; lhes posso ensinar o método
direto de abordá-lo e se renderem ao seu poder (STANISLAVSKI,
1982, p.295-296).
Stanislavski fala do processo de criação pelo subconsciente, descrevendo-o
como se fosse uma fórmula matemática. Primeiro, ele fala que o ator acredita poder
sentir a criação para, posteriormente, chegar a uma verdade que corresponda à sua
proposta e à sua personagem, de forma que possa desenvolvê-la, passando para o
próximo passo. Em seguida, ele fala da fantasia e da imaginação como algo que
soma a interpretação de seu papel. E conclui dizendo sobre o raciocínio, como algo
consciente que podemos controlar, e sobre o subconsciente que se expõe no ator
através das emoções, das atitudes ou ações involuntárias. O autor coloca isto
dizendo que:
15
A nossa liberdade, deste lado do limiar, é cerceado pela razão e
pelas convenções; do lado de lá nossa liberdade é atrevida,
marchando sempre avante. Lá o processo criador é diferente cada
vez que se repete (STANISLAVSKI, 1982, p. 298).
Além disso, Stanislavski (1982, p. 298) afirma que ocorrências externas
também interferem na criação do personagem, sendo aquelas que não tem
nenhuma ligação com a personagem, com a peça ou, até mesmo, com o ator; ou
seja, o inesperado gerando um resultado que mistura vida real e criatividade
subconsciente. .
Fazendo suas explicações em seu livro, o teatrólogo russo mostra todo o
caminho de criação que é percorrido pelo subconsciente de um ator, mas este
caminho é feito, também, por outras qualidades de artistas, pintores, escultores,
gravuristas; cada qual com sua técnica consulta, também, as vontades de seu
subconsciente, transpondo-as de maneira organizada nas suas obras finais.
Aqui, neste trabalho com a fotografia, utiliza-se o limiar do subconsciente;
antes, no colher das fotos e, depois, na realização das interferências ou na criação
da cena.
1.5 FANTASIA
A Fantasia foi um elemento muito utilizado no trabalho Estórias do Cotidiano,
pois após coletadas as imagens e ao trabalhá-las nos programas adequados para
fotografia, as cenas de um cotidiano corriqueiro ganharam um universo um tanto
fantástico.
16
E para se entender esta colocação de Fantasia, vejam o que Stanislavski fala
sobre ela, criando um paralelo entre a imaginação e fantasia:
A imaginação cria coisas que podem existir ou acontecer, ao passo
que a fantasia inventa coisas que não existem, nunca existiram e
nem existirão. E no entanto, quem sabe, talvez um dia elas passem a
existir. Quando a fantasia criou o Tapete Mágico, quem iria pensar
que nós um dia estaríamos voando através do espaço?
(STANISLAVSKI, 1982, p.82).
Atenhamo-nos agora às colocações de Munari com relação à fantasia, e
como essas colocações esclarecem, favorecendo a realização deste trabalho
fotográfico. O autor Munari (1981) coloca a fantasia como algo sem limite; num
mundo o inacreditável e o improvável podem acontecer com uma liberdade
extraordinária. Ele descreve isso relatando que:
A fantasia tem a liberdade de pensar qualquer coisa, mesmo a mais
absurda, incrível ou possível. O produto da fantasia, tal como o da
criatividade e da invenção nasce de relações que o pensamento
estabelece entre aquilo que se conhece (MUNARI, 1981, p. 27).
Ele esclarece a fantasia em volta da realidade, utilizando objetos que
pertencem ao real e criando outras utilidades sobre eles. Bem relacionado ao caso
das fotos aqui realizadas, pois elas mostram cenas do dia-a-dia, transformando-as
em cenas de fantasia com cores e efeitos.
Munari (1981) conta o que vem a ser, ou não, fantasia no universo da criança
que geralmente faz relação com tudo que conhece, não se podendo pensar que
quando ela brinca e diz que a boneca está com dor ou sono, seja uma fantasia. O
autor explica que é importante desenvolver o lado criativo e fantástico da criança, da
seguinte forma:
Assim, se quisermos que a criança se torne uma pessoa criativa,
dotada de uma fantasia desenvolvida e não sufocada (como de
muitos adultos), devemos fazer com que ela memorize o maior
número de dados possível, no limite de suas capacidades, para lhe
17
permitir que estabeleça o máximo de relações possíveis, tornando-a
apta a resolver os seus problemas sempre que estes se
apresentarem (MUNARI, 1981, p. 31-32).
Munari (1981) comenta sobre o exemplo de um macaco que estava com fome
e usou sua fantasia para resolver esse problema. Quando o macaco viu uma banana
que estava alta, teve um pensamento fantástico de subir num banco que brincava
para poder agarrar a banana. O autor descreve todo um percurso de raciocínio até
que o macaco apanhasse a banana. Neste exemplo é possível notar que a fantasia
não é nada limitada, pois de um conhecimento simples do macaco, ele pôde realizar
um pensamento que para seu cotidiano é um tanto fantástico, e que não é só o ser
humano que tem fantasia.
Além da fantasia não ser única para o ser humano, Munari a trata como algo
sem regras ou convenções, fazendo uma clara conclusão sobre ela:
A fantasia é a faculdade humana que permite pensar em coisas
novas, que não existiam anteriormente. A fantasia tema liberdade de
pensar em coisas absolutamente inventadas, novas, que jamais
existiram anteriormente, mas não se preocupa em verificar se aquilo
que pensa é verdadeiramente novo. Não é essa a sua tarefa
(MUNARI, 1981, p. 35).
O fato de a fantasia não ter um certo limite para pensar, criar, inventar foi
exatamente o aspecto que as fotos aqui apresentadas; foram realizadas com base
nas opiniões de Munari. Assim, o trabalho Estória do Cotidiano mostra a utilização
de um ideal de fantasia.
18
2. FOTOGRAFIA E COTIDIANO
O marco inicial para a fotografia foi a daguerreotipia (ASGRECA, 2003)
inventada pelo artista Louis Mandé Daguerre. Mas, o francês Nicephore Niépce é
considerado o autor da primeira fotografia, realizada em 1826.
Desde a invenção de Daguerre, os métodos fotográficos passaram por
evoluções, sendo no final dos anos 70 criada a fotografia digital.
As máquinas digitais dispõem de mídias removíveis que armazenam as
imagens de modo codificado. Posteriormente, esses dados são transferidos e
armazenados nos computadores. As imagens decodificadas podem ser vistas nas
telas de vídeo, ou serem projetadas em anteparos, por meio de projetores digitais.
Além disso, as imagens digitais podem ser representadas por máquinas impressoras
sobre diversos suportes, com a mesma qualidade do método convencional,
dispensando o uso de produtos químicos para a revelação de filmes e papéis
fotográficos (SALGADO, 2004).
De modo rápido e simplificado, as imagens capturadas pelas máquinas digitais
podem ser manipuladas e duplicadas sem perda de qualidade. Depois de cumprir
suas finalidades, as imagens também podem ser apagadas, liberando espaços de
memória digital. Isso torna possível o uso renovável de cartões de memória e outros
arquivos. As imagens ainda podem ser visualizadas imediatamente após a sua
captação, o que diminui as expectativas.
As câmeras fotográficas, tanto as convencionais quanto as digitais, dispõem
de equipamentos básicos que são as lentes, o diafragma e o disparador, que
compõem o aparato de captação da luz. No entanto, os aparatos eletrônicos de
codificação e registro digital, que dispensam o uso de filmes e permitem um maior
armazenamento de imagens, demarcam a diferença entre as câmeras digitais e as
tradicionais.
19
As fotografias digitais podem ter manipuladas as suas expressões de cor, de
luz e de profundidade, pelo uso de muitos softwares que foram desenvolvidos para
esses fins. Por exemplo, o programa Photoshop permite ajustes de cor, de brilho e de
contraste nas fotografias. Nos casos de reparos estéticos em fotografias de pessoas,
esses recursos apagam rugas, espinhas e olheiras.
A tecnologia digital proporciona maior liberdade criativa para os profissionais
da área publicitária, pois todas as suas campanhas de sucesso têm algum retoque
digital, fotográfico ou tratamento de imagem (SALGADO, 2004).
Ao se considerar os aspectos compositores da imagem fotográfica digital, além
das características técnicas e tecnológicas, também, é necessário atentar para todos
os elementos visíveis que foram enquadrados pelo campo visual da máquina porque
há casualidades que são incorporadas no contexto fotográfico a despeito da intenção
do fotógrafo.
Essas imagens do acaso, que são integradas de maneira informal à cena,
oferecem amplas possibilidades de fruição, interpretação e criação, como registros do
cotidiano, que é o tema deste relatório.
A dinâmica do ambiente foge à racionalidade do ato fotográfico, incorporando
elementos inesperados à cena. Elementos que, se forem percebidos, mantêm-se
inconscientes, sugerindo relações com o Dadaísmo e o Surrealismo, movimentos
artísticos modernistas que se aproveitaram artisticamente dos registros
inconscientes, do inesperado, do absurdo e da incoerência (SOUZA, 2005).
Os artistas dadaístas e surrealistas utilizaram amplamente os recursos
fotográficos e os recursos de intervenção na imagem fotográfica. Entre esses
destacam-se o francês Marcel Duchanp, que se fez fotografar travestido como uma
personagem feminina criada por ele e, também, interferiu numa fotografia da obra
“Mona Lisa”, do artista renascentista Leonardo da Vinci, acrescentando bigodes à
figura; o pintor alemão Max Ernest, que contribuiu no Dadaísmo com colagens e
20
fotomontagens, composições que sugerem a múltipla identidade dos objetos, e Man
Ray, fotógrafo que transitou entre o Dadaísmo e o Surrealismo, criando e utilizando
métodos fotográficos alternativos, utilizando o filme fotográfico sob a ação direta da
luz (SOUZA, 2005).
A idéia do incomum se estabelece no imaginário, que se revela e interfere no
cotidiano. As imagens deste relatório pretendem dialogar com o íntimo imaginário das
pessoas, expressando o cotidiano de modo incomum, ressaltando com senso criativo
uma visão inédita da cena comum.
Um outro aspecto a ser considerado é a informalidade do ato fotográfico,
porque, segundo Busselle (1988, p.102) “qualquer retrato fotográfico que, em certo
sentido, não tenha sido posado no estúdio ou em casa, pode ser classificado como
informal”.
Uma fotografia informal é evidenciada quando o modelo está em posição
relaxada ou entretido com algo, podendo estar ocupado com uma atividade do seu
dia-a-dia, como ler um livro, ou que sua pose não pareça forçada ou desconfortável.
A iluminação também ressalta a informalidade quando foca mais o modelo, ocultando
um pouco o fundo e sugerindo um clima confortável, no qual pareça que o modelo
está em seu ambiente natural.
A forte expressividade que pode existir no registro de uma situação informal é
relatada na descrição de uma fotografia:
A estranha luz do entardecer realça duas senhoras em um parque em
Heidelberg, na Alemanha Ocidental. O fundo escuro e sombrio,
amenizado apenas pelos bancos desocupados, confere uma
atmosfera um pouco misteriosa e até ameaçadora a uma imagem que
sob outros aspectos é tranqüila (BUSSELLE, 1988, p.109)
21
Figura 1 – Alemanha Ocidental (BUSSELE, 1988).
A fotografia descrita por Busselle sugere imediatamente o clima de mistério e
ameaça que pode pairar sobre uma simples cena do cotidiano. A imagem fotográfica
condensa esses efeitos permitindo que um observador sinta-se nesse ambiente.
Assim, a fotografia passa a contar-lhe uma sobre-história imposta a uma cena do
cotidiano que, muitas vezes, é pouco notada.
No dicionário Larousse Cultural (MAFRA,1992, p. 285), as palavras cotidiano
ou quotidiano são conceituadas como “aquilo que se faz todos os dias; o que
acontece habitualmente”. As imagens deste relatório foram compostas para destacar
que, para as representações que partem das fotografias, o cotidiano ou o dia-a-dia,
não se trata de um assunto corriqueiro ou sem valor estético.
Enquadrada pela objetiva da câmera, sob uma iluminação adequada, seja
artificial ou natural, a cena adquire diversas possibilidades conotativas. Primeiro,
porque o registro é estático, congelando um determinado momento maquiado pela
luz, o qual levará o observador a reconhecer uma nova história desse mesmo
cotidiano, uma nova interpretação porque para a fotografia:
22
O movimento e a vitalidade dos seres humanos, trabalhando ou
entregues ao lazer, evidentemente apresentam áreas férteis em
temas fotográficos. É bastante fácil observar as pessoas durante suas
horas de lazer, e, durante o trabalho. Alguns fotógrafos afeitos a
“cenas do cotidiano” dão-se satisfeitos por retratá-las no mercado
local ou na construção mais próxima (BUSSELLE, 1988, p. 106).
Sobre o movimento e a vitalidade do cotidiano como tema fotográfico existe
uma descrição de fotografia do cotidiano com registro de uma cena com pessoas
patinando no gelo:
Os arranha-céus de Manhattan servem como fundo para os nova-
iorquinos, que aproveitam uma onda de frio para patinar no Central
Park. As cores discretas, obtidas graças a uma superposição
deliberada, em conjunto com a lente grande-angular, resultam em
uma imagem reminiscente de uns quadros de Lowry. Embora
fotografadas em pequena escala, e destituídas de individualidade, as
pessoas continuam a representar um elemento básico transformando
uma paisagem sobretudo urbana em uma fotografia cheia de vida
(BUSSELLE,1988, p.106).
Mais uma vez o observador foi enviado a um mundo imaginário, onde ele
encontra um novo ambiente proporcionado pela imagem da fotografia. Quando se
fala em revisão do cotidiano por meio de fotografias há que se referir também às
cenas do dia-a-dia, que são recompostas em peças de teatro, cenas de novela ou de
cinema que, em sua maioria, expressam as relações propostas na fotografia natural.
Em alguns casos, inclusive, esses cenários são compostos com base em imagens
fotográficas.
Até mesmo uma escultura, como a “Pietá” de Michelângelo, compõe uma cena
e uma narrativa, porque conta uma história ao espectador. Ao ser fotografada à
distância, a escultura passa a habitar um contexto, que é o campo visual determinado
pelo enquadramento da fotografia. De alguma maneira, isso recria a cena e a
narrativa, de modo diferentemente do que percebe um observador que se aproxima
diretamente da escultura. Pode-se dizer que, quando a escultura é vista de perto, a
idéia é determinada pela forma da estátua. Mas, na fotografia o contexto é mais forte.
23
Figura 2 – Fotografia captando momento real.
A pintura e a fotografia estão bem próximas, a não ser na questão do real,
porque a fotografia registra diretamente a luz, que é parte da realidade, e a pintura
necessita da intervenção do artista. A fotografia captura automaticamente o momento
real expressando a imagem com mais verossimilhança, já a pintura não dispõe do
mesmo efeito em sua técnica. Mas, ambas podem narrar uma história com base na
realidade.
Para colaborar na composição teatral, a fotografia enfatiza o esqueleto da
cena, assim como será vista no teatro, na televisão ou no vídeo. A partir de um
estudo fotográfico as posições são mais bem definidas porque o método de fotografar
possui a condição de definir a pose das pessoas e a posição dos objetos, devido à
condição estática, que mantém a cena fixa durante todo o tempo necessário a uma
observação detalhada.
24
Além do contexto cenográfico, a fotografia também promove o estudo das
expressões gestuais e faciais. Ao refletir sobre a arte do retrato fotográfico, Busselle
(1988, p.104) considera a expressão do modelo, que é determinada por alguns
pontos que denotam a personalidade ou o estado de espírito da pessoa fotografada.
Além disso, prevê também cuidados com as posições da cabeça e com os efeitos de
iluminação.
A fotografia tem o poder de contar uma nova história sobre determinado caso;
nem sempre o que se vê é o que realmente aconteceu ou acontece. Através da
fotografia vemos outras possibilidades, encontramos outras histórias, mesmo que
estas sejam apenas estórias. É o que mostra a fotografia feita por Richard Haughtton,
onde se conta que:
O ar despreocupado e confiante desta garotinha é enganador, pois na
verdade, ela encontrava-se em ligeiro estado de choque, depois de
ver sua irmã ser atingida na cabeça por uma garrafa, na parte externa
do prédio de apartamentos onde moram. O fundo escuro um dos
grandes responsáveis por aumentar a força do retrato, foi escurecido
ainda mais na hora de fazer a cópia (BUSSELLE, 1988, p. 105).
Figura 3 – Garotinha em estado de choque
25
Apesar da expressão da testa e dos olhos da garotinha fotografada denotar
alguma tensão, a sua expressão facial como um todo não reflete bem a tensão do
momento narrado, passando-se por mais tranqüila do que seria esperado diante da
gravidade da situação. Além disso, o enquadramento e o tratamento dado ao fundo
da fotografia colaboram a omitir o momento vivido.
Além de omitir o real ou reinventá-lo, a fotografia também permite um outro
nível de representação que se estabelece na atitude do modelo. Nesse sentido, são
reforçadas as considerações sobre as expressões e atitudes faciais. É o caso de uma
foto em que o modelo exagerou na expressão facial, que foi reforçada pelos efeitos
de luz. Isso sobrecarregou o aspecto aguerrido do lutador representado noutra
fotografia assim descrita:
Espera-se que todos os participantes de lutas livres sejam
ameaçadores, e este modelo sem dúvida corresponde às
expectativas. Ao refletir a luz contra o teto e o fundo, dois aparelhos
de flash produziram sombras bastante densas no rosto, e estas,
aliadas ao corte na parte superior da fotografia, contribuem para
transformar a penetrante expressão do olho esquerdo em um
elemento ainda mais impressionante na imagem. Graças ao ponto de
vista elevado, o observador tem a impressão de que o modelo está
inclinado ou aproximando -se, em sua direção (BUSSELLE, 1988, p.
105).
Figura 4 – Participante de luta livre.
26
A fotografia informal, todavia, trabalha com situações menos intencionais,
podendo ser realizada até mesmo por uma amador. As pessoas não devem se dar
conta de que estão sendo fotografadas, mesmo que estejam olhando para a objetiva
da câmera, são registradas em momentos em que este olhar é inconsistente ou
desatento. Para tanto, as situações comuns, cotidianas, são mais pertinentes,
principalmente quando apreendidas de maneira rápida, utilizando-se alta velocidade de
obturador.
Para exemplificar essa questão da informalidade nas cenas coletivas, Busselle
(1988) comenta que foi possível registrar algo da rotina de um dia na vida de um
vilarejo andaluz quando anciãos aposentados, como mostra a imagem, reuniram-se
em seu local de encontro predileto, para ali passar uma ociosa e quente tarde de
verão. A essência de uma boa fotografia informal de grupo encontra-se, portanto, na
manutenção de um clima de naturalidade. Nesse caso, mesmo que diversos rostos
estejam voltados para a câmera, o efeito geral não deixa de ser espontâneo, sem nada
de estudado. As sombras e o acentuado reflexo azul provocados pela dura luz do sol
contrastam com tons quentes presentes nos rostos e mãos (BUSSELLE, 1988, p. 111).
Figura 5 – Anciãos de um vilarejo andaluz.
27
Indicando essa mesma questão no campo das artes plásticas, a escultura de Duane
Hanson (1925), chamada “Tourists” (ou “turistas”, 1970), como o próprio título indica,
representa um casal de turistas, que está a observar algo; ambos vestidos de forma
típica e munidos com máquina fotográfica, óculos, sacolas e outros acessórios do
contexto turístico. São duas esculturas sobre um bloco, tendo uma forma de um
homem e a outra a forma de uma mulher, vestidos com roupas de verdade e bem
chamativas, com cores vivas: verde, vermelho e amarelo.
O aspecto geral da cena é bem informal. Por suas dimensões naturais, as
duas figuras são confundidas com pessoas em meio as outras no cotidiano das
cidades ou dos aeroportos em que são expostas, sendo traídas por sua imobilidade,
diante de um olhar persistente, e pelo aspecto sintético do material, que é percebido
quando as figuras são vistas bem de perto.
Segundo John A. Walter (1977, p. 48), são esculturas veristas em três
dimensões, que equivalem ao foto-realismo, embora dependam da técnica de fabricação dos
moldes do corpo humano em fibra de vidro e resina poliéster. Os artistas norte-americanos,
como John De Andrea e Duane Hanson, freqüentemente imaginam quadros narrativos com
honrosos temas políticos, compostos de grupos de figuras em tamanho natural vestidas de
roupas de verdade.
Apesar do uso das roupas verdadeiras e outras coisas, o caráter liberal da escultura
não ajuda para o completo ilusionismo e quando são vistos em carne e osso, esses quadros
petrificados geralmente não conseguem convencer. Eles se situam em uma zona crepuscular
entre o artifício e a realidade. Ironicamente, são mais eficientes em fotografias (WALTER,
1977, p. 48).
28
Figura 6 – Tourists,1970 (HANSON, 1925).
Com seu estilo realista, parecendo fotografias, as pinturas de Renato Meziat
reproduzem o dia-a-dia do carioca. Em um texto da internet, “Transcendendo a
fotografia”, o artista explica sua poética, indicando que “a arte realista possibilita a
comunicação mais direta com o público” e “que uma pintura deve falar por si só”
(MEZIAT, 2004).
Sebastião Salgado, que é jornalista-fotográfico, tem como objetivo
conscientizar as pessoas sobre os problemas do globo, por meio de suas fotografias
tiradas em diversas partes do mundo e também no Brasil. Ele já fotografou as guerras
internacionais, atentados políticos e tratou de registrar imagens de comunidades
pobres no País e no exterior, retratando a vida de retirantes, refugiados e migrantes.
29
Martine Joly (1992) comentou sobre o filme “Blow up”, que conta a história de
um jovem fotógrafo que se divertia fotografando namorados. Em seguida, o rapaz foi
agredido por alguém que, sem sucesso, tentou tomar-lhe o filme. Ao ampliar
desmensuradamente as fotografias, o fotógrafo se surpreendeu vendo um cadáver
entre os arbustos. Todavia, a presença desse cadáver não se concretizou na
realidade do filme, indicando uma alucinação fotográfica.
Esse roteiro comentado por Joly (1992) indica que até mesmo a fotografia
pode criar novas estórias, alucinando o fotógrafo e os espectadores. Assim, a
representação fotográfica também vai além da realidade porque cria novas
realidades, seja na denúncia poética da obra de Sebastião Salgado ou na pintura
realista de Meziat, que o autor sustenta que transcende a realidade.
Um outro encontro possível da arte com o cotidiano foi composto pelo artista
americano Edward Hooper, em pinturas que representam postos de gasolina, bares,
hotéis, escritórios, destacando a vida privada, por janelas que são vistas dos espaços
públicos. Suas figurações expressam temas como o silêncio e a solidão, por meio de
grandes espaços vazios e cenas de interiores, com poucas pessoas isoladas
(CIVITA, 1991).
Para Civita (1991, p. 13), os jogos de luzes e sombras nas pinturas de Hopper
lembram o trabalho de um iluminador de teatro, recortando de modo “despudorado”
as formas. Os enquadramentos, os ângulos e também a iluminação lembram
instantâneos fotográficos “colhidos do acaso”.
A luz tem papel principal tanto no cinema, no teatro, quanto na pintura e na
fotografia. A luz é algo que não pode faltar porque é o único elemento visível; o
tratamento das luzes e sombras ressalta e transforma o real da cena.
30
Na obra de Hooper sobre os notívagos, as ruas se tornam muito sombrias e
solitárias sob a pouca iluminação noturna que é trabalhada para compor uma cena de
suspense, insinuando sentidos não pela presença, mas pela ausência. O casal de
“Notívagos” aparecem sentados em um bar, numa esquina qualquer em Nova York.
As mãos do casal quase se tocam, embora eles não se olhem nem se
falem. Este quadro esta entre os mais famosos de Hopper, talvez por
captar tão completamente o espírito de sua época: tal como os
personagens de Notívados, os americanos de 1942 podiam avistar
duas ruas sombrias - a de um passado repleto das lembranças
penosas da Grande Depressão e a de um futuro obscurecido pelo
espetáculo da Segunda Guerra Mundial (CIVITA, 1991, p.13).
Figura 7 – Notívagos (HOPER, 1942).
O cotidiano e a cotidianidade é interessante, não só para poetas, pintores,
teatrólogos e romancistas, porque é um universo que chama a atenção do estado
político, do mercado de bens de consumo e da mídia. Para Júlio Barbosa (1980, p.
09) “tudo o que é humano, e por extensão social, só existe porque existe
comunicação”. Assim, o cotidiano constrói os fatos da comunicação e é também
31
construído pela comunicação, seja a comunicação sócio-jornalística ou a
comunicação artística.
Idéias e comportamentos são o alimento da mídia que também passa a
promover outras idéias e comportamentos por meio da recriação dos fatos recebidos
em textos transmitidos. Para Barbosa (1980, p. 11), há que se lembrar que, por trás das
mídias, estão pessoas a enviarem as diferentes mensagens. Assim, tanto podem veicular
pornografia quanto saber edificante; tanto podem veicular propaganda ideológica quanto
informações críticas. Podem, enfim, veicular qualquer tipo de mensagem. Mas sempre
através das pessoas; assim, o cotidiano é composto por sucessivos e contínuos
processos de interação social, através de uma permanente convivência com o outro.
”Falar sobre comunicação e cotidiano é falar sobre a própria vida” (BARBOSA, 1980,
p. 13).
Outro estudioso preocupado com o cotidiano é J. P. Netto; para esse autor:
A vida cotidiana é aquela vida dos mesmos gestos, ritos de todos os
dias: é levantar nas horas certas, dar conta das atividades caseiras, ir
para o trabalho, para a escola, para a igreja, cuidar das crianças,
fazer o café da manhã, fumar o cigarro, almoçar, jantar, tomar cerveja,
a pinga ou o vinho, ver televisão, praticar um esporte de sempre, ler o
jornal, sair para um “papo” de sempre, etc... Nessas atividades é mais
um gesto mecânico e automatizado que as dirige que a consciência
(NETTO,1994, p. 23).
Ao contrário do que foi indicado até aqui sobre as ricas possibilidades do
cotidiano redescoberto pela arte, Netto assinala a rotina e a indiferença do cotidiano,
referindo-se aos gestos mecânicos e comportamentos predeterminados pela rotina.
Nesse contexto sem importância ou interesse é que a vida acontece escondendo sua
riqueza sob uma aparente recorrência. A fotografia e a arte renovam o nosso olhar
diante da vida do dia-a-dia. A fotografia informal recorta e revela os mistérios
cotidianos, criando cenas perfeitas, que são registradas nas fotos, causando
estranhamento.
32
Agnes Heller (apud Netto, 1994, p. 29) diz que ”o cotidiano é a vida de todos os
dias e de todos os homens em qualquer época da história que possamos analisar.” Assim, é
a vida do homem por inteiro, não apenas sua parte profissional ou só sua face
familiar. O cotidiano considera todos os aspectos de sua individualidade e de sua
personalidade social, compondo todos os seus sentidos, suas capacidades, seus
sentimentos e ideologias. Uma vez que ressalta o conjunto, o cotidiano não destaca a
realização em toda sua intensidade de nenhuma das características do indivíduo ou
do homem em geral.
O homem desde seu nascimento já está inserido na cotidianidade e seu
amadurecimento significa a aquisição de todas as habilidades para a vida cotidiana
da sociedade. “É adulto quem é capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade”
(NETTO,1994, p. 25). O imediatismo e o utilitarismo caracterizam o cotidiano, que
apresenta o útil como verdadeiro.
Em um quadro televisivo “Retrato Falado”, que foi apresentado no programa
Fantástico na programação dominical e noturna da “Rede Globo de Televisão”, a
protagonista Denise Fraga apresenta e representa episódios de situações cotidianas,
que se tornaram risíveis e curiosos. O quadro é composto pelo depoimento de
pessoas que passaram por uma situação de vida que permite ser recontada de
maneira cômica pela atriz, com o auxílio de informações jornalísticas.
Enfim, o Relatório Estórias do Cotidiano enfatizará a vida real do dia-a-dia,
através de cenas de pura fotografia informal, que evidentemente remeterá a quem as
observa à uma estória, que mergulhada num mundo de fantasia e imaginação, sem
limites e sem a obrigação de existir ou não, numa pura brincadeira com as cenas
fotografadas.
33
3. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA OBRA
O audiovisual “Estórias do Cotidiano“ baseia-se em cenas fotográficas tiradas
do dia-a-dia das pessoas, no ambiente das cidades. Sobre essas cenas reais foram
feitas interferências em programas próprios para fotografia que transformaram um
ambiente real num ambiente fantástico.
Foram produzidas muitas imagens, considerando os processos de criação
propostos por Stanislavski (1982) e Munari (1981). Mas, apenas 14 das fotografias
trabalhadas foram escolhidas para compor as sínteses audiovisuais, que
estruturaram as duas versões do trabalho de final de curso. O tratamento gráfico-
digital abriu uma possibilidade criativa, instaurando o campo da fantasia sobre os
registros da realidade.
A computação gráfica interferiu no jogo de luzes, nas imagens e nas cores,
expressando situações fantásticas, fora da realidade cotidiana. Não houve um
sentido prévio de sátira ou crítica da realidade. Como indica Munari (1981), não há a
obrigação de verificar as verdades desse mundo de fantasia ou revelar verdades
não ditas. O que foi realizado é apenas um exercício de expressão e criatividade,
acrescentando elementos da fantasia, da imaginação no suporte fotográfico-digital.
A fantasia envolve as cenas, brincando com as imagens, com as personagens
e compondo um universo teatral, quase circense. Isso tornou fantástica a realidade
do cotidiano, apresentando e inspirando novas realidades poéticas.
Os programas utilizados foram o Photoshop e o Coreldraw, que possuem
efeitos como: Craquelure (craquelé), Underpainting (usados na imagem 1); Tuirl,
Wrap Plastic, Water Color, Ocean Ripple (usados na imagem 2); Pincel Preto
(ferramenta do Coreldraw) e Paint Daubs (usados na imagem 3); Underpainting,
Pôster Edges (usados na imagem 4); Psicodélico e Pôster Edges (usados na
imagem 5); Tinta Úmida e Distorção (usados na imagem 6); Plástico, Solarizar mais
34
vidro Esfumaçado (usados na imagem 7); Pôster Edges, Wrap Plastic, Add Noise,
Ocean Ripple e Fresco (usados na imagem 8); Pôster Edges, Fresco e Paint Daubs
(usados na imagem 9); Wrap Plastic, Fresco, Pinch e Texturizer (usados na imagem
10); Pôster Edges, Textura de Tela, Bloco de Vidro, Ondulação (usados na imagem
11); Filmgrain, Pôster Edges e Dry Brush (usados na imagem 12); Wrap Plastic,
Pôster Edges e Pinch (usados na imagem 13); Angled Strokes e Poster Edges
(usados na imagem 14).
Os efeitos utilizados atuaram sobre as imagens, alterando sua aparência
original por meio dos efeitos ondulação (Wave); aquarela (Water Color); efeito cartaz
(Pôster Edges); efeito vento (Wind); efeito vidro, tanto o bloco como o esfumaçado
que interfere com outra cor; efeito plástico, que também sobrepõe uma outra cor
diferente da original; pincel seco (Dry Brush); o fresco que dá sensação de manchas
que são originadas das cores da própria imagem; pintura borrada (Paint Daubs);
pinceladas em ângulos (Angled Strokes); pinch (outro tipo de ondulação); underpaint
(pintando sobre); add noise (acrescentar barulho); e o efeito solarizar.
A síntese de imagens foi editada no programa Pinnacle - 9.3, que também
acrescentou às imagens sons relacionados ao cotidiano. Uma outra versão foi
editada no programa Power Point. As imagens foram gravadas em formato Jpeg e
puderam ser editadas e apresentadas nas duas versões. A obra “Estórias do
Cotidiano” foi reproduzida por gravação em um Compact Disk – RW. A duração da
versão do Pinnacle é de um minuto e vinte segundos, enquanto a do Power Point é
de dois minutos e vinte segundos.
A maioria das fotografias foi capturada no único Shopping Center da cidade
de Campo Grande, MS. Por isso, foram recolhidos e editados, junto com as
imagens, os sons da multidão que circula naquele ambiente.
Outras fotografias foram capturadas no centro da cidade de Campo Grande,
MS, como no Mercado Municipal. Algumas fotografias são de cidades diferentes: de
Torres - RS e Orlando – EUA; também foram capturadas nas áreas urbanas mais
35
centrais. Nesse caso, foram recolhidos e editados juntamente com essas imagens os
sons de rodovias, helicópteros, buzinas e outros sons urbanos.
Todos esses sons, acrescidos ainda de barulhos de passos, de gente
zangada, de risos e gargalhadas, compuseram o fundo sonoro da edição que
termina com o som de aplausos, para retomar a idéia de ligação com o processo
criativo do teatro. Os aplausos fecham o espetáculo.
A transição entre as imagens é feita pelo recurso gráfico-digital de
“exibir ou omitir”. Para a produção da vinheta de apresentação do título foi utilizado o
recurso textura de fundo retirada do programa Photoshop 7.0. Esse recurso enfatiza
a idéia da tela de uma televisão fora do ar, que se compõem ainda melhor com o
áudio de um rádio a procura de alguma transmissão. O formato das letras utilizadas
é o Courier New, nas fontes 36 e 48.
O fundo que sustenta as imagens em seqüência é preto e aparece porque as
imagens são compostas de maneira que não ocupam toda a tela de projeção. Uma
margem branca, mais fina estabelece o campo de divisão entre as imagens e o
fundo. As imagens são todas em formato retangular, mas com proporções
diferentes, sua relação com a moldura e o fundo permite uma certa uniformidade na
apresentação. Estes são alguns resultados do audiovisual Estórias do Cotidiano.
36
Figura 8 – Imagem 1
Figura 9 - Imagem 11
37
Figura 10 - Imagem 5
Figura 11 – Imagem 9
38
Figura 12 - Imagem 10
39
CONCLUSÃO
Por meio de um trabalho de síntese e sonorização com 14 imagens editadas
em apresentações de um minuto e vinte segundos e outra de dois minutos e vinte e
segundos, o audiovisual “Estórias do Cotidiano” mostra o dia-a-dia do homem
urbano revisado pela imaginação ou pela fantasia.
O processo de criação da obra seguiu os passos do teatro stanishaviskiano.
Algumas cenas fotografadas foram obtidas ao acaso e outras foram criadas com a
presença de pessoas convidadas nos locais de busca de imagens. O cotidiano
registrado fotograficamente foi transformado por meio do design gráfico digital e da
edição de imagens em uma outra realidade, criando um realismo mágico ou
fantástico.
O trabalho com as imagens fotográficas tratadas e editadas seguiu, portanto,
a indicação de Bruno Munari (1981) sobre a criação e a fantasia, porque esse autor
defende que o produto da imaginação dispensa explicações lógicas ou relações com
a realidade factual.
Desse modo, o processo de trabalho foi inspirado na criação teatral proposta
por Stanislavski (1982), que considerava a realidade como ponto de partida, mas
também acreditava na imaginação e na fantasia, inclusive, como produtos do
subconsciente. Sobre isso, a repetição de elementos ou personagens em tríades,
nas imagens produzidas, remete ao que o autor propôs sobre a repetição ternária,
que permitiria às personagens, dentro da fantasia, estarem em qualquer lugar ou
situação apresentados dentro de uma mesma cena.
As imagens fotográficas foram tratadas e modificadas pelos efeitos de
computação gráfica sob inspiração de diversas imagens consideradas durante o
40
desenvolvimento do trabalho; dentre essas, estão as pinturas de Hooper e imagens
produzidas por outros artistas, seja no campo das artes plásticas ou da fotografia.
O processo de trabalho aqui relatado permitiu incursões por diversos campos
considerados de muito interesse, como o teatro, as artes em geral e também a
fotografia. Esse percurso de proveitoso aprendizado e muitos resultados foi
concretizado na produção do audiovisual “Estórias do Cotidiano” que, juntamente
com este relatório, foi produzido e é apresentado como trabalho de final de curso do
Bacharelado em Artes Visuais do Departamento de Comunicação e Arte da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUSSELLE, Michael. Tudo Sobre Fotografia. 4ª ed. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora,1988.
CIVITA, Victor. Os Grandes Artistas. 2ª ed. São Paulo: Editora Nova Cultura,1991.
DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. 5ª ed. São Paulo: Editora Papirus, 2001.
ERBOLATO, L. Mário e Barbosa T. Júlio César. Comunicação e Cotidiano.
Campinas: Livraria e Editora, 1984.
GILES, Thomas Rasom. Dicionário de Filosofia: termos e filósofos. São Paulo:
Editora EPU, 1993.
JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus Editora, 1992.
LAROUSSE, Cultural. Dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Nova
Cultura, 1992.
MUNARI, Bruno. Fantasia, Invenção, Criatividade e Imaginação na
Comunicação Visual. Portugal: Editora Presença, LTDA - Livraria Martins Fontes,
1981.
NETTO, J.P. MC. Brant de Carvalho. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. 3ª ed.
São Paulo: Cortez Editora, Câmara Brasileira do Livro, 1994.
READ, Hebert. História da Pintura Moderna. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
SOUZA, Richard Perassi Luiz. Roteiro Didático da Arte na Produção do
Conhecimento. Campo Grande: Editora UFMS, 2005.
VASQUEZ, Pedro. Como Fazer Fotografia. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
1986.
WALKER, John. A. A Arte Desde o Pop. Calabri, Barcelona: Editora Labor, S.
A,1977.
AGRESCA. Disponível em: <www.agresca.vilabol.uol.com.br/menuhis.html> Acesso
em: 07/01/2003, às 21h00min.
DIÁRIO DE CUIABÁ. Disponível em:
<http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod= 3368> Acesso em: 20/09/2004,
ás 15h30min.
42
HISTÓRIA DA ARTE. Dadaísmo. Disponível em:
<http://www.historiadaarte.com.br/htmldadaismo.html> Acesso em: 20/ 09/2004 às
20h00min.
MEZIAT, Renato. Transcendendo a fotografia. Disponível em:
<www.obraprima.com.br> Acesso em: 10/09/2004 às 19h30min;
SALGADO, Sebastião. Êxodos. Disponível em:
<www.terra.com.br/sebastiãosalgado> Acesso em: 06/01/03 às 15h00min.

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Silva; eva cristina de souza estórias do cotidiano

  • 1. 7 INTRODUÇÃO Este relatório descreve e analisa o processo de produção de duas versões de uma obra de síntese de imagens e sons digitais que foi denominada “Estórias do Cotidiano”. A produção das imagens foi feita a partir de fotografias digitais que, posteriormente, foram editadas, organizadas em seqüência e sonorizadas. O processo de criação e produção da obra foi inspirado nas idéias do teatrólogo russo Stanislavski (1982), que se baseava em cenas apreendidas do cotidiano para compor parte dos enredos e ambientes de suas peças. Dentre os elementos do processo de criação, Stanislavski ressalta a imaginação e a memória, principalmente, das memórias das emoções, destacando também a emoção e o subconsciente, ao tratar do limiar do subconsciente. Esse mesmo autor também fala sobre a fantasia. Sobre a fantasia, é Bruno Munari (1981) quem fortalece este relatório com seus pensamentos. O desenvolvimento das idéias de inspiração realista e de fantasia, como liberdade de criação sem compromisso direto com a realidade é apresentado no primeiro capítulo deste texto, que também trata da fotografia e da fotografia digital, indicando o seu caráter informal e ocasional relacionado com o cotidiano. A fotografia informal é tratada por Busselle (1988) que a qualifica como o registro fotográfico que dispensa a pose e enfatiza as situações em que a pessoa ou as pessoas fotografadas desenvolvem suas atividades de forma natural e espontânea.
  • 2. 8 A expressão “ação natural” é associada ao cotidiano, que foi o tema ordenador do trabalho produzido. Este tema também foi tratado por outros artistas em linguagens que se diferenciam da fotografia. Duane Hanson (1925) representou em suas esculturas o cotidiano do turista; Meziat (2004) retratou o cotidiano carioca na suas pinturas hiper-realistas; Hooper também tratou dos ambientes e da vida no dia-a-dia da cultura moderna, representando em suas pinturas os postos de gasolina, os bares, os hotéis e os escritórios. O processo de trabalho para a produção das “Estórias do Cotidiano” também foi influenciado pelos estudos de dois movimentos da Historia da Arte: o Dadaísmo, que contemplou o acaso na captura e produção de imagens, e o Surrealismo que compôs representações realistas tornando-as fantásticas, por um processo baseado na irracionalidade e no subconsciente. O segundo capítulo deste relatório trata das representações do cotidiano na arte e na fotografia. O terceiro capítulo analisa as duas versões da síntese audiovisual e dinâmica intitulada como “Estórias do Cotidiano”. Cada uma das versões é composta por 14 imagens encadeadas e sonorizadas. O encadeamento propõe uma obra de síntese, que organiza no espaço e no tempo as imagens escolhidas para interagirem entre si, produzindo um sentido maior do que a soma de suas significações isoladas. O sentido produzido instaura a fantasia no cotidiano das pessoas. As fotografias receberam um tratamento de computação gráfica que lhes alterou as texturas e as relações tonais, cromáticas e luminosas, além de alterar também as composições originais, com a repetição de elementos e outros efeitos de edição. Os programas utilizados para o tratamento das imagens foram: Photoshop 7.0 e Coreldraw 11. Depois de tratadas, as fotografias foram editadas, numa primeira versão, no programa Pinnacle 9.3, que permitiu uma rica incorporação de sons, determinando o caráter audiovisual da obra. Uma outra versão foi editada no programa Power Point, que permitiu um incremento na inserção de elementos gráficos, mas reduziu as possibilidades de sonorização da síntese de imagens.
  • 3. 9 1. O PROCESSO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA Todo processo de criação, conforme exposto por Munari (1981) e Stanislavski (1982), deve ter alguns elementos principais que formam uma estrutura criadora, para que dela nasça a criação. No caso dos processos de criação, os elementos principais são instrumentos de raciocínio. Pode-se pensar quais seriam esses elementos e como seria esse raciocínio para entender a estrutura criadora. Talvez, a palavra-chave seja “conhecimento”. Esse seria então o começo de tudo? De acordo com Munari (1981) para se criar alguma coisa mental, alguma idéia, é preciso ter um certo conhecimento cultural. Porém, não é só disso que se compõe o processo de criação, porque para se obter conhecimentos e promover a criação, a mente do homem dispõe de outros recursos, tais como: a emoção, a memória, a imaginação e a fantasia (em seus aspectos conscientes e subconscientes). 1.1 A IMAGINAÇÃO Para se compreender o que é a Imaginação foi estabelecido um diálogo com os autores acima citados, uma vez que o presente trabalho se utiliza do processo criador com base na imaginação.
  • 4. 10 Stanislavski (1982) considera que a imaginação é o elemento de criação ou lugar que dá origem à idéia. Munari (1981) trata a imaginação como um suporte visual da mente. Para Munari (1981: 24): “a imaginação é o meio para visualizar, para tornar visível aquilo que pensam a fantasia, a invenção e a criatividade”. É Stanislavski (1982, p. 82) quem associa a imaginação à arte ao afirmar que “a arte é produto da imaginação assim como deve ser a obra do dramaturgo”. De acordo com as afirmações acima, a Imaginação assume dois papéis, que são um pouco diferentes em cada uma das situações propostas. Porém, em ambos os casos a imaginação é associada a atividades criadoras. Primeiramente, ela dá origem à imagem mental, projetando o resultado. Depois ela orienta o fazer, concebendo a arte como sendo a imagem e a idéia juntas. A imaginação é destacada como elemento de criação de idéias e pensamentos, formulando conceitos e imagens artísticas. 1.2 A MEMÓRIA A memória pode ser um instrumento de trabalho para qualquer tipo de profissional, pois ela é sempre utilizada para lembrar algo ou recordar alguma informação. A memória é acionada quando o artista, seja um autor ou um ator, vai compor uma cena ou uma personagem. Há também memórias de sentimentos e vivências, o artista expressa idéias e sentimentos que, de alguma forma, ele já conhece ou reconhece. Por meio da imaginação ele pode conseguir recompor esses conhecimentos de modo novo e inusitado. No caso do ator, ele utiliza a memória, para poder sentir e viver uma personagem e situá-la no seu ambiente imaginário.
  • 5. 11 No dicionário Laurosse Cultural (MAFRA,1992, p. 736), o significado do termo memória é apresentado como sinônimo de “lembrança” ou “recordação” e descrito como: “a atividade biológica e psíquica que permite reter as experiências anteriormente vividas”. Retomando ao exemplo do ator, é interessante como Stanislavski recorre à memória de seus alunos para formá-los como atores: Deixem que eu os veja utilizar a sua psicotécnica, apresentando novos elementos imaginativos que lhes despertem os sentimentos adormecidos. Se o conseguirem, poderei reconhecer provas que há em vocês memória de emoção (STANISLAVSKI, 1982, p.183). Além de salientar a importância da memória das emoções para o ator, Stanislavski descreve uma outra situação que, também, pode explicar, mesmo que indiretamente, o papel da memória na estruturação da cena. Nesse sentido, a idéia da fotografia como registro ou memória de uma cena ou de um instante é, também, suscitada pela fala do mestre aos alunos: Não há dúvida que conservaram toda marcação, os movimentos, as ações exteriores, a seqüência e cada mínimo detalhe dos agrupamentos com uma exatidão espantosa. Podia-se facilmente pensar que vocês fotografaram a montagem (STANISLAVSKI, 1982, p.183). A ênfase na memória como fonte de informação, garantindo a construção e a continuidade da cena teatral, justifica também a utilização da fotografia como instrumento de composição e registro no processo de criação proposto por Stanislavski (1982) e adotado no processo de produção das imagens que são, prioritariamente, apresentadas e analisadas neste relatório.
  • 6. 12 As imagens que compõem o objeto de estudo deste relato, cujo conjunto é denominado de “Estórias do Cotidiano”, expressam um jogo imaginativo que relaciona memórias. A memória fotográfica de momentos do cotidiano foi acrescida com elementos visuais produzidos pela interferência de recursos gráfico-digitais, recuperados da memória funcional do computador. Essas interferências foram regidas pela memória e pela imaginação artística, passando a expressar, portanto, um tipo de realismo fantástico. As imagens mostram cenas do cotidiano entrelaçadas com recursos da imaginação e, possivelmente, poderiam conceber cenários e cenas do teatro ou vídeo, recobrindo com fantasia até mesmo a própria fotografia. 1.3 A EMOÇÃO A emoção é um elemento muito importante para o artista; muitas vezes, é pelo estado emocional que se começa uma criação. É no sentimento que Stanislavski (1982) se baseia para criar. A relação entre emoção e sentimento pode ser encontrada no dicionário, que descreve a emoção como uma “alteração súbita ou agitação passageira causada por um sentimento de medo, de surpresa, etc.” (MAFRA,1982, p. 397). Para Aristóteles (GILES, 1993, p. 709), “a emoção é uma expressão do sentimento ou da paixão, relacionada ao termo grego pathos”. Ao considerar a persuasão como algo diferente do convencimento, Aristóteles relaciona o convencimento aos argumentos lógicos, cerebrais, e a persuasão aos sentimentos, à paixão e à emoção (PUC/RIO, 2004).
  • 7. 13 Ao contrário do lógico ou do professor, que busca o entendimento do ouvinte ou espectador, o ator deve considerar também e, principalmente, a emoção como parte do processo de expressão teatral. Stanislavski propõe um exercício para usar a emoção, sugerindo uma situação em que todos os seus alunos estão no interior de uma casa a mercê de um louco fugido do hospício que tenta abrir a porta da mesma. Proposta no início de seu livro, essa estória é repetida no seu desenrolar, para que se possa avaliar os sentimentos dos alunos, como atesta a citação a seguir: Esses sentimentos tirados da nossa experiência real e transferidos para o nosso papel, é que dão vida à peça. Toda produção exterior é formal, fria e sem sentido, quando não tem motivação interior. Aí esta a diferença entre as duas atuações. No começo quando lhes fiz a sugestão sobre o louco, todos sem exceção se concentraram, cada qual com seu próprio problema de segurança íntima, e só depois é que começaram a atuar. Era esse o processo lógico: a experiência interior vinha antes e depois se incorporava numa forma exterior. Da primeira vez foram impelidos a agir pelos seus sentimentos íntimos e pela intuição, por sua experiência humana (STANISLAVSKI, 1982, p. 184-185). Aqui, o processo está direcionado para o ator. Porém, não é somente este profissional que se utiliza da emoção para criar, também os outros artistas, sejam pintores, escultores ou fotógrafos, devem utilizar esse elemento de criação. 1.4 O SUBCONSCIENTE Além da emoção, aspectos subconscientes também participam da criação e, ao consultar o dicionário, fica esclarecido que o subconsciente é “um estado psíquico do qual o indivíduo não tem consciência, mas que influi em seu comportamento” (MAFRA, 1992:1051).
  • 8. 14 Para Stanislavski (1982), o subconsciente é um campo muito importante para a formulação da expressão artística, porque é uma reserva de emoções e intuições que dão acabamento ao projeto da personagem. De acordo com as palavras do autor: Nosso consciente muitas vezes aponta a direção em que o subconsciente continuará com a tarefa. Portanto o objetivo fundamental da nossa psicotécnica é colocar-nos em um estado criador no qual o nosso subconsciente funcione naturalmente. É justo dizer que esta técnica tem com a natureza criadora subconsciente a mesma relação da gramática com a poesia. No teatro isso se dá com excessiva freqüência, mas ainda assim, não se pode passar sem a gramática. Deve-se usá-la como auxiliar no arranjo do material criador subconsciente, pois só depois de organizado é que ele pode assumir forma artística. No primeiro período da elaboração consciente de um papel, o ator busca, tateando, chegar a vida de sua parte, sem entender completamente o que se esta passando nela, nele mesmo e em volta dele. Quando atinge a região do subconsciente abrem-se os olhos de sua alma e ela se apercebe de tudo, até de íntimos detalhes e tudo aquilo adquire um significado totalmente novo. Tem consciência de novos sentimentos, concepções, visões, atitudes, tanto no papel, como em si próprio. Transpondo o limiar, nossa vida interior, espontaneamente assume uma forma simples, plena, pois a natureza orgânica dirige todos os centros importantes do nosso equipamento criador. A consciência nada sabe disso tudo – nem mesmo os nossos sentimentos sabem o caminho nessa região – e, entretanto, sem eles a verdadeira criatividade é impossível. Eu não lhes dou nenhum método técnico para adquirir controle do subconsciente; lhes posso ensinar o método direto de abordá-lo e se renderem ao seu poder (STANISLAVSKI, 1982, p.295-296). Stanislavski fala do processo de criação pelo subconsciente, descrevendo-o como se fosse uma fórmula matemática. Primeiro, ele fala que o ator acredita poder sentir a criação para, posteriormente, chegar a uma verdade que corresponda à sua proposta e à sua personagem, de forma que possa desenvolvê-la, passando para o próximo passo. Em seguida, ele fala da fantasia e da imaginação como algo que soma a interpretação de seu papel. E conclui dizendo sobre o raciocínio, como algo consciente que podemos controlar, e sobre o subconsciente que se expõe no ator através das emoções, das atitudes ou ações involuntárias. O autor coloca isto dizendo que:
  • 9. 15 A nossa liberdade, deste lado do limiar, é cerceado pela razão e pelas convenções; do lado de lá nossa liberdade é atrevida, marchando sempre avante. Lá o processo criador é diferente cada vez que se repete (STANISLAVSKI, 1982, p. 298). Além disso, Stanislavski (1982, p. 298) afirma que ocorrências externas também interferem na criação do personagem, sendo aquelas que não tem nenhuma ligação com a personagem, com a peça ou, até mesmo, com o ator; ou seja, o inesperado gerando um resultado que mistura vida real e criatividade subconsciente. . Fazendo suas explicações em seu livro, o teatrólogo russo mostra todo o caminho de criação que é percorrido pelo subconsciente de um ator, mas este caminho é feito, também, por outras qualidades de artistas, pintores, escultores, gravuristas; cada qual com sua técnica consulta, também, as vontades de seu subconsciente, transpondo-as de maneira organizada nas suas obras finais. Aqui, neste trabalho com a fotografia, utiliza-se o limiar do subconsciente; antes, no colher das fotos e, depois, na realização das interferências ou na criação da cena. 1.5 FANTASIA A Fantasia foi um elemento muito utilizado no trabalho Estórias do Cotidiano, pois após coletadas as imagens e ao trabalhá-las nos programas adequados para fotografia, as cenas de um cotidiano corriqueiro ganharam um universo um tanto fantástico.
  • 10. 16 E para se entender esta colocação de Fantasia, vejam o que Stanislavski fala sobre ela, criando um paralelo entre a imaginação e fantasia: A imaginação cria coisas que podem existir ou acontecer, ao passo que a fantasia inventa coisas que não existem, nunca existiram e nem existirão. E no entanto, quem sabe, talvez um dia elas passem a existir. Quando a fantasia criou o Tapete Mágico, quem iria pensar que nós um dia estaríamos voando através do espaço? (STANISLAVSKI, 1982, p.82). Atenhamo-nos agora às colocações de Munari com relação à fantasia, e como essas colocações esclarecem, favorecendo a realização deste trabalho fotográfico. O autor Munari (1981) coloca a fantasia como algo sem limite; num mundo o inacreditável e o improvável podem acontecer com uma liberdade extraordinária. Ele descreve isso relatando que: A fantasia tem a liberdade de pensar qualquer coisa, mesmo a mais absurda, incrível ou possível. O produto da fantasia, tal como o da criatividade e da invenção nasce de relações que o pensamento estabelece entre aquilo que se conhece (MUNARI, 1981, p. 27). Ele esclarece a fantasia em volta da realidade, utilizando objetos que pertencem ao real e criando outras utilidades sobre eles. Bem relacionado ao caso das fotos aqui realizadas, pois elas mostram cenas do dia-a-dia, transformando-as em cenas de fantasia com cores e efeitos. Munari (1981) conta o que vem a ser, ou não, fantasia no universo da criança que geralmente faz relação com tudo que conhece, não se podendo pensar que quando ela brinca e diz que a boneca está com dor ou sono, seja uma fantasia. O autor explica que é importante desenvolver o lado criativo e fantástico da criança, da seguinte forma: Assim, se quisermos que a criança se torne uma pessoa criativa, dotada de uma fantasia desenvolvida e não sufocada (como de muitos adultos), devemos fazer com que ela memorize o maior número de dados possível, no limite de suas capacidades, para lhe
  • 11. 17 permitir que estabeleça o máximo de relações possíveis, tornando-a apta a resolver os seus problemas sempre que estes se apresentarem (MUNARI, 1981, p. 31-32). Munari (1981) comenta sobre o exemplo de um macaco que estava com fome e usou sua fantasia para resolver esse problema. Quando o macaco viu uma banana que estava alta, teve um pensamento fantástico de subir num banco que brincava para poder agarrar a banana. O autor descreve todo um percurso de raciocínio até que o macaco apanhasse a banana. Neste exemplo é possível notar que a fantasia não é nada limitada, pois de um conhecimento simples do macaco, ele pôde realizar um pensamento que para seu cotidiano é um tanto fantástico, e que não é só o ser humano que tem fantasia. Além da fantasia não ser única para o ser humano, Munari a trata como algo sem regras ou convenções, fazendo uma clara conclusão sobre ela: A fantasia é a faculdade humana que permite pensar em coisas novas, que não existiam anteriormente. A fantasia tema liberdade de pensar em coisas absolutamente inventadas, novas, que jamais existiram anteriormente, mas não se preocupa em verificar se aquilo que pensa é verdadeiramente novo. Não é essa a sua tarefa (MUNARI, 1981, p. 35). O fato de a fantasia não ter um certo limite para pensar, criar, inventar foi exatamente o aspecto que as fotos aqui apresentadas; foram realizadas com base nas opiniões de Munari. Assim, o trabalho Estória do Cotidiano mostra a utilização de um ideal de fantasia.
  • 12. 18 2. FOTOGRAFIA E COTIDIANO O marco inicial para a fotografia foi a daguerreotipia (ASGRECA, 2003) inventada pelo artista Louis Mandé Daguerre. Mas, o francês Nicephore Niépce é considerado o autor da primeira fotografia, realizada em 1826. Desde a invenção de Daguerre, os métodos fotográficos passaram por evoluções, sendo no final dos anos 70 criada a fotografia digital. As máquinas digitais dispõem de mídias removíveis que armazenam as imagens de modo codificado. Posteriormente, esses dados são transferidos e armazenados nos computadores. As imagens decodificadas podem ser vistas nas telas de vídeo, ou serem projetadas em anteparos, por meio de projetores digitais. Além disso, as imagens digitais podem ser representadas por máquinas impressoras sobre diversos suportes, com a mesma qualidade do método convencional, dispensando o uso de produtos químicos para a revelação de filmes e papéis fotográficos (SALGADO, 2004). De modo rápido e simplificado, as imagens capturadas pelas máquinas digitais podem ser manipuladas e duplicadas sem perda de qualidade. Depois de cumprir suas finalidades, as imagens também podem ser apagadas, liberando espaços de memória digital. Isso torna possível o uso renovável de cartões de memória e outros arquivos. As imagens ainda podem ser visualizadas imediatamente após a sua captação, o que diminui as expectativas. As câmeras fotográficas, tanto as convencionais quanto as digitais, dispõem de equipamentos básicos que são as lentes, o diafragma e o disparador, que compõem o aparato de captação da luz. No entanto, os aparatos eletrônicos de codificação e registro digital, que dispensam o uso de filmes e permitem um maior armazenamento de imagens, demarcam a diferença entre as câmeras digitais e as tradicionais.
  • 13. 19 As fotografias digitais podem ter manipuladas as suas expressões de cor, de luz e de profundidade, pelo uso de muitos softwares que foram desenvolvidos para esses fins. Por exemplo, o programa Photoshop permite ajustes de cor, de brilho e de contraste nas fotografias. Nos casos de reparos estéticos em fotografias de pessoas, esses recursos apagam rugas, espinhas e olheiras. A tecnologia digital proporciona maior liberdade criativa para os profissionais da área publicitária, pois todas as suas campanhas de sucesso têm algum retoque digital, fotográfico ou tratamento de imagem (SALGADO, 2004). Ao se considerar os aspectos compositores da imagem fotográfica digital, além das características técnicas e tecnológicas, também, é necessário atentar para todos os elementos visíveis que foram enquadrados pelo campo visual da máquina porque há casualidades que são incorporadas no contexto fotográfico a despeito da intenção do fotógrafo. Essas imagens do acaso, que são integradas de maneira informal à cena, oferecem amplas possibilidades de fruição, interpretação e criação, como registros do cotidiano, que é o tema deste relatório. A dinâmica do ambiente foge à racionalidade do ato fotográfico, incorporando elementos inesperados à cena. Elementos que, se forem percebidos, mantêm-se inconscientes, sugerindo relações com o Dadaísmo e o Surrealismo, movimentos artísticos modernistas que se aproveitaram artisticamente dos registros inconscientes, do inesperado, do absurdo e da incoerência (SOUZA, 2005). Os artistas dadaístas e surrealistas utilizaram amplamente os recursos fotográficos e os recursos de intervenção na imagem fotográfica. Entre esses destacam-se o francês Marcel Duchanp, que se fez fotografar travestido como uma personagem feminina criada por ele e, também, interferiu numa fotografia da obra “Mona Lisa”, do artista renascentista Leonardo da Vinci, acrescentando bigodes à figura; o pintor alemão Max Ernest, que contribuiu no Dadaísmo com colagens e
  • 14. 20 fotomontagens, composições que sugerem a múltipla identidade dos objetos, e Man Ray, fotógrafo que transitou entre o Dadaísmo e o Surrealismo, criando e utilizando métodos fotográficos alternativos, utilizando o filme fotográfico sob a ação direta da luz (SOUZA, 2005). A idéia do incomum se estabelece no imaginário, que se revela e interfere no cotidiano. As imagens deste relatório pretendem dialogar com o íntimo imaginário das pessoas, expressando o cotidiano de modo incomum, ressaltando com senso criativo uma visão inédita da cena comum. Um outro aspecto a ser considerado é a informalidade do ato fotográfico, porque, segundo Busselle (1988, p.102) “qualquer retrato fotográfico que, em certo sentido, não tenha sido posado no estúdio ou em casa, pode ser classificado como informal”. Uma fotografia informal é evidenciada quando o modelo está em posição relaxada ou entretido com algo, podendo estar ocupado com uma atividade do seu dia-a-dia, como ler um livro, ou que sua pose não pareça forçada ou desconfortável. A iluminação também ressalta a informalidade quando foca mais o modelo, ocultando um pouco o fundo e sugerindo um clima confortável, no qual pareça que o modelo está em seu ambiente natural. A forte expressividade que pode existir no registro de uma situação informal é relatada na descrição de uma fotografia: A estranha luz do entardecer realça duas senhoras em um parque em Heidelberg, na Alemanha Ocidental. O fundo escuro e sombrio, amenizado apenas pelos bancos desocupados, confere uma atmosfera um pouco misteriosa e até ameaçadora a uma imagem que sob outros aspectos é tranqüila (BUSSELLE, 1988, p.109)
  • 15. 21 Figura 1 – Alemanha Ocidental (BUSSELE, 1988). A fotografia descrita por Busselle sugere imediatamente o clima de mistério e ameaça que pode pairar sobre uma simples cena do cotidiano. A imagem fotográfica condensa esses efeitos permitindo que um observador sinta-se nesse ambiente. Assim, a fotografia passa a contar-lhe uma sobre-história imposta a uma cena do cotidiano que, muitas vezes, é pouco notada. No dicionário Larousse Cultural (MAFRA,1992, p. 285), as palavras cotidiano ou quotidiano são conceituadas como “aquilo que se faz todos os dias; o que acontece habitualmente”. As imagens deste relatório foram compostas para destacar que, para as representações que partem das fotografias, o cotidiano ou o dia-a-dia, não se trata de um assunto corriqueiro ou sem valor estético. Enquadrada pela objetiva da câmera, sob uma iluminação adequada, seja artificial ou natural, a cena adquire diversas possibilidades conotativas. Primeiro, porque o registro é estático, congelando um determinado momento maquiado pela luz, o qual levará o observador a reconhecer uma nova história desse mesmo cotidiano, uma nova interpretação porque para a fotografia:
  • 16. 22 O movimento e a vitalidade dos seres humanos, trabalhando ou entregues ao lazer, evidentemente apresentam áreas férteis em temas fotográficos. É bastante fácil observar as pessoas durante suas horas de lazer, e, durante o trabalho. Alguns fotógrafos afeitos a “cenas do cotidiano” dão-se satisfeitos por retratá-las no mercado local ou na construção mais próxima (BUSSELLE, 1988, p. 106). Sobre o movimento e a vitalidade do cotidiano como tema fotográfico existe uma descrição de fotografia do cotidiano com registro de uma cena com pessoas patinando no gelo: Os arranha-céus de Manhattan servem como fundo para os nova- iorquinos, que aproveitam uma onda de frio para patinar no Central Park. As cores discretas, obtidas graças a uma superposição deliberada, em conjunto com a lente grande-angular, resultam em uma imagem reminiscente de uns quadros de Lowry. Embora fotografadas em pequena escala, e destituídas de individualidade, as pessoas continuam a representar um elemento básico transformando uma paisagem sobretudo urbana em uma fotografia cheia de vida (BUSSELLE,1988, p.106). Mais uma vez o observador foi enviado a um mundo imaginário, onde ele encontra um novo ambiente proporcionado pela imagem da fotografia. Quando se fala em revisão do cotidiano por meio de fotografias há que se referir também às cenas do dia-a-dia, que são recompostas em peças de teatro, cenas de novela ou de cinema que, em sua maioria, expressam as relações propostas na fotografia natural. Em alguns casos, inclusive, esses cenários são compostos com base em imagens fotográficas. Até mesmo uma escultura, como a “Pietá” de Michelângelo, compõe uma cena e uma narrativa, porque conta uma história ao espectador. Ao ser fotografada à distância, a escultura passa a habitar um contexto, que é o campo visual determinado pelo enquadramento da fotografia. De alguma maneira, isso recria a cena e a narrativa, de modo diferentemente do que percebe um observador que se aproxima diretamente da escultura. Pode-se dizer que, quando a escultura é vista de perto, a idéia é determinada pela forma da estátua. Mas, na fotografia o contexto é mais forte.
  • 17. 23 Figura 2 – Fotografia captando momento real. A pintura e a fotografia estão bem próximas, a não ser na questão do real, porque a fotografia registra diretamente a luz, que é parte da realidade, e a pintura necessita da intervenção do artista. A fotografia captura automaticamente o momento real expressando a imagem com mais verossimilhança, já a pintura não dispõe do mesmo efeito em sua técnica. Mas, ambas podem narrar uma história com base na realidade. Para colaborar na composição teatral, a fotografia enfatiza o esqueleto da cena, assim como será vista no teatro, na televisão ou no vídeo. A partir de um estudo fotográfico as posições são mais bem definidas porque o método de fotografar possui a condição de definir a pose das pessoas e a posição dos objetos, devido à condição estática, que mantém a cena fixa durante todo o tempo necessário a uma observação detalhada.
  • 18. 24 Além do contexto cenográfico, a fotografia também promove o estudo das expressões gestuais e faciais. Ao refletir sobre a arte do retrato fotográfico, Busselle (1988, p.104) considera a expressão do modelo, que é determinada por alguns pontos que denotam a personalidade ou o estado de espírito da pessoa fotografada. Além disso, prevê também cuidados com as posições da cabeça e com os efeitos de iluminação. A fotografia tem o poder de contar uma nova história sobre determinado caso; nem sempre o que se vê é o que realmente aconteceu ou acontece. Através da fotografia vemos outras possibilidades, encontramos outras histórias, mesmo que estas sejam apenas estórias. É o que mostra a fotografia feita por Richard Haughtton, onde se conta que: O ar despreocupado e confiante desta garotinha é enganador, pois na verdade, ela encontrava-se em ligeiro estado de choque, depois de ver sua irmã ser atingida na cabeça por uma garrafa, na parte externa do prédio de apartamentos onde moram. O fundo escuro um dos grandes responsáveis por aumentar a força do retrato, foi escurecido ainda mais na hora de fazer a cópia (BUSSELLE, 1988, p. 105). Figura 3 – Garotinha em estado de choque
  • 19. 25 Apesar da expressão da testa e dos olhos da garotinha fotografada denotar alguma tensão, a sua expressão facial como um todo não reflete bem a tensão do momento narrado, passando-se por mais tranqüila do que seria esperado diante da gravidade da situação. Além disso, o enquadramento e o tratamento dado ao fundo da fotografia colaboram a omitir o momento vivido. Além de omitir o real ou reinventá-lo, a fotografia também permite um outro nível de representação que se estabelece na atitude do modelo. Nesse sentido, são reforçadas as considerações sobre as expressões e atitudes faciais. É o caso de uma foto em que o modelo exagerou na expressão facial, que foi reforçada pelos efeitos de luz. Isso sobrecarregou o aspecto aguerrido do lutador representado noutra fotografia assim descrita: Espera-se que todos os participantes de lutas livres sejam ameaçadores, e este modelo sem dúvida corresponde às expectativas. Ao refletir a luz contra o teto e o fundo, dois aparelhos de flash produziram sombras bastante densas no rosto, e estas, aliadas ao corte na parte superior da fotografia, contribuem para transformar a penetrante expressão do olho esquerdo em um elemento ainda mais impressionante na imagem. Graças ao ponto de vista elevado, o observador tem a impressão de que o modelo está inclinado ou aproximando -se, em sua direção (BUSSELLE, 1988, p. 105). Figura 4 – Participante de luta livre.
  • 20. 26 A fotografia informal, todavia, trabalha com situações menos intencionais, podendo ser realizada até mesmo por uma amador. As pessoas não devem se dar conta de que estão sendo fotografadas, mesmo que estejam olhando para a objetiva da câmera, são registradas em momentos em que este olhar é inconsistente ou desatento. Para tanto, as situações comuns, cotidianas, são mais pertinentes, principalmente quando apreendidas de maneira rápida, utilizando-se alta velocidade de obturador. Para exemplificar essa questão da informalidade nas cenas coletivas, Busselle (1988) comenta que foi possível registrar algo da rotina de um dia na vida de um vilarejo andaluz quando anciãos aposentados, como mostra a imagem, reuniram-se em seu local de encontro predileto, para ali passar uma ociosa e quente tarde de verão. A essência de uma boa fotografia informal de grupo encontra-se, portanto, na manutenção de um clima de naturalidade. Nesse caso, mesmo que diversos rostos estejam voltados para a câmera, o efeito geral não deixa de ser espontâneo, sem nada de estudado. As sombras e o acentuado reflexo azul provocados pela dura luz do sol contrastam com tons quentes presentes nos rostos e mãos (BUSSELLE, 1988, p. 111). Figura 5 – Anciãos de um vilarejo andaluz.
  • 21. 27 Indicando essa mesma questão no campo das artes plásticas, a escultura de Duane Hanson (1925), chamada “Tourists” (ou “turistas”, 1970), como o próprio título indica, representa um casal de turistas, que está a observar algo; ambos vestidos de forma típica e munidos com máquina fotográfica, óculos, sacolas e outros acessórios do contexto turístico. São duas esculturas sobre um bloco, tendo uma forma de um homem e a outra a forma de uma mulher, vestidos com roupas de verdade e bem chamativas, com cores vivas: verde, vermelho e amarelo. O aspecto geral da cena é bem informal. Por suas dimensões naturais, as duas figuras são confundidas com pessoas em meio as outras no cotidiano das cidades ou dos aeroportos em que são expostas, sendo traídas por sua imobilidade, diante de um olhar persistente, e pelo aspecto sintético do material, que é percebido quando as figuras são vistas bem de perto. Segundo John A. Walter (1977, p. 48), são esculturas veristas em três dimensões, que equivalem ao foto-realismo, embora dependam da técnica de fabricação dos moldes do corpo humano em fibra de vidro e resina poliéster. Os artistas norte-americanos, como John De Andrea e Duane Hanson, freqüentemente imaginam quadros narrativos com honrosos temas políticos, compostos de grupos de figuras em tamanho natural vestidas de roupas de verdade. Apesar do uso das roupas verdadeiras e outras coisas, o caráter liberal da escultura não ajuda para o completo ilusionismo e quando são vistos em carne e osso, esses quadros petrificados geralmente não conseguem convencer. Eles se situam em uma zona crepuscular entre o artifício e a realidade. Ironicamente, são mais eficientes em fotografias (WALTER, 1977, p. 48).
  • 22. 28 Figura 6 – Tourists,1970 (HANSON, 1925). Com seu estilo realista, parecendo fotografias, as pinturas de Renato Meziat reproduzem o dia-a-dia do carioca. Em um texto da internet, “Transcendendo a fotografia”, o artista explica sua poética, indicando que “a arte realista possibilita a comunicação mais direta com o público” e “que uma pintura deve falar por si só” (MEZIAT, 2004). Sebastião Salgado, que é jornalista-fotográfico, tem como objetivo conscientizar as pessoas sobre os problemas do globo, por meio de suas fotografias tiradas em diversas partes do mundo e também no Brasil. Ele já fotografou as guerras internacionais, atentados políticos e tratou de registrar imagens de comunidades pobres no País e no exterior, retratando a vida de retirantes, refugiados e migrantes.
  • 23. 29 Martine Joly (1992) comentou sobre o filme “Blow up”, que conta a história de um jovem fotógrafo que se divertia fotografando namorados. Em seguida, o rapaz foi agredido por alguém que, sem sucesso, tentou tomar-lhe o filme. Ao ampliar desmensuradamente as fotografias, o fotógrafo se surpreendeu vendo um cadáver entre os arbustos. Todavia, a presença desse cadáver não se concretizou na realidade do filme, indicando uma alucinação fotográfica. Esse roteiro comentado por Joly (1992) indica que até mesmo a fotografia pode criar novas estórias, alucinando o fotógrafo e os espectadores. Assim, a representação fotográfica também vai além da realidade porque cria novas realidades, seja na denúncia poética da obra de Sebastião Salgado ou na pintura realista de Meziat, que o autor sustenta que transcende a realidade. Um outro encontro possível da arte com o cotidiano foi composto pelo artista americano Edward Hooper, em pinturas que representam postos de gasolina, bares, hotéis, escritórios, destacando a vida privada, por janelas que são vistas dos espaços públicos. Suas figurações expressam temas como o silêncio e a solidão, por meio de grandes espaços vazios e cenas de interiores, com poucas pessoas isoladas (CIVITA, 1991). Para Civita (1991, p. 13), os jogos de luzes e sombras nas pinturas de Hopper lembram o trabalho de um iluminador de teatro, recortando de modo “despudorado” as formas. Os enquadramentos, os ângulos e também a iluminação lembram instantâneos fotográficos “colhidos do acaso”. A luz tem papel principal tanto no cinema, no teatro, quanto na pintura e na fotografia. A luz é algo que não pode faltar porque é o único elemento visível; o tratamento das luzes e sombras ressalta e transforma o real da cena.
  • 24. 30 Na obra de Hooper sobre os notívagos, as ruas se tornam muito sombrias e solitárias sob a pouca iluminação noturna que é trabalhada para compor uma cena de suspense, insinuando sentidos não pela presença, mas pela ausência. O casal de “Notívagos” aparecem sentados em um bar, numa esquina qualquer em Nova York. As mãos do casal quase se tocam, embora eles não se olhem nem se falem. Este quadro esta entre os mais famosos de Hopper, talvez por captar tão completamente o espírito de sua época: tal como os personagens de Notívados, os americanos de 1942 podiam avistar duas ruas sombrias - a de um passado repleto das lembranças penosas da Grande Depressão e a de um futuro obscurecido pelo espetáculo da Segunda Guerra Mundial (CIVITA, 1991, p.13). Figura 7 – Notívagos (HOPER, 1942). O cotidiano e a cotidianidade é interessante, não só para poetas, pintores, teatrólogos e romancistas, porque é um universo que chama a atenção do estado político, do mercado de bens de consumo e da mídia. Para Júlio Barbosa (1980, p. 09) “tudo o que é humano, e por extensão social, só existe porque existe comunicação”. Assim, o cotidiano constrói os fatos da comunicação e é também
  • 25. 31 construído pela comunicação, seja a comunicação sócio-jornalística ou a comunicação artística. Idéias e comportamentos são o alimento da mídia que também passa a promover outras idéias e comportamentos por meio da recriação dos fatos recebidos em textos transmitidos. Para Barbosa (1980, p. 11), há que se lembrar que, por trás das mídias, estão pessoas a enviarem as diferentes mensagens. Assim, tanto podem veicular pornografia quanto saber edificante; tanto podem veicular propaganda ideológica quanto informações críticas. Podem, enfim, veicular qualquer tipo de mensagem. Mas sempre através das pessoas; assim, o cotidiano é composto por sucessivos e contínuos processos de interação social, através de uma permanente convivência com o outro. ”Falar sobre comunicação e cotidiano é falar sobre a própria vida” (BARBOSA, 1980, p. 13). Outro estudioso preocupado com o cotidiano é J. P. Netto; para esse autor: A vida cotidiana é aquela vida dos mesmos gestos, ritos de todos os dias: é levantar nas horas certas, dar conta das atividades caseiras, ir para o trabalho, para a escola, para a igreja, cuidar das crianças, fazer o café da manhã, fumar o cigarro, almoçar, jantar, tomar cerveja, a pinga ou o vinho, ver televisão, praticar um esporte de sempre, ler o jornal, sair para um “papo” de sempre, etc... Nessas atividades é mais um gesto mecânico e automatizado que as dirige que a consciência (NETTO,1994, p. 23). Ao contrário do que foi indicado até aqui sobre as ricas possibilidades do cotidiano redescoberto pela arte, Netto assinala a rotina e a indiferença do cotidiano, referindo-se aos gestos mecânicos e comportamentos predeterminados pela rotina. Nesse contexto sem importância ou interesse é que a vida acontece escondendo sua riqueza sob uma aparente recorrência. A fotografia e a arte renovam o nosso olhar diante da vida do dia-a-dia. A fotografia informal recorta e revela os mistérios cotidianos, criando cenas perfeitas, que são registradas nas fotos, causando estranhamento.
  • 26. 32 Agnes Heller (apud Netto, 1994, p. 29) diz que ”o cotidiano é a vida de todos os dias e de todos os homens em qualquer época da história que possamos analisar.” Assim, é a vida do homem por inteiro, não apenas sua parte profissional ou só sua face familiar. O cotidiano considera todos os aspectos de sua individualidade e de sua personalidade social, compondo todos os seus sentidos, suas capacidades, seus sentimentos e ideologias. Uma vez que ressalta o conjunto, o cotidiano não destaca a realização em toda sua intensidade de nenhuma das características do indivíduo ou do homem em geral. O homem desde seu nascimento já está inserido na cotidianidade e seu amadurecimento significa a aquisição de todas as habilidades para a vida cotidiana da sociedade. “É adulto quem é capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade” (NETTO,1994, p. 25). O imediatismo e o utilitarismo caracterizam o cotidiano, que apresenta o útil como verdadeiro. Em um quadro televisivo “Retrato Falado”, que foi apresentado no programa Fantástico na programação dominical e noturna da “Rede Globo de Televisão”, a protagonista Denise Fraga apresenta e representa episódios de situações cotidianas, que se tornaram risíveis e curiosos. O quadro é composto pelo depoimento de pessoas que passaram por uma situação de vida que permite ser recontada de maneira cômica pela atriz, com o auxílio de informações jornalísticas. Enfim, o Relatório Estórias do Cotidiano enfatizará a vida real do dia-a-dia, através de cenas de pura fotografia informal, que evidentemente remeterá a quem as observa à uma estória, que mergulhada num mundo de fantasia e imaginação, sem limites e sem a obrigação de existir ou não, numa pura brincadeira com as cenas fotografadas.
  • 27. 33 3. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA OBRA O audiovisual “Estórias do Cotidiano“ baseia-se em cenas fotográficas tiradas do dia-a-dia das pessoas, no ambiente das cidades. Sobre essas cenas reais foram feitas interferências em programas próprios para fotografia que transformaram um ambiente real num ambiente fantástico. Foram produzidas muitas imagens, considerando os processos de criação propostos por Stanislavski (1982) e Munari (1981). Mas, apenas 14 das fotografias trabalhadas foram escolhidas para compor as sínteses audiovisuais, que estruturaram as duas versões do trabalho de final de curso. O tratamento gráfico- digital abriu uma possibilidade criativa, instaurando o campo da fantasia sobre os registros da realidade. A computação gráfica interferiu no jogo de luzes, nas imagens e nas cores, expressando situações fantásticas, fora da realidade cotidiana. Não houve um sentido prévio de sátira ou crítica da realidade. Como indica Munari (1981), não há a obrigação de verificar as verdades desse mundo de fantasia ou revelar verdades não ditas. O que foi realizado é apenas um exercício de expressão e criatividade, acrescentando elementos da fantasia, da imaginação no suporte fotográfico-digital. A fantasia envolve as cenas, brincando com as imagens, com as personagens e compondo um universo teatral, quase circense. Isso tornou fantástica a realidade do cotidiano, apresentando e inspirando novas realidades poéticas. Os programas utilizados foram o Photoshop e o Coreldraw, que possuem efeitos como: Craquelure (craquelé), Underpainting (usados na imagem 1); Tuirl, Wrap Plastic, Water Color, Ocean Ripple (usados na imagem 2); Pincel Preto (ferramenta do Coreldraw) e Paint Daubs (usados na imagem 3); Underpainting, Pôster Edges (usados na imagem 4); Psicodélico e Pôster Edges (usados na imagem 5); Tinta Úmida e Distorção (usados na imagem 6); Plástico, Solarizar mais
  • 28. 34 vidro Esfumaçado (usados na imagem 7); Pôster Edges, Wrap Plastic, Add Noise, Ocean Ripple e Fresco (usados na imagem 8); Pôster Edges, Fresco e Paint Daubs (usados na imagem 9); Wrap Plastic, Fresco, Pinch e Texturizer (usados na imagem 10); Pôster Edges, Textura de Tela, Bloco de Vidro, Ondulação (usados na imagem 11); Filmgrain, Pôster Edges e Dry Brush (usados na imagem 12); Wrap Plastic, Pôster Edges e Pinch (usados na imagem 13); Angled Strokes e Poster Edges (usados na imagem 14). Os efeitos utilizados atuaram sobre as imagens, alterando sua aparência original por meio dos efeitos ondulação (Wave); aquarela (Water Color); efeito cartaz (Pôster Edges); efeito vento (Wind); efeito vidro, tanto o bloco como o esfumaçado que interfere com outra cor; efeito plástico, que também sobrepõe uma outra cor diferente da original; pincel seco (Dry Brush); o fresco que dá sensação de manchas que são originadas das cores da própria imagem; pintura borrada (Paint Daubs); pinceladas em ângulos (Angled Strokes); pinch (outro tipo de ondulação); underpaint (pintando sobre); add noise (acrescentar barulho); e o efeito solarizar. A síntese de imagens foi editada no programa Pinnacle - 9.3, que também acrescentou às imagens sons relacionados ao cotidiano. Uma outra versão foi editada no programa Power Point. As imagens foram gravadas em formato Jpeg e puderam ser editadas e apresentadas nas duas versões. A obra “Estórias do Cotidiano” foi reproduzida por gravação em um Compact Disk – RW. A duração da versão do Pinnacle é de um minuto e vinte segundos, enquanto a do Power Point é de dois minutos e vinte segundos. A maioria das fotografias foi capturada no único Shopping Center da cidade de Campo Grande, MS. Por isso, foram recolhidos e editados, junto com as imagens, os sons da multidão que circula naquele ambiente. Outras fotografias foram capturadas no centro da cidade de Campo Grande, MS, como no Mercado Municipal. Algumas fotografias são de cidades diferentes: de Torres - RS e Orlando – EUA; também foram capturadas nas áreas urbanas mais
  • 29. 35 centrais. Nesse caso, foram recolhidos e editados juntamente com essas imagens os sons de rodovias, helicópteros, buzinas e outros sons urbanos. Todos esses sons, acrescidos ainda de barulhos de passos, de gente zangada, de risos e gargalhadas, compuseram o fundo sonoro da edição que termina com o som de aplausos, para retomar a idéia de ligação com o processo criativo do teatro. Os aplausos fecham o espetáculo. A transição entre as imagens é feita pelo recurso gráfico-digital de “exibir ou omitir”. Para a produção da vinheta de apresentação do título foi utilizado o recurso textura de fundo retirada do programa Photoshop 7.0. Esse recurso enfatiza a idéia da tela de uma televisão fora do ar, que se compõem ainda melhor com o áudio de um rádio a procura de alguma transmissão. O formato das letras utilizadas é o Courier New, nas fontes 36 e 48. O fundo que sustenta as imagens em seqüência é preto e aparece porque as imagens são compostas de maneira que não ocupam toda a tela de projeção. Uma margem branca, mais fina estabelece o campo de divisão entre as imagens e o fundo. As imagens são todas em formato retangular, mas com proporções diferentes, sua relação com a moldura e o fundo permite uma certa uniformidade na apresentação. Estes são alguns resultados do audiovisual Estórias do Cotidiano.
  • 30. 36 Figura 8 – Imagem 1 Figura 9 - Imagem 11
  • 31. 37 Figura 10 - Imagem 5 Figura 11 – Imagem 9
  • 32. 38 Figura 12 - Imagem 10
  • 33. 39 CONCLUSÃO Por meio de um trabalho de síntese e sonorização com 14 imagens editadas em apresentações de um minuto e vinte segundos e outra de dois minutos e vinte e segundos, o audiovisual “Estórias do Cotidiano” mostra o dia-a-dia do homem urbano revisado pela imaginação ou pela fantasia. O processo de criação da obra seguiu os passos do teatro stanishaviskiano. Algumas cenas fotografadas foram obtidas ao acaso e outras foram criadas com a presença de pessoas convidadas nos locais de busca de imagens. O cotidiano registrado fotograficamente foi transformado por meio do design gráfico digital e da edição de imagens em uma outra realidade, criando um realismo mágico ou fantástico. O trabalho com as imagens fotográficas tratadas e editadas seguiu, portanto, a indicação de Bruno Munari (1981) sobre a criação e a fantasia, porque esse autor defende que o produto da imaginação dispensa explicações lógicas ou relações com a realidade factual. Desse modo, o processo de trabalho foi inspirado na criação teatral proposta por Stanislavski (1982), que considerava a realidade como ponto de partida, mas também acreditava na imaginação e na fantasia, inclusive, como produtos do subconsciente. Sobre isso, a repetição de elementos ou personagens em tríades, nas imagens produzidas, remete ao que o autor propôs sobre a repetição ternária, que permitiria às personagens, dentro da fantasia, estarem em qualquer lugar ou situação apresentados dentro de uma mesma cena. As imagens fotográficas foram tratadas e modificadas pelos efeitos de computação gráfica sob inspiração de diversas imagens consideradas durante o
  • 34. 40 desenvolvimento do trabalho; dentre essas, estão as pinturas de Hooper e imagens produzidas por outros artistas, seja no campo das artes plásticas ou da fotografia. O processo de trabalho aqui relatado permitiu incursões por diversos campos considerados de muito interesse, como o teatro, as artes em geral e também a fotografia. Esse percurso de proveitoso aprendizado e muitos resultados foi concretizado na produção do audiovisual “Estórias do Cotidiano” que, juntamente com este relatório, foi produzido e é apresentado como trabalho de final de curso do Bacharelado em Artes Visuais do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
  • 35. 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUSSELLE, Michael. Tudo Sobre Fotografia. 4ª ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,1988. CIVITA, Victor. Os Grandes Artistas. 2ª ed. São Paulo: Editora Nova Cultura,1991. DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. 5ª ed. São Paulo: Editora Papirus, 2001. ERBOLATO, L. Mário e Barbosa T. Júlio César. Comunicação e Cotidiano. Campinas: Livraria e Editora, 1984. GILES, Thomas Rasom. Dicionário de Filosofia: termos e filósofos. São Paulo: Editora EPU, 1993. JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus Editora, 1992. LAROUSSE, Cultural. Dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Nova Cultura, 1992. MUNARI, Bruno. Fantasia, Invenção, Criatividade e Imaginação na Comunicação Visual. Portugal: Editora Presença, LTDA - Livraria Martins Fontes, 1981. NETTO, J.P. MC. Brant de Carvalho. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. 3ª ed. São Paulo: Cortez Editora, Câmara Brasileira do Livro, 1994. READ, Hebert. História da Pintura Moderna. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. SOUZA, Richard Perassi Luiz. Roteiro Didático da Arte na Produção do Conhecimento. Campo Grande: Editora UFMS, 2005. VASQUEZ, Pedro. Como Fazer Fotografia. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1986. WALKER, John. A. A Arte Desde o Pop. Calabri, Barcelona: Editora Labor, S. A,1977. AGRESCA. Disponível em: <www.agresca.vilabol.uol.com.br/menuhis.html> Acesso em: 07/01/2003, às 21h00min. DIÁRIO DE CUIABÁ. Disponível em: <http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod= 3368> Acesso em: 20/09/2004, ás 15h30min.
  • 36. 42 HISTÓRIA DA ARTE. Dadaísmo. Disponível em: <http://www.historiadaarte.com.br/htmldadaismo.html> Acesso em: 20/ 09/2004 às 20h00min. MEZIAT, Renato. Transcendendo a fotografia. Disponível em: <www.obraprima.com.br> Acesso em: 10/09/2004 às 19h30min; SALGADO, Sebastião. Êxodos. Disponível em: <www.terra.com.br/sebastiãosalgado> Acesso em: 06/01/03 às 15h00min.