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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Célia Regina Vendramini
EDUCAÇÃO E TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO*
CÉLIA REGINA VENDRAMINI**
RESUMO: As reflexões deste texto são fruto de pesquisas da autora
que têm buscado analisar as ações sócio-educativas do Movimento dos
Sem-Terra, em especial as que se situam no campo do trabalho, da co-
operação e da educação. Tais relações são fundamentais para avaliar o
sentido atual e as possibilidades de uma educação voltada para as po-
pulações do campo. No presente texto, tecemos algumas análises refe-
rentes: ao trabalho no campo na atualidade, como expressão da desi-
gualdade social e da oposição de classe, que se manifesta nas diversas
formas de produção, de atividades e de sujeitos que vivem, trabalham
ou investem no campo; à educação do campo, seus avanços em rela-
ção à educação rural, sua presença nas políticas educacionais e sua
abrangência para além do espaço escolar; e, por último, a valorização
que a educação ganha com os movimentos sociais do campo, que pas-
sam a defender uma educação articulada com a criação de condições
materiais para a vida no campo. Tratamos especialmente da educação
que se desenvolve no interior do Movimento dos Sem-Terra.
Palavras-chave: Educação do campo. Trabalho e educação. Movi-
mentos sociais.
EDUCATION AND WORK:
CONSIDERATIONS ON THE RURAL SOCIAL MOVEMENTS
ABSTRACT: This paper presents the results of investigations that
have examined the social and educational actions taken by the
Landless Worker’s Movement (MST), in particular those regarding
* Uma versão modificada deste artigo foi apresentada no VI Seminário de Pesquisa em Edu-
cação da Região Sul (ANPEd Sul), realizado em Santa Maria (RS), em junho de 2006.
** Pós-doutora em educação e professora do Centro de Ciências da Educação da Universida-
de Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: cvendram@ced.ufsc.br
122 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo
work, cooperation and education. Such relationships are basic to as-
sess the current sense and the possibilities of an education aimed at
rural populations. The text brings forth some analyses on the cur-
rent rural work as the expression of social inequalities and class dis-
tinction that are manifest in the various kinds of productions, ac-
tivities, and individuals who live, work or invest in rural areas. It also
explores the current rural education, its advantages compared with
the previous model, its presence in educational policies and its ex-
tension beyond school itself. Finally it examines the importance
education acquires due to rural social movements that begin to sup-
port education associated with the development of material condi-
tions for rural life. It particularly focuses on the education that is be-
ing promoted within the Landless Worker’s Movement.
Key words: Rural education. Work and education. Social movements.
educação do campo vem conquistando espaço, nos últimos anos,
nos debates e nas políticas educacionais no Brasil. Tal fato me-
rece nossa reflexão, diante do contexto em que ele se manifesta.
Observamos a continuidade do êxodo rural, iniciado no século passa-
do e intensificado nas décadas de 1960 e 1970 (hoje, 19% da popula-
ção vive nas zonas rurais), a inviabilização da agricultura familiar e o
fortalecimento do agronegócio e da produção para a exportação. Exem-
plo desta situação é o plantio de pinus e eucalipto, feito em larga esca-
la pelas empresas multinacionais para a produção de celulose. A em-
presa Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, teve seu laboratório
destruído no dia 8 de março deste ano, por cerca de 2 mil mulheres
ligadas aos movimentos de defesa dos trabalhadores do campo. Segun-
do Davis (apud Paulilo & Matias, 2006), no Rio Grande do Sul, há
cerca de 260 mil hectares de eucalipto, pinus e acácia já plantados, com
projeção para se alcançar um milhão de hectares em dez anos. A pro-
dução de celulose exige alto investimento em capital (modelo capital
intensivo). Para a produção de um milhão de toneladas de celulose/
ano são necessários 100 mil hectares de eucalipto e um investimento
inicial de US$ 1,2 bilhão. Porém, gera poucos empregos para a popu-
lação rural. O reflorestamento deste tipo gera, no Espírito Santo e no
sul da Bahia, apenas um emprego para cada 185 hectares plantados.
No que se refere ao contexto educacional, observamos a conti-
nuidade da política de fechamento/nucleação de escolas rurais, com o
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Célia Regina Vendramini
objetivo de racionalizar a estrutura e a organização de pequenas escolas,
em comunidades que contam com um reduzido número de crianças em
idade escolar, e diminuir o número de classes multisseriadas, orientan-
do-se pelo Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei n. 4.173/98).
Com base nestas considerações, perguntamos: O que está acon-
tecendo no espaço rural? Que contradições são estas? Como a escola
do campo ganha espaço neste contexto?
É preciso compreender que a educação do campo não emerge
no vazio e nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um
movimento social, da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta
social. É fruto da organização coletiva dos trabalhadores diante do de-
semprego, da precarização do trabalho e da ausência de condições ma-
teriais de sobrevivência para todos.
Uma importante e significativa mudança de teoria e de prática
no que se refere à educação rural foi o movimento nacional desencade-
ado para a construção de uma escola do campo, vinculada ao processo
de construção de um projeto popular para o Brasil, que inclui um novo
projeto de desenvolvimento para o campo. Nesta orientação, foram re-
alizadas diversas conferências estaduais e nacionais, sendo a primeira
conferência nacional, “Por uma Educação Básica do Campo”, realizada
em 1998 e organizada pelo MST, CNBB, UNICEF e UNESCO. Essa primeira
Conferência inaugurou uma nova referência para o debate e a mobili-
zação popular: Educação do Campo e não mais educação rural ou edu-
cação para o meio rural, ao reafirmar a legitimidade da luta por políti-
cas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para os
sujeitos que vivem e trabalham no campo.
Observamos que a educação do campo foi incorporada e/ou va-
lorizada na agenda de lutas e de trabalho de um número cada vez mai-
or de movimentos sociais e sindicais do campo, com o envolvimento
de diferentes entidades e órgãos públicos. O que pode ser conferido
pelo conjunto de promotores e apoiadores da II Conferência Nacional
por uma Educação do Campo, ocorrida em Luziânia (GO), em 2004.
Participaram desta iniciativa representantes de movimentos sociais, sin-
dicais e outras organizações sociais do campo e da educação, de uni-
versidades, de ONGs e de Centros Familiares de Formação por Alternân-
cia, de secretarias estaduais e municipais de educação e de outros
órgãos de gestão pública.
124 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007
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Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo
A Conferência de Luziânia debruçou-se especialmente sobre
como efetivar no Brasil um tratamento público específico para a Edu-
cação do Campo, enquanto política pública permanente.
Uma conquista do conjunto das organizações do campo, no âm-
bito das políticas públicas, foi a aprovação das Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Parecer n. 36/2001 e
Resolução n. 1/2002 do Conselho Nacional de Educação). As diretri-
zes definem a identidade da escola do campo
(...) pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se
na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que
sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas
por essas questões à qualidade social da vida coletiva no País. (Diretrizes
operacionais para a educação básica do campo, 2002, p. 37)
Nesta direção, o Ministério da Educação instituiu, em 2003,
um Grupo Permanente de Trabalho Educação do Campo e, em 2004,
criou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversida-
de (SECAD), contemplando em sua estrutura a Coordenação Geral de
Educação do Campo.
Ainda que compreendamos as razões sociais e políticas para a
mobilização em torno de uma educação do campo, continuamos ques-
tionando a respeito do contexto social, das condições materiais para o
desenvolvimento de uma educação do e no campo. Nesta direção, pro-
pomos uma discussão que articula a educação e o trabalho no meio ru-
ral, com base nas seguintes questões: O que caracteriza hoje o trabalho
no campo? Qual educação é necessária ou requerida para este espaço?
Qual a participação dos movimentos sociais na criação de formas de
vida, de trabalho e de educação no campo?
O trabalho no campo
No Brasil, o trabalho no campo desenvolve-se num amplo e di-
versificado espaço e abrange um conjunto de atividades, entre elas, a
agricultura, a pecuária, a pesca e o extrativismo. Além disso, diz res-
peito a diversas formas de ocupação do espaço, desde a produção para
a subsistência até a produção intensiva de eucaliptos para a obtenção
de celulose. Explicita a grande desigualdade social do país. Constitui
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Célia Regina Vendramini
espaço de trabalho, de vida, de relações sociais e de cultura de pequenos
agricultores; espaço de grande exploração de trabalhadores, especialmen-
te o trabalho temporário, sem relações contratuais, de pessoas que va-
gueiam pelo país para acompanhar os períodos de colheitas, constituin-
do o trabalho sazonal; espaço de terras para reserva de valor; espaço de
produção para o agronegócio; espaço de difusão de tecnologias e de mo-
dificação genética amplamente questionada por ambientalistas, pesqui-
sadores e agricultores; e espaço para o descanso, a vida tranqüila, o lazer
e o contato com a natureza.
Estas diferentes e opostas formas de ocupação do espaço rural in-
dicam a presença de diversos sujeitos sociais no campo e explicitam uma
forte oposição de classes. Prova disso são os significativos dados referen-
tes à violência no meio rural. Em 2005, os dados da Comissão Pastoral
da Terra apresentaram um crescimento de 106% de mortes em conse-
qüência de conflitos no campo: 64 mortes em 2005 contra 31 em 2004.
A injusta concentração fundiária, a não demarcação das terras indígenas
e a não realização da reforma agrária fazem crescer o número de vítimas.
Houve um aumento significativo de famílias expulsas da terra pelo po-
der do latifúndio e do agronegócio, 42,5% a mais do que em 2004. Fo-
ram expulsas do campo, em 2005, 4.366 famílias (www.cpt.org.br).
O século XX, especialmente a segunda metade, atravessou gran-
des transformações na forma de organizar a vida e o trabalho das po-
pulações rurais no Brasil. Assistimos a uma perversa penetração do capi-
talismo nas relações produtivas do campo, transformando e submetendo
toda a produção ao capital, ainda que mantidas as antigas estruturas
fundiárias.
Os avanços da exploração capitalista e o processo de moderniza-
ção da agricultura no Brasil caracterizam-se pelo fortalecimento de uni-
dades de produção cada vez maiores, impondo novas condições para
lucratividade, uma vez que as culturas que utilizam insumos moder-
nos e produzem para a exportação e/ou transformação industrial têm
um espaço privilegiado na balança comercial.
A pequena produção subordina-se ao capital, seja ele comercial ou
financeiro, ao proprietário fundiário, aos complexos agroindustriais e às
cooperativas capitalistas. A agroindústria, no Brasil, desenvolve-se como
uma extensão orgânica da estrutura industrial e é um dos determinantes
básicos na redefinição do papel da agricultura na acumulação capitalista.
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Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo
Segundo Goodman, Sorj e Wilkinson (1985), as políticas de mo-
dernização subsidiadas pelo Estado promovem a capitalização dos pro-
cessos de trabalho rurais e a mercantilização crescente da agricultura de
pequena escala. O objetivo da modernização é transformar o latifúndio,
símbolo da agricultura “primitiva”, “colonial”, numa grande empresa ca-
pitalista.
A modernização da agricultura no país acentua ainda mais a con-
centração da propriedade da terra1
e a desigualdade social no campo,
com o alto preço de destruição da agricultura familiar, devastação e de-
gradação dos empregos rurais, miséria da população rural e deteriora-
ção do meio ambiente.2
É preciso também considerar que as fronteiras entre o rural3
e o
urbano já não são claramente observadas e identificadas (entre os auto-
res que abordam o tema, citamos Eli da Veiga, 2002, e Graziano da
Silva, 1999). Assim como na cidade, as populações do campo convi-
vem com o desemprego, a precarização, intensificação e informalização
do trabalho e a carência de políticas públicas.
Ainda que mantidas algumas especificidades da vida no mundo rural, ob-
servamos que as fronteiras entre o rural e o urbano estão cada vez mais dis-
sipadas, tendo em vista a penetração do capitalismo no campo e a trans-
formação das relações sociais, a submissão direta ou indireta ao capital, a
transformação do latifúndio em capital latifundiário, o avanço das
agroindústrias e da integração dos pequenos produtores rurais, a produ-
ção para o mercado nacional e internacional, a utilização da terra como re-
serva de valor e, especialmente, a imposição do assalariamento na sua for-
ma mais perversa de exploração: trabalho temporário, “diarista”, sem car-
teira assinada e sem direitos e garantias. (Vendramini, 2004, p. 153)
Na contramão do processo já consolidado de capitalização das
relações de produção no campo, que se fez concentrando ainda mais a
propriedade, movimentos sociais levantam a bandeira da reforma agrá-
ria, propõem a redistribuição de terras e de riquezas, ocupam áreas con-
sideradas improdutivas, exigem trabalho e escola para seus filhos. As
populações do campo, vítimas do processo de exclusão, não reivindi-
cam apenas terra. Querem mais que o reconhecimento da legitimida-
de da sua presença sobre a terra; “querem a reformulação das relações
sociais e a ampliação dos direitos sociais” (Martins, 1993, p. 90). Fren-
te à grande pressão exercida nas últimas décadas pelo Movimento dos
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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Célia Regina Vendramini
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), algumas áreas foram destinadas
à reforma agrária e famílias de trabalhadores foram assentadas (ao lon-
go de quase duas décadas, foram realizadas mais de duas mil ocupa-
ções por cerca de 300 mil famílias, hoje assentadas, conquistando 7
milhões de hectares4
).
A educação do/no campo
Nossa primeira questão refere-se aos sujeitos para os quais se des-
tina a educação, tendo em vista a grande diversidade, ou melhor, desi-
gualdade de vida e de produção no campo. Aqui estamos nos referindo
à educação pública, para os filhos de trabalhadores. Ribeiro (2006),
ao denunciar a investida do poder público contra o Instituto Técnico
de Pesquisa e Capacitação da Reforma Agrária (ITERRA), do Rio Grande
do Sul, defende o caráter público daquela escola, que atende filhos e
filhas de agricultores historicamente alijados das políticas educacionais.
O ITERRA desenvolve uma experiência educacional que articula, segun-
do Ribeiro, ensino-pesquisa-extensão, desenvolvidos nos níveis de en-
sino médio (normal: formação de professores e técnico: formação de
técnicos em administração de cooperativas) e de ensino superior (Pe-
dagogia da Terra). As ações desenvolvidas no ITERRA são um marco de rup-
tura com uma história de educação planejada para a população rural.
As experiências educacionais (escolas, programas e currículos es-
peciais, campanhas nacionais etc.) voltadas para a população rural –
desde a década de 1920, quando a educação rural começou a ocupar
espaço na problemática educacional – se pautam pela lógica da educa-
ção como mola propulsora do desenvolvimento social (sobre isso, ver
Calazans, 1985, e Bordenave & Werthein, 1981).
Mesmo com a expansão quantitativa da escola rural, desde a dé-
cada de 1920, a educação continuou precária, não conseguindo garan-
tir escolaridade mínima fundamental ao homem do campo. É grande
o número de professores rurais que não completaram seus estudos se-
cundários. Os problemas de evasão e repetência são graves e os índices
de analfabetismo elevados. Segundo dados do IBGE (PNDA, 2004), o Bra-
sil possui uma proporção de 11,4% da população de 15 anos ou mais
de idade que declara não saber ler e escrever. Uma taxa de analfabetis-
mo superior a de outros países em desenvolvimento, como o México
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Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo
(9,7%,), China (9,1%), Chile (4,3%), Argentina (2,8%) e Cuba
(0,2%). O quadro é mais grave no campo, cuja taxa de analfabetismo
atinge mais de um quarto da população rural brasileira. O percentual
de pessoas no campo que declaram não saber ler e escrever chega a
25,8%, enquanto nas áreas urbanas essa proporção é de 8,7%.
Já mencionamos um conjunto de iniciativas relativas à educação
do campo, a partir da década de 1990, por parte da sociedade civil e do
Estado, em resposta a uma forte pressão dos movimentos sociais. Há uma
mudança significativa a partir da própria concepção de educação rural,
agora intitulada de educação do campo, que expressa, segundo Caldart
(2004, p. 17), um “processo de construção de um projeto de educação
dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, gestado desde o ponto
de vista dos camponeses e da trajetória de luta de suas organizações”. O
nome educação do campo, ainda que incorpore uma rica discussão e
mobilização social, tem limites em termos de capacidade explicativa, ten-
do em vista a já assinalada diversidade de sujeitos, contextos, culturas e
formas de produção e ocupação do meio rural.
Outro aspecto para a análise refere-se à amplitude da educação,
seja no campo ou na cidade, considerando os diversos espaços e formas
de aprendizagem para além da escola. “Tomamos como base a concep-
ção de formação como um processo em permanente construção, per-
meada de contradições e determinada por condições objetivas e subjeti-
vas, em que os sujeitos sociais vão se constituindo” (Vendramini, 2004,
p. 159).
A aprendizagem e a formação experiencial são processos de aqui-
sição de saberes que têm origem na globalidade de vida das pessoas,
associadas à modalidade da educação informal. Esta se refere a situa-
ções educativas com base nos efeitos educativos e não nas intenções.
Os efeitos são entendidos como “mudanças duráveis de comportamen-
tos que decorrem da aquisição de conhecimento na acção e da capitali-
zação das experiências individuais e colectivas” (Canário, 2000, p. 81).
A riqueza e a diversidade da formação experiencial, segundo Ca-
vaco (2002), dependem da riqueza e diversidade das situações vividas/
experimentadas pelos sujeitos no seu contexto, pois “o que a experiên-
cia permitiu aprender comporta necessariamente os limites do percur-
so” (Dominicé, 1989, apud Cavaco, 2002, p. 32) de vida de cada pes-
soa. Desse modo, segundo a autora, a experiência apresenta um caráter
129Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007
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Célia Regina Vendramini
dinâmico, pois é questionada e alterada em função de novas situações
vivenciais.
Nosso objetivo é valorizar epistemologicamente a educação
experiencial, na sua relação com os sujeitos sociais que a constituem e
seus espaços de vida e de trabalho, na sua forma própria de organiza-
ção, nos seus aspectos inovadores e na sua capacidade de mudança.
Canário (2000) aponta para uma compreensão da escola, inclu-
indo a escola no mundo rural, para além dela própria. Afirma que pen-
sar a escola é refletir, em primeiro lugar, sobre o espaço em que se si-
tua, suas necessidades e fragilidades, mas também suas potencialidades.
A escola precisa estar em sintonia com as mudanças que acontecem no
local, com as novas necessidades criadas e recriadas e com as expectati-
vas de formação que vão se constituindo de acordo com o modo de vida
e de trabalho, que também estão em transformação.
O trabalho, os movimentos sociais e a educação
A educação do campo ganha um novo sentido, quando associa-
da a um movimento social que defende a educação articulada com a
criação de condições materiais para a vida no campo.
A defesa de uma educação do campo tem como sustentação o
reconhecimento de uma realidade de trabalhadores e trabalhadoras que
têm resistido para continuar produzindo sua vida no espaço rural. E,
especialmente, o reconhecimento de que esta realidade precisa ser alte-
rada, tendo em vista a crescente pobreza, o desemprego, as grandes de-
sigualdades sociais e as dificuldades de acesso às políticas públicas (saú-
de, educação, transporte, infra-estrutura etc.). Portanto, pensar um
projeto de educação do campo pressupõe a sua sustentabilidade em ter-
mos econômicos, sociais e culturais.
Além disso, os movimentos sociais, especialmente o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, têm um projeto educacional que
está associado a um projeto político de transformação social, no senti-
do atribuído por Mészáros (2005, p. 76):
A nossa tarefa educacional é, simultaneamente, a tarefa de uma transfor-
mação social, ampla e emancipadora. Nenhuma das duas pode ser posta à
frente da outra. Elas são inseparáveis. A transformação social emancipadora
radical requerida é inconcebível sem uma concreta e ativa contribuição da
130 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007
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Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo
educação no seu sentido amplo (...). E vice-versa: a educação não pode
funcionar suspensa no ar. Ela pode e deve ser articulada adequadamen-
te e redefinida constantemente no seu inter-relacionamento dialético
com as condições cambiantes e as necessidades da transformação social
emancipadora e progressiva em curso.
As estratégias coletivas de sobrevivência criadas pelos sem-terra,
num contexto de vida e de trabalho precário tanto no meio urbano
quanto no rural, revelam sua capacidade de buscar respostas diante da
impossibilidade de sobreviverem da forma como vinham fazendo. As
trajetórias vivenciadas pelos sem-terra na experiência de acampamento
e de assentamento influenciam na construção de estratégias de organi-
zação da vida e do trabalho, considerando que o processo vivido pelos
trabalhadores organizados em torno do MST é em si educativo. Esta
questão sustenta-se na tese de que a experiência de quem aprende tor-
na-se o ponto de partida e o ponto de chegada dos processos de apren-
dizagem. Aprender significa “atribuir sentido a uma realidade comple-
xa” (Canário, 2000, p. 110).
No processo de luta, de organização, de trabalho, de cooperação
e de vida dos sem-terra ligados ao MST, é possível perceber que a edu-
cação é expressão de todas essas dinâmicas construídas coletivamente,
ou seja, ela é constituída pelas relações sociais, mas é também consti-
tuinte. Isso significa dizer que o processo educativo vivido instrumen-
taliza os trabalhadores para o seu trabalho, para a cooperação, para as
lutas junto ao MST, ao partido político, à militância ecológica e das mu-
lheres acampadas e assentadas.
Podemos nos referir, no contexto do MST, a dois processos educa-
tivos, ainda que combinados. Um deles refere-se ao processo educativo pre-
sente nas lutas do Movimento, ao aprendizado propiciado pela experiên-
cia da ocupação de terras, das reuniões, das manifestações públicas, da vida
nos acampamentos, da organização do trabalho e da vida produtiva e so-
cial nos assentamentos, dos intercâmbios, dos enfrentamentos, enfim, de
todos os desafios de uma luta radical pela terra.
O outro processo, mais intencional e planejado de forma siste-
mática, refere-se aos cursos desenvolvidos pelo MST e às iniciativas esco-
lares. Os assentamentos rurais do Movimento contam com escolas da
rede regular de ensino, vinculadas às redes estaduais e municipais, de
séries iniciais, na sua maioria, e de séries finais do ensino fundamental;
131Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007
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Célia Regina Vendramini
alguns deles contam também com escolas de ensino médio. São 1.800
escolas públicas de ensino fundamental, em que estudam 160 mil cri-
anças e adolescentes e atuam 3.900 educadores; além dos espaços de
educação infantil, conhecidos como Cirandas Infantis, que contam
com 250 educadores (www.mst.org.br).
A formação acontece também em nível técnico, como, por exem-
plo, no curso de Magistério para professores de assentamentos, no cur-
so superior de Pedagogia da Terra e no curso técnico em Administra-
ção de Cooperativas que se desenvolvem no ITERRA (vinculado ao MST).
Os alunos desses cursos participam da gestão das escolas e realizam tra-
balhos práticos nos assentamentos, dentro da chamada pedagogia da
alternância.5
Além de escolas, cursos e programas, o Movimento man-
tém a Escola Nacional Florestan Fernandes, que oferece aos acampados
e assentados o Curso Básico de Formação de Militantes e Cursos de
Formação de Formadores.
Em todo o país, funciona um Programa Nacional de Educação
da Reforma Agrária (PRONERA),6
em convênio com aproximadamente
cinqüenta universidades, que atende em torno de trinta mil jovens e
adultos assentados e conta com três mil educadores.
Hoje, o MST e os assentados contam com profissionais de diversas
áreas, como agronomia, educação, medicina, técnicos em administração,
técnicos agrícolas, entre outros, que foram incentivados e apoiados para
estudar e contribuir com a luta dos assentados para a permanência na
terra. Para Canário (2000), a escola precisa estar em sintonia com as
mudanças que acontecem no local, com as novas necessidades criadas e
recriadas e com as expectativas de formação que vão se constituindo de
acordo com o modo de vida e de trabalho, que também estão em trans-
formação.
Observamos, pelas experiências educacionais e escolares que o MST
desenvolve, uma revolução no conceito de escola. Para além da escola tra-
dicional nas áreas de assentamentos, podemos nos referir à escola
itinerante criada na mesma lógica do acampamento, pelo fato dela estar
em movimento, de acompanhar as ocupações e reocupações, as marchas
e os acampamentos nas cidades. É uma escola que vai aonde o educando
está, não há necessidade de parar de estudar porque se está lutando, se-
gundo Fogaça (2003). O mesmo autor vê o momento da escola
itinerante como único: “não basta ter quadros, giz, recursos audiovisuais,
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Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo
tem de construir e não chegar com receitas, tem de trazer elementos
que recarreguem as baterias superpotentes que cada educando tem em
termos de energia e vontade de aprender” (p. 108). Podemos nos refe-
rir ainda à Escola Nacional Florestan Fernandes, um espaço de forma-
ção de militantes com base numa metodologia que estimula o pensa-
mento crítico e a experimentação de valores e práticas diferenciados,
com base em grupos de trabalho coletivos (Medeiros, 2002). Da mes-
ma forma, o ITERRA, que além de formar tecnicamente os estudantes,
envolve-os num espaço e num tempo de estudo e trabalho com base
na autogestão. Dal Ri e Vietz (2004), ao analisarem o curso técnico
em administração de cooperativas (TAC) do Instituto de Educação Josué
de Castro, concluem que este produziu nos cursos elementos pedagó-
gicos diferenciados, concordantes com a visão educacional do MST, e que
são responsáveis pelo caráter sui generis da pedagogia adotada. Esses ele-
mentos pedagógicos dizem respeito aos conteúdos disciplinares, ao
modo como a escola se organiza, aos processos de ensino e aprendiza-
gem e às funções que a escola desempenha no Movimento.
Estes exemplos indicam a gestação de uma pedagogia e de uma
escola que busca, ainda que com muitos limites, construir formas, es-
paços e relações diferenciadas em termos educacionais, com base no tra-
balho coletivo, no exercício da autogestão, na articulação entre traba-
lho e estudo e entre teoria e prática, no envolvimento de sujeitos com
idades variadas (num movimento intergeracional), em que todos
aprendem no processo, inclusive os educandos, construindo uma pe-
dagogia que transforma o espaço tradicional escolar.
As diversas ações sócio-educativas que se desenvolvem no interi-
or de movimentos sociais, cooperativas, associações, sindicatos e outras
organizações sociais têm apresentado um grande grau de inovação e ca-
pacidade de mudança nos sujeitos envolvidos e no meio em que vivem.
Sua forma de organização, de envolvimento social, de articulação com
outras esferas da vida e outros sujeitos sociais tem permitido a reflexão
sobre o sentido da escola. Além disso, tem-se constituído num con-
fronto à educação mercantilista que caracteriza os sistemas de ensino
na atualidade.
Observamos, neste contexto, que os movimentos sociais do cam-
po, entre eles o MST, têm pressionado não só pela Reforma Agrária e
por uma política agrícola que viabilize a pequena produção no campo,
133Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Célia Regina Vendramini
mas também por uma educação e escolarização para uma população
historicamente alijada das políticas públicas. Ainda que o Movimento
esteja envolvido diretamente nas lutas por uma educação do campo,
seu projeto de formação vai mais além, ao desenvolver ações políticas
que em si são educativas e ao direcionar a formação não só para o as-
pecto técnico e escolar, mas essencialmente político.
Recebido em outubro de 2006 e aprovado em março de 2007.
Notas
1. O Brasil tem a maior concentração de propriedades rurais do mundo. Pelos dados do cen-
so de 1995-1996, o índice de Gini (indicador que permite verificar o grau de concentra-
ção da terra) é de 0,86 (indica uma concentração muito forte). Como praticamente nada
mudou, em 2000, o índice provavelmente alcança a faixa de extrema concentração, afirma
Carvalho, no Jornal Brasil de Fato (2003, n. 23).
2. A análise do conjunto do pessoal empregado no campo brasileiro mostra que as pequenas
unidades são aquelas que mais empregam e destinam parte expressiva de suas rendas para
esta finalidade. Do total do pessoal empregado nos estabelecimentos (17,9 milhões de tra-
balhadores), as pequenas unidades empregam 87,3%, as médias 10,2% e os latifúndios
apenas 2,5% (Brasil de Fato, n. 23, p. 14, 2003).
3. 19% da população brasileira vive nas zonas rurais.
4. Fonte: Agenda do MST, 2004.
5. Essa concepção pedagógica foi trazida para o Brasil na década de 1960, com as experiênci-
as de formação em alternância das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e das Casas Familiares
Rurais (CFRs). Constitui-se num processo formativo contínuo na descontinuidade de
atividades e de espaços e tempos. Tal princípio repousa sobre a combinação, no processo
de formação dos educandos, de períodos de vivência na academia e no território de ori-
gem.
6. Programa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), na esfera do go-
verno federal.
Referências bibliográficas
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  • 1. 121Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini EDUCAÇÃO E TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO* CÉLIA REGINA VENDRAMINI** RESUMO: As reflexões deste texto são fruto de pesquisas da autora que têm buscado analisar as ações sócio-educativas do Movimento dos Sem-Terra, em especial as que se situam no campo do trabalho, da co- operação e da educação. Tais relações são fundamentais para avaliar o sentido atual e as possibilidades de uma educação voltada para as po- pulações do campo. No presente texto, tecemos algumas análises refe- rentes: ao trabalho no campo na atualidade, como expressão da desi- gualdade social e da oposição de classe, que se manifesta nas diversas formas de produção, de atividades e de sujeitos que vivem, trabalham ou investem no campo; à educação do campo, seus avanços em rela- ção à educação rural, sua presença nas políticas educacionais e sua abrangência para além do espaço escolar; e, por último, a valorização que a educação ganha com os movimentos sociais do campo, que pas- sam a defender uma educação articulada com a criação de condições materiais para a vida no campo. Tratamos especialmente da educação que se desenvolve no interior do Movimento dos Sem-Terra. Palavras-chave: Educação do campo. Trabalho e educação. Movi- mentos sociais. EDUCATION AND WORK: CONSIDERATIONS ON THE RURAL SOCIAL MOVEMENTS ABSTRACT: This paper presents the results of investigations that have examined the social and educational actions taken by the Landless Worker’s Movement (MST), in particular those regarding * Uma versão modificada deste artigo foi apresentada no VI Seminário de Pesquisa em Edu- cação da Região Sul (ANPEd Sul), realizado em Santa Maria (RS), em junho de 2006. ** Pós-doutora em educação e professora do Centro de Ciências da Educação da Universida- de Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: cvendram@ced.ufsc.br
  • 2. 122 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo work, cooperation and education. Such relationships are basic to as- sess the current sense and the possibilities of an education aimed at rural populations. The text brings forth some analyses on the cur- rent rural work as the expression of social inequalities and class dis- tinction that are manifest in the various kinds of productions, ac- tivities, and individuals who live, work or invest in rural areas. It also explores the current rural education, its advantages compared with the previous model, its presence in educational policies and its ex- tension beyond school itself. Finally it examines the importance education acquires due to rural social movements that begin to sup- port education associated with the development of material condi- tions for rural life. It particularly focuses on the education that is be- ing promoted within the Landless Worker’s Movement. Key words: Rural education. Work and education. Social movements. educação do campo vem conquistando espaço, nos últimos anos, nos debates e nas políticas educacionais no Brasil. Tal fato me- rece nossa reflexão, diante do contexto em que ele se manifesta. Observamos a continuidade do êxodo rural, iniciado no século passa- do e intensificado nas décadas de 1960 e 1970 (hoje, 19% da popula- ção vive nas zonas rurais), a inviabilização da agricultura familiar e o fortalecimento do agronegócio e da produção para a exportação. Exem- plo desta situação é o plantio de pinus e eucalipto, feito em larga esca- la pelas empresas multinacionais para a produção de celulose. A em- presa Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, teve seu laboratório destruído no dia 8 de março deste ano, por cerca de 2 mil mulheres ligadas aos movimentos de defesa dos trabalhadores do campo. Segun- do Davis (apud Paulilo & Matias, 2006), no Rio Grande do Sul, há cerca de 260 mil hectares de eucalipto, pinus e acácia já plantados, com projeção para se alcançar um milhão de hectares em dez anos. A pro- dução de celulose exige alto investimento em capital (modelo capital intensivo). Para a produção de um milhão de toneladas de celulose/ ano são necessários 100 mil hectares de eucalipto e um investimento inicial de US$ 1,2 bilhão. Porém, gera poucos empregos para a popu- lação rural. O reflorestamento deste tipo gera, no Espírito Santo e no sul da Bahia, apenas um emprego para cada 185 hectares plantados. No que se refere ao contexto educacional, observamos a conti- nuidade da política de fechamento/nucleação de escolas rurais, com o
  • 3. 123Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini objetivo de racionalizar a estrutura e a organização de pequenas escolas, em comunidades que contam com um reduzido número de crianças em idade escolar, e diminuir o número de classes multisseriadas, orientan- do-se pelo Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei n. 4.173/98). Com base nestas considerações, perguntamos: O que está acon- tecendo no espaço rural? Que contradições são estas? Como a escola do campo ganha espaço neste contexto? É preciso compreender que a educação do campo não emerge no vazio e nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um movimento social, da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta social. É fruto da organização coletiva dos trabalhadores diante do de- semprego, da precarização do trabalho e da ausência de condições ma- teriais de sobrevivência para todos. Uma importante e significativa mudança de teoria e de prática no que se refere à educação rural foi o movimento nacional desencade- ado para a construção de uma escola do campo, vinculada ao processo de construção de um projeto popular para o Brasil, que inclui um novo projeto de desenvolvimento para o campo. Nesta orientação, foram re- alizadas diversas conferências estaduais e nacionais, sendo a primeira conferência nacional, “Por uma Educação Básica do Campo”, realizada em 1998 e organizada pelo MST, CNBB, UNICEF e UNESCO. Essa primeira Conferência inaugurou uma nova referência para o debate e a mobili- zação popular: Educação do Campo e não mais educação rural ou edu- cação para o meio rural, ao reafirmar a legitimidade da luta por políti- cas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para os sujeitos que vivem e trabalham no campo. Observamos que a educação do campo foi incorporada e/ou va- lorizada na agenda de lutas e de trabalho de um número cada vez mai- or de movimentos sociais e sindicais do campo, com o envolvimento de diferentes entidades e órgãos públicos. O que pode ser conferido pelo conjunto de promotores e apoiadores da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, ocorrida em Luziânia (GO), em 2004. Participaram desta iniciativa representantes de movimentos sociais, sin- dicais e outras organizações sociais do campo e da educação, de uni- versidades, de ONGs e de Centros Familiares de Formação por Alternân- cia, de secretarias estaduais e municipais de educação e de outros órgãos de gestão pública.
  • 4. 124 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo A Conferência de Luziânia debruçou-se especialmente sobre como efetivar no Brasil um tratamento público específico para a Edu- cação do Campo, enquanto política pública permanente. Uma conquista do conjunto das organizações do campo, no âm- bito das políticas públicas, foi a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Parecer n. 36/2001 e Resolução n. 1/2002 do Conselho Nacional de Educação). As diretri- zes definem a identidade da escola do campo (...) pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no País. (Diretrizes operacionais para a educação básica do campo, 2002, p. 37) Nesta direção, o Ministério da Educação instituiu, em 2003, um Grupo Permanente de Trabalho Educação do Campo e, em 2004, criou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversida- de (SECAD), contemplando em sua estrutura a Coordenação Geral de Educação do Campo. Ainda que compreendamos as razões sociais e políticas para a mobilização em torno de uma educação do campo, continuamos ques- tionando a respeito do contexto social, das condições materiais para o desenvolvimento de uma educação do e no campo. Nesta direção, pro- pomos uma discussão que articula a educação e o trabalho no meio ru- ral, com base nas seguintes questões: O que caracteriza hoje o trabalho no campo? Qual educação é necessária ou requerida para este espaço? Qual a participação dos movimentos sociais na criação de formas de vida, de trabalho e de educação no campo? O trabalho no campo No Brasil, o trabalho no campo desenvolve-se num amplo e di- versificado espaço e abrange um conjunto de atividades, entre elas, a agricultura, a pecuária, a pesca e o extrativismo. Além disso, diz res- peito a diversas formas de ocupação do espaço, desde a produção para a subsistência até a produção intensiva de eucaliptos para a obtenção de celulose. Explicita a grande desigualdade social do país. Constitui
  • 5. 125Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini espaço de trabalho, de vida, de relações sociais e de cultura de pequenos agricultores; espaço de grande exploração de trabalhadores, especialmen- te o trabalho temporário, sem relações contratuais, de pessoas que va- gueiam pelo país para acompanhar os períodos de colheitas, constituin- do o trabalho sazonal; espaço de terras para reserva de valor; espaço de produção para o agronegócio; espaço de difusão de tecnologias e de mo- dificação genética amplamente questionada por ambientalistas, pesqui- sadores e agricultores; e espaço para o descanso, a vida tranqüila, o lazer e o contato com a natureza. Estas diferentes e opostas formas de ocupação do espaço rural in- dicam a presença de diversos sujeitos sociais no campo e explicitam uma forte oposição de classes. Prova disso são os significativos dados referen- tes à violência no meio rural. Em 2005, os dados da Comissão Pastoral da Terra apresentaram um crescimento de 106% de mortes em conse- qüência de conflitos no campo: 64 mortes em 2005 contra 31 em 2004. A injusta concentração fundiária, a não demarcação das terras indígenas e a não realização da reforma agrária fazem crescer o número de vítimas. Houve um aumento significativo de famílias expulsas da terra pelo po- der do latifúndio e do agronegócio, 42,5% a mais do que em 2004. Fo- ram expulsas do campo, em 2005, 4.366 famílias (www.cpt.org.br). O século XX, especialmente a segunda metade, atravessou gran- des transformações na forma de organizar a vida e o trabalho das po- pulações rurais no Brasil. Assistimos a uma perversa penetração do capi- talismo nas relações produtivas do campo, transformando e submetendo toda a produção ao capital, ainda que mantidas as antigas estruturas fundiárias. Os avanços da exploração capitalista e o processo de moderniza- ção da agricultura no Brasil caracterizam-se pelo fortalecimento de uni- dades de produção cada vez maiores, impondo novas condições para lucratividade, uma vez que as culturas que utilizam insumos moder- nos e produzem para a exportação e/ou transformação industrial têm um espaço privilegiado na balança comercial. A pequena produção subordina-se ao capital, seja ele comercial ou financeiro, ao proprietário fundiário, aos complexos agroindustriais e às cooperativas capitalistas. A agroindústria, no Brasil, desenvolve-se como uma extensão orgânica da estrutura industrial e é um dos determinantes básicos na redefinição do papel da agricultura na acumulação capitalista.
  • 6. 126 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo Segundo Goodman, Sorj e Wilkinson (1985), as políticas de mo- dernização subsidiadas pelo Estado promovem a capitalização dos pro- cessos de trabalho rurais e a mercantilização crescente da agricultura de pequena escala. O objetivo da modernização é transformar o latifúndio, símbolo da agricultura “primitiva”, “colonial”, numa grande empresa ca- pitalista. A modernização da agricultura no país acentua ainda mais a con- centração da propriedade da terra1 e a desigualdade social no campo, com o alto preço de destruição da agricultura familiar, devastação e de- gradação dos empregos rurais, miséria da população rural e deteriora- ção do meio ambiente.2 É preciso também considerar que as fronteiras entre o rural3 e o urbano já não são claramente observadas e identificadas (entre os auto- res que abordam o tema, citamos Eli da Veiga, 2002, e Graziano da Silva, 1999). Assim como na cidade, as populações do campo convi- vem com o desemprego, a precarização, intensificação e informalização do trabalho e a carência de políticas públicas. Ainda que mantidas algumas especificidades da vida no mundo rural, ob- servamos que as fronteiras entre o rural e o urbano estão cada vez mais dis- sipadas, tendo em vista a penetração do capitalismo no campo e a trans- formação das relações sociais, a submissão direta ou indireta ao capital, a transformação do latifúndio em capital latifundiário, o avanço das agroindústrias e da integração dos pequenos produtores rurais, a produ- ção para o mercado nacional e internacional, a utilização da terra como re- serva de valor e, especialmente, a imposição do assalariamento na sua for- ma mais perversa de exploração: trabalho temporário, “diarista”, sem car- teira assinada e sem direitos e garantias. (Vendramini, 2004, p. 153) Na contramão do processo já consolidado de capitalização das relações de produção no campo, que se fez concentrando ainda mais a propriedade, movimentos sociais levantam a bandeira da reforma agrá- ria, propõem a redistribuição de terras e de riquezas, ocupam áreas con- sideradas improdutivas, exigem trabalho e escola para seus filhos. As populações do campo, vítimas do processo de exclusão, não reivindi- cam apenas terra. Querem mais que o reconhecimento da legitimida- de da sua presença sobre a terra; “querem a reformulação das relações sociais e a ampliação dos direitos sociais” (Martins, 1993, p. 90). Fren- te à grande pressão exercida nas últimas décadas pelo Movimento dos
  • 7. 127Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), algumas áreas foram destinadas à reforma agrária e famílias de trabalhadores foram assentadas (ao lon- go de quase duas décadas, foram realizadas mais de duas mil ocupa- ções por cerca de 300 mil famílias, hoje assentadas, conquistando 7 milhões de hectares4 ). A educação do/no campo Nossa primeira questão refere-se aos sujeitos para os quais se des- tina a educação, tendo em vista a grande diversidade, ou melhor, desi- gualdade de vida e de produção no campo. Aqui estamos nos referindo à educação pública, para os filhos de trabalhadores. Ribeiro (2006), ao denunciar a investida do poder público contra o Instituto Técnico de Pesquisa e Capacitação da Reforma Agrária (ITERRA), do Rio Grande do Sul, defende o caráter público daquela escola, que atende filhos e filhas de agricultores historicamente alijados das políticas educacionais. O ITERRA desenvolve uma experiência educacional que articula, segun- do Ribeiro, ensino-pesquisa-extensão, desenvolvidos nos níveis de en- sino médio (normal: formação de professores e técnico: formação de técnicos em administração de cooperativas) e de ensino superior (Pe- dagogia da Terra). As ações desenvolvidas no ITERRA são um marco de rup- tura com uma história de educação planejada para a população rural. As experiências educacionais (escolas, programas e currículos es- peciais, campanhas nacionais etc.) voltadas para a população rural – desde a década de 1920, quando a educação rural começou a ocupar espaço na problemática educacional – se pautam pela lógica da educa- ção como mola propulsora do desenvolvimento social (sobre isso, ver Calazans, 1985, e Bordenave & Werthein, 1981). Mesmo com a expansão quantitativa da escola rural, desde a dé- cada de 1920, a educação continuou precária, não conseguindo garan- tir escolaridade mínima fundamental ao homem do campo. É grande o número de professores rurais que não completaram seus estudos se- cundários. Os problemas de evasão e repetência são graves e os índices de analfabetismo elevados. Segundo dados do IBGE (PNDA, 2004), o Bra- sil possui uma proporção de 11,4% da população de 15 anos ou mais de idade que declara não saber ler e escrever. Uma taxa de analfabetis- mo superior a de outros países em desenvolvimento, como o México
  • 8. 128 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo (9,7%,), China (9,1%), Chile (4,3%), Argentina (2,8%) e Cuba (0,2%). O quadro é mais grave no campo, cuja taxa de analfabetismo atinge mais de um quarto da população rural brasileira. O percentual de pessoas no campo que declaram não saber ler e escrever chega a 25,8%, enquanto nas áreas urbanas essa proporção é de 8,7%. Já mencionamos um conjunto de iniciativas relativas à educação do campo, a partir da década de 1990, por parte da sociedade civil e do Estado, em resposta a uma forte pressão dos movimentos sociais. Há uma mudança significativa a partir da própria concepção de educação rural, agora intitulada de educação do campo, que expressa, segundo Caldart (2004, p. 17), um “processo de construção de um projeto de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de luta de suas organizações”. O nome educação do campo, ainda que incorpore uma rica discussão e mobilização social, tem limites em termos de capacidade explicativa, ten- do em vista a já assinalada diversidade de sujeitos, contextos, culturas e formas de produção e ocupação do meio rural. Outro aspecto para a análise refere-se à amplitude da educação, seja no campo ou na cidade, considerando os diversos espaços e formas de aprendizagem para além da escola. “Tomamos como base a concep- ção de formação como um processo em permanente construção, per- meada de contradições e determinada por condições objetivas e subjeti- vas, em que os sujeitos sociais vão se constituindo” (Vendramini, 2004, p. 159). A aprendizagem e a formação experiencial são processos de aqui- sição de saberes que têm origem na globalidade de vida das pessoas, associadas à modalidade da educação informal. Esta se refere a situa- ções educativas com base nos efeitos educativos e não nas intenções. Os efeitos são entendidos como “mudanças duráveis de comportamen- tos que decorrem da aquisição de conhecimento na acção e da capitali- zação das experiências individuais e colectivas” (Canário, 2000, p. 81). A riqueza e a diversidade da formação experiencial, segundo Ca- vaco (2002), dependem da riqueza e diversidade das situações vividas/ experimentadas pelos sujeitos no seu contexto, pois “o que a experiên- cia permitiu aprender comporta necessariamente os limites do percur- so” (Dominicé, 1989, apud Cavaco, 2002, p. 32) de vida de cada pes- soa. Desse modo, segundo a autora, a experiência apresenta um caráter
  • 9. 129Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini dinâmico, pois é questionada e alterada em função de novas situações vivenciais. Nosso objetivo é valorizar epistemologicamente a educação experiencial, na sua relação com os sujeitos sociais que a constituem e seus espaços de vida e de trabalho, na sua forma própria de organiza- ção, nos seus aspectos inovadores e na sua capacidade de mudança. Canário (2000) aponta para uma compreensão da escola, inclu- indo a escola no mundo rural, para além dela própria. Afirma que pen- sar a escola é refletir, em primeiro lugar, sobre o espaço em que se si- tua, suas necessidades e fragilidades, mas também suas potencialidades. A escola precisa estar em sintonia com as mudanças que acontecem no local, com as novas necessidades criadas e recriadas e com as expectati- vas de formação que vão se constituindo de acordo com o modo de vida e de trabalho, que também estão em transformação. O trabalho, os movimentos sociais e a educação A educação do campo ganha um novo sentido, quando associa- da a um movimento social que defende a educação articulada com a criação de condições materiais para a vida no campo. A defesa de uma educação do campo tem como sustentação o reconhecimento de uma realidade de trabalhadores e trabalhadoras que têm resistido para continuar produzindo sua vida no espaço rural. E, especialmente, o reconhecimento de que esta realidade precisa ser alte- rada, tendo em vista a crescente pobreza, o desemprego, as grandes de- sigualdades sociais e as dificuldades de acesso às políticas públicas (saú- de, educação, transporte, infra-estrutura etc.). Portanto, pensar um projeto de educação do campo pressupõe a sua sustentabilidade em ter- mos econômicos, sociais e culturais. Além disso, os movimentos sociais, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, têm um projeto educacional que está associado a um projeto político de transformação social, no senti- do atribuído por Mészáros (2005, p. 76): A nossa tarefa educacional é, simultaneamente, a tarefa de uma transfor- mação social, ampla e emancipadora. Nenhuma das duas pode ser posta à frente da outra. Elas são inseparáveis. A transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível sem uma concreta e ativa contribuição da
  • 10. 130 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo educação no seu sentido amplo (...). E vice-versa: a educação não pode funcionar suspensa no ar. Ela pode e deve ser articulada adequadamen- te e redefinida constantemente no seu inter-relacionamento dialético com as condições cambiantes e as necessidades da transformação social emancipadora e progressiva em curso. As estratégias coletivas de sobrevivência criadas pelos sem-terra, num contexto de vida e de trabalho precário tanto no meio urbano quanto no rural, revelam sua capacidade de buscar respostas diante da impossibilidade de sobreviverem da forma como vinham fazendo. As trajetórias vivenciadas pelos sem-terra na experiência de acampamento e de assentamento influenciam na construção de estratégias de organi- zação da vida e do trabalho, considerando que o processo vivido pelos trabalhadores organizados em torno do MST é em si educativo. Esta questão sustenta-se na tese de que a experiência de quem aprende tor- na-se o ponto de partida e o ponto de chegada dos processos de apren- dizagem. Aprender significa “atribuir sentido a uma realidade comple- xa” (Canário, 2000, p. 110). No processo de luta, de organização, de trabalho, de cooperação e de vida dos sem-terra ligados ao MST, é possível perceber que a edu- cação é expressão de todas essas dinâmicas construídas coletivamente, ou seja, ela é constituída pelas relações sociais, mas é também consti- tuinte. Isso significa dizer que o processo educativo vivido instrumen- taliza os trabalhadores para o seu trabalho, para a cooperação, para as lutas junto ao MST, ao partido político, à militância ecológica e das mu- lheres acampadas e assentadas. Podemos nos referir, no contexto do MST, a dois processos educa- tivos, ainda que combinados. Um deles refere-se ao processo educativo pre- sente nas lutas do Movimento, ao aprendizado propiciado pela experiên- cia da ocupação de terras, das reuniões, das manifestações públicas, da vida nos acampamentos, da organização do trabalho e da vida produtiva e so- cial nos assentamentos, dos intercâmbios, dos enfrentamentos, enfim, de todos os desafios de uma luta radical pela terra. O outro processo, mais intencional e planejado de forma siste- mática, refere-se aos cursos desenvolvidos pelo MST e às iniciativas esco- lares. Os assentamentos rurais do Movimento contam com escolas da rede regular de ensino, vinculadas às redes estaduais e municipais, de séries iniciais, na sua maioria, e de séries finais do ensino fundamental;
  • 11. 131Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini alguns deles contam também com escolas de ensino médio. São 1.800 escolas públicas de ensino fundamental, em que estudam 160 mil cri- anças e adolescentes e atuam 3.900 educadores; além dos espaços de educação infantil, conhecidos como Cirandas Infantis, que contam com 250 educadores (www.mst.org.br). A formação acontece também em nível técnico, como, por exem- plo, no curso de Magistério para professores de assentamentos, no cur- so superior de Pedagogia da Terra e no curso técnico em Administra- ção de Cooperativas que se desenvolvem no ITERRA (vinculado ao MST). Os alunos desses cursos participam da gestão das escolas e realizam tra- balhos práticos nos assentamentos, dentro da chamada pedagogia da alternância.5 Além de escolas, cursos e programas, o Movimento man- tém a Escola Nacional Florestan Fernandes, que oferece aos acampados e assentados o Curso Básico de Formação de Militantes e Cursos de Formação de Formadores. Em todo o país, funciona um Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PRONERA),6 em convênio com aproximadamente cinqüenta universidades, que atende em torno de trinta mil jovens e adultos assentados e conta com três mil educadores. Hoje, o MST e os assentados contam com profissionais de diversas áreas, como agronomia, educação, medicina, técnicos em administração, técnicos agrícolas, entre outros, que foram incentivados e apoiados para estudar e contribuir com a luta dos assentados para a permanência na terra. Para Canário (2000), a escola precisa estar em sintonia com as mudanças que acontecem no local, com as novas necessidades criadas e recriadas e com as expectativas de formação que vão se constituindo de acordo com o modo de vida e de trabalho, que também estão em trans- formação. Observamos, pelas experiências educacionais e escolares que o MST desenvolve, uma revolução no conceito de escola. Para além da escola tra- dicional nas áreas de assentamentos, podemos nos referir à escola itinerante criada na mesma lógica do acampamento, pelo fato dela estar em movimento, de acompanhar as ocupações e reocupações, as marchas e os acampamentos nas cidades. É uma escola que vai aonde o educando está, não há necessidade de parar de estudar porque se está lutando, se- gundo Fogaça (2003). O mesmo autor vê o momento da escola itinerante como único: “não basta ter quadros, giz, recursos audiovisuais,
  • 12. 132 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo tem de construir e não chegar com receitas, tem de trazer elementos que recarreguem as baterias superpotentes que cada educando tem em termos de energia e vontade de aprender” (p. 108). Podemos nos refe- rir ainda à Escola Nacional Florestan Fernandes, um espaço de forma- ção de militantes com base numa metodologia que estimula o pensa- mento crítico e a experimentação de valores e práticas diferenciados, com base em grupos de trabalho coletivos (Medeiros, 2002). Da mes- ma forma, o ITERRA, que além de formar tecnicamente os estudantes, envolve-os num espaço e num tempo de estudo e trabalho com base na autogestão. Dal Ri e Vietz (2004), ao analisarem o curso técnico em administração de cooperativas (TAC) do Instituto de Educação Josué de Castro, concluem que este produziu nos cursos elementos pedagó- gicos diferenciados, concordantes com a visão educacional do MST, e que são responsáveis pelo caráter sui generis da pedagogia adotada. Esses ele- mentos pedagógicos dizem respeito aos conteúdos disciplinares, ao modo como a escola se organiza, aos processos de ensino e aprendiza- gem e às funções que a escola desempenha no Movimento. Estes exemplos indicam a gestação de uma pedagogia e de uma escola que busca, ainda que com muitos limites, construir formas, es- paços e relações diferenciadas em termos educacionais, com base no tra- balho coletivo, no exercício da autogestão, na articulação entre traba- lho e estudo e entre teoria e prática, no envolvimento de sujeitos com idades variadas (num movimento intergeracional), em que todos aprendem no processo, inclusive os educandos, construindo uma pe- dagogia que transforma o espaço tradicional escolar. As diversas ações sócio-educativas que se desenvolvem no interi- or de movimentos sociais, cooperativas, associações, sindicatos e outras organizações sociais têm apresentado um grande grau de inovação e ca- pacidade de mudança nos sujeitos envolvidos e no meio em que vivem. Sua forma de organização, de envolvimento social, de articulação com outras esferas da vida e outros sujeitos sociais tem permitido a reflexão sobre o sentido da escola. Além disso, tem-se constituído num con- fronto à educação mercantilista que caracteriza os sistemas de ensino na atualidade. Observamos, neste contexto, que os movimentos sociais do cam- po, entre eles o MST, têm pressionado não só pela Reforma Agrária e por uma política agrícola que viabilize a pequena produção no campo,
  • 13. 133Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini mas também por uma educação e escolarização para uma população historicamente alijada das políticas públicas. Ainda que o Movimento esteja envolvido diretamente nas lutas por uma educação do campo, seu projeto de formação vai mais além, ao desenvolver ações políticas que em si são educativas e ao direcionar a formação não só para o as- pecto técnico e escolar, mas essencialmente político. Recebido em outubro de 2006 e aprovado em março de 2007. Notas 1. O Brasil tem a maior concentração de propriedades rurais do mundo. Pelos dados do cen- so de 1995-1996, o índice de Gini (indicador que permite verificar o grau de concentra- ção da terra) é de 0,86 (indica uma concentração muito forte). Como praticamente nada mudou, em 2000, o índice provavelmente alcança a faixa de extrema concentração, afirma Carvalho, no Jornal Brasil de Fato (2003, n. 23). 2. A análise do conjunto do pessoal empregado no campo brasileiro mostra que as pequenas unidades são aquelas que mais empregam e destinam parte expressiva de suas rendas para esta finalidade. Do total do pessoal empregado nos estabelecimentos (17,9 milhões de tra- balhadores), as pequenas unidades empregam 87,3%, as médias 10,2% e os latifúndios apenas 2,5% (Brasil de Fato, n. 23, p. 14, 2003). 3. 19% da população brasileira vive nas zonas rurais. 4. Fonte: Agenda do MST, 2004. 5. Essa concepção pedagógica foi trazida para o Brasil na década de 1960, com as experiênci- as de formação em alternância das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e das Casas Familiares Rurais (CFRs). Constitui-se num processo formativo contínuo na descontinuidade de atividades e de espaços e tempos. Tal princípio repousa sobre a combinação, no processo de formação dos educandos, de períodos de vivência na academia e no território de ori- gem. 6. Programa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), na esfera do go- verno federal. Referências bibliográficas BORDENAVE, J.D.; WERTHEIN, J. (Org.). Educação rural no ter- ceiro mundo: experiências e novas alternativas. Trad. de Paulo R. Kramer e Lúcia T.L. Corregal. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981. Coleção Educação e Comunicação, 5. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continua- da, Alfabetização e Diversidade. Resolução CNE/CEB n. 1, de 3 de abril
  • 14. 134 Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Educação e trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais do campo de 2002. Institui as diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 32. BRASIL DE FATO. São Paulo, ano 1, n. 23, ago. 2003. CALAZANS, M.J. et al. Dois programas de educação no meio rural na década de 50: CNER e SSR. Fórum Educacional, Rio de Janeiro, v. 9, n.4, p. 43-64, out.-dez. 1985. CALDART, R.S. Elementos para a construção de um projeto político e pedagógico da educação do campo. In: MOLINA, M.C.; JESUS, S.M.S.A. Por uma educação do campo: contribuições para a construção de um projeto de educação do campo. Brasília, DF: Articulação Naci- onal “Por uma educação do campo”, 2004, p. 13-52. CANÁRIO, R. A escola no mundo rural: contributos para a constru- ção de um objecto de estudo. Educação, Sociedade & Culturas, Lis- boa, n. 14, p. 121-139, 2000. CANÁRIO, R. Educação de adultos: um campo e uma problemática. Lisboa: EDUCA; ANEFA, 2000. CAVACO, C. Aprender fora da escola: percursos de formação experiencial. Lisboa: EDUCA, 2002. COMISSÃO Pastoral da Terra. Disponível em: <www.cpt.org.br> DAL RI, N.M.; VIEITZ, C.G. A educação do Movimento dos Sem- Terra. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 26, 2004. FOGAÇA, J. Um caminho de muitas marcas: a luta dos sujeitos da Escola Itinerante no Rio Grande do Sul. In: ITERRA; Setor de Educa- ção do MST. Alternativas de escolarização dos adolescentes em assentamen- tos e acampamentos do MST. Veranópolis, 2003, p. 97-119. (Cadernos do ITERRA, 8). GOODMANN, D.E.; SORJ, B.; WILKINSON, J. Agroindústria, políticas públicas e estruturas sociais rurais: análises recentes sobre a agricultura brasileira. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 5, n.4, p. 31-56, 1985. KOLLING, E.J.; NERY, I.; MOLINA, M.C. Por uma educação bási- ca do campo. Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 1999. v. 1.
  • 15. 135Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Célia Regina Vendramini MARTINS, J.S. A chegada do estranho. São Paulo: Hucitec, 1993. MEDEIROS, E.C. Formação política no MST: o coletivo como espa- ço e sujeito educativo. In: VENDRAMINI, C.R. (Org.). Educação em movimento na luta pela terra. Florianópolis: UFSC; CED; NUP, 2002. p. 227-247. MESZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA (MST). Agenda do MST, 2004. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA (MST). Disponível em: <www.mst.org.br> PAULILO, M.I.; MATIAS, I.A.A. Mulheres e eucaliptos: fertilidade e aridez. Florianópolis, 2006. Texto. RIBEIRO, M. Carta à coordenação do ITERRA. Porto Alegre, mar. 2006. SILVA, J.F.G. O novo rural brasileiro. 2. ed. Campinas: Editora do Instituto de Economia da UNICAMP, 1999. VEIGA, E. Cidades imaginárias. 2. ed. Campinas: Autores Associa- dos, 2002. VENDRAMINI, C.R. A escola diante do multifacetado espaço rural. Perspectiva, Florianópolis, v. 21, n.1, p. 145-166, jan.-jun. 2004.