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06/09/2011                                        PRIMEIRA TURMA


HABEAS CORPUS 107.801 SÃO PAULO

                      VOTO–VISTA

                        PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL




                                   ão
                        DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO
                        QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO
                        EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA




                          aç
                        HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE
                        VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ
                        ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA.
                    or
                        AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO
                        ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO
                        DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE
                        COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO
             ab

                        FÁTICO-PROBATÓRIO.         ORDEM
                        CONCEDIDA.
        el


                        1. A classificação do delito como doloso,
                        implicando pena sobremodo onerosa e
                        influindo na liberdade de ir e vir, mercê de
                        alterar o procedimento da persecução penal
Em




                        em lesão à cláusula do due process of law, é
                        reformável pela via do habeas corpus.
                        2. O homicídio na forma culposa na direção
                        de veículo automotor (art. 302, caput, do
                        CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao
                        fato como homicídio doloso decorre de
                        mera presunção ante a embriaguez alcoólica
                        eventual.
                        3. A embriaguez alcoólica que conduz à
                        responsabilização a título doloso é apenas a
                        preordenada, comprovando-se que o agente
HC 107.801 / SP

                  se embebedou para praticar o ilícito ou
                  assumir o risco de produzi-lo.
                  4. In casu, do exame da descrição dos fatos
                  empregada nas razões de decidir da
                  sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou
                  demonstrado que o paciente tenha ingerido




                               ão
                  bebidas alcoólicas no afã de produzir o
                  resultado morte.
                  5. A doutrina clássica revela a virtude da
                  sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto




                     aç
                  Hungria e os modelos em que se inspirava
                  resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e
                  §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo
                  or
                  álcool ou substância de efeitos análogos, ainda
                  quando completa, não exclui a responsabilidade,
                  salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a
              ab

                  embriaguez foi intencionalmente procurada para
                  a prática do crime, o agente é punível a título de
                  dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a
                  embriaguez é voluntária e completa e o agente
        el


                  previu e podia prever que, em tal estado, poderia
                  vir a cometer crime, a pena é aplicável a título
                  de culpa, se a este título é punível o fato”.
Em




                  (Guilherme Souza Nucci, Código Penal
                  Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São
                  Paulo: RT, 2005, p. 243)
                  6. A revaloração jurídica dos fatos postos
                  nas instâncias inferiores não se confunde
                  com o revolvimento do conjunto fático-
                  probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel.
                  Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel.
                  Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE
                  122.011, relator o Ministro Moreira Alves,


                                                                  2
HC 107.801 / SP

                             DJ de 17/8/1990.
                             7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso
                             em exame, porquanto não se revela lex
                             mitior, mas, ao revés, previu causa de
                             aumento de pena para o crime sub judice e
                             em tese praticado, configurado como




                                         ão
                             homicídio culposo na direção de veículo
                             automotor (art. 302, caput, do CTB).
                             8. Concessão da ordem para desclassificar a
                             conduta imputada ao paciente para




                                aç
                             homicídio culposo na direção de veículo
                             automotor (art. 302, caput, do CTB),
                             determinando a remessa dos autos à Vara
                        or
                             Criminal da Comarca de Guariba/SP.
               ab

     O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus
substitutivo de recurso ordinário impetrado contra acórdão denegatório
de idêntica medida, sintetizado na seguinte ementa, in verbis:
        el


                   HABEAS CORPUS . TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA
              POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO
              EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO
              CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
Em




              EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE
              APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
              IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE
              SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
              ORDEM DENEGADA.
                   1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de
              admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico
              somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua
              autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza
              necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as
              dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a

                                                                         3
HC 107.801 / SP

              favor da sociedade. É o mandamento do art. 408 e atual art. 413
              do Código Processual Penal.
                    2. O exame da insurgência exposta na impetração, no que
              tange à desclassificação do delito, demanda aprofundado
              revolvimento do conjunto probatório - vedado na via estreita do
              mandamus -, já que para que seja reconhecida a culpa consciente
              ou o dolo eventual, faz-se necessária uma análise minuciosa da




                                           ão
              conduta do paciente.
                    3. Afirmar se agiu com dolo eventual ou culpa consciente é
              tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da
              causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da




                                 aç
              denúncia e com o auxílio do conjunto fático-probatório
              produzido no âmbito do devido processo legal, o que impede a
              análise do elemento subjetivo de sua conduta por este Sodalício.
                         or
                    4. Na hipótese, tendo a decisão impugnada asseverado
              que há provas da ocorrência do delito e indícios da autoria
              assestada ao paciente e tendo a provisional trazido a descrição
              da conduta com a indicação da existência de crime doloso
               ab

              contra a vida, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da
              sua motivação, não se evidencia o alegado constrangimento
              ilegal suportado em decorrência da pronúncia a título de dolo
              eventual, que depende de profundo estudo das provas, as quais
         el


              deverão ser oportunamente sopesadas pelo Juízo competente
              no âmbito do procedimento próprio, dotado de cognição
              exauriente.
Em




                    5. Ordem denegada.


      Segundo consta nos autos, o paciente foi denunciado pela prática de
homicídio qualificado (art. 121, 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte do
Código Penal), porquanto teria, na direção de veículo automotor e sob o
efeito de bebidas alcoólicas, atropelado a vítima, que veio a óbito.
       Pronunciado o paciente pelo delito de homicídio doloso, interpôs
recurso em sentido estrito, que restou desprovido, ensejando a
impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, alfim
denegado.
       Nesta impetração, sustenta-se que o fato imputado ao paciente deve

                                                                             4
HC 107.801 / SP

ser tipificado como homicídio culposo, uma vez que aplicável ao
homicídio praticado em direção de veículo automotor por agente sob o
efeito de bebidas alcoólicas o art. 302, inciso V, do CTB, na redação da Lei
nº 11.275/06, in verbis:
                    Art. 302. ................
                          Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na




                                            ão
               direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço
               à metade, se o agente:
                    [...]
                          V - estiver sob a influência de álcool ou substância




                                  aç
               tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº
               11.275, de 2006) (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)
                          or
     Alega que a Lei 11.275/06 entrou em vigor após a ocorrência do fato
(19/05/2002), sendo aplicável ao caso sub judice mesmo que tenha sido
revogada, posto ser mais benéfica (artigo 5º, inciso XL da Constituição da
                ab

República e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal).
     Argumenta que a referida lei “atribui à embriaguez ao volante a
condição de causa de aumento de pena em sede homicídio de trânsito culposo,
impossibilitando que o estado ébrio seja considerado como justificativa do
         el


reconhecimento de dolo eventual, o que afasta a incidência do artigo 121 do
Código Penal”.
     Afirma que as instâncias inferiores reconheceram a ausência do
Em




“animus necandi”, de modo que, se paciente não anuiu nem aceitou o risco
de produzir o resultado morte, deveria ser reconhecida a ocorrência de
culpa consciente, e não de dolo eventual.
      Aduz que a análise do presente writ não requer revolvimento de
fatos e provas, como assentado pelo STJ, mas sim de revaloração do
acervo probatório, sendo certo que não se pode atribuir automaticamente
o dolo quando se trata de homicídio de trânsito decorrente de
embriaguez.
      Requer a desclassificação da conduta para o tipo do art. 302, “caput”
da Lei n.º 9.503/97, “ainda que com o acréscimo previsto no inciso V do


                                                                              5
HC 107.801 / SP

parágrafo único do mesmo dispositivo legal”, determinando-se a remessa dos
autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
     A liminar restou indeferida pela Relatora.
     O parecer do MPF foi pelo indeferimento do writ.
     Na assentada em que teve início o julgamento, a Relatora votou pela
denegação da ordem.




                                           ão
     É o breve relato. Passo a votar.

      Cuida-se de habeas corpus em que se pretende a desclassificação da
conduta imputada ao paciente para o homicídio culposo previsto no




                                  aç
Código de Trânsito Brasileiro (art. 302 do CTB).
     Com efeito, dispõe o artigo 419 do CPP que o juiz remeterá os autos
ao órgão competente quando se convencer da existência de crime diverso
                          or
e não for competente para o julgamento. Tal desclassificação, se omitida
indevidamente, importa em graves consequências para a defesa,
deslocando o processo ao Júri, cujo julgamento é sabidamente atécnico e,
                ab

às vezes, até mesmo apaixonado, a depender do local onde ele ocorra.
Essas implicações potencializam-se ainda mais no caso sub judice, em que
as diferenças de penas entre um e outro crime são gritantes.
      Para se ter uma ideia, a diferença da entre as penas mínimas do
         el


crime de homicídio qualificado (12 anos) e do homicídio culposo em
direção de veículo automotor (2 anos) é de 10 anos.
     Outrossim, observa-se atualmente, de um modo geral, seja nas
Em




acusações seja nas decisões judiciais, certa banalização no sentido de
atribuir-se aos delitos de trânsito o dolo eventual, o que se refletiu no caso
em exame.
     No entanto, reconhecido na sentença de pronúncia e no acórdão que
a confirmou que o paciente cometera o fato em estado de embriaguez
alcoólica, a sua responsabilização a título doloso somente pode ocorrer
mediante a comprovação de que ele embebedou-se para praticar o ilícito
ou assumindo o risco de praticá-lo. A aplicação da teoria da actio libera in
causa somente é admissível para justificar a imputação de crime doloso
em se tratando de embriaguez preordenada, sob pena de incorrer em


                                                                            6
HC 107.801 / SP

inadmissível responsabilidade penal objetiva. Nesse sentido, confira-se a
doutrina de Guilherme de Souza Nucci:

                    18. A teoria da actio libera in causa: com base no princípio
              de que a “causa da causa também é a causa do que foi
              causado”, leva-se em consideração que, no momento de se
              embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente,




                                            ão
              projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da
              conduta criminosa. Assim, quando o indivíduo, resolvendo
              encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substância




                                  aç
              entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de
              inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente –
              afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a
              bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo
                         or
              que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazê-
              lo, precipita a sua imprudência para o momento em que
              atropelar e matar um passante. Responderá por homicídio
               ab

              culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se no
              momento de ingestão da bebida para o instante do delito.
              Desenvolve a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código
              Penal de 1940 a seguinte concepção: “Ao resolver o problema da
         el


              embriaguez (pelo álcool ou substância de efeitos análogos), do
              ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em
              toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertatem
              relata, que, modernamente, não se limita ao estado de
Em




              inconsciência preordenado, mas se estende a todos os casos em
              que o agente se deixou arrastar ao estado de inconsciência”
              (nessa parte não alterada pela atual Exposição de Motivos).
              Com a devida vênia, nem todos os casos em que o agente
              “deixou-se arrastar” ao estado de inconsciência podem
              configurar uma hipótese de “dolo ou culpa” a ser arremessada
              para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem
              por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam
              crimes no estado de embriaguez completa, de foma que não é
              cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa nesses
              casos. De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal


                                                                                7
HC 107.801 / SP

             dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou
             estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a
             impunidade, privilegiando o injusto diante do justo. No prisma
             de que a teoria da actio libera in causa (“ação livre na sua
             origem”) somente é cabível nos delitos preordenados (em se
             tratando de dolo) ou com flagrante imprudência no momento
             de beber estão os magistérios de Frederico Marques,




                                           ão
             Magalhães Noronha, Jair Leonardo Lopes, Jürgen Baumann,
             Paulo José da Costa Júnior, Munhoz Neto, entre outros, com
             os quais concordamos plenamente. Destacamos a
             responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o




                                 aç
             contexto da embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as
             como se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em
             relação a esta o Código prevê uma agravação (art. 56, II, c)
                        or
             também é certo que considera todas num mesmo plano para
             negar a isenção de pena. O anteprojeto Hungria e os modelos
             em que se inspirava, resolviam muito melhor o assunto. O art.
             31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou
              ab

             substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não
             exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou
             involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente
             procurada para a prática do crime, o agente é punível a título
        el


             de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é
             voluntária e completa e o agente previu e podia prever que,
             em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a
Em




             título de culpa, se a este título é punível o fato”. [...] (Código
             Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT,
             2005, p. 243 – grifos adicionados)



    Na mesma esteira de entendimento, a lição de Rogério Greco:

                   Pela definição de actio libera in causa fornecida por Narcélio
             de Queiroz, percebemos que o agente pode embriagar-se
             preordenadamente, com a finalidade de praticar uma infração
             penal, oportunidade em que, se vier a cometê-la, o resultado lhe


                                                                               8
HC 107.801 / SP

              será imputado a título de dolo, sendo, ainda, agravada a sua
              pena em razão da existência da circunstância agravante prevista
              no art. 61, II, “I”, do Código Penal, ou, querendo ou não se
              embriagar, mas sem a finalidade de praticar qualquer infração
              penal, se o agente vier a causar um resultado lesivo, este lhe
              poderá ser atribuído, geralmente, a título de culpa. (Curso de
              Direito Penal: parte geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005,




                                          ão
              p.455 - grifos adicionados)



      Ademais, a produção de um resultado lesivo causada pela violação



                                 aç
de um dever objetivo de cuidado reúne condições suficientes para a
configuração de crime culposo, tornando despicienda a alusão à teoria da
actio libera in causa. Confira-se a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli:
                         or
                    Vimos a estrutura do tipo culposo, e ela revela-nos
              claramente que quando aquele que se coloca em estado ou
               ab

              situação de inculpabilidade viola um dever de cuidado, está
              preenchendo os requisitos da tipicidade culposa, e não há
              necessidade de recorrer-se à teoria da actio libera in causa.
              Aquele que bebe até embriagar-se, sem saber que efeitos o
         el


              álcool causa sobre seu psiquismo, ou quem “para
              experimentar”, ingere um psicofármaco cujos efeitos
              desconhece, ou quem injuria outro sem considerar que pode
              ele ter uma reação violenta, está, obviamente, violando um
Em




              dever de cuidado. Se sua conduta violadora do dever de
              cuidado, em qualquer desses casos, causa uma lesão a alguém,
              teremos perfeitamente configurada a tipicidade culposa, sem
              que seja necessário recorrer à teoria da actio libera in causa.
              Isto porque a conduta típica violadora do dever de cuidado é,
              precisamente, a de beber, ingerir o psicofármaco e injuriar,
              respectivamente, e, no momento de cometer este injusto
              culposo, o sujeito encontrava-se em estado e em situação de
              culpabilidade, pelo que é perfeitamente reprovável.
              Consequentemente, não tem sentido falar de actio libera in causa
              culposa, devendo o âmbito dessa teoria reduzir-se ao dolo.


                                                                             9
HC 107.801 / SP

               (Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, 9. ed – São Paulo:
               RT, 2011, p. 460 – grifo adicionado)


     In casu, segundo os termos em que a denúncia foi formalizada, tem-
se a presunção de que o agente assumiu o risco de causar a morte da
vítima em virtude de estar embriagado. Eis o teor da peça acusatória:




                                           ão
                      Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no
               dia 19 de maio de 2.002, por volta das 07h00, no cruzamento da
               Rua Presidente Vargas com a Rua 13 de Maio , na cidade de




                                  aç
               Pradópolis, nesta comarca, LUCAS DE ALMEIDA MENOSSI,
               qualificado a fls. 68/71, agindo com animo homicida e mediante
               o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima,
               produziu em Eliete Alves de Oliveira os ferimentos descritos no
                         or
               exame necrosc6pico de fls. 31 , os quais foram a causa eficiente
               de sua morte.
                     Segundo se apurou, o indiciado conduzia a camioneta GM
                ab

               D-20, placas BZC-2488, de Pradópolis/SP, pelo local dos fatos,
               em estado de embriaguez alcoólica (fls. 32), quando veio a
               atropelar a vítima, que por ali caminhava e, em decorrência dos
               graves ferimentos provocados por tal conduta, veio a falecer.
         el


                     Em razão de sua embriaguez alcoólica, o indiciado
               assumiu o risco de causar a morte da vítima ao conduzir um
               veículo automotor em via pública.
                     O crime foi cometido com o emprego de recurso que
Em




               dificultou a defesa da vítima, senhora que praticava
               caminhadas por recomendações medicas e andava
               pacificamente pelas ruas de Pradópolis e, atingida de surpresa,
               não teve chances de esboçar qualquer reação de defesa ou
               mesmo de esquivar-se do veículo automotor.
                     [...]
                     (grifo adicionado)


     Mediante esta mesma presunção (embriaguez – assunção do risco), o
paciente foi pronunciado por homicídio doloso qualificado pelo meio que
impossibilite a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV c/c art. 18, I, segunda

                                                                           10
HC 107.801 / SP

parte, ambos do CP). Confira-se o trecho da sentença pertinente ao tema:

                    [...]
                    Não se pode recusar a constatação, evidenciada pelo
              exame de embriaguez alcoólica que o acusado, na data dos
              fatos, conduzia o veículo embriagado.
                    Do exame de fls. 35 constou expressamente, que o acusado




                                         ão
              apresentava sintomas indicativos de que ingeriu bebida
              alcoólica e em consequência estava embriagado, colocando em
              risco, no estado em que se encontrava, em perigo, a segurança
              própria ou alheia. Conclui-se que o acusado estava em estado




                                aç
              de embriaguez alcoólica.
                    Assim, mostra-se absolutamente correta a conclusão no
              sentido de que o acusado, pelo meio e modo como agiu,
                        or
              assumiu o risco de produzir o resultado morte da vítima,
              assentindo no resultado.
                    [...]
                    (fls. 31 e 32).
               ab

        O Tribunal de Justiça, por sua vez, acrescentou, em julgamento de
recurso da defesa, dado não constante na sentença (velocidade) e que,
         el


portanto não poderia ser considerado para agravar a situação do
paciente. Além disso, também manifestou convencimento no sentido de o
dolo eventual presumir-se da direção do veículo sob o efeito de bebidas
alcoólicas, mesmo rechaçando expressamente a intenção de matar, in
Em




litteris:

                    Com efeito, é bem verdade que não restou comprovado
              que o réu tinha intenção de matar a vítima; porém,
              considerando que conduzia seu veículo embriagado e em
              velocidade incompatível com a localidade, entendo que não
              se importava com as possíveis consequências, o que
              evidentemente, caracteriza dolo eventual. Assim, havendo
              indícios de existência de crime doloso contra a vida, entendo
              acertada a decisão de pronúncia" (fls. 45). (grifo adicionado)



                                                                         11
HC 107.801 / SP

     Consectariamente, observa-se ter havido mera presunção acerca do
elemento volitivo imprescindível para configurar-se o dolo, não se
atentando, pois, para a distinção entre dolo eventual e culpa consciente.
Em ambas as situações ocorre a representação do resultado pelo agente.
No entanto, na culpa consciente este pratica o fato acreditando que o
resultado lesivo, embora previsto por ele, não ocorrerá. Nelson Hungria




                                            ão
traça com nitidez a diferença entre as duas situações mentais, in litteris:

                      Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do
               resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente




                                   aç
               presta a anuência ao advento desse resultado, preferindo
               arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa
               consciente, ao contrário, o agente repele, embora
               inconsideradamente, a hipótese de supereminência do
                          or
               resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de
               que este não ocorrerá” (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio
               de Janeiro: Forense, 1980, v. 1., p. 116-117)
                ab

     No mesmo sentido os ensinamentos de Heleno Cláudio Fragoso:

                      [...] assumir o risco significa prever o resultado como
         el


               provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência.
               O dolo eventual aproxima-se da culpa consciente e dela se
               distingue porque nesta o agente, embora prevendo o resultado
Em




               como possível ou provável não o aceita nem consente. Não
               basta, portanto, a dúvida, ou seja, a incerteza a respeito de
               certo evento, sem implicação de natureza volitiva. O dolo
               eventual põe-se na perspectiva da vontade, e não da
               representação, pois, esta última, pode conduzir também a culpa
               consciente. Nesse sentido já decidiu o STF (RTJ, 351/282). A
               rigor, a expressão 'assumir o risco' é imprecisa, para distinguir o
               dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em
               consonância com a teoria do consentimento. (Lições de Direito
               Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 17. ed., p. 173
               – grifo adicionado)



                                                                              12
HC 107.801 / SP

     Portanto, do exame descrição dos fatos empregada nas razões de
decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o
paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas consentindo em que
produziria o resultado, o qual pode até ter previsto, mas não assentiu que
ocorresse.
       Vale ressaltar que o exame da presente questão não se situa no




                                          ão
âmbito do revolvimento do conjunto fático-probatório, mas importa, isto
sim, em revaloração dos fatos postos nas instâncias inferiores, o que é
viável em sede de habeas corpus. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes
precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel.




                                 aç
Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro
Moreira Alves, DJ de 17/8/1990.
      Por fim, vale ressaltar que a Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso
                         or
em exame, porquanto não se mostrou mais favorável ao paciente. Ao
contrário, previu causa de aumento de pena para o crime em tese por ele
praticado, de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art.
                ab

302, caput, do CTB).
     Ex positis, voto pela concessão da ordem para desclassificar a
conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de
veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos
         el


autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
     É como voto.
Em




                                                                         13

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Homicídio culposo em veículo sob efeito de álcool

  • 1. 06/09/2011 PRIMEIRA TURMA HABEAS CORPUS 107.801 SÃO PAULO VOTO–VISTA PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL ão DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA aç HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. or AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO ab FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. el 1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal Em em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus. 2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual. 3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente
  • 2. HC 107.801 / SP se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. 4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido ão bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte. 5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto aç Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo or álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a ab embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente el previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. Em (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243) 6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático- probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, 2
  • 3. HC 107.801 / SP DJ de 17/8/1990. 7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como ão homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB). 8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para aç homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara or Criminal da Comarca de Guariba/SP. ab O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado contra acórdão denegatório de idêntica medida, sintetizado na seguinte ementa, in verbis: el HABEAS CORPUS . TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. Em EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a 3
  • 4. HC 107.801 / SP favor da sociedade. É o mandamento do art. 408 e atual art. 413 do Código Processual Penal. 2. O exame da insurgência exposta na impetração, no que tange à desclassificação do delito, demanda aprofundado revolvimento do conjunto probatório - vedado na via estreita do mandamus -, já que para que seja reconhecida a culpa consciente ou o dolo eventual, faz-se necessária uma análise minuciosa da ão conduta do paciente. 3. Afirmar se agiu com dolo eventual ou culpa consciente é tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da aç denúncia e com o auxílio do conjunto fático-probatório produzido no âmbito do devido processo legal, o que impede a análise do elemento subjetivo de sua conduta por este Sodalício. or 4. Na hipótese, tendo a decisão impugnada asseverado que há provas da ocorrência do delito e indícios da autoria assestada ao paciente e tendo a provisional trazido a descrição da conduta com a indicação da existência de crime doloso ab contra a vida, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da sua motivação, não se evidencia o alegado constrangimento ilegal suportado em decorrência da pronúncia a título de dolo eventual, que depende de profundo estudo das provas, as quais el deverão ser oportunamente sopesadas pelo Juízo competente no âmbito do procedimento próprio, dotado de cognição exauriente. Em 5. Ordem denegada. Segundo consta nos autos, o paciente foi denunciado pela prática de homicídio qualificado (art. 121, 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte do Código Penal), porquanto teria, na direção de veículo automotor e sob o efeito de bebidas alcoólicas, atropelado a vítima, que veio a óbito. Pronunciado o paciente pelo delito de homicídio doloso, interpôs recurso em sentido estrito, que restou desprovido, ensejando a impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, alfim denegado. Nesta impetração, sustenta-se que o fato imputado ao paciente deve 4
  • 5. HC 107.801 / SP ser tipificado como homicídio culposo, uma vez que aplicável ao homicídio praticado em direção de veículo automotor por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas o art. 302, inciso V, do CTB, na redação da Lei nº 11.275/06, in verbis: Art. 302. ................ Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na ão direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: [...] V - estiver sob a influência de álcool ou substância aç tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006) (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008) or Alega que a Lei 11.275/06 entrou em vigor após a ocorrência do fato (19/05/2002), sendo aplicável ao caso sub judice mesmo que tenha sido revogada, posto ser mais benéfica (artigo 5º, inciso XL da Constituição da ab República e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal). Argumenta que a referida lei “atribui à embriaguez ao volante a condição de causa de aumento de pena em sede homicídio de trânsito culposo, impossibilitando que o estado ébrio seja considerado como justificativa do el reconhecimento de dolo eventual, o que afasta a incidência do artigo 121 do Código Penal”. Afirma que as instâncias inferiores reconheceram a ausência do Em “animus necandi”, de modo que, se paciente não anuiu nem aceitou o risco de produzir o resultado morte, deveria ser reconhecida a ocorrência de culpa consciente, e não de dolo eventual. Aduz que a análise do presente writ não requer revolvimento de fatos e provas, como assentado pelo STJ, mas sim de revaloração do acervo probatório, sendo certo que não se pode atribuir automaticamente o dolo quando se trata de homicídio de trânsito decorrente de embriaguez. Requer a desclassificação da conduta para o tipo do art. 302, “caput” da Lei n.º 9.503/97, “ainda que com o acréscimo previsto no inciso V do 5
  • 6. HC 107.801 / SP parágrafo único do mesmo dispositivo legal”, determinando-se a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP. A liminar restou indeferida pela Relatora. O parecer do MPF foi pelo indeferimento do writ. Na assentada em que teve início o julgamento, a Relatora votou pela denegação da ordem. ão É o breve relato. Passo a votar. Cuida-se de habeas corpus em que se pretende a desclassificação da conduta imputada ao paciente para o homicídio culposo previsto no aç Código de Trânsito Brasileiro (art. 302 do CTB). Com efeito, dispõe o artigo 419 do CPP que o juiz remeterá os autos ao órgão competente quando se convencer da existência de crime diverso or e não for competente para o julgamento. Tal desclassificação, se omitida indevidamente, importa em graves consequências para a defesa, deslocando o processo ao Júri, cujo julgamento é sabidamente atécnico e, ab às vezes, até mesmo apaixonado, a depender do local onde ele ocorra. Essas implicações potencializam-se ainda mais no caso sub judice, em que as diferenças de penas entre um e outro crime são gritantes. Para se ter uma ideia, a diferença da entre as penas mínimas do el crime de homicídio qualificado (12 anos) e do homicídio culposo em direção de veículo automotor (2 anos) é de 10 anos. Outrossim, observa-se atualmente, de um modo geral, seja nas Em acusações seja nas decisões judiciais, certa banalização no sentido de atribuir-se aos delitos de trânsito o dolo eventual, o que se refletiu no caso em exame. No entanto, reconhecido na sentença de pronúncia e no acórdão que a confirmou que o paciente cometera o fato em estado de embriaguez alcoólica, a sua responsabilização a título doloso somente pode ocorrer mediante a comprovação de que ele embebedou-se para praticar o ilícito ou assumindo o risco de praticá-lo. A aplicação da teoria da actio libera in causa somente é admissível para justificar a imputação de crime doloso em se tratando de embriaguez preordenada, sob pena de incorrer em 6
  • 7. HC 107.801 / SP inadmissível responsabilidade penal objetiva. Nesse sentido, confira-se a doutrina de Guilherme de Souza Nucci: 18. A teoria da actio libera in causa: com base no princípio de que a “causa da causa também é a causa do que foi causado”, leva-se em consideração que, no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, ão projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa. Assim, quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substância aç entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente – afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo or que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazê- lo, precipita a sua imprudência para o momento em que atropelar e matar um passante. Responderá por homicídio ab culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se no momento de ingestão da bebida para o instante do delito. Desenvolve a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1940 a seguinte concepção: “Ao resolver o problema da el embriaguez (pelo álcool ou substância de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de Em inconsciência preordenado, mas se estende a todos os casos em que o agente se deixou arrastar ao estado de inconsciência” (nessa parte não alterada pela atual Exposição de Motivos). Com a devida vênia, nem todos os casos em que o agente “deixou-se arrastar” ao estado de inconsciência podem configurar uma hipótese de “dolo ou culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de embriaguez completa, de foma que não é cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa nesses casos. De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal 7
  • 8. HC 107.801 / SP dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo. No prisma de que a teoria da actio libera in causa (“ação livre na sua origem”) somente é cabível nos delitos preordenados (em se tratando de dolo) ou com flagrante imprudência no momento de beber estão os magistérios de Frederico Marques, ão Magalhães Noronha, Jair Leonardo Lopes, Jürgen Baumann, Paulo José da Costa Júnior, Munhoz Neto, entre outros, com os quais concordamos plenamente. Destacamos a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o aç contexto da embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação a esta o Código prevê uma agravação (art. 56, II, c) or também é certo que considera todas num mesmo plano para negar a isenção de pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava, resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou ab substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título el de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a Em título de culpa, se a este título é punível o fato”. [...] (Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243 – grifos adicionados) Na mesma esteira de entendimento, a lição de Rogério Greco: Pela definição de actio libera in causa fornecida por Narcélio de Queiroz, percebemos que o agente pode embriagar-se preordenadamente, com a finalidade de praticar uma infração penal, oportunidade em que, se vier a cometê-la, o resultado lhe 8
  • 9. HC 107.801 / SP será imputado a título de dolo, sendo, ainda, agravada a sua pena em razão da existência da circunstância agravante prevista no art. 61, II, “I”, do Código Penal, ou, querendo ou não se embriagar, mas sem a finalidade de praticar qualquer infração penal, se o agente vier a causar um resultado lesivo, este lhe poderá ser atribuído, geralmente, a título de culpa. (Curso de Direito Penal: parte geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, ão p.455 - grifos adicionados) Ademais, a produção de um resultado lesivo causada pela violação aç de um dever objetivo de cuidado reúne condições suficientes para a configuração de crime culposo, tornando despicienda a alusão à teoria da actio libera in causa. Confira-se a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli: or Vimos a estrutura do tipo culposo, e ela revela-nos claramente que quando aquele que se coloca em estado ou ab situação de inculpabilidade viola um dever de cuidado, está preenchendo os requisitos da tipicidade culposa, e não há necessidade de recorrer-se à teoria da actio libera in causa. Aquele que bebe até embriagar-se, sem saber que efeitos o el álcool causa sobre seu psiquismo, ou quem “para experimentar”, ingere um psicofármaco cujos efeitos desconhece, ou quem injuria outro sem considerar que pode ele ter uma reação violenta, está, obviamente, violando um Em dever de cuidado. Se sua conduta violadora do dever de cuidado, em qualquer desses casos, causa uma lesão a alguém, teremos perfeitamente configurada a tipicidade culposa, sem que seja necessário recorrer à teoria da actio libera in causa. Isto porque a conduta típica violadora do dever de cuidado é, precisamente, a de beber, ingerir o psicofármaco e injuriar, respectivamente, e, no momento de cometer este injusto culposo, o sujeito encontrava-se em estado e em situação de culpabilidade, pelo que é perfeitamente reprovável. Consequentemente, não tem sentido falar de actio libera in causa culposa, devendo o âmbito dessa teoria reduzir-se ao dolo. 9
  • 10. HC 107.801 / SP (Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, 9. ed – São Paulo: RT, 2011, p. 460 – grifo adicionado) In casu, segundo os termos em que a denúncia foi formalizada, tem- se a presunção de que o agente assumiu o risco de causar a morte da vítima em virtude de estar embriagado. Eis o teor da peça acusatória: ão Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 19 de maio de 2.002, por volta das 07h00, no cruzamento da Rua Presidente Vargas com a Rua 13 de Maio , na cidade de aç Pradópolis, nesta comarca, LUCAS DE ALMEIDA MENOSSI, qualificado a fls. 68/71, agindo com animo homicida e mediante o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, produziu em Eliete Alves de Oliveira os ferimentos descritos no or exame necrosc6pico de fls. 31 , os quais foram a causa eficiente de sua morte. Segundo se apurou, o indiciado conduzia a camioneta GM ab D-20, placas BZC-2488, de Pradópolis/SP, pelo local dos fatos, em estado de embriaguez alcoólica (fls. 32), quando veio a atropelar a vítima, que por ali caminhava e, em decorrência dos graves ferimentos provocados por tal conduta, veio a falecer. el Em razão de sua embriaguez alcoólica, o indiciado assumiu o risco de causar a morte da vítima ao conduzir um veículo automotor em via pública. O crime foi cometido com o emprego de recurso que Em dificultou a defesa da vítima, senhora que praticava caminhadas por recomendações medicas e andava pacificamente pelas ruas de Pradópolis e, atingida de surpresa, não teve chances de esboçar qualquer reação de defesa ou mesmo de esquivar-se do veículo automotor. [...] (grifo adicionado) Mediante esta mesma presunção (embriaguez – assunção do risco), o paciente foi pronunciado por homicídio doloso qualificado pelo meio que impossibilite a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV c/c art. 18, I, segunda 10
  • 11. HC 107.801 / SP parte, ambos do CP). Confira-se o trecho da sentença pertinente ao tema: [...] Não se pode recusar a constatação, evidenciada pelo exame de embriaguez alcoólica que o acusado, na data dos fatos, conduzia o veículo embriagado. Do exame de fls. 35 constou expressamente, que o acusado ão apresentava sintomas indicativos de que ingeriu bebida alcoólica e em consequência estava embriagado, colocando em risco, no estado em que se encontrava, em perigo, a segurança própria ou alheia. Conclui-se que o acusado estava em estado aç de embriaguez alcoólica. Assim, mostra-se absolutamente correta a conclusão no sentido de que o acusado, pelo meio e modo como agiu, or assumiu o risco de produzir o resultado morte da vítima, assentindo no resultado. [...] (fls. 31 e 32). ab O Tribunal de Justiça, por sua vez, acrescentou, em julgamento de recurso da defesa, dado não constante na sentença (velocidade) e que, el portanto não poderia ser considerado para agravar a situação do paciente. Além disso, também manifestou convencimento no sentido de o dolo eventual presumir-se da direção do veículo sob o efeito de bebidas alcoólicas, mesmo rechaçando expressamente a intenção de matar, in Em litteris: Com efeito, é bem verdade que não restou comprovado que o réu tinha intenção de matar a vítima; porém, considerando que conduzia seu veículo embriagado e em velocidade incompatível com a localidade, entendo que não se importava com as possíveis consequências, o que evidentemente, caracteriza dolo eventual. Assim, havendo indícios de existência de crime doloso contra a vida, entendo acertada a decisão de pronúncia" (fls. 45). (grifo adicionado) 11
  • 12. HC 107.801 / SP Consectariamente, observa-se ter havido mera presunção acerca do elemento volitivo imprescindível para configurar-se o dolo, não se atentando, pois, para a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Em ambas as situações ocorre a representação do resultado pelo agente. No entanto, na culpa consciente este pratica o fato acreditando que o resultado lesivo, embora previsto por ele, não ocorrerá. Nelson Hungria ão traça com nitidez a diferença entre as duas situações mentais, in litteris: Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente aç presta a anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de supereminência do or resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá” (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 1., p. 116-117) ab No mesmo sentido os ensinamentos de Heleno Cláudio Fragoso: [...] assumir o risco significa prever o resultado como el provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência. O dolo eventual aproxima-se da culpa consciente e dela se distingue porque nesta o agente, embora prevendo o resultado Em como possível ou provável não o aceita nem consente. Não basta, portanto, a dúvida, ou seja, a incerteza a respeito de certo evento, sem implicação de natureza volitiva. O dolo eventual põe-se na perspectiva da vontade, e não da representação, pois, esta última, pode conduzir também a culpa consciente. Nesse sentido já decidiu o STF (RTJ, 351/282). A rigor, a expressão 'assumir o risco' é imprecisa, para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento. (Lições de Direito Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 17. ed., p. 173 – grifo adicionado) 12
  • 13. HC 107.801 / SP Portanto, do exame descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas consentindo em que produziria o resultado, o qual pode até ter previsto, mas não assentiu que ocorresse. Vale ressaltar que o exame da presente questão não se situa no ão âmbito do revolvimento do conjunto fático-probatório, mas importa, isto sim, em revaloração dos fatos postos nas instâncias inferiores, o que é viável em sede de habeas corpus. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. aç Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990. Por fim, vale ressaltar que a Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso or em exame, porquanto não se mostrou mais favorável ao paciente. Ao contrário, previu causa de aumento de pena para o crime em tese por ele praticado, de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. ab 302, caput, do CTB). Ex positis, voto pela concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos el autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP. É como voto. Em 13