O presente trabalho fará uma discussão a respeito da precarização do trabalho docente, utilizando autores que problematizam conceitualmente se os professores e professoras podem (ou não) se enquadrar numa categoria de trabalhadores proletarizados. Com uma nova dinâmica educacional imposta nas últimas décadas, esses profissionais vêm passando por um grande processo de mudança perceptual de seu trabalho e ao longo do tempo passaram por profundas modificações do que diz respeito à perda de prestígio, status social e perda do controle sobre o próprio trabalho. Com o objetivo de entender como se dá esse processo na Rede Estadual do Rio de Janeiro, a análise terá como base uma microrealidade da educação pública fluminense, uma escola localizada na periferia do município de São Gonçalo, que nos serviu de campo empírico. Por fim, para entender a realidade da educação vivenciada pelos sujeitos envolvidos na pesquisa, será exposto um breve estudo da dinâmica educacional fluminense nas últimas três décadas.
Trabalho de fundamentos_sociologicos_da_educação_-_postar_06.11.14
A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
NUMA MICRORREALIDADE DA EDUCAÇÃO
PÚBLICA FLUMINENSE
AMANDA MOREIRA DA SILVA
RIO DE JANEIRO
2012
2. A meus pais Adelmo e Genilde
Ao meu irmão Alexandre, ao companheiro Victor, aos demais familiares e amigos
Que ao longo desses 26 anos, contribuíram para minha formação
E estiveram presentes nas conquistas pessoais, acadêmicas e profissionais
Aos companheiros e companheiras de militância estudantil e sindical que convivi nos últimos
anos,
Que dedicam suas forças e vidas
Para possibilitar a efetiva transformação da sociedade em que vivemos
Dedico.
3. AGRADECIMENTOS
A conclusão desse curso de especialização, em 2012, certamente significa uma
importante vitória pessoal. Uma superação acadêmica, política e profissional que me
proporcionou novos saberes, experiências e indagações.
Para ingressar no Curso de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica
(CESPEB), o requisito era atuar na rede pública de ensino, uma coerente opção política da
coordenação. Enquanto professora da Rede Estadual do Rio de Janeiro, ingressei no curso a
fim de obter um maior entendimento das políticas públicas educacionais na busca de intervir
na realidade vista e vivenciada.
A turma de políticas públicas, certamente refletiu a realidade educacional do nosso
estado. A presença de professores (as), coordenadores (as) e gestores (as) dos mais diversos
municípios, foi de fundamental importância para o engrandecimento de todos os pontos
discutidos nas aulas, proporcionando o confronto entre teoria e prática cotidiana, vivenciado
na dura realidade educacional do estado do Rio de Janeiro.
Portanto, agradeço também:
Ao orientadora da monografia Libânia Nacif Xavier, por cada discussão, incentivo e
principalmente pela forma atenciosa com que observou cada capítulo deste trabalho.
A professora Sonia Lopes que em suas aulas me incentivou e transmitiu confiança
para que eu tentasse a prova do mestrado, dando prosseguimento à pesquisa e aos estudos.
Aos colegas de turma, pelas animadas e enriquecedoras aulas das noites de terça e
quinta e manhãs e tardes de sábados.
Aos meus alunos e colegas professores e professoras do Colégio Estadual Dr.
Rodolpho Siqueira que contribuíram muito para as análises aqui expostas.
4. Primavera nos dentes
João Apolinário
Quem tem consciência pra ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera
5. RESUMO
O presente trabalho fará uma discussão a respeito da precarização do trabalho docente,
utilizando autores que problematizam conceitualmente se os professores e professoras podem
(ou não) se enquadrar numa categoria de trabalhadores proletarizados. Com uma nova
dinâmica educacional imposta nas últimas décadas, esses profissionais vêm passando por um
grande processo de mudança perceptual de seu trabalho e ao longo do tempo passaram por
profundas modificações do que diz respeito à perda de prestígio, status social e perda do
controle sobre o próprio trabalho. Com o objetivo de entender como se dá esse processo na
Rede Estadual do Rio de Janeiro, a análise terá como base uma microrealidade da educação
pública fluminense, uma escola localizada na periferia do município de São Gonçalo, que nos
serviu de campo empírico. Por fim, para entender a realidade da educação vivenciada pelos
sujeitos envolvidos na pesquisa, será exposto um breve estudo da dinâmica educacional
fluminense nas últimas três décadas.
ABSTRACT
The current assignment will make a discussion on the teachers’ precarious working
conditions, using authors who problematize conceptually whether teachers could (or not) fit
into a category of proletariat. Being imposed by a educational dynamic in the last decades,
these professionals are going through a great process of perceptual change of their work and
over time they have undergone profound shifts regarding the loss of prestige, social status,
and (loss of) control on their own work. Aiming at understanding how this process happens in
the state (education) network of Rio de Janeiro, the analysis will be based upon a micro reality
of the fluminense public education, a school located in São Gonçalo city, which served us as
empirical field. Eventually, to understand the education reality experienced by the persons
who are involved in the reaserch, it will be shown a brief study of the fluminense educational
dynamic in the last three decades.
6. SUMÁRIO
Apresentação.................................................................................................................. 9
Capítulo 1: A precarização do trabalho docente....................................................... 12
1.1 Os professores estão se proletarizando?....................................................... 12
1.2 O professor nos dias de hoje......................................................................... 17
1.3 Precarização do trabalho docente: necessidade de observar elementos
de uma realidade empírica............................................................................ 22
Capítulo 2: Uma microrrealidade da educação pública fluminense.........................25
2.1 A comunidade local e a escola..................................................................... 25
2.2 O “Clima escolar” e as relações intra-escolares........................................... 30
2.3 A escola e os professores.............................................................................. 33
Capítulo 3: A percepção dos professores sobre as políticas educacionais e o
processo de precarização do trabalho docente.......................................................... 36
3.1 O grupo pesquisado...................................................................................... 36
3.2 O “mal-estar” docente.................................................................................. 40
3.3 A relação com os alunos............................................................................... 42
3.4 O controle sobre o próprio trabalho.............................................................. 44
3.5 A percepção dos professores sobre as políticas governamentais ................. 47
Capítulo 4: Políticas educacionais fluminenses nas últimas três décadas............... 50
4.1 Da abertura democrática ao neoliberalismo: conseqüências no mundo do
trabalho e na educação.................................................................................. 52
4.2 A marca da descontinuidade na política educacional do estado do Rio de
Janeiro................................................................................................................ 57
4.3 A precarização do trabalho docente no estado do Rio de Janeiro e a
meritocracia na educação............................................................................. 61
4.4 Condições do trabalho docente nos últimos decênios.................................. 64
4.5 Organização sindical e resistência do professorado..................................... 67
Considerações finais..................................................................................................... 70
Referências.................................................................................................................... 72
Anexos.............................................................................................................................76
7. SILVA, Amanda Moreira da.
A precarização do trabalho docente numa microrrealidade da educação pública
fluminense/Rio de Janeiro: UFRJ/CFCH, 2012.
78
p.81
Orientadora: Libânia Nacif Xavier
Monografia (especialização) – UFRJ/CFCH/Curso de Especialização Saberes e Práticas na
Educação Básica em Políticas Públicas e Projetos Socioculturais em Espaços Escolares,
2009.
Palavras-chave:
1. Precarização - Trabalho docente - Proletarização. 2. 3. Professores – Professoras –
Educadores – Professorado. 4. Rede Estadual do Rio de Janeiro – Educação Estadual –
Educação Pública Fluminense. 5. Escola - Políticas públicas educacionais – Políticas
governamentais - Meritocracia. 6. Década de 90 – Neoliberalismo – Sindicalismo –
Resistência. I. SILVA, Amanda Moreira da. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de Educação, Curso de
Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica. III. A precarização do trabalho
docente numa microrrealidade da educação pública fluminense.
8. Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Pós-Graduação Lato Sensu
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
SABERES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO
A Precarização do Trabalho Docente
numa microrrealidade da Educação Pública Fluminense
Aluna: Amanda Moreira da Silva
Orientadora: Libânia Nacif Xavier
ABRIL 2012
9. Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica - CESPEB
Políticas Públicas e Projetos Sócio Culturais em Espaços Escolares
Nome da aluna: Amanda Moreira da Silva
Título do trabalho: A Precarização do Trabalho Docente
numa microrrealidade da Educação Pública Fluminense
AVALIAÇÃO
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
Grau conferido: ______________
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profª Libânia Nacif Xavier
________________________________________
Profª Sonia Maria de Castro Nogueira Lopes
________________________________________
Profª Vânia Cardoso da Motta
10. APRESENTAÇÃO
O tema de pesquisa foi motivado por minha própria experiência que, enquanto
trabalhadora/professora de escolas da rede pública estadual, posso observar uma profunda
insatisfação cotidianamente manifestada por professores e professoras destes
estabelecimentos de ensino, por meio de queixas de esgotamento que acarretam em
absenteísmo, pedido de transferências, licenças médicas e vontade de abandonar do
magistério.
A análise da realidade próxima é o que costuma nos incomodar com mais relevância.
Portanto, a curiosidade que motiva a presente pesquisa se deve à insatisfação presente não só
com as minhas próprias condições de trabalho, mas, principalmente, com as condições às
quais a categoria está submetida. Estas se evidenciam na escola em que atuo, onde o corpo
docente em sua maioria é composto por profissionais com mais de uma ou mesmo duas
décadas de atuação na Rede Estadual.
As condições de trabalho e a realidade da escola pública no estado do Rio de Janeiro
são temas sobre os quais eu venho refletindo há algum tempo. Sem esquecer que cada escola
possui uma realidade que se difere das demais, é certo, também, que cada professor, além de
trabalhar da maneira que acredita ser a melhor, percebe ao seu modo os acontecimentos em
seu entorno. Parece que quanto mais o tempo passa, mais o exercício da profissão se torna
menos gratificante e o que me intriga bastante é o fato de que em todas as conversas com
professores mais antigos da escola, ocorra um incentivo para que nós, os mais novos,
deixemos a profissão, que procuremos algo melhor enquanto há tempo e que não nos
acomodemos no magistério. Este é um discurso que presencio todos os dias na sala de
professores em diálogo com os colegas.
Este discurso está muito presente na fala da maioria dos professores com significativo
tempo de magistério estadual, e posso perceber que, uma pessoa que ensina durante vinte,
trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa de si
mesma: sua identidade carrega as marcas de sua própria atividade, e uma boa parte de sua
existência será caracterizada por sua atuação profissional.
Tenho percebido no meu tempo de atuação que a sala de professores é um local rico de
diversidades e de reclamações, funciona quase como uma terapia para os professores, onde
eles expressam suas angústias e insatisfações. Nem sempre essas insatisfações resultam em
9
11. resistência ou revolta por parte dos mesmos professores. A esse respeito, o que eu percebo é
uma falta de perspectiva de mudança ao lado de acomodação e fatalismo.
Tendo em vista a importância de se chegar até o chão da escola para compreender as
mudanças que de fato ocorrem no cotidiano docente, um dos objetivos desta pesquisa será
analisar os efeitos das políticas públicas sobre o cotidiano de trabalho desses professores,
tendo como ponto de partida o discurso do professor com longo tempo de trabalho no
magistério estadual.
Um projeto que tinha em mente quando de sua elaboração, era a realização de
entrevistas. Porém, a escassez de tempo devido ao término do ano letivo, não permitiram
concluir esta etapa, ficando para estudos posteriores, possivelmente no mestrado, no qual
ingressei este ano, nesta mesma instituição. Na etapa presente, o material utilizado para a
pesquisa foi composto por questionários com perguntas semi-estruturadas que tiveram por
objetivo entender como estes profissionais encaram o processo de precarização do trabalho,
dentro dos sucessivos planos estipulados pelo governo estadual, e perceber como isso
interfere diretamente em seu trabalho e em sua concepção de educação.
Uma microrealidade da educação do estado do rio de janeiro, o C.E. Dr. Rodolpho
Siqueira, localizado na periferia do município de São Gonçalo, nos servirá de base para
analise de um processo que atinge toda a rede, sem exceções. A partir daí, termos elementos
localizados que não impedem uma análise mais generalizante.
O que se expõe no presente trabalho é o resultado das análises efetuadas a partir dos
dados obtidos. A natureza da pesquisa realizada recomenda que se adote um tom
marcadamente descritivo da apresentação dos resultados, todavia não se trata de uma pretensa
neutralidade que se sabe impossível de ser alcançada. Por mais descritiva que a pesquisa
possa se apresentar, ela não deixa nunca de ser interpretativa. Neste caso, enquanto
pesquisadora, não me anulei completamente e a subjetividade se fez presente desde o primeiro
momento, quer na seleção do conteúdo considerado relevante, quer na necessária
problematização que adotei na tentativa de levar os pesquisados a melhor compreender os
fenômenos apresentados.
Em relação à representatividade é preciso uma consideração, pois o que torna
relevante um estudo de caso não é, necessariamente, a representatividade estatística dos
10
12. fenômenos considerados. Assim, por menor que seja a representatividade de um indivíduo em
relação ao conjunto, o importante é que ele valha pela sua exemplaridade.
A monografia compõe-se de quatro capítulos. No primeiro capítulo faremos uma
análise mais conceitual, buscando entender em que categoria podemos incluir os professores e
professoras, considerando que estes trabalhadores vêm sofrendo ao longo do tempo um
profundo processo de mudança do que diz respeito a perda de prestígio, status social e perda
do controle sobre o próprio trabalho. O objetivo neste capítulo será fazer um debate teórico
elencando alguns autores clássicos e outros que vêm discutindo, mais recentemente, a
temática da proletarização e da precarização do trabalho docente.
Buscando fazer o debate a partir da base, ou seja, o chão da escola, o segundo capítulo
tem por objetivo descrever uma microrealidade da educação pública fluminense. O Colégio
Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, escola na qual trabalhava no momento da pesquisa e que
possui um corpo docente amplo com longo tempo de atuação no magistério estadual, foi
escolhida como campo empírico do presente trabalho.
No terceiro capítulo, que é o cerne da monografia, será apresentado os resultados da
pesquisa realizada com os professores do Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira. Aqui,
traremos reflexões e formularemos hipóteses a partir dos dados coletados, que venham a
contribuir para o entendimento de como o professor enxerga o processo de perda de controle
do seu trabalho e como identificam os diferentes planos de governo que possam ter acentuado
o processo de precarização do trabalho docente ao longo do seu tempo de atuação.
Por fim, no quarto capítulo, faremos uma breve discussão acerca das políticas
educacionais do estado do Rio de Janeiro nas últimas três décadas, onde faremos um
levantamento das principais características que influenciaram o campo educacional a partir da
abertura democrática, chegando aos tempos neoliberais, na busca por entender a conjuntura
do período vivenciado pelos sujeitos entrevistados.
11
13. Capítulo 1: A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
1.1 Os professores estão se proletarizando?
“Se nós comparássemos o professor ao proletário, que preocupou as reflexões de Marx naqueles
célebres manuscritos de 44, diríamos que o professor foi objetificado e ainda o é na sociedade brasileira.
Isso é curioso, porque se ele não trabalha com as mãos, ele é um intelectual.”
(FERNANDES, Florestan. 1989, p.157)
A reflexão inicial baseada em Florestan Fernandes nos remete a uma indagação
importante. Antes de qualquer análise sobre a precarização do trabalho docente, é preciso
entender em que categoria incluiríamos estes trabalhadores, que sofreram ao longo do tempo
um profundo processo de mudança do que diz respeito a perda de prestígio, status social,
perda do controle sobre o próprio trabalho, mas que apesar desses fatores, esses trabalhadores
têm como atividade fim o ensino, que por si carrega uma série de características peculiares e
de certa forma delimita ainda uma autonomia sobre sua atividade, embora seja cada vez mais
difícil.
Tendo isso em vista, traremos o debate colocado entre alguns autores clássicos e
autores que tem problematizado o tema mais recentemente, que de acordo com suas
respectivas visões enxergam o trabalho docente de formas diferenciadas e contribuem para a
análise que se seguirá no presente trabalho.
Há diversos autores que buscam analisar a discussão sobre a adequação (ou não) do
emprego das mesmas categorias utilizadas na análise do processo de trabalho na fábrica para
uma interpretação das relações de trabalho na escola. Estas diferentes formas existentes de
análise do trabalho escolar são baseadas muito em conceitos desenvolvidos por Marx na
questão do trabalho produtivo/improdutivo, para afirmar se há uma proletarização da
categoria docente. Saviani lança mão da perspectiva de análise aberta por Marx para
aprofundar o exame da natureza do processo pedagógico e conclui que, em virtude da
natureza do fenômeno do processo educativo, a teoria do modo de produção capitalista e os
12
14. conceitos de mais-valia, alienação, proletários, etc., não podem aplicar-se de forma plena à
escola.
A escola, em razão da natureza do seu trabalho, do seu “produto” subjetivo e da
matéria-prima com que trabalha, apresenta muitas especificidades que nos dão meios para
uma valorosa investigação. Neste sentido, podemos partir do seguinte pressuposto: A fábrica
situa-se ao nível da produção, logo, o trabalho realizado no seu interior é produtivo e gera
mais-valia, enquanto que a escola não gera mais-valia e seu trabalho é considerado
improdutivo.
Quanto a essa questão, surge uma enorme polêmica, pois há quem considere o
trabalho realizado na escola como produtivo, desde que seja uma escola privada ou em vias de
privatização e organizada sob os princípios capitalistas. Porém, do ponto de vista da definição
de Marx sobre trabalho produtivo, o trabalho do servidor público não pode ser relacionado a
trabalho produtivo.
Muitos teóricos fazem uma relação linear quando da análise da organização do
processo do trabalho na fábrica e na escola. Portanto, o presente trabalho não tem como
objetivo responder às questões levantadas no seu interior, nem tampouco de solver a polêmica
quanto à relação linear, assumida nas analogias entre Fábrica e Escola. Mas sim, contribuir na
discussão do problema, apontando alguns pontos para a reflexão.
Enguita (1991) afirma que os professores no Brasil sofrem um processo de
proletarização acelerado, apresentam algumas características que podem situá-los, mesmo
levando-se em conta a situação ambivalente que vivem, mais num campo de constituição
como classe trabalhadora do que como uma categoria de profissionais liberais. O autor
destaca que as condições de trabalho têm imposto uma situação extremamente precária que os
distancia, em termos de renda e prestígio, do profissionalismo; e as conquistas, quando
ocorrem, se dão através de lutas sindicais – em entidades que estão organizadas muito mais
segundo os moldes dos sindicatos de trabalhadores do que de associações profissionais.
Em primeiro lugar o autor destaca a importância de se entender o termo
“proletarização” livre das conotações que o associam unilateralmente ao trabalho fabril, ao
mesmo tempo explica o que é o profissional liberal e a classe operária em sentido estrito.
Segundo Enguita, não se pode entender a proletarização como um salto ou uma mudança
drástica de condição, mas como um processo prolongado, desigual e marcado por conflitos,
13
15. pelo qual um grupo de trabalhadores perde o controle sobre os seus meios de produção, o
objetivo de seu trabalho e a organização de sua atividade. Afirma ainda que o docente perdeu
progressivamente a capacidade de decidir qual será o resultado de seu trabalho, pois este já
lhe chega previamente estabelecido em forma de disciplinas, horários, programas, livros
didáticos, normas de avaliação, etc.
A proletarização pode incluir tomada do tempo de ensino por tarefas administrativas
de rotina: preenchimento de boletins escolares, de diários de classe, de formulários de
encaminhamento de alunos para serviços especializados, do acréscimo de outras tarefas ao
trabalho original do professor (o ensino), algumas das quais se revestem de sentido
assistencialista: distribuição de merenda, encaminhamento para atendimento médico,
participação em eventos da comunidade, realização de concursos de interesse da comunidade
etc.
A proletarização é o processo pelo qual o trabalhador não tem controle sobre o
trabalho que executa: muitas vezes não participa da sua concepção e avaliação e desenvolve o
que outros estabeleceram para ele apenas cumprir. Além disso, o trabalho se realiza sem as
condições necessárias e o trabalhador não recebe a remuneração devida. Na proletarização, o
professor não domina o processo de trabalho, isto é, apenas cumpre ordens, como é o caso da
simples aplicação de “pacotes” de ensino, controlando mais as crianças e cada vez instruindo
menos.
Apple (1991) contribui para esta discussão e afirma que, em relação aos currículos,
estes são feitos de cima para baixo, dentro de uma lógica de proletarização, onde a integração
de sistemas de gerenciamento, de currículos reducionistas de base comportamental e
procedimentos tecnicistas leva a uma perda de controle e a uma separação entre os que
concebem e os que executam.
Uns acreditam que há uma especificidade do trabalho escolar que é relevante e impõe,
portanto, uma análise diferenciada; outros dizem que apesar das diferenças – consideradas de
certa maneira secundárias – a natureza das relações de trabalho na escola é capitalista e as
principais características do trabalho fabril podem ser encontradas na escola. Autores como
Kreutz (1986) e Wenzel, (1994), alegam que este fator está diretamente relacionado com o
capitalismo e com a divisão do trabalho no interior da escola.
14
16. Hypólito (1991) afirma que é fundamental considerar aspectos mais antropológicos,
para que a análise não se reduza a uma interpretação economicista/determinista da escola.
Para ele, a escola está perpassada pela lógica capitalista de maneira profunda, isto significa
dizer que, por um lado, ela não está “imune” a esta lógica e, por outro lado, o modelo fabril
não pode ser utilizado mecanicamente para a análise da escola. E dentro disso, o trabalhador
do ensino está, por vários aspectos, numa situação de ambivalência, apresentando
características de proletarização e profissionalismo, revelando sua identidade social
contraditória.
O autor também inclui a questão de gênero em seu artigo, afirmando que a análise de
classe é insuficiente para interpretar o trabalho de ensinar e utiliza de citações de Apple e
Enguita para afirmar que a composição feminina da força de trabalho na educação tem
contribuído para a proletarização da categoria e dificultado a profissionalização. Neste ponto,
o autor dialoga com Ozga e Lawn (1991), que em trabalhos mais recentes, também têm
destacado a importância do gênero na análise do processo de trabalho.
Apple e Teitelbaun (1991) destacam a separação entre concepção e execução, onde a
pessoa que está realizando o trabalho perde a visão do processo global e perde o controle
sobre seu próprio trabalho, uma vez que alguém fora da situação imediata tem agora maior
controle tanto sobre o planejamento quanto sobre o que deve ser realmente realizado.
Afirmam ainda que esta perda de autonomia direta ou indiretamente, acaba refletindo em
alienação do trabalho, e diz que não há nenhuma fórmula melhor para a alienação e o
desânimo que a perda de controle do próprio trabalho. Os autores destacam que é bastante
infeliz que termos como “desânimo” tenham tanta circulação, uma vez que o torna um
problema psicológico ao invés de um problema realmente estrutural relacionado ao controle
do trabalho do professor. E apontam que, mesmo com as pressões exercidas sobre os
professores, estes têm claramente tentado manter o controle de suas práticas, embora esteja
cada vez mais difícil fazer isso.
Um interessante estudo sobre esta temática está contido no trabalho de Lessard et al. (2010),
que busca analisar como o rendimento do trabalho dos educadores está associado de modo
significativo à carga de trabalho e às condições de trabalho , mas também igualmente às
relações sociais que cercam o exercício cotidiano da profissão. O exame atento dos resultados
de sua pesquisa levou o autor a concluir que a influência das relações sociais é mais
importante que aquela das condições de trabalho. Ou seja, as relações com os alunos exercem
15
17. uma influência claramente tão ou mais significativa que outros fatores estudados: quanto mais
as relações são gratificantes, ao menos segundo a percepção dos educadores, mais os
professores tem a tendência de atribuir um desempenho positivo à profissão. E, por outro
lado, as relações difíceis com os alunos têm um efeito nefasto sobre a experiência profissional
dos educadores. O mesmo se dá, ainda que em menor grau, no que se refere à qualidade das
relações com os outros membros da equipe pedagógica.
No mesmo nível, Tardif e Lessard (1999) afirmam que o caráter central da relação
com os alunos no desempenho dos educadores, o que é típico das profissões de relações
humanas que só se realizam em, com e para os seres humanos, é tão importante quanto às
condições de trabalho, para a satisfação dos docentes com o trabalho.
O clima na escola, a relação entre os próprios professores, entre a direção e os
professores, e entre os professores e os pais de alunos, também influenciam na satisfação com
o trabalho e no desempenho profissional. Embora isso não possa ser ignorado, não podemos
esquecer que essas mesmas relações estão perpassadas por dinâmicas de trabalho,
provenientes de políticas públicas educacionais, que levam a um relacionamento interpessoal
pouco satisfatório, competitivo e ameaçador que acabam acarretando num mal-estar no
ambiente de trabalho.
Esteve et al (2004) desenvolveram um programa de combate ao mal estar docente e
em seus estudos afirmam que as atividades profissionais em que há relações interpessoais
intensas podem ser mais susceptíveis de causar sintomas que traduzem burnout e exaustão
profissional, isto é, o sujeito empenha-se, mas percebe falta de reconhecimento do seu esforço
e sente incapacidade para fazer face às exigências, o que pode provocar exaustão emocional,
despersonalização e falta de realização pessoal.
Por outro lado, em pesquisa realizada com professoras da rede pública de ensino,
diferentemente daquilo que vinha afirmando a teoria da proletarização, Vieira (1992)
encontrou uma série de contradições entre as demandas das políticas educacionais e
curriculares oficiais e as práticas e concepções desenvolvidas pelas professoras no seu
cotidiano de trabalho. As professoras não se viam totalmente apartadas das funções
conceptuais do seu trabalho, garantindo um relativo controle sobre o ensino que
desenvolviam, limitando as tentativas do Estado e do capital em conformar o trabalho escolar
às suas demandas. Sobre a autonomia, afirma que o “simples” fato de que o estado deseja
encontrar formas “mais eficientes” de organizar o ensino não garante que isto será efetivado
sobre um professorado que tem uma longa história de práticas de trabalho e de auto-
16
18. organização assim que as portas de suas salas se fecham. Os efeitos reais dessas tentativas
para reter o controle do trabalho pedagógico podem levar a resultados ideológicos bastante
contraditórios.
Os estudos elencados até aqui listam certo número de fatores associados ao “mal-
estar” no ensino, o aumento da carga de trabalho, à insatisfação no trabalho devido a sua
precarização, a perda de autonomia, entre outros, que podem refletir na vontade de deixar a
profissão ou em sua manutenção sem satisfação profissional.
Segundo Nóvoa (1999), o excesso dos discursos esconde a pobreza das práticas
políticas. Neste fim de século, não se vêm surgir propostas coerentes sobre a profissão
docente. Bem pelo contrário, as ambiguidades são permanentes e a partir dos diversos autores
verificamos os diferentes enfoques e diferentes perspectivas encontradas.
Neste sentido, o estudo do trabalho docente para Ozga e Lawn (1991) deve ser
histórico; deve ser reconhecido o movimento dos professores; a entrada no ensino e de
afastamento dele; a mudança nas escolas, nas autoridades e nas políticas educacionais centrais
e locais; e ao mesmo tempo deve ser desconstruída a idéia de proletarização como inexorável
e passar a enxergar o problema como político e não só econômico.
1.2 O professor nos dias de hoje
Embora haja a importância de uma análise conceitual, é importante analisar quem é o
professor nos dias de hoje, e começar por afirmar que a figura do professor como um
profissional autônomo, dono de um saber e com um reconhecimento público, deu lugar a um
professor assalariado, participante de sindicatos fortes, com pouca qualificação e pouco
controle sobre o seu trabalho.
Levando em consideração a possível ambiguidade em afirmar se o professor pode ser
considerado ou não integrante da classe trabalhadora, podemos concluir que análises sobre a
temática da proletarização foram feitas, contestadas e reelaboradas devido ao consenso de
buscar entender a precarização do trabalho docente em suas diferentes vertentes. Porém esta
análise está longe do esgotamento e as polêmicas permanecem devido a toda a natureza
particularmente complexa que o ensino possui.
O mais importante é que a partir desta análise teórica, podemos incluir elementos
concretos e presentes na realidade vista e vivenciada na educação, afinal as políticas públicas
17
19. desenvolvidas no contexto da globalização e do neoliberalismo têm orientado as ações do
Estado no campo educacional, como forma de regulação social. Essas políticas produzem
efeitos importantes para o campo educacional, com ênfase no currículo, na gestão e no
trabalho docente. Por meio de estratégias de avaliação, tipicamente gerencialistas, o Estado
tem obtido êxito na padronização curricular, na implantação de políticas de formação docente
e na submissão da escola e da educação aos interesses do mercado. Os modos de gestão,
insistentemente mostrados como a solução para a educação, chegam às escolas como formas
estranhas de administração e a cada dia mais se mostram ineficientes diante dos problemas
escolares. Contudo, essas políticas de regulação continuam sendo a tônica das políticas de
Estado para a educação.
As políticas que têm definido o desenho curricular para a educação brasileira vêm
sendo delineadas e implementadas desde o final dos anos de 1980, marcadamente como
políticas educativas de caráter neoliberal. A introdução de sistemas de avaliação da educação
e do desempenho docente é crucial para essa regulação por parte do Estado, que passa a
controlar e a avaliar desde longe, por meio da contratação de terceiros para realizar a
avaliação externa. Tais modelos gerenciais são baseados na qualidade e no mérito e os
problemas da educação ficam reduzidos a problemas técnico-gerenciais.
Os efeitos dessas políticas são inúmeros, e em escala, atingem desde aspectos
relacionados à pressão emocional e ao estresse, com o aumento do ritmo e da intensificação
no trabalho, até aspectos que ocasionam mudanças nas relações sociais, tais como a maior
competição entre docentes, a redução da sociabilidade na vida escolar, as ações profissionais
mais individualizadas, o distanciamento das comunidades e o aumento da carga de trabalho
burocrático (produção de relatórios, avaliações externas e seus usos para comparações que
contribuem com o aumento do terror).
Ademais, indica Ball (2005), observa-se maior vigilância sobre o trabalho docente e os
resultados escolares, o que é obtido por intermédio de uma amenização das relações sociais
que são redefinidas como uma espécie de “contrato”. Dessa forma, o Estado obtém uma
separação maior entre os valores, projetos educacionais e perspectivas, colocando, de um
lado, a administração – orçamento, recrutamento e gestão – e, de outro, o professorado, com
implicações sérias para o currículo, para as necessidades dos estudantes, o trabalho em classe
e os registros escolares.
18
20. A partir de um censo realizado em 1997 – o Censo do Professor – pelo Instituto de
Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), Pedro Demo (2000) analisou, ainda que de forma
rudimentar, o perfil do professor básico brasileiro e as relações que o rodeavam. A partir deste
estudo, pudemos perceber que a educação no estado do Rio de Janeiro vem piorando a cada
dia. Sendo este estado a “mostra viva” do descaso estadual com a educação e os professores
que, comparando-se com os salários médios municipais e particulares, o estadual era o mais
baixo, ocupando um dos últimos lugares em termos de salários médios em âmbito nacional.
Nos dizeres de Demo (2000) o Rio de Janeiro, apesar de sua rica história cultural, política e
econômica no país é “um caso espantoso [...] no nível estadual, pratica uma política absurda
com respeito aos docentes” (p.45). Chegando a mencionar que “o descaso pela educação
básica torna-se aqui patético” (p. 39). Além dos salários, o autor também chama a atenção
para “a precariedade da aprendizagem no Rio de Janeiro, o pior Estado da Região Sudeste”
(p.57). Revelando “o descaso clássico das estruturas políticas ligadas ao setor” (p.49).
Professores foram, talvez, mais intensamente afetados pela proletarização do que
qualquer outra categoria de trabalhadores urbanos no Brasil, processo que se intensifica desde
a ditadura militar. Segundo Cunha (1991), o professor primário da rede estadual de São Paulo
tinha o salário médio por hora equivalente a 8,7 vezes o salário mínimo, em 1967. Já em
1979, esta média havia baixado para 5,7 vezes (...). No Rio de Janeiro, de onde se dispõe de
séries mais longas, o salário equivalia (no Distrito Federal ou na rede estadual situada no
município da capital) a 9,8 vezes o salário mínimo em 1950, despencando para 4 vezes em
1960 e atingindo 2,8 vezes em 1977 (...). Treze anos depois, desceu ainda mais: 2,2 salários
mínimos.
A despeito das teses de desvalorização e desqualificação do trabalho docente serem
amplamente aceitas como um processo que tem se agravado nos últimos anos, pouco se tem
discutido tais fenômenos à luz das mudanças mais recentes nas escolas. Oliveira (2004), diz
que na realidade os estudos mais significativos a esse respeito datam de duas décadas atrás e
ressalta a importância de se chegar até o chão da escola para compreender as mudanças que
de fato ocorrem no cotidiano docente.
A autora destaca as reformas educacionais a partir da década de 90 como elementos
chave desta mudança estrutural no trabalho docente e diz que são necessários esforços que
vão além da interpretação do texto das reformas, abarcando o contexto em que se
desenvolvem. Afirma que a literatura sobre o tema não tem oferecido aportes seguros para a
19
21. análise dos processos mais recentes de mudança, o que justifica a necessidade imperiosa de
investigações que procurem contemplar a difícil equação entre a macrorrealidade dos sistemas
educacionais e o cotidiano escolar.
A autora faz o recorte temporal do período das reformas executadas a nível federal, do
governo FHC em diante, inspiradas pela política educacional implementada pela Conferência
Mundial sobre Educação Para Todos de 1990, que trouxe a idéia de educação para a equidade
social. Este período trouxe certamente profundas mudanças nas políticas educacionais,
mudanças que tiveram seus precedentes, mas que aqui se acentuam de forma avassaladora.
Aspectos vinculados ao excesso de atribuições provocam importantes conseqüências
aos professores, pois, perante a necessidade de dar conta das tarefas imediatas, inviabilizam as
possibilidades de desenvolver a contento o seu trabalho: dar boas aulas. A sobrecarga advinda
dessa multiplicidade de funções, a quantidade de turmas, o número de alunos a atender, o
número de horas dedicadas à prática docente ou, até mesmo, a falta de tempo para a
qualificação desejada, podem ser considerados fatores de precarização do trabalho docente,
principalmente quando acarretam prejuízo à qualidade de vida desses professores, que acabam
levando a uma insatisfação com o trabalho e mesmo um afastamento da profissão. Em casos
extremos, muitos professores poderão vir a abandonar a própria função docente por causa do
desgaste experimentado durante seu ciclo profissional. Porém, muitos permanecem, mas
trabalhando muito abaixo de seu potencial. Como forma de manter o emprego, o professor vê-
se obrigado a adotar mecanismos defensivos, de modo a garantir sua subsistência.
Se o trabalho modifica o trabalhador e sua identidade, modifica também, sempre com
o passar do tempo, o seu “saber trabalhar”, portanto, dentro das atuais políticas públicas para
a educação, dentro dos respectivos planos governamentais que só escamoteiam os problemas
e sucateiam ainda mais a educação pública, é de crucial importância olhar também para o
professor enquanto sujeito neste processo, observar como que com o passar do tempo, os
professores aprendem a conhecer e a aceitar seus próprios limites dentro deste sistema. Se o
conhecimento prático torna-os mais flexíveis, se eles se distanciam mais dos programas, das
diretrizes e das rotinas, se os respeitam em termos gerais ou os ignora, e até que ponto as
preocupações essenciais trazidas pelos docentes e que caracterizam o método de ensinar:
manter a ordem na aula, fazer trabalhar os alunos, fazer aprender, são de fato considerados.
Portanto, é interessante levar em conta os saberes experienciais e perceber os momentos da
carreira nos quais ocorrem as mudanças de atitude do professorado.
20
22. Os professores podem aparecer invisíveis em descrições dos sistemas educativos, ou
surgirem apenas como “elementos neutros”, uma massa imutável e indiferenciada que
permanece constante ao longo do tempo e do espaço. O professor é agora um trabalhador da
escola, com deveres para além da sala de aula, sobre os quais serão inspecionados e o novo
aspecto da identidade, promovido através do novo discurso de trabalho da escola e do
discurso nacional da competição, é o de que os professores têm de ser disciplinados,
obedientes, motivados, responsáveis e comprometidos socialmente.
De acordo com Lawn (2001), a “massa” de professores, num sistema de “massas”, é
agora distinguida pela sua aquisição gradual do modelo empresarial dominante. Hoje, os
professores transformaram-se numa “massa” de empregados de organizações pseudo-
privadas, homogeneizadas por este processo, ao mesmo tempo que, pela competição entre
elas, se diferenciam. Segundo Anadon e Garcia (2004), na última década, esses discursos
educacionais de responsabilização do professor pelo fracasso da escola pública e o insucesso
dos alunos, interpelaram e vem interpelando os docentes da escola pública dos ensinos
fundamental e médio.
As políticas educativas atuais, baseadas na autonomia dos estabelecimentos e na
profissionalização do ensino, visam aumentar a eficácia da escola; são valores de forte
conotação econômica, valorizando a perfomance e a eficiência. Esses são os valores que
fundamentam estas políticas, que tendem a responsabilizar e culpar os docentes pelos
fracassos dos sistemas educativos.
Isso se reflete em vários aspectos: trabalho, currículo, avaliação. Em relação a esta
última, o Estado do Rio de Janeiro possui vários programas de avaliação da educação básica,
que incluem provas e avaliações em larga escala, como o SAERJ E O SAERJINHO1, as quais
visam fornecer elementos para as soluções gerenciais indicadas. Antes o programa Nova
Escola, concebido e implantado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro em 2000, também
tinha este objetivo, e ainda garantia aos professores gratificações proporcionais
às suas realizações educacionais. Isto nos remete à Hypolito (2010), quando afirma que a
“performatividade” é a que gera os efeitos de terror sobre as professoras e os professores,
equipes diretivas e sociedade, por meio da neurose da accountability (prestação de contas ou,
1
O SAERJ (Sistema de Avaliação de Educação do Estado do Rio de Janeiro) e o SAERJINHO consistem em
proporcionar um diagnóstico da rede estadual de ensino, avaliando conhecimentos de Português e Matemática e
premiando os alunos com base no desempenho nas provas. Com o resultado do SAERJ, a Secretaria de Estado
de Educação pode avaliar individualmente cada escola, identificando os pontos positivos e o que precisa ser
melhorado. (Fonte: www.educacao.rj.gov.br, visitado em janeiro de 2012)
21
23. ainda, responsabilização). É uma performatividade baseada na qualidade, na padronização e
na avaliação, principalmente externa e em larga escala.
A gestão da identidade profissional dos docentes é uma tarefa central no governo e na
condução do sistema educacional e escolar de uma nação. Definir pelo discurso que categoria
é essa, como deve agir, quais suas dificuldades e problemas é produzir uma parcela das
condições necessárias à fabricação e à regulação da conduta desse tipo de sujeito.
Um dos argumentos centrais de Lawn (2001) traduz-se na ideia que a gestão da
identidade dos professores é crucial para a compreensão, quer de sistemas educativos
democráticos, ou totalitários. O autor defende que as alterações na identidade são manobradas
pelo Estado, através do discurso, traduzindo-se num método sofisticado de controle e numa
forma eficaz de gerir a mudança: pretende-se argumentar que ideias acerca da governação
através do discurso, da construção de identidades oficiais e do policiamento das fronteiras da
identidade (associando a identidade dos professores à identidade nacional e de trabalho) são
úteis à compreensão de determinadas fases de desenvolvimento do ensino público e estatal,
em qualquer nação.
O fracasso dos planos educacionais implementados veio acompanhado da
culpabilização do professor. No entanto, por um lado, os professores são olhados com
desconfiança, acusados de serem profissionais medíocres e de terem uma formação deficiente;
por outro lado, são bombardeados com uma retórica cada vez mais abundante que os
considera elementos essenciais para a melhoria da qualidade do ensino e para o progresso
social e cultural. Ninguém pode carregar aos ombros missões tão vastas como aquelas que são
cometidas aos professores e que eles próprios, por vezes, se atribuem.
1.3 Precarização do trabalho docente: necessidade de observar
elementos de uma realidade empírica
Estudos sobre a precarização do trabalho docente nos trazem elementos fundamentais
que são um reflexo da realidade educacional e de sua influência direta no trabalho do
professor. Fatores como as mudanças no processo de trabalho nas escolas, a realocação, o
treinamento, a flexibilidade, as perspectivas declinantes da carreira, a perda da capacidade de
determinar os fins de seu trabalho, e contraditoriamente a manutenção de sua autonomia de
22
24. forma resistente por parte do professorado, são elementos que exigem muita clareza de análise
devido à especificidade e complexidade que envolvem a tarefa de ensinar.
Neste sentido, com a experiência e atuação na rede estadual, certamente os próprios
profissionais podem acrescentar diversos outros aspectos da realidade cotidiana para as
“teorias de proletarização”, pois na Rede Estadual do Rio de Janeiro fica evidente dentre os
profissionais da educação, a insatisfação devido às condições de trabalho, salário e com a
própria autonomia pedagógica, embora este último fator não seja tão evidenciado nos
discursos. Estes profissionais podem contribuir significativamente para entender o processo
de precarização do trabalho dos professores da Rede Estadual do Rio de Janeiro, que não
deixa de ser um reflexo da crise estrutural da educação pública no país, e da necessidade dos
governantes de adequar a escola às mudanças na economia.
Tendo como pano de fundo um contexto de reestruturação do trabalho pedagógico em
face das mudanças ocorridas no mundo trabalho e que as alterações na dinâmica da educação
se dá dentro de um processo de mudanças no sistema econômico, é possível partir da
identificação de que esse cenário influencia o processo de precarização do trabalho docente e
a alteração de suas identidades profissionais.
A remuneração dos professores da rede estadual do Rio de Janeiro, segundo os estudos
de Demo (2000), uma das mais baixas do país, tem sido um dos pontos mais discutidos nos
últimos anos. Tornando-se uma preocupação constante no cotidiano dos professores, pois
interfere na carga horária de trabalho, na quantidade de empregos, no tempo que possuem
para continuar sua qualificação (formação continuada), o que reflete diretamente em sua
motivação para o trabalho.
A dinâmica de sobrecarga de trabalho, os baixos salários, a cobrança e a precarização
do trabalho no cotidiano escolar, refletem em desilusão, reclamações e ao mesmo tempo em
conformismo, vontade de sair da área, de procurar outra carreira, de fazer outros concursos e
abandonar o magistério. No entanto, estes mesmos profissionais acabam revelando estratégias
de sobrevivência neste sistema escolar que apesar de precarizados, muitos se mantêm
trabalhando nestas condições por necessidade ou falta de opção, já que a estabilidade no
emprego possui maior peso sobre a situação de desemprego estrutural pela qual passa a
sociedade.
23
25. Os professores com maior tempo de atuação no magistério estadual tornam-se sujeitos
importantes para o entendimento do processo de precarização do trabalho docente, pois
passaram por diversas tentativas de implementação de “planos de metas” para a educação e
todo o processo que o acompanha, como as avaliações externas realizadas, que tem como
objetivo a utilização de indicadores de eficiência, e que buscam sempre associar a
remuneração do professorado e demais integrantes da equipe escolar ao rendimento dos
alunos em testes de aprendizagem. Coloca-se, então, a necessidade de entender o processo de
precarização, acentuados nas últimas décadas, assim como ver percepção desses profissionais
sobre sua própria atuação e seus interesses coletivos.
24
26. Capítulo 2: UMA MICROREALIDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA
FLUMINENSE
Neste capítulo, nossa atenção se voltará, especialmente, para a descrição de uma
microrealidade da educação pública fluminense, onde haverá a exposição de características de
uma escola da Rede Estadual.
O objetivo neste ponto será partir de um estudo de caso, para entender o fenômeno
pesquisado, sem deixar de ter compreensões mais generalizantes. Inicialmente, haverá uma
breve exposição da escola escolhida e como ela se constitui, também serão levantadas
características do bairro no qual ela se localiza e como esta escola tem sofrido os efeitos das
políticas públicas educacionais.
Será demonstrado, no presente capítulo, o reflexo das políticas educacionais no
cotidiano da escola pública, refletindo na estrutura física, no “clima escolar” e nas relações
intra-escolares. E por fim, levantaremos a relação do professorado com as atuais políticas
públicas, assim como alguns problemas que estariam ocasionando a falta de mobilização da
categoria profissional docente em meio a todo esse processo.
O Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira (CEDROS) nos serve de campo empírico
para a temática estudada devido a vários aspectos. Dentre eles, o fato de ser a primeira escola
que tive atuação como professora, ter ocasionado a minha primeira adesão à greve dos
profissionais da educação e de ter sido palco de inúmeros e constantes desafios ocasionados
pelas atuais políticas.
Soma-se a isso, o fato de ser uma escola localizada na periferia, de evidenciar todo o
processo de precarização existente na Rede Pública do Rio de Janeiro e ter um corpo docente
com significativo tempo de atuação no magistério estadual, que passou por um período de
nova significação da escola e do trabalho docente. Um período onde acompanhou-se um
processo de progressiva degenerescência da educação pública e onde impõe-se que o
professor enfrente na sala de aula as conseqüências da falta de investimento na educação, que
tem contribuído para a deterioração da escola pública e sua homeopática privatização, baseada
nos princípios neoliberais que sustentam as políticas educacionais nas últimas décadas.
2.1 A comunidade local e a escola
25
27. “Colubandê” é o bairro onde se localiza a escola, que fica situado no distrito sede do
município de São Gonçalo. Pela sua localização, a atividade comercial ganha destaque devido
aos diversos estabelecimentos comerciais: supermercados, farmácias e principalmente os
atacadistas; abrigando boa parte da juventude e dos trabalhadores em geral. O ramo industrial
também ganha destaque, pois no bairro também encontramos algumas fábricas têxteis e
atualmente encontra-se um setor imobiliário em expansão, com a presença de construtoras na
inicialização de obras dos condomínios residenciais.
O bairro Colubandê apresenta uma densidade demográfica alta, com cerca de 100000
habitantes2. O transporte coletivo é explorado no bairro por diversas empresas de ônibus e
transporte alternativo, sendo estes, utilizados pela comunidade escolar. A escola se situa
paralelamente a Rodovia Amaral Peixoto, via expressa com grande circulação de veículos. É
percorrendo esta estrada ou uma das ruas paralelas mal iluminadas ou sem asfalto que se
atinge o Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira.
O atendimento médico na região é feito através de uma Unidade de Pronto
Atendimento e pelo “Hospital Geral de São Gonçalo” (Hospital Geral Alberto Torres).
Quanto ao atendimento educacional, o bairro dispõe de Creche Comunitária, uma escola
municipal, três colégios privados, um CIEP, o Colégio Comendador Valentim dos Santos
Diniz, sede do projeto NATA (Núcleo Avançado de Educação em Tecnologia de Alimentos e
Gestão de Cooperativismo) e uma universidade privada. Sua taxa de alfabetização vem
crescendo em comparação aos bairros do entorno.
As características negativas levantadas pelos moradores se localizam na questão da
falta de segurança, iluminação, ruas sem asfalto e esgoto a céu aberto que acarretam em
muitos mosquitos e doenças. Outro problema muito presente na comunidade é a falta de
estrutura e investimento na contenção dos efeitos das chuvas, há no bairro grandes áreas de
risco por enchentes.
A região citada possui poucas atividades de lazer para a população. Os locais
restringem-se a uma praça em revitalização e ao Batalhão de Polícia Florestal e do Meio
Ambiente, onde as pessoas, principalmente os jovens frequentam para a prática de atividades
físicas e esportivas.
2
O que nos serve de base para o levantamento dos dados citados a seguir referentes ao bairro e à instituição,
foram informações e documentos coletados junto à secretaria da escola, bem como um plano de gestão oferecido
pela direção que preencheu o espaço de informações que deveriam estar contidas no Projeto Político Pedagógico,
que até a conclusão desta pesquisa, encontrava-se em construção.
26
28. O índice de criminalidade é alto, os assaltos são freqüentes nas proximidades da
escola, porém o bairro em si não é caracterizado pelos moradores como uma favela ou
composto por favelas, porém, “ao redor” do bairro existem no mínimo quatro comunidades
onde há a presença do tráfico de drogas. Grande parte dos alunos do CEDROS é formado por
habitantes da própria localidade e também das quatro favelas existentes no entorno.
Através do decreto 1343 de 11/04/45 houve a criação do Grupo Escolar de Colubandê,
posteriormente, através do decreto 11820 de 14/06/65 há a transformação do grupo escolar em
Escola Dr. Rodolpho Siqueira, somente em 2001, com a criação do ensino médio, houve a
transformação de escola para Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira. A escola pertence à
Coordenadoria Regional Metropolitana II, que engloba o município de São Gonçalo, no Rio
de Janeiro.
As modalidades de ensino oferecidas pela escola são: ensino fundamental (6º ao 9º
ano) e ensino médio (regular). Seu quadro funcional é composto por professores e
funcionários. Dentre os professores, temos 65 efetivos, sendo duas professoras compondo o
núcleo de direção, seis no técnico-pedagógico e um no núcleo administrativo; além desses
temos três professores contratados, três afastados por motivo de licença médica e dois em
licença especial.
Dentre os funcionários, incluindo o núcleo administrativo e o núcleo operacional,
temos oito efetivos e sete terceirizados, ficando evidente aqui a grande quantidade de
funcionários contratados por empresas e uma ausência de novos concursos para funcionários
administrativos, uma característica muito presente na política estadual nos últimos anos.
A diretora geral junto à adjunta e aos funcionários da secretaria compõem na verdade
uma espécie de corpo técnico-administrativo da escola. Todos têm jornada de 40 horas
semanais de trabalho em turnos alternados, de modo a garantir a presença de alguém
responsável pela escola durante todo o horário de funcionamento, o que nem sempre acontece,
principalmente no período noturno. Sendo este fato passível de críticas constantes pela
comunidade escolar.
O Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira está instalado em uma área de 2598,52m²
composta por 11 salas de aula, um pequeno pátio central, refeitório, cozinha, quadra esportiva
com uma pequena arquibancada, sala de leitura, secretaria, uma pequena cantina, sala de
coordenação e orientação educacional, laboratório de informática, laboratório de ciências, sala
27
29. de professores e dois banheiros para alunos. A escola possui uma estrutura pouco adequada,
os espaços estão em estado de conservação ruim, as paredes das salas de aula estão
constantemente imundas, sem nenhuma movimentação para modificar esses aspectos. A
escola fica situada em uma superfície não plana e não possui entrada para cadeirantes, embora
não haja alunos com necessidades especiais na escola, sua estrutura impediria até mesmo o
acesso de portadores.
O Colégio possui uma topografia bastante irregular. O edifício localiza-se sobre um
terreno em desnível e se constitui de quatro módulos interligados. Para ter acesso a escola é
preciso subir uma rua bastante elevada, onde os alunos têm acesso a um pequeno portão
situado na parte lateral da escola. Há outro acesso, geralmente utilizado pelo corpo docente e
funcionários que se situa na frente da escola, onde há uma rampa. Após ultrapassar o portão,
encontra-se o primeiro módulo, onde se localizam as dependências administrativas da escola,
e também a sala de leitura e biblioteca, esta muito bem equipada e organizada. Os livros
colocados à disposição dos alunos são em sua maioria de literatura infanto-juvenil, literatura
brasileira, best-sellers ou didáticos.
Após esse espaço, somente há escadas de acesso, sendo três lances de escadas que
levam ao segundo andar. Nele encontram-se o refeitório, a cozinha, a sala de professores e o
pátio que se situa no centro, com as salas de aula ao redor. As salas de aula são pequenas,
num total de onze. São mal conservadas no que tange a limpeza e manutenção estrutural, ou
seja, estão pichadas, com muitas carteiras e vidros quebrados, portas e janelas quebradas e
sem fechaduras, além de quadros negros em estado precário ou mesmo ausência de mesas
para os professores. Com o processo de climatização das escolas da rede, todas as salas de
aula foram equipadas com dois aparelhos de ar condicionado, porém poucos funcionam, ou
funcionam abaixo do seu potencial.
Mais acima, o que seria uma terceira dependência, localiza-se uma quadra que
pretende poliesportiva, cimentada, pequena e em mau estado de conservação e limpeza, que
apesar de todos os percalços, constitui-se no único equipamento utilizado pela escola para
recreação e desporto dos alunos, além das aulas de educação física. Iluminada, para garantir
sua utilização pelas classes noturnas, tem em sua lateral uma pequena arquibancada de
cimento. Os laboratórios de informática e de ciências são utilizados muito limitadamente,
devido à burocracia intra-escolar, que fazem dos seus usos algo não tão presente no cotidiano
dos alunos e professores.
28
30. Em termos de equipamentos e material didático, o que existe na escola vai pouco além
do quadro e do pilot. Restringem-se eles a um projetor de slides, um televisor e um DVD, que
podem ser utilizados por todos os professores mediante agendamento, todavia todos os
equipamentos têm pouca utilização devido à própria burocracia intra-escolar. Por vezes há o
equipamento e não há um notebook, ou uma extensão de tomada, o que inviabiliza a
utilização ou mesmo desmotiva a utilização dos recursos didáticos.
Os materiais de trabalho para o professor têm sido cada vez mais escassos, sendo alvo
de críticas cada vez mais presentes, em especial dos professores de artes e educação física, por
possuírem pouco ou mesmo nenhum material para trabalhar em sala de aula. Os professores
de arte possuem pouquíssimo material para trabalho, resumindo-se muitas vezes ao lápis de
cor, e a educação física só possui uma bola de futebol, disponibilizada para cada professor,
responsabilizando-o pela manutenção da mesma.
A escola possui 1100 alunos que na sua grande maioria reside na própria comunidade.
Estes são divididos nos três turnos, ficando onze turmas no turno na manhã, dez turmas à
tarde e seis pertencentes ao período noturno. Além dessas turmas regulares, há desde 2009,
uma turma do Projeto Autonomia (modalidade de ensino que utiliza a metodologia de vídeo-
aulas, numa parceria entre a Secretaria de Estado de Educação e a Fundação Roberto
Marinho).
Além das modalidades de ensino em turnos regulares, há desde 2010, o projeto Mais
Educação3, que oferece atividades esportivas, e reforço de matemática e português no contra-
turno. Uma iniciativa coordenada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECAD/MEC), em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) e
com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. Sua operacionalização é feita por
meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE).
3
Segundo o site do MEC, visitado em 04 de janeiro de 2012 (portal.mec.gov.br), o programa Mais Educação
visa fomentar atividades para melhorar o ambiente escolar, tendo como base estudos desenvolvidos pelo Fundo
das Nações Unidas para a infância (UNICEF), utilizando os resultados da Prova Brasil de 2005. Nesses estudos
destacou-se o uso do “Índice de Efeito Escola – IEE”, indicador do impacto que a escola pode ter na vida e no
aprendizado do estudante, cruzando-se informações socioeconômicas do município no qual a escola esta
localizada. Por esse motivo, a área de atuação do programa foi demarcada inicialmente para atender, em caráter
prioritário, as escolas que apresentam baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), situadas em
capitais e regiões metropolitanas.
29
31. O CEDROS não possui uma qualidade de ensino ressaltada, a escola não possui bons
índices de desenvolvimento, apresenta níveis muito baixos em exames que dão acesso ao
ensino superior e apresenta um alto grau de evasão, principalmente no período noturno. Entre
os professores, uma opinião muito presente é que o ensino oferecido pelo CEDROS é de
muito baixo nível. Em conversa informal com os professores, um deles diz que “esta escola
está entregue às moscas, a pior do bairro.” Nesta e em outras manifestações, pôde-se perceber,
aliado à crítica irreverente, certa inconformidade por a escola não ter a qualidade e o prestígio
que gostariam que tivesse.
2.2 O “Clima escolar” e as relações intra-escolares
Para podermos determinar as causas do comportamento de um indivíduo em situação
de trabalho, neste caso a situação dos professores, precisamos considerar as suas
características pessoais, o contexto econômico e político, mas também o seu ambiente ou
clima de trabalho, pois isso certamente influencia a sua prática.
Fernandes (1989) afirma que se o professor quer mudança ele não pode estar alheio a
dimensão interna a escola e cair num extremismo pedagógico que falha quando acredita que
as mudanças só podem se dar de fora pra dentro, ou seja, modificando a sociedade para
modificar a escola. Ele afirma que a mudança deve acontecer nos dois níveis – dentro da
escola e fora dela e conclui neste ponto que há mudanças antecipadas, que ocorrem em
primeiro nível de uma instituição e podem avançar em relação às transformações da
sociedade.
“Não se trata de colocar o educador naquela perspectiva de ódio às instituições. Vamos acabar com
todas as escolas, elas são prisões. Todas as prisões precisam ser destruídas. Não se trata disso.
Instituições e valores são sempre redefinidos na marcha das civilizações. O homem nunca se livrou de
certas instituições.” (FERNANDES, 1989, p.173)
Além disso, ele diz que o professor está numa tensão política permanente com a
realidade e só pode atuar sobre essa realidade se for capaz de perceber isso politicamente.
“Se o professor pensa em mudança, tem que pensar politicamente. Não basta que disponha de uma
pitada de sociologia, uma outra de psicologia, ou de biologia educacional, muitas de didática, para que
se torne um agente de mudança. E nesse caso, por exemplo, Dewey e sua escola deram uma prova
muito rica do que o pragmatismo norte-americano conseguiu fazer, usando a escola como instrumento
30
32. de transformação do meio social ambiente. É muito importante estudar o que foi feito nos Estados
Unidos, tentando aproveitar os recursos materiais e culturais do ambiente, para modificar a relação do
estudante com a sociedade.” (Ibid.; p.167)
O autor diz que não se trata de proclamar uma utopia e dizer – “nós temos uma
fórmula, graças a esta fórmula vamos produzir a nova escola, e esta vai gerar a nova
sociedade, que, por sua vez, formará a nova geração”. Já se pensou nisso, não só no Brasil,
como também na Europa e nos Estados Unidos. “A realidade é que as transformações são
conquistadas a duras penas. Os professores entram, agora, nas mais difíceis condições de uma
nova era, tal como está acontecendo com os proletários.” (p.175)
Fernandes agrega ainda outros dados, como o clima de violência e diz que isto tem
desabado nas escolas primárias, secundárias, e até nas escolas superiores, em termos de
destruição de equipamentos, de salas de aulas, de brutalização de estudantes, de professores e
diretores.
Segundo Brunet (1995), cada escola tem um clima específico e o clima de uma
organização resulta dos comportamentos e das políticas dos membros que a integram,
especialmente da direção. O autor afirma que o clima determina a qualidade de vida e a
produtividade dos docentes e dos alunos, atuando como catalizador dos comportamentos
observados nos atores de uma organização. O autor afirma que o clima organizacional diz
respeito às percepções dos atores escolares em relação às práticas existentes numa dada
organização.
No entanto, isso deve nos servir de referência para ajudar a interpretar uma situação e
o próprio comportamento do indivíduo. Neste caso, observar como os membros que integram
determinado estabelecimento de ensino percebem o clima escolar pode nos dar instrumentos
de interpretação que visam compreender como o professor enxerga o processo de
precarização do seu trabalho, objetivo a ser alcançado aqui.
No Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, alunos e professores reclamam da
direção, que se encontra bem ausente do cotidiano pedagógico. Em resumo, os professores se
sentem desvalorizados pela direção da escola, que reflete uma relação gerencial e onde os
atritos têm sido constantes. Uma das principais reclamações feitas pelos docentes nos últimos
tempos tem sido o trato da direção, a ausência de informações e a não valorização dentro da
escola.
31
33. Poderíamos caracterizar o CEDROS como possuidor de um clima fechado, ou seja,
um ambiente de trabalho considerado pelos seus membros como autocrático, rígido,
constrangedor, onde os indivíduos não são considerados nem consultados.
A relação entre os professores é amigável e os atritos existentes entre os próprios
colegas no contexto do CEDROS são pouco presentes e parecem se dar em momentos
delimitados. Como exemplo clássico, temos o final/inicio de ano letivo, na montagem dos
horários, onde os professores antigos fazem-se valer de seus direitos sobre os professores
novos em relação as prioridades de horários, dias e turmas. Mas não há aqui nenhuma
polarização evidente, somente nos bastidores.
Outro conflito evidenciado aconteceu durante a greve da rede estadual de 2011, onde a
grande maioria dos profissionais da escola não aderiu ao movimento. Tivemos apenas cinco
professores grevistas, o que acabou gerando um mal estar dentre aqueles que fizeram greve,
que estiveram na luta econômica por mais conquistas para a categoria e foram pouco
valorizados por isso. No geral, temos um corpo docente marasmático e pouco mobilizado no
CEDROS, o que dificulta as discussões políticas e acarreta apatia e desmobilização.
A relação entre os alunos e os professores parece refletir as mesmas características
levantadas por quem discute o problema educacional nos dias de hoje. O conflito de
perspectivas, a ausência de objetivos claros do papel da escola e um amplo acesso de uma
parcela da população que não parece se adequar aos moldes da escola, refletem nas relações
entre os principais atores desse contexto. Essa situação nova conduz a alterar o quadro de vida
da juventude, assim como o modo como é percebida a escola, o mundo do trabalho e a relação
entre ambos. O sentido do trabalho realizado na escola por professores e alunos passa a ser
dificultado por uma perda de legitimidade que decorre do fosso cada vez maior entre as
expectativas sociais depositadas na escola e as possibilidades de sua concretização, tal como
expressa o trecho abaixo:
“O défice de sentido é algo de comum a professores e a alunos, prisioneiros, ambos e em conjunto, dos
mesmos problemas e dos mesmos constrangimentos. [...] O problema da escola pode ser sintetizado em
três facetas: a escola, na configuração histórica que conhecemos (baseada num saber cumulativo e
revelado) é obsoleta, padece de um déficit de sentido para os que nela trabalham (professores e alunos)
e é marcada, ainda, por um défice de legitimidade social, na medida em que faz o contrário do que diz
(reproduz e acentua desigualdades, fabrica exclusão relativa).” (CANÁRIO, 2008, p.79)
32
34. Nessa crise de paradigma acerca do papel da escola encontram-se sujeitos com papéis
delimitados, porém, com chances irrisórias de alcançar os papéis propostos. Nesse meio,
ficam os professores, dilapidados moralmente e ao mesmo tempo recebendo a atribuição de
uma missão redentora.
2.3 A escola e os professores
Levando em consideração todos os aspectos levantados, as condições materiais,
estruturais e o clima presente nas relações intra-escolares; o CEDROS não parece se
diferenciar da grande maioria das escolas públicas localizadas nas periferias dos grandes
centros urbanos. No item anterior já foi apresentado alguns problemas relacionados ao espaço
físico escolar, onde se observou que a escola apresenta-se num despojamento quase total: fora
sua força de trabalho e a sala de aula com quadro, nem sempre com pilot e apagador, o
professor pode contar com pouca coisa mais para desempenhar o seu papel.
A falta de professores é uma característica generalizada na rede pública
estadual. Segundo o SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) cerca de 20
professores por dia útil saem das escolas estaduais, entre exonerados e aposentados.4 Além
disso, o sindicato afirma que há uma carência de mais de 10 mil professores na rede, mas que
os baixos salários não atraem novos professores. O baixo salário oferecido, as péssimas
condições de trabalho, o desprestígio da profissão, a falta de segurança, a longa distância entre
a escola e a residência do professor e a formação deficitária são causas desse claro
movimento.
Florestan Fernandes (1989) afirma que, em relação aos professores, haveria ainda
muitos problemas a salientar. Afirma que se há um desnivelamento profissional e econômico,
há também o cultural, pois o professor que perde prestígio como profissional, perde renda e
também perde tempo para adquirir cultura e melhorá-la, a fim de ser um cidadão ativo e
exigente.
4
Segundo dados do governo, explicitados pelo secretário de Educação Wilson Risolia, durante a greve do
magistério em 2011, o número de aposentadorias superaria o número de exonerações. Porém, o sindicato
desmentiu essas afirmações, comprovando através dos números obtidos no Diário Oficial do Rio de Janeiro, que
o número de exonerações supera e muito o número de aposentadorias, demonstrando a alta rotatividade de
profissionais do magistério estadual devido às condições de trabalho e desvalorização.
33
35. “Seria impossível, por exemplo, quando me tornei assistente na faculdade, ouvir algum professor dizer
que ganhava salário. Um professor não dizia isso. Ele tinha proventos. A concepção estamental era tão
forte, que ele se sentiria degradado se fosse considerado (ou se se considerasse) (sic) um assalariado.
Hoje, não só quer ser assalariado, mas quer lutar como assalariado, até quer imitar os operários na luta
econômica e política.” (FERNANDES, 1989, p.170)
Em relação à organização dos professores, o autor afirma que no final da década de 80,
o processo de mobilização não atingia a massa dos professores, e sim uma minoria, mas que
era essa minoria que estava levando à frente um processo novo.
“Eu fiz uma conferência, ainda este semestre, no último congresso organizado pela APEOESP. Foi uma
surpresa para mim. Havia mais de seis mil pessoas no auditório. Vê-se por aí o grau de mobilização. O
que isso representa? Não eram mais de seis mil pessoas pleiteando, do governo Sarney, nomeações para
os escalões intermediários. Eram mais de seis mil pessoas que estavam ali preocupadas com a relação
do educador com a sociedade, com a humanização do homem que nessa sociedade é despojado da sua
humanidade.” (FERNANDES, 1989, p.173)
Hoje isso se confirma ainda com bastante intensidade, onde temos sindicatos imensos
e combativos como o SEPE-RJ, a APEOESP em São Paulo e diversos outros pelo país que
impulsionaram grandes greves nos últimos anos.
Florestan Fernandes elenca esses problemas com o objetivo de mostrar a necessidade
de o professor, no seu cotidiano, ter uma consciência política aguda e aguçada, firme e
exemplar. “Não que ele deva se tornar um Quixote ou um espadachim. Mas ele precisa ter
instrumentos intelectuais para ser crítico diante dessa realidade e para, nessa realidade,
desenvolver uma nova prática, que vá além da escola.” (p.170)
Afirma ainda que a educação do educador é um processo complexo e difícil e
destacava a importância que se percebesse o que estava acontecendo na sociedade brasileira
naquela época.
34
36. “O educador está se reeducando em grande parte por sua ação militante, à medida que aceita a condição
de assalariado, que proletariza sua consciência, portanto seus modos de ação. Isto apesar de ser uma
pessoa da pequena burguesia ou da classe média. Ele rompe com seus padrões ou então passa por um
complicado processo de marginalidade cultural, porque compartilha de duas formas de avaliação: uma,
que é mais ou menos elitista; a outra, que é mais ou menos democrática e divergente. Nessa situação-
limite, o professor se vê obrigado a redefinir sua relação com a escola, com o conteúdo da educação, sua
relação com o estudante, com os pais dos estudantes e com a comunidade em que vivem os estudantes.”
(p.172)
O autor conclui neste ponto que se assistiu a um processo novo, um processo em que o
desnivelamento econômico, social e político criaram a possibilidade de que o professor defina
a sua humanidade em confronto com a tradição cultural e com a opressão política. Porém, este
destaque de Florestan Fernandes, visível à época, acaba dando lugar a outro tipo de relação
nos dias de hoje.
Como destaca Áurea Costa (2009), hoje em dia dá-se uma relação professores/alunos
distorcida, em que os segundos passam a imputar aos professores o tratamento que deveriam
dar aos reais representantes do Estado, que os tem prejudicado durante a sua trajetória escolar.
E os professores passam a ver os alunos como aqueles que materializam a falta de respeito e
desprestígio da categoria profissional na sociedade, nas manifestações de falta de respeito e,
até mesmo, a violência. Ou seja, mutuamente as culpas são atribuídas às vítimas.
Em suma, o professor passa por um processo de perda de prestígio social generalizado,
dentro e fora da escola. Seu tempo de trabalho é cada vez mais ocupado por tarefas que não
lhe dizem respeito diretamente, a atividade prazerosa de ensinar vira um enfado no atual
contexto da escola pública, e isso acaba gerando um grande desconforto, ocasionado em
grande parte pela desvalorização, pelos baixos salários, e também pela perda do controle
sobre o próprio trabalho. Portanto, conforme sugere Canário (2008) se faz necessário
desalienar o trabalho escolar, passando do enfado ao prazer; e pensar a escola a partir de um
projeto de sociedade, pois não será possível uma escola promover a realização da pessoa
humana, numa sociedade baseada em tirania e exploração.
35
37. Capítulo 3: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE AS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS E O PROCESSO DE PRECARIZAÇÃO
DO TRABALHO DOCENTE
O presente capítulo apresenta os dados referentes à pesquisa realizada com os
professores do Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, escola detalhada no segundo
capítulo. Aqui, traremos reflexões e formularemos hipóteses a partir dos dados coletados, que
venham a contribuir para o entendimento de como o professor enxerga o processo de perda de
controle do seu trabalho e como identificam os diferentes planos de governo que possam ter
levado a um maior processo de precarização do trabalho docente ao longo do seu tempo de
atuação.
Num segundo momento, utilizando o conceito de Manoel Esteve, identificamos o que
caracterizaria o “mal estar docente” a partir dos professores desta escola, observando a
relação dos mesmos com a profissão, o grau de satisfação pessoal e a relação de tudo isso com
a alienação e perda de controle sobre o próprio trabalho. Ainda será destacada aqui, a relação
dos professores com os alunos, revelando neste ponto uma relação contraditória entre o
discurso e o fato declarado.
Por fim, ganhará destaque a percepção do professor em relação à perda do controle
sobre o próprio trabalho e a relação com o período histórico que isso se deu mais fortemente.
Além disso, será destacado como o processo de aumento de trabalho burocrático tem
interferido no cotidiano do professor e como este identifica essas mudanças dentro das
políticas governamentais das últimas décadas.
3.1 O grupo pesquisado
Com o objetivo de realizar uma pesquisa qualitativa sobre o processo de precarização
do trabalho dos professores da Rede Estadual do Rio de Janeiro, foi delimitado como campo
empírico o Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, localizado no município de São Gonçalo.
A escolha da escola foi feita por esta possuir em seu quadro um grande número de professores
com longa carreira no magistério estadual.
36
38. O conjunto de informações foi coletado de diversas maneiras, incluindo aquelas que
possibilitavam o confronto entre o discurso e a prática do professor. Durante a pesquisa,
alguns questionamentos eram feitos após a conclusão de determinado assunto ou da entrega
do questionário 5 e tinham o objetivo não de discordar das respostas fornecidas pelos
professores, mas de problematizar alguns temas por eles abordados, de modo a aprofundar
com eles a reflexão a respeito do tema e verificar suas opiniões frente a pontos de vista
divergentes.
Os (as) professores (as) pesquisados (as) passaram pelo processo de mudanças na
educação orientadas pelas sucessivas políticas de intervenção no ensino e nas escolas. Para a
observação da relação entre intervenção das políticas educacionais e as percepções dos
professores a respeito dessas políticas, nós estabelecemos como recorte temporal o período
que se inicia na década de 90 e se estende até a atualidade. Período permeado pela lógica
neoliberal, na qual o (a) professor (a) vem sofrendo uma intensificação, sobrecarga e perda de
controle do trabalho, que tem ocasionado diversas implicações visíveis.
Desde os primórdios da vida republicana brasileira, tem ocorrido uma sucessão de
reformas de ensino, seja em nível nacional, com as LDB (1961 e 1996), seja em nível estadual
ou municipal. Contudo, se, aparentemente, as primeiras reformas tinham como foco
prioritário a organização administrativa dos sistemas de ensino, incluindo a própria legislação,
ao longo do tempo, foram se estreitando os mecanismos de controle, assim como as
estratégias de intervenção estatal no trabalho dos professores.
Nas últimas décadas, percebemos que os objetivos do ensino estão cada vez mais
determinados por secretarias e governos; diversos planos e metas tem sido implementados por
diferentes políticas públicas que variam de governo para governo; e surgem limitações cada
vez maiores para a prática do magistério. Esses fatores vêm tornando o ensino uma tarefa
cada vez mais árdua, minimamente reconhecida, cada vez menos requisitada, nada
incentivada e pouco gratificante.
Os dados da pesquisa foram obtidos durante o mês de novembro de 2011 através de
questionários entregues aos professores com mais de dez anos de magistério estadual, com o
objetivo de entender como esses (as) professores (as) enxergam o processo de perda de
controle do seu trabalho e como identificam os diferentes planos de governo que possam ter
5
Em anexo (1).
37
39. levado a um maior processo de precarização do trabalho docente ao longo de seu tempo de
atuação.
Foram entregues vinte questionários, desses retornaram quatorze. Alguns
questionários foram entregues pessoalmente, outros foram deixados nas respectivas pastas,
desta última forma seis questionários permaneceram nas pastas dos professores durante três
semanas e não foram respondidos. A entrega dos questionários pessoalmente foi interessante,
pois permitiu um esclarecimento do que consiste a pesquisa, neste caso a pesquisadora
precisou fazer uma explicação da pesquisa que não influenciasse as respostas dos professores.
Alguns professores responderam no mesmo momento da entrega contribuindo para um
diálogo onde a pesquisadora, sem deixar de ser interlocutora, se colocou mais na condição de
ouvinte.
Outros (as) professores (as) preferiram levar os questionários para responder “com
calma” e entregar em outro momento, desses, boa parte dialogou posteriormente, elogiando a
pesquisa e dizendo ser interessante alguém ouvi-los, contribuindo inclusive com outros
assuntos pertinentes que não estiveram contidos no questionário. Alguns inclusive
demonstraram interesse em saber os resultados da pesquisa.
O questionário foi composto por vinte e três perguntas: vinte e uma de múltipla
escolha e duas questões abertas. As perguntas abertas tiveram o objetivo de fazer uma
investigação mais profunda e precisa da temática central da monografia. A primeira consistiu
em perguntar ao (a) professor (a) se ele (a) se recordava de alguma política
educacional/proposta pedagógica do governo que tenha tido influências no seu exercício
profissional, neste caso a pergunta foi importante para entender o processo de precarização do
trabalho docente dentro dos planos governamentais sob o olhar dos (as) professores (as).
A segunda questão discursiva, localizada ao final do questionário, não teve o objetivo
de ser tão decisiva e importante quanto a primeira, porém ela foi fundamental ao questionário,
pois nela o professor pôde oferecer uma saída para os problemas elencados nas questões
respondidas, afirmando com suas palavras o que os fariam ficar mais satisfeitos com o
trabalho no magistério. Esse foi um cuidado presente na pesquisa, onde buscou-se perguntar
pela positiva, a fim de não cair sempre na questão da insatisfação com o trabalho, a fim de
não tornar o questionário massante, monótono ou negativista para o professor.
38
40. O processo de precarização do trabalho tem uma forte ligação com a questão de
gênero, profissões com grande presença de mulheres, geralmente, são as que possuem as
remunerações mais baixas, são menos reconhecidas e possuem um menor status dentro da
sociedade que vivemos. Neste caso, podemos observar com base em alguns estudos e na
própria experiência que o magistério tem passado por um processo de feminização acentuado,
com grande parte de seu corpo docente composto por mulheres, estas que geralmente
permanecem por mais tempo na profissão, geralmente contribuindo com o segundo salário da
família, fato que geralmente não acontece com os homens, que com salários cada vez mais
rebaixados, buscam outra ocupação ou mesmo mudança de profissão ao longo de sua carreira.
Embora não possamos ignorar este aspecto de gênero na análise do processo de
trabalho, não será o objetivo desta pesquisa fazer uma análise de gênero ou ter como premissa
uma separação por gênero. Na coleta de dados, procurei balancear o número de professores do
sexo masculino e feminino, porém, neste caso, mesmo com uma amostra pequena,
evidenciou-se que a maior parte dos respondentes foram mulheres, contribuindo para a
confirmação da feminização do magistério como mais um meio de precarização do trabalho
docente. Como não será o objetivo da monografia fazer uma análise de gênero, a pesquisadora
não levará esta questão a fundo, porém isso não deixou de ser um dado importante e se
levássemos esta questão mais a fundo, nos permitiria observar como se dão os
questionamentos e as respostas entre homens e mulheres e mesmo se há uma mudança de
percepção em relação a gênero.
Os questionários foram entregues respeitando apenas o corte de “tempo do magistério
acima de dez anos”, porém, mesmo assim, não deixou de ficar evidenciada uma presença
maior de mulheres. Dos vinte questionários entregues, treze foram professoras e sete
professores. Para a análise dos dados, com base nos questionários que retornaram, nove
professoras e cinco professores foram considerados.
Durante a exposição dos dados, em alguns momentos ficará claro a diferença de
gênero, outros não. Portanto, quando houver referência a professores, estará sendo incluído
também as mulheres professoras, obedecendo a um critério da língua portuguesa que não
prejudique a leitura.
As perguntas que iniciam o questionário tiveram o objetivo de traçar o perfil dos
professores. Os quatorze professores entrevistados têm idades de 32 a 61 anos, destes a faixa
39
41. etária de maior concentração foi de 40 a 50 anos, com nove professores nesta faixa de idade.
Este corte etário nos permitiria fazer uma relação entre idade/tempo de serviço e sua relação
com a percepção sobre o processo de precarização do trabalho ao longo do seu tempo de
atuação. Na pesquisa isso não se tornou tão evidente, a insatisfação com o trabalho não teve
uma relação direta com a idade, professores na faixa etária dos 30 anos demonstraram a
mesma insatisfação de professores na faixa etária dos 60 anos.
Com o objetivo de obter uma ampla perspectiva e olhares diversos, não houve critério
seletivo por disciplinas, portanto houve dentre os professores pesquisados uma grande
variedade de áreas do conhecimento, abrangendo diversas disciplinas: língua portuguesa,
inglês, ciências, biologia, filosofia, sociologia, matemática, educação física, educação
artística, geografia, química e orientação educacional. Ficou evidenciado que alguns
professores lecionam mais de uma disciplina, como uma professora de 47 anos, que leciona
biologia, química, ciências e ainda cumpre tarefas de administração escolar.
Os professores trabalham em todos os turnos ou em apenas um. Não houve critérios de
seleção neste sentido, porém apenas duas professoras e um professor trabalham somente em
um turno, neste caso o turno da manhã, considerado o menos desgastante. Em contrapartida
três professores e uma professora trabalham em todos os turnos e seis professoras e um
professor trabalham em dois turnos.
Dentre os 14 professores, apenas dois, ambos com 41 anos, não possuem pós-
graduação. Os outros 12 professores possuem, porém todos em nível de especialização,
demonstrando aqui que os professores que buscam fazer um mestrado já não permanecem na
rede. Em relação ao tempo de trabalho no magistério estadual, cinco professores possuem
mais de 20 anos de carreira, três possuem mais de 15 anos de magistério e seis professores
possuem entre 10 e 15 anos de atuação na rede estadual.
3.2 O “mal estar docente”
A maioria dos professores não se considera um profissional realizado. Na pergunta
que trouxe esse questionamento, oito professores responderam negativamente, enquanto
apenas quatro disseram estar realizados na profissão. Outros dois professores anularam a
questão, marcando as duas alternativas ou deixando a questão sem resposta, demonstrando até
40
42. mesmo uma falta de clareza pessoal ou dificuldade de assumir, em determinada altura da vida,
uma falta de realização na profissão que se dedicou por tanto tempo.
A escolha pela carreira do magistério é um fator importante a ser considerado, pois
nos permite caracterizar e fazer uma relação do grau de satisfação do professor em
determinada fase, com suas aspirações iniciais. Isso nos permite fazer um balanço com a sua
opção pela carreira, podendo haver, ou não, uma relação direta com a satisfação. Neste caso,
foi bem diversificado a forma de escolha pela carreira no magistério: alguns professores
disseram que a docência foi uma escolha pessoal e que sempre desejaram ser professores;
outros afirmaram que não queriam ser professores, mas as circunstâncias da vida os levaram a
tal escolha; e minoritariamente outros professores afirmaram que entraram para o magistério
pretendendo mudar de profissão, mas acabaram ficando por fatores diversos.
Evidenciou-se aqui uma grande diversificação e heterogeneidade no que diz respeito
ao magistério como vocação como se costuma colocar o senso comum, demonstrando que não
é necessariamente por prazer ou por identificação que os professores se tornam professores e
permanecem no magistério, este fato muitas vezes ocorre por circunstâncias diversas, muitas
vezes por origem sócio-econômica, onde a opção pela licenciatura pode ter sido a única
alternativa palpável durante a formação do professor e pode ainda ter significado uma
ascensão social para algumas famílias depois do ingresso no magistério. Além disso, há o
fator estabilidade no serviço público, que dentro de um mercado de trabalho com trabalhos
cada vez mais precarizados, acaba sendo uma saída viável e conformativa. O que contribui
para a permanência de pessoas insatisfeitas, mas que ainda vêem o magistério como uma
alternativa, como um emprego seguro, apesar dos percalços.
A ampla maioria dos professores afirmou que estiveram mais satisfeitos em atuar no
magistério estadual nos tempos iniciais de sua carreira, apenas um professor disse que esteve
sempre satisfeito e outros dois professores afirmaram que os últimos anos tem sido mais
satisfatórios para se trabalhar. Este fator não nos dá muita clareza se houve uma identificação
com os planos governamentais implementados à época, visto que as idades dos professores
variaram e não foi possível estabelecer um tempo histórico homogêneo neste aspecto.
Portanto, pudemos identificar que esta satisfação em atuar no magistério não se deu
exatamente por uma política de governo ou pela ausência de uma política como a atual que
agudiza a precarização do trabalho docente. Neste caso, a satisfação pareceu estar mais
associada à euforia inicial de carreira.
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