Este documento discute a necessidade da prática interdisciplinar na formação de professores. Argumenta que a abordagem interdisciplinar pode proporcionar uma educação mais ampla e completa, rompendo com paradigmas antigos. Também reconhece que há receio entre professores em aplicar a interdisciplinaridade na prática, mas que instituições estão tendo bons resultados ao adotá-la. Defende que a interdisciplinaridade deve ser uma atitude que promova o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento.
1. A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR NA FORMAÇÃO DE PROFESSOR: UMA
NECESSIDADE PARADIGMÁTICA1
Andréa Kochhann2
Cristina Omelli3
Umberto Andrade Pinto4
“A idéia da interdisciplinaridade é uma ameaça à autonomia dos
especialistas, vítimas de uma restrição de seu campo mental.(...) implica
verdadeira conversão da inteligência.”
Gusdorf
A educação passa por momentos de grandes questionamentos, onde se evi dencia a
necessidade de mudanças em seus mais diversos âmbitos, principalmente na prática de ensino.
Fala-se em reforma no ensino superior, para que se possa ter uma educação mais completa do
educando, e preparando-o para atender demandas de mercado e para cidadania. E dessa
necessidade a interdisciplinaridade surge como prática que pode viabilizar uma educação mais
ampla, rompendo com velhos paradigmas, Zabala (1998, p.28) afirma que “Educar quer dizer
formar cidadãos e cidadãs, que não estão parcelados em compartimentos e estanques, em
capacidades isoladas”.
Muito se tem enfatizado a teoria, sobre interdisciplinaridade, não é que a teoria não seja
importante, é preciso que a teoria e a prática caminhem juntas. Encontra -se certo receio na
aplicabilidade da interdisciplinaridade, os docentes parecem ter medo de ousar, errar, porém isso
faz parte do processo de desenvolvimento e apenas e que se terá certeza que funciona.
1
Artigo produzido para embasamento teórico nas palestras ministradas no Colóquio da UFG (Universidade Federal de
Goiás), no Encontro da UEG (Universidade Estadual de Goiás) Unidade das Laranjeiras em 2006 e atualizado em
março de 2007.
2
Andréa Kochhann Machado de Moraes – Pedagoga, Especialista em Docência Universitária e Mét odos e Técnicas de
Ensino, Mestre em Educação, Professora o Curso de Pedagogia da UEG – UnU de São Luis de Montes Belos e de Pós -
graduação da FMB, Pesquisadora. Responsável pelo GEFOPI (Grupo de Estudos e Pesquisa em Formação de
Professores e Interdisciplinaridade), Coordenadora de Projetos de Extensão. andreakochhann@yahoo.com.br
3
Maria Cristina Omelli - Pedagoga pela UEG – UnU de São Luis de Montes Belos. Professora do Ensino Fundamental
Membro do GEFOPI (Grupo de Estudos e Pesquisa em Formação de Professores e Interdisciplinaridade).
cristinaomelli@hotmail.com
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Umberto Andrade Pinto – Pedagogo e Matemático, Especialista em Filosofia da Educação, Mestr e em Educação
Superior e Doutor em Educação. Professor e Coordenador de Projetos de Extensão da Universidade Presbiteriana
Mackenzie – SP, Coordenador do Curso de Pedagogia na Universidade Paulista – UNIP – SP, Orientador do GEFOPI
(Grupo de Estudos e Pesquisa em Formação de Professores e Interdisciplinaridade) ffle@mackenzie.com.br
2. 2
Há hoje instituições que estão comprovando que a prática interdisciplinar é possível e est ão
satisfeito com os resultados obtidos a partir da aplicação da interdisciplinaridade e acreditam que
estão obtendo uma formação mais completa de seus educandos.
Ao indagar sobre o que é preciso para que a prática interdisciplinar ocorra, a resposta fica
no âmbito da integração de equipe, uma boa relação professor -aluno, partir do discurso para a
prática e ousar, como diz Fazenda (1999, p.29) “O diálogo, a ousadia da busca e da pesquisa, é a
transformação da insegurança num exercício do pensar, num constru ir”.
Só teremos uma educação de qualidade quando esta estiver embasada no tripé, pesquisa -
extensão e ensino, e através da interdisciplinaridade pode -se estabelecer um elo além da sala e dos
espaços da faculdade, mas em uma educação que seja colaborativa.
Vivencia-se a era das informações e transformações, com a globalização, sempre é preciso
conhecer mais e mais, para isso é necessário que o educando tenha uma boa formação onde
aprenda a fazer ligações de fatos a conteúdos e vice -versa, retirando assim o máximo de
aprendizado. Zabala (1998, p.40) fala sobre essa interação, que “Todo conteúdo por mais
especifico que seja sempre está associado e, portanto será aprendido junto com conteúdos de outra
natureza”.
Levando em consideração que o professor é um elemen to de grande relevância neste
processo de mudança é preciso que seja crítico -reflexivo e busque mudar os paradigmas
educacionais, em busca de novos horizontes para viabilizar a formação de cidadãos conscientes e
que sejam o rompimento do paradigma do qual Cury (2000, p.66) fala que
Estamos formando homens cultos, mas não homens que pensam. Estamos formandos
homens que dão respostas ao mercado, mas não homens maduros, completos, que sabem
interiorizar, pensar antes de agir, expor e não impor as suas idéias, trabalhar em equipe,
que amam a solidariedade, que sabem se colocar no lugar do outro.
Assim sendo, após um estudo teórico e presenciar momentos interdisciplinares, tanto na
Educação Básica quanto na Superior é que se sugere prática interdisciplinar como possibilidade de
mudanças na educação, começando pela Universidade que apresenta um saber didático disciplinar
e neste contexto a inquietude é quanto à aceitação desta prática por parte dos envolvidos no intuito
de uma formação do homem integral. Entende-se que para tal proposição se torna realidade é
3. 3
preciso perceber-se interdisciplinar, esse é o primeiro movimento em direção a um fazer
interdisciplinar. Dessa ótica Ferreira apud Fazenda (2001, p. 11) alega uma reflexão
Perceber-se interdisciplinar
É sentir componente de um todo.(...)
É juntar esforços na construção do mundo. (...)
É saber que a liberdade está em afirmar-se integrando-se.(...)
É reconhecer no “Uni-verso”, “unidade na diversidade”.
É estar consciente de que o evoluir é lei geral(...).
O pensar interdisciplinar tenta dialogar com as outras formas de conhecimento como uma
atitude. E o que caracteriza a atitude interdisciplinar é a ousadia transformando a insegurança num
exercício do pensar, num construir. Como cita Willian Blake apud Fazenda (2001, p. 19) “Para ver
o mundo num grão de areia e um céu numa flor silvestre, segure o infinito na palma de sua mão. E
a eternidade numa hora.”.
A proposta interdisciplinar visa romper com as barreiras entre as disciplinas e superar o
compartimentalismo do pensar, na busca de uma aproximação do saber como elo entre todos os
conhecimentos dos diversos campos. Esta prática pedagógica deve pautar -se não na intenção, mas
na ação no ensino superior, pois a educação básica deve ser pensada pela transdisciplina ridade.
Fica evidenciado que os educadores precisam analisar a interdisciplinaridade a partir do
significado dos seus elementos constitutivos – de sua prática. O termo Interdisciplinaridade se
compõe de um prefixo – inter - e de um sufixo – dade – que, ao se justaporem ao substantivo –
disciplina – nos levam à seguinte possibilidade interpretativa, onde: inter, prefixo latino, que
significa posição a ação intermediária, reciprocidade, interação 5
. Por sua vez, dade (ou idade)
sufixo latino, guarda a propriedade de substantivar alguns adjetivos, atribuindo -lhes o sentido de
ação ou resultado de ação, qualidade, estado ou, ainda, modo de ser. Já a palavra disciplina, núcleo
do termo, significa a epistemé, podendo também ser caracterizado como ordem que convém ao
funcionamento duma organização ou ainda um regime de ordem imposta ou livremente consentida.
Neste momento convém analisar a epistemologia da interdisciplinaridade. Para Assumpção
apud Fazenda (2001, p.23) “O termo interdisciplinaridade se compõe de um prefixo – inter
(reciprocidade, interação) - e de um sufixo – dade (dá qualidade ou modo de ser) que se justapõe ao
5
Como “interação”, temos aquele fazer que se dá a partir de duas ou mais coisas ou pessoas – mostra-se, pois, na
relação sujeito-objeto.
4. 4
substantivo disciplina (epistemé).” Para Fazenda (2001, p.17) “O pensar interdisciplinar parte do
princípio de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional. Tenta, pois, o diálogo
com outras formas de conhecimento, deixando -se interpenetrar por elas.(...) não se ensina, nem se
aprende, vive-se, exerce-se.” Já no entendimento de Zabala (1998, p.143) “ ... é a interação entre
duas ou mais disciplinas, que pode ir desde a simples comunicação de idéias até a integração
recíproca dos conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da
pesquisa.”
Prosseguindo nesta linha, para Santomé (1998, p.65) “A interdisciplinaridade é
fundamentalmente um processo e uma filosofia de trabalho (...) é um objetivo nunca
completamente alcançado e por isso deve ser permanentemente buscado. Não é apenas uma
proposta teórica, mas sobretudo uma prática.” . Visto que para Piaget apud Santomé (1998, p.70) é
o “Segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas
provoca intercâmbios reais, isto é, existe verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e,
consequentemente, enriquecimentos mútuo.” .
Gusdorf vai além de um conceito enquanto prática pedagógica, alega que
O que se designa por interdisciplinaridade é uma atitude epistemológica que ultrapassa os
hábitos intelectuais estabelecidos ou mesmo os programas de ensino.(...) A idéia da
interdisciplinaridade é uma ameaça à autonomia dos especialistas, vítimas de uma
restrição de seu campo mental.(...) implica verdadeira conversão da inteligência. (apud
FAZENDA,1991, p. 24)
Continuando, Hernández (1998, p.46) alega que o intuito é de se chegar a
transdisciplinaridade, que
... representa uma concepção da pesquisa baseada num marco de compreensão novo e
compartilhado por várias disciplinas, que vem acompanhando por uma interpretação
recíproca das epistemologias disciplinares. A cooperação, neste caso, dirige-se para a
resolução de problemas e se cria a transdisciplinaridade pela construção de um novo
modelo de aproximação da realidade do fenômeno que é objeto de estudo.
Interdisciplinaridade, palavra difícil de ser dita, por sua extensão. Complexa na
cabeça de muita gente, comprometedora, utópica para muitos e instigadora para alguns. Há
muito debate com relação ao conceito de interdisciplinaridade. E debates, muitas vezes,
5. 5
promovam ou vêm do caos. A educação e a interdisciplinaridade é is so: um caos constante,
como diz Nietzsch (s/d) “Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à
luz uma estrela dançante. Eu vos digo: Há ainda caos dentro de vós?”.
E ao analisarmos sobre a importância da educação, concordamos com Cr aveiro (1997,
p. 2) “A educação deve ser pensada com o compromisso de preparação do aluno para a vida
como um todo, nos seus aspectos individuais e coletivos.”. Partindo desse pressuposto
percebe-se a necessidade de uma atitude de ousadia, um desafio, que segundo Henfil (apud
CRAVEIRO, 1997, p. 17) “Não é o desafio com que nos deparamos que determina quem
somos e o que estamos nos tornando, mas a maneira como respondemos ao desafio.” O
desafio posto é o conhecer melhor, para então atuar, aproveitando os ben efícios da prática
interdisciplinar na Universidade.
O movimento interdisciplinar é recente, na década de 1970 inicia -se as primeiras discussões
sobre a mesma no Brasil por Fazenda (1979) na década de 80 houve uma luta para a busca de uma
identidade perdida durante as décadas de 1950 à 1970 conhecidas por tempo de silêncio6
. Na
década de 1990 tem-se a possibilidade de explicitação de um projeto antropológico de educação, o
interdisciplinar, em suas principais contradições. Portanto, é necessário reconhecer que muitos
acadêmicos foram alfabetizados e seguiram seus estudos pelo método tradicional e hoje necessitam
e buscam um novo rigor acadêmico.
Convém lembrar que os profissionais da educação com certeza foram formados na prática
tradicional e por isso, tendem a educarem como foram educados, já que um novo projeto de
educação é sinônimo de trabalho árduo, exige o rompimento com a acomodação. Exercer uma
tarefa interdisciplinar, como cita Fazenda (1999, p. 77) “ ... pressupõe antes de mais nada um ato de
perceber-se interdisciplinar. Esse processo é lento, exige cuidado, critério e paciência.”
Continuando, a autora afirma que busca -se “... um novo rigor – uma outra forma de rigor mais
acentuado, em que da objetividade empresta -se a seriedade, a ordem, e da subjetividade, a emoção,
a poesia.” (p.44).
Isso demonstra que a preocupação com a formação continuada é marcante e por isso um
consenso no que tange cada professor ensinar de maneira diferente, pois a identidade é necessária.
6
O final dos anos 50 e início dos anos 60 foram marcados por movimentos contra os governos populistas a tal ponto
do golpe militar em 64 que a partir de então o povo precisou calar, silenciar e os educadores assim tinham que fazer
também por toda década de 70.
6. 6
No que se refere à identidade pessoal, Fazenda (1999, p. 48) diz que “Consideramos que é algo que
vai sendo construído num processo de tomada de consciência gradativa das capacidades,
possibilidades e probabilidades de execução, configura -se num projeto individual de trabalho e de
vida”. Portanto, continua a autora (p. 47) “A identidade só se consolida no movimento
contraditório das situações concretas de vida .”. Fazenda destaca, ainda, que (p. 76) “(...) a prática
de cada um está marcada por sua história de vida pessoal, acadêmica e prof issional.” ficando claro
que cada professor terá seu próprio estilo de ensinar, a inquietude não está no isolamento, mas na
socialização de sua identidade numa práxis dialética coletiva.
Como afirma Fazenda (1999, p. 86) “A premissa(...) é a do respeito ao modo de ser de cada
um, ao caminho que cada um empreende em busca de sua autonomia.”, portanto cabe ao professor
respeitar as diferenças de interpretações dos acadêmicos e com o fechamento de idéias aparar as
arestas dos seminários, dando-lhe uma feição única e contundente.
Há necessidade de privilegiar na educação a qualidade, porém não se deve perder de vista a
quantidade, bem como há o reconhecimento da necessidade de uma relação entre o professor e o
aluno de alteridade – professor mais próximo do aluno em linguagem e afetividade, mas com rigor
acadêmico – para o favorecimento do processo ensino -aprendizagem. Quanto ao processo de
alteridade, Fazenda (1999, p. 44-5) afirma que
Se estamos ou queremos viver hoje na educação um momento de alteridade (com o
construção/produção de conhecimento) é fundamental que o professor seja mestre, aquele
que sabe aprender com os mais novos (...). O professor precisa ser o condutor do processo
(...). A alegria, o afeto, o aconchego, a troca(...) não podem pedir demissão da escola, sua
ausência poderia criar um mundo sem colorido, sem brinquedo, sem lúdico, sem criança,
sem felicidade.
Nota-se, desse modo, a importância da formação humana daqueles que assumirão a função
docente, retomando-se o caráter dialético das interações sociais. Nesse processo, importa destacar
não apenas o aspecto cognoscitivo do conhecimento, como também seu caráter afetivo e social.
Certamente, encarado dessa perspectiva, o conhecimento ganha um caráter mediador nas
relações e seu domínio deve ser avaliado de modo sistemático e amplo. Nesse sentido, poder -se-ia
dizer que o processo avaliativo se redireciona para um caráter interdisciplinar.
7. 7
Esse processo deve objetivar que o aluno busque em outras disciplinas o suporte para
responder às questões, sendo assim mais eficiente do que as tidas por avaliações tradicionais, onde
o aluno reproduz o que os autores afirmam. Portanto , devemos verificar se estamos utilizando a
educação bancária, que explicita Paulo Freire (2001) em muitos trabalhos seus, esta educação tida
por tradicional mostra a necessidade de rupturas deste paradigma e a ousadia do trabalho
interdisciplinar.
Como salienta Fazenda (1999, p. 78) “O processo de passagem de uma didática tradicional
para uma didática transformadora, interdiscip linar supõe uma revisão dos aspectos cotidianamente
trabalhados pelo professor”. Por isso, é necessário um projeto de capacitação docente para a
consecução de uma interdisciplinaridade no ensino, levando em consideração por outro lado, as
dificuldades de concretizar tal projeto, como afirma Fazenda (1999, p. 50)
(...) como efetivar o processo de engajamento do educador num trabalho interdisciplinar,
mesmo que sua formação tenha sido fragmentada.(...) -como propiciar formas de
instauração do diálogo, mesmo que o educador não tenha sido preparado para isso.(...) -
como propiciar condições para troca com outras disciplinas, mesmo que o educador ainda
não tenha adquirido o domínio da sua.
Um projeto dessa natureza pressupõe a formação de professor/pesquisado r que valorize a
indissociabilidade ensino-pesquisa e extensão como forma de produção de saber. É possível dizer
que o século XXI se inicia com luzes mais claras nos caminhos que levam à prática da
interdisciplinaridade nos vários níveis de ensino. A luta de Fazenda está sendo valorizada,
lembrando que a década de 60 foi o tempo de silêncio, a de 70 construção epistemológica, a de 80
explicações das contradições epistemológicas decorrentes de sua construção, a de 90 tentando
construir uma nova epistemologia, a própria da interdisciplinaridade, e hoje ocorre sua propagação.
Na construção do conhecimento a integração das muitas ciências não garan te a sua perfeita
execução. A interdisciplinaridade surge, assim, como potencialidade de enriquecer e ultrapassar a
integração dos elementos do conhecimento. Perpassa todos os elementos do conhecimento,
pressupondo a integração profunda e orgânica entre eles. Está marcada por um movimento
ininterrupto, criando ou recriando outros pontos para a discussão e intersecção.
A palavra interdisciplinaridade esquecida em décadas passadas volta como palavra de
ordem das propostas educacionais, não só no Brasil, mas no mundo. Entretanto, ela é apenas
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pronunciada e os educadores não sabem bem o que fazer com ela. Sentem -se perplexos frente à
possibilidade de sua implementação na educação. Essa perplexidade é traduzida por alguns na
tentativa da construção de novos projetos para o ensino. Mas, percebe -se em todos esses projetos a
marca da insegurança.
Difícil pensar em interdisciplinaridade, quando se foi acostumado durante décadas, pensar a
educação compartimentalizada, produto da escola tecnicista. No entanto para que o aluno saiba
enfrentar a vida num processo dialético, considerando simultaneamente a teoria e a prática, é bom
se sentir, se encontrar, poder ser, para poder então “fazer”. Segundo Fazenda (1979, p. 108) assim é
o ato de ser interdisciplinar “Interdisciplinaridade não se ensina, não se aprende, apenas vive -se,
exerce-se e por isso exige uma nova pedagogia, a da comunic ação”.
Entretanto, trata-se de uma atividade que se apresenta como um desafio no ensino superior,
uma vez que os alunos devem compreender a realidade concreta, não apenas sentida como uma
atividade experimentada e imediata, mas que seja entendida em suas diversas dimensões culturais
amplas, nas relações entre as classes e sobre os aspectos políticos que permeia m toda a vida social.
O aluno precisa, desse modo, dominar o saber e não ser dominado por ele. Nesse momento a
postura do educador mais uma vez é indispensável.
O educador desempenha um papel fundamental, tanto na educação básica quanto na
superior, pois à proporção que explica os conteúdos, mantém uma permanente dialógica com os
alunos. Dessa perspectiva, cada assunto deve ser organizado de maneira q ue propicie a cada aluno
resgatar a memória de sua própria história de vida. Através dessa interação, ambos podem
incorporar saberes interdisciplinares, a fim de superar os conhecimentos parcelados da realidade,
como é, em geral, proposto pelo currículo oficial das Escolas, e criando novo saber. Como pode-se
notar, não é uma tarefa fácil. Muitos impedimentos existem, como mostra Barbosa apud Japiassú
(1976, p. 56 )
A prática interdisciplinar, por outro lado, sofre impedimentos resultantes da
formação cultura da sociedade que reflete no setor educacional através da formação
do professor, treinado por um saber fragmentado e realizando o seu trabalho sob as
mais adversas influências . Estas se manifestam no cotidiano da sala de aula, onde o
professor realiza um trabalho solitário e para qualquer iniciativa de criação do saber
sofre inibições pela ausência de estímulos.
Frente ao exposto ser interdisciplinar requer uma atitude política e pedagógica que demanda
coragem, despojamento, muita dedicação e sobretu do muita garra. Na educação este deve ser o
9. 9
alvo do educador. Deve-se lembrar sempre, segundo Carr apud Brandão (1995, p.78 ) de que “ A
educação é uma atividade prática com carga de valores relacionada com a promoção dos valores
humanos e dos ideais sociais”.
Fica um desejo de que a frase que deveria estar presente no currículo de todo educador, que
busca e espera uma educação diferenciada, que forme o cidadão integral e que relacione saber
escolar com prática social, com certeza poderia ser “A interdiscipl inaridade não fica apenas no
campo da intenção, mas na ação, precisa ser exercitada .”.(Fazenda, 1999, p.35).
Evidenciando que a educação passa por transformações, a interdisciplinaridade precisa ser
iniciada aos poucos, mas ousando, mesmo percebendo que há alguns que resistem por se tratar de
um rompimento de um paradigma e por não se ter receituário de interdisciplinaridade para seguir ,
pois “O termo não possui um sentido único e estável. O modo de interpretar a interdisciplinaridade
não tem forma definida: constrói-se” (Idem, p.35). Surge assim um questionamento a sociedade
vivencia momentos onde nada é estável e tudo está se transformando, e a educação qual deve ser a
sua posição?
Ao estudar interdisciplinarmente, acaba -se desenvolvendo um raciocínio que faz ligações
entre fatos e assim desenvolver um senso crítico, que aprenda a ler as entrelinhas e encontrar
soluções. Espera-se que a cada dia se desperte mais o interesse na aplicabilidade da
interdisciplinaridade no ensino superior, mudando os rumos da educação, construindo um conceito
próprio de interdisciplinaridade.
Transformando o âmbito educacional de dentro para fora, e assim uma reforma
universitária que vai realmente auxiliar a educação. É preciso ter um conceito de educação partindo
do pensamento de Savater (2000, p.171), “Esse processo de ensino, nunca é uma simples
transmissão de conhecimentos objetivos ou destrezas práticas, mas vem acompanhado de um ideal
de vida e de um projeto de sociedade (...) A educação tem como objetivo completar a
humanidade”. Assim, com uma educação nova que unida rompa paradigmas poderemos ter uma
educação libertadora com ideias capazes de ajudar a humanizar a sociedade atual.
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10. 10
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