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Belo Horizonte: a escola e
           os processos educativos
           no movimento da cidade


                                                                          CYNTHIA GREIVE VEIGA
                                          Professora Adjunta de História da Educação da FaE-UFMG

                                                             LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO
                                           Professor Adjunto de História da Educação da FaE-UFMG




        “Só a visão de uma grande cidade onde sem nada querer apren-
        der alguém se instrui a todo instante, onde para se conhecer mil
        coisas novas basta caminhar na rua de olhos bem abertos, essa
        visão, essa cidade, sabei, é uma escola... Tudo passa depressa.
        Vêm os interesses, as concorrências, as rivalidades... E no entanto
        muita coisa restaria dela se a educação fizesse por reunir os ho-
        mens com o mesmo empenho que coloca em dividi-los”
                                                 (Jules MICHELET, 1846)1



      Introdução
   O movimento das reformas e construções de cidades ocorrido no
século XIX2, bem como as discussões e ações em torno de uma nova
pedagogia de formação dos sujeitos urbanos esteve associado à produ-


1   A edição brasileira é da editora Martins Fontes ( 1988) e a citação encontra-se nas páginas 117 e 178.
2   Referimo-nos aos diferentes empreendimentos urbanos ocorridos na Europa e no Brasil no decorrer do séc.
    XIX. Os estudos relativos ao tema podem ser encontrados, entre outros, em ANDRADE(1992),
    CHALLOUB(1990), FRITSCH e PECHMAN(1984), ORTIZ(1991), SENNET(1988) e SCHORSKE(1988).



VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, nº 18, Set/97, p.203-222                                              203
ção de novos parâmetros culturais, seja no trato ao acesso à proprieda-
de, seja no acesso ao saber sistematizado.
     A produção de um novo sujeito urbano é parte das inúmeras utopias
da modernidade onde se elabora entre outras, a dimensão educativa da
cidade e a perspectiva urbanizadora da escola. Este texto se propõe a
analisar neste duplo movimento, as representações de educação pre-
sentes na experiência da construção da capital mineira, Belo Horizonte,
tanto através do processo de implementação da nova organização ur-
bana em fins do século XIX, como pelo processo de organização escolar
da cidade em seus primeiros anos de fundação.
     Como parte de toda uma discussão presente nas sociedades oci-
dentais, na elaboração dos planejamentos urbanos foi grande a preocu-
pação em reeducar os sujeitos na sua relação com a urbanidade. As
formas a serem assumidas pelas novas cidades, na concepção de seus
empreendedores, implicariam na produção de novas formas a serem
assumidas também pelos seus habitantes. Por sua vez, a redefinição de
uma nova cultura escolar foi-se fazendo sob o signo da civilidade e do
progresso, enquanto uma necessidade para a organização de uma so-
ciedade racionalizada, constituída por indivíduos independentes materi-
al e mentalmente.
     Urbanistas e educadores de finais do século XIX e início do século
XX se aproximaram na produção de reformas que atendessem aos ape-
los da modernidade: aliar o progresso material ao progresso das mentes
numa sociedade convulsionada por novas técnicas, novas ciências e
novas formas de interferência na sua estrutura política. Em seus projetos
ganha destaque as preocupações em torno de como incorporar cultu-
ralmente os sujeitos sociais em suas diferentes manifestações, na pers-
pectiva da formação de homens e mulheres civilizados e educados. Fun-
damentados na tese da homogeneidade cultural e da formação da opi-
nião pública, a cultura urbana e a cultura escolar elaboradas nessa épo-
ca lida com a diversidade material e social dos indivíduos produzindo
uma tensão permanente com os elementos fundantes da sociedade de
então: razão, propriedade e indivíduo.
     Nesse contexto tem lugar o percurso de constituição das repúblicas
do século XIX, as quais sem excetuar a república brasileira, estavam
impregnadas tanto do pensamento individualista liberal, como também,
através da assimilação dos movimentos populares, da idéia da constru-
ção de um corpo político, da nação, para garantir a sobrevivência dos
direitos individuais. A ambigüidade dessa constituição estará presente
não somente nas próprias dimensões teóricas que dão suporte às novas
nações, como ainda na formalidade em que se constituem a urbanidade
e a educação em detrimento das diversidades produzidas nas experiên-
cias sociais.


204
As escolas e as cidades serão, entre outros, os novos templos das
repúblicas constituídas ou em constituição, na sua simbologia estará
presente o imaginário de toda uma população a ser regenerada através
da alteração de sua subjetividade, da produção de novos talentos e da
reorientação de condutas — a regeneração da cidade se faz pela ree-
ducação dos cidadãos, a regeneração da escola se faz pela reeduca-
ção da cidade. A cidade é plena de potencialidades na produção de
uma nova experiência escolar, por sua vez a escola deverá ser a possi-
bilitadora da experiência urbana.
     A construção de Belo Horizonte foi se fazendo nas práticas do as-
sentamento de novas relações sociais e econômicas necessárias para o
desenvolvimento e progresso material. É instituída nas formas de traba-
lho e nos processos de aquisição da propriedade toda uma caracteriza-
ção moderna das relações entre cidade e educação.
     Entretanto, nos limites do direito à propriedade, definiram-se tam-
bém os limites dos direitos políticos, de maneira que se efetiva a aproxi-
mação entre o processo de hierarquização dos espaços (sub)urbanos e
a noção de espaços apropriados de formas (ir)racionais. Nessa pers-
pectiva, ganha corpo a idéia da necessidade de uma “racionalidade
exterior” que venha em socorro à uma “irracionalidade interior”, substitu-
indo práticas sociais tradicionais por práticas modernas com o objetivo
de alocar os indivíduos, tanto material como culturalmente, em seus de-
vidos lugares sociais.
     Dessa forma as cidades e as escolas se constituem na modernida-
de como campos de tensões onde a ordem e a desordem cultural e
física são passíveis de serem resolvidas pela régua e pelo compasso.
Na perspectiva da configuração humana e configuração espacial como
“tábulas rasas”, tudo estaria por ser feito, toda uma história estaria por
ser inscrita. Passadas a limpo as superstições, a miséria e as irregulari-
dades do passado, um tempo novo seria inaugurado: a razão e a civili-
dade tomariam os seus assentos na nova cidade, uma visão por si só
educativa. Por sua vez, as novas formas escolares, em sua função ho-
mogeneizadora, vão definindo as dinâmicas culturais legítimas consti-
tuidoras dos diferentes aspectos das práticas urbanas.

    A cidade como experiência educativa
     A Comissão Construtora da cidade de Belo Horizonte logo que inicia
os trabalhos de edificação da capital assume ares de grande educado-
ra. Na visão de seus membros, salta aos olhos a sua missão pedagógi-
ca. Segundo o secretário de Comissão:




                                                                      205
“Quem no futuro, cortado já o arraial de largas avenidas, de espa-
        çosas e belas ruas, armadas de palacetes de mármore de Ganda-
        rella, de ajardinamento de luxo, chácaras de primor, formoso par-
        que etc... ficará, tendo lido esta pequena descrição, surpreendido
        de ter habitado nela uma população tão mesquinha, e não haver,
        há muitos anos, sido escolhido este arraial para a construção de
        uma grande cidade.(MINAS GERAIS,1895a.p.13)

     O entendimento da cidade como espaço educador e formador de
seus habitantes estará presente em diversos projetos que tratam das
reformas urbanas. Especificamente aqui sobre a cidade de Belo Hori-
zonte, destaca-se que a edificação desta capital foi além de um simples
processo de demolição e construção com vistas a implementação da
modernidade nas formas arquitetônicas ou ainda, enquanto resposta a
querelas políticas em torno de necessidade de mudança da capital de
Ouro Preto para Belo Horizonte.
     Sem desconsiderar estes fatores, destaca-se que o empreendimen-
to da construção da capital mineira é um processo de confrontos aber-
tos com as múltiplas implicações desse empreendimento, os quais inter-
feriram diretamente na vida das pessoas. Nessa perspectiva, a constru-
ção da cidade revelou mais que o desenho de um novo traçado. A exe-
cução da planta urbana expressou os novos contornos sociais e cultu-
rais a serem assimilados pelas populações, redefinindo suas relações
com a cidade de forma tensa e conflituosa.
     Através do estabelecimento de dimensões racionais no tratamento
da propriedade, das relações de trabalho, das relações sociais e cultu-
rais, os gestores oficiais da cidade conferem um sentido novo ao enten-
dimento das formas de alocação dos indivíduos no espaço urbano. An-
corados na tarefa de começar aparentemente do nada, a região é trans-
formada em oficina de trabalho e negócios configurando a concretiza-
ção do ideal de progresso e de civilidade, no sentido de reeducar as
pessoas, reorientar seus caminhos, “acordar” os habitantes para a mo-
dernidade.
     Os pressupostos de Aarão Reis, engenheiro chefe da Comissão
Construtora até 18953, estão inseridos em premissas universais, que a
par das diferenças ou ênfases em determinados traçados, se aproxi-
mam da perspectiva pedagógica e disciplinar de adaptar o espaço físi-
co às exigências econômicas e sociais seja pela racionalização das vias
de circulação através de abertura de grandes vias, seja pela preocupa-


3   A edificação e construção da cidade de Belo Horizonte é feita sob a supervisão de dois engenheiros. Aarão
    REIS é o responsável de 1894 até abril de 1895 quando pede exoneração do cargo, sendo substituído por
    Francisco BICALHO, de maio de 1895 até janeiro de 1898, quando a Comissão Construtora é extinta.


206
ção com a higiene e salubridade, bem como pela redefinição da função
social dos subúrbios.
      É no traçado de planta da zona urbana que se definem as caracte-
rísticas geométricas rígidas, com integração da malha ortogonal das ruas
e da malha diagonal das avenidas, tendo como ponto de convergência
diversas praças e espaços destinados a edificação públicas e futura
zona comercial. A combinação de traços geométricos com edifícios im-
ponentes, praças e parques é plena da simbologia dos ideais de civili-
dade na qual todo habitante deveria se mirar. É o espaço onde se fixa a
população proprietária e civilizada.
      A zona suburbana, por sua vez, vai localizar-se em terreno mais aci-
dentado, de recorte irregular e ao contrário do que foi definido para o
perímetro urbano, aqui o traçado é adequado à topografia do sítio. Dife-
rentemente da solidez e consistência da zona urbana, os subúrbios são
precários com destaque para provisoriedade das edificações. Enquanto
espaço da irracionalidade, aponta para as contradições urbanas da
modernidade expressa nas formas distintas de assentamento físico e
social dos diferentes sujeitos urbanos.
      Evidenciam-se nestes contrastes as tensões entre, a ordem e o pro-
gresso. Se no progresso situam-se as possibilidades de ganhos fáceis,
de novas relações proprietárias e novas oportunidades de trabalho, na
esfera da ordem localizam-se os problemas das “classes turbulentas”,
moradores dos subúrbios, cafúas e favelas, na qual se localiza toda uma
precariedade da vida social e cultural.
      Durante a construção da cidade, percebe-se todo um esforço na
concretização de um ethos urbano. Através das prioridades concretas
estabelecidas para a ocupação do espaço físico, foram criadas as con-
dições para a elaboração de paradigmas conceituais de cidadania atra-
vés da produção de esterótipos depreciadoras das formas de inserção
urbana das camadas pobres e trabalhadoras.
      A ênfase na suposta irracionalidade das camadas pobres é uma
constante nos discursos dos adeptos do progresso e do moderno e tra-
zem pistas do incômodo político provocado pelas práticas sociais des-
tes setores de sociedade. Francisco BICALHO, engenheiro chefe da
Comissão Construtora, que assume o lugar de Aarão Reis em 1895, faz
o seguinte comentário, a respeito da população pobre em um dos seus
relatórios:

     “A aglomeração de semelhante população que não prima pelo amor
     à higiene, o acúmulo de detritos orgânicos e resíduos de toda a
     sorte, a falta absoluta dos mais ligeiros elementos de confortabili-
     dade e mesmo de asseio de suas habitações provisórias constitu-



                                                                      207
em outras tantas fontes para gravemente comprometerem a salu-
      bridade pública”. (BARRETO,1936.p.575.6).

     A intenção da cidade planejada, se possui um caráter arbitrário de
criar espaços onde terá lugar uma possível homogeneidade social e
cultural, mesmo que através da simbologia presente na zona urbana, é
frustada pela heterogeneidade material contínua e persistente dos 70%
da população que habitam a zona suburbana. Dessa forma, as relações
entre cidade e educação que o projeto urbano inspira tensionam com as
práticas de prioridades e provisoriedades que foram se acentuando, ao
longo do período de construção de cidade.
     Podemos dizer que na planta de Belo Horizonte sobressaem formas
bem distintas no movimento de ocupação da cidade. Neste sentido na
“cidade provisória”, dos subúrbios e na “cidade dos privilégios”, a re-
gião central, denota-se um sentido marcadamente político, relacionada
à materialidade e as formas culturais nas quais ambas se constituem.
     Na “cidade de prioridades” foram previstas as condições de assen-
tamento da propriedade privada onde o Estado interfere deliberadamente
para a sua efetivação. Na “cidade provisória”, destacaram-se as limita-
ções das condições de vida além de acentuada repressão policial, onde
os habitantes são responsabilizados pela própria situação em que se
encontram, seja em decorrência de sua dependência material, como
pensavam os liberais, seja pela “irracionalidade natural” dada a sua con-
dição operária, como preferiam os positivistas.
     Dessa forma, o modelo de civilidade da zona urbana conflitua com a
“cidade provisória”, engrossando os estereótipos pejorativos dos hábi-
tos das camadas pobres. Reafirma também a necessidade de educa-
ção e disciplinarização dos habitantes dos subúrbios, produzindo uma
prática mais próxima à justificativa da sua exclusão urbana e cultural, do
que propriamente uma ênfase na incorporação desses sujeitos à vida
da cidade.
     A cidade como experiência educativa se define na elaboração de
modelos e de uma simbologia de racionalidade. Neste aspecto, consoli-
da os pressupostos da modernidade nos vínculos que estabelece entre
propriedade/ razão e propriedade/moralidade, enquanto elementos fun-
dantes da missão civilizatória das novas formas urbanas.
     Essas concepções já apareceriam nos debates da Constituinte Fran-
cesa, em fins do século XVIII, onde SIEYES, declarava que a proprieda-
de não contém apenas uma conotação material, mas é portadora de
qualidades morais e educacionais(GRADMAISON,1988.p.178-9). Desta
forma é que a intelectualidade reformadora de fins do século XIX e início
do XX, médicos, engenheiros e educadores, se debruçam sobre uma
questão comum – a difícil tarefa de produzir um novo sujeito urbano,


208
sem a mesquinhez do passado, como sugeria o secretário da Comissão
Construtora, mas também sem propriedades.

   Entre privilégios e provisoriedades: a regeneração pela via ur-
bana.
     SENNET, em O declínio do homem público, afirma que “A civilida-
de existe quando uma pessoa não se torna um fardo para
outras”(SENNET,1988.p.329). Os habitantes pobres da cidade emergem
na sua incivilidade como fardo social e político.
     Durante o período de construção da capital mineira podemos detec-
tar um deslocamento nas representações que se fazem da população
horizontina, de uma dimensão mais folclórica à uma mais política, vão se
elaborando os estereótipos da população.“Inerte”, “doentio”, “magros”,
“esgrouvirados das costas”, “mineiros da carne de vento”, são, entre
outras, as qualificações a respeito do “tosco” habitante do sítio escolhi-
do para edificar a capital.4 Entretanto aos poucos, mesmo durante os
anos da construção, outras adjetivações começam a aparecer na docu-
mentação oficial e nos jornais. Expressões como “elementos turbulen-
tos”, “perniciosos”, de “hábitos suspeitos”, “parcelas ínfimas da socie-
dade” denunciam com mais clareza a necessidade de regeneração da
população suburbana via o modelo urbano.
     A construção da nova capital mineira foi, sobretudo, a experiência
de grande parte da população em relação às novas condições materiais
e culturais com as quais foram se defrontando. Constituem essa experi-
ência não somente a edificação de palácios, o arruamento de novos
bairros, o novo parque, mas também a presença de demolições e desa-
propriações, das ações da polícia, das posturas municipais, dos novos
aglomerados populacionais, dos barracos, das epidemias e das novas
regras do trabalho.
     A tensão urbano/suburbano ultrapassou o meio físico e o traçado
geométrico. Nesse processo a cidade se revela em múltiplos planos.
     Começando pelas formas de prioridades e privilégios temos que são
caracterizadas basicamente pela consolidação das condições para de-
senvolvimento da economia de mercado e instalação das relações pri-
vadas. Durante o processo de construção da cidade e mesmo após sua
inauguração são benvindos os indivíduos dedicados à iniciativa priva-




4   Estas adjetivação podem ser encontrados nas Crônicas de Alfredo CAMARATE, pseudônimo Alfredo Rian-
    cho, na série “Por Montes e Vales” publicadas nos jornais Minas Gerais (Ouro Preto, 1894) e O Contemporâ-
    neo (Sabará, 1894). Abílio BARRETO também traz a transcrição de algumas passagens destas crônicas. Ver
    ainda Revista do Arquivo Público Mineiro, 1985, v. 36 pags 26-198.



                                                                                                        209
da, empreiteiros e comerciantes como sinalizadores da fixação de uma
nova população5.
     Também, a “cidade de privilégios” pode ser identificada pelo desta-
que dado à fixação dos funcionários públicos numa política clara de
favorecimento a estes6. Para habitar a nova cidade utilizou-se dos sím-
bolos positivos atribuídos aos funcionários públicos para atrair novos
elementos à capital. A intenção é povoá-la com indivíduos distintos e de
respeitabilidade em contrapartida aos antigos habitantes, bem como
estabelecer marcos que identificassem a sua função social, através de
edificações suntuosas e casas de fachada que impressionassem pelo
seu estilo, modernidade e higiene.
     Nas correspondências à Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras
Públicas (MINAS GERAIS,1898) encontramos uma pequena amostra
dessa política de proteção, onde os moradores do bairro dos Funcioná-
rios solicitam reparos em sua casas, a serem feitos com dinheiro públi-
co, nos quais podemos destacar os seguintes:

        Tendo o Sr. Carlos F. Meireles solicitado a conclusão da pintura de
        sua casa, sita à rua Piauí, quarteirão 32, lotes 9 e 11, peço-vos
        providenciar no sentido de ser satisfeita a reclamação apresenta-
        da” (Em 14/01/1898)

        “Peço-vos atender, quando for possível, as reclamações feitas por
        funcionários sobre suas casas, segundo a nota junta”(Em: 28/08/
        1898)

        “O funcionário estadual Francisco de Paula (...) pede seja coloca-
        da em sua casa (...) uma torneira d’água em substituição a que ali
        foi posta provisoriamente. Para resolver o assunto peço-vos man-
        deis verificar e me informar se com efeito tal serviço foi feito provi-
        soriamente, alega o funcionário”(Em 01/02/1898).

    A preocupação com a possível provisoriedade em casas de funcio-
nários e a predisposição para certificar tal feito não tem o mesmo trata-
mento para as habitações da zona suburbana. Abílio BARRETO (1936),
em sua obra, nos deixa pistas para problematizar a questão. No seu
texto ele registra a presença de,



5   Nos jornais de Belo Horizonte, como Aurora (1897), A Capital (1897) e Jornal do Povo (1899) são freqüentes
    os espaços dedicados à iniciativa privada.
6   É sabido a previsão na planta da cidade do bairro destinado aos funcionários público com amplas vantagens
    na aquisição de lotes e edificações de suas casas, como podemos verificar na Revista Geral dos Trabalhos
    da comissão Construtora, 1995, v.1



210
“(...) turbulentos bairros provisórios de cafúas e barracões – Córre-
     go do Leitão e Favela ou Alto da Estação, aglomerações humanas
     justamente consideradas a suburra da futura cidade”.(p.351)

    Em uma outra passagem, a observação se repete,

     “(...) ia-se adensando uma provação de cafúas e barracões de
     zinco, a que o povo denominava Favela ou Alto da Estação ou
     Morro da Estação (...) Tal qual aquele bairro improvisado, onde
     morava a gente operária, existia igualmente o Leitão, outro aglo-
     merado humano de gente pobre... Estes dois bairros mescladíssi-
     mos e turbulentos, sobretudo à noite e nos dias de descanso, pu-
     seram a prova de fogo as energias e o valor do sub-delegado de
     polícia Capitão Lopes (...)”(p.370)

     São evidentes os conflitos postos pelas práticas da moderna racio-
nalidade. A pobreza extensiva e suas conseqüências são entendidas
como produzidas pela própria “incivilidade” das camadas pobres, a pro-
visoriedade mesma de suas condições de vida e trabalho é considerada
conseqüência de sua “má conduta”, reforçando as adjetivações pejo-
rativas. A degradação urbana não é produto de seu projeto e função social,
aproxima-se de uma cultura de classe que possui em sua própria cons-
tituição o potencial de “irracionalidade”.
     Ainda, trazendo as observações de BARRETO ele afirma a presen-
ça de,

     “(...) levas inteiras de trabalhadores, nacionais e estrangeiros, acom-
     panhados alguns de suas famílias, produziram verdadeira simula-
     ção de abrigos hipotéticos”.(1936.p.575)

     A provisoriedade para os pobres e trabalhadores da cidade vão se
afirmando cada vez com maior intensidade durante o andamento dos
trabalhos da Comissão Construtora. Em 16 de julho de 1895, um ofício
fala da intenção do engenheiro chefe de construir um “barracão provisó-
rio a fim de nele serem agasalhados imigrantes solteiros e algumas famí-
lias também de imigrantes”, em ofício de 17 de setembro do mesmo ano,
a precariedade das acomodações da colônia do Barreiro pode ser des-
tacada na afirmação de um membro da Comissão: “Estamos consertan-
do a casa que antigamente seria de senzala da Fazenda para acomoda-
ção e alojamento de empregados”(MINAS GERAIS,1895b).
     Também os problemas recorrentes à saúde pública utilizam de for-
mas improvisadas da assistência médica. O médico da Comissão Cons-
trutora, Cícero FERREIRA, nas palavras do engenheiro Francisco BICA-

                                                                        211
LHO, cumpre sua missão “caridosa”, supervisionando e desenvolvendo
ele mesmo um intenso trabalho de sanitarização física, de vacinação (...
“quase que violentamente... malgrado a grande relutância...”) e do em-
penho na construção de um hospital de isolamento localizado nas ime-
diações do bairro Calafate. Contudo, o próprio engenheiro, reconhecia
que o “hospital” construído em situação de emergência tinha caracterís-
ticas que bem o recomendavam:

      “(...) com caráter provisório, um barracão de pau a pique e cober-
      tura de zinco, em boas condições higiênicas e isolamento, apare-
      lhado conveniente para o fim o qual se destina e ao qual poderá
      prestar-se por muito tempo”(BARRETO,1936.p.577).

     A cidade enquanto espaço de alocação de novas categorias sociais,
os trabalhadores urbanos, vai produzindo sua exclusão social numa pers-
pectiva cada vez mais política. Nesse sentido, a força policial, as postu-
ras municipais, as formas de higienização, não se constituem meros
agentes repressores, mas acompanham toda a simbologia pedagógica
da cidade: regenerar pela via urbana.
     As relações entre a “cidade de privilégios” e a “cidade provisória”
ensejam um amplo campo de discussões no qual as condições materiais
e culturais de existência das populações pobres sugerem a necessida-
de de um determinado projeto educativo justificado pela situação de
dependência material e da irracionalidade “natural” dessas populações.
Nas palavras de Francisco Martins DIAS, contemporâneo das mudan-
ças ocorridas durante a construção da cidade,

      “Nada é para nós mais belo, mais poético e mais recreativo do que
      a observação atenciosa desta sublime metamorfose material. Pre-
      za aos céus que sublime, poética e bela seja também a metamor-
      fose social e moral!...”(DIAS,1897.p.106).



    Outras dimensões educativas nas diversidades em movimento:
a via suburbana.
     No ofício de 13 de outubro de 1895, expedido ao Secretário da Agri-
cultura e Inspetor de Terras e Colonização, encontramos o seguinte re-
gistro referente à edificação do “hospital “ de isolamento:

      “O lugar chamado Calafate está bastante povoado e todos os mo-
      radores protestam contra a colocação de um centro de infecção
      nas imediações deste povoado. A maior parte dos vizinhos ale-

212
gam que já foram desapropriados de Belo Horizonte, donde tive-
        ram de retirar-se depois de terem já sido desterrados (dizem eles)...
        Queixaram-se de serem perseguidos até agora pela ameaça de
        ser instalada no meio deles uma colônia de bexiguentos, e já se
        acham apoderados de um verdadeiro pânico. Propõem também
        que seja utilizado como dormitório para trabalhadores e alega tam-
        bém que atrapalhará o comércio que transita pela estrada bem
        como o movimento de tropeiros” (MINAS GERAIS,1895b).

     As possibilidade de projetar um cidadão disciplinado e moderno
acabam se defrontando com as interferências produzidas pelos diferen-
tes sujeitos da cidade. As queixas e críticas, de uma certa forma, denun-
ciam formas de romper ou continuar práticas anteriores de experiências
sociais.
     O protesto dos moradores do Calafate, entre outras manifestações
presentes no período de construção, nos atesta que a realidade social e
material vivenciada por grande parte dos habitantes e expressa na pro-
visoriedade urbana vão explicitar os conflitos do projeto urbano e não
somente a sua suposta inviabilidade ou a incompetência política de geri-
lo. A “politização da rotina”7 dos novos habitantes aponta para os pro-
blemas na consolidação de uma cidade capital em sua perspectiva ho-
mogeneizadora e diz respeito a questão de incorporação ou exclusão
social e política das camadas pobres.
     A experiência da edificação de Belo Horizonte mostra, através das
crescentes queixas dos moradores, diferentes pontos de tensão, nos
quais podemos destacar os limites dos pressupostos teóricos do projeto
inicial dos engenheiros no que toca a concepção de sociedade e a di-
versidade cultural e política de sua composição.
     A manifestação de insatisfação por parte dos habitantes do bairro
Calafate não diz respeito apenas a uma reação em relação à instalação
do lazareto. É uma atitude de clara percepção da relação de reciproci-
dade entre as novas formas de ordenação da propriedade e a sua ex-
clusão da cidade, tornando-se, por isso, um incômodo político para as
autoridades.
     As formas educativas enquanto tecidas na cidade, nas experiências
urbanas, nos confrontos entre os diferentes sujeitos sociais, na “politiza-
ção da rotina” de seus moradores, precipita nas elites a preocupação
em assegurar o diferenciado acesso à propriedade ao mesmo tempo
que quer incorporar os “dependentes material e culturalmente” ao seu
projeto de cidade e sociedade.


7   A expressão foi tomada de CHALLOUB(1989) em seu estudo sobre o Rio de Janeiro nas últimas décadas do
    Império.


                                                                                                   213
Outros registros, nos possibilitam problematizar as formas tensas
desse processo de incorporação, tais como o registrado nos ofícios de
27 e 28 de dezembro de 1895, respectivamente,

      “(...)Comunico-lhe que tem havido já certas manifestações de des-
      contentamento de uma parte do pessoal em conseqüência da de-
      mora dos pagamentos atrasados (...)”(MINAS GERAIS,1895b)

      “(...)A situação torna-se assim crítica e até um certo ponto perigo-
      sa, porque ficamos sem dinheiro para pagar e dispensar estes
      trabalhadores, e aos poucos vão ir a faltar os materiais e ferramen-
      tas para ocupar utilmente estes trabalhadores, operários e oficiais
      (...)”(MINAS GERAIS,1895b)

     Os conflitos originados da modificação de formas tradicionais da
vida dos habitantes de Belo Horizonte são evidentes na ação dos mem-
bros da Comissão Construtora e no seu projeto de transformar um arraial
em cidade-capital. Durante o período de construção alteram-se profun-
damente a relação dos moradores com suas propriedades e formas de
trabalho. Entretanto, esse processo não foi feito sem problemas: o proje-
to pedagógico-modernizador da Comissão encontrou obstáculos não
tanto de caráter administrativo-burocrático, mas basicamente nas novas
práticas às quais a população foi se educando e se formando.
     Na verdade, a experiência urbana com as alterações que trouxe nas
relações sociais e culturais da população, revelou a possibilidade de se
estabelecerem outras relações com a cidade no que diz respeito à pró-
pria tensão entre a concessão e a conquista de direitos. De outro lado
demonstrou as possibilidades de ação dos sujeitos, que diferentemente
dos pressupostos de cidade-educadora, se fizeram nas práticas de in-
satisfação com os limites físicos, morais e legais das formas de expan-
são urbana, produzindo formas também diferenciadas do sentimento de
pertencimento à cidade.

   A cidade no movimento da escola: representações escolares do
mundo urbano.
    Duas cidades, dois lugares, duas escolas? Habitadas por quais ha-
bitantes? Aproriadas por quais praticantes? Freqüentadas por quais es-
tudantes? A resposta, ou as respostas, a estas questões, levam-nos ao
âmago do projeto republicano para a capital mineira, já anunciado ante-
riormente: o da busca da construção de um espaço que reflita os ideais
republicanos de ordem, progresso e controle do mundo físico e social.
    A segregação social, a possibilidade de visibilidade, de conhecer e

214
controlar a população, tinha como quase único destinatário as camadas
mais pobres da população. Eram suas práticas diferenciadas de apro-
priação do espaço urbano, sua suposta irracionalidade e falta de auto-
controle que preocupavam as autoridades republicanas. Nesta perspec-
tiva, a mesma cidade que segrega, deve ter o poder de homogeneizar e
incorporar, educando.
     É uma e mesma cidade, aquela que permite a diferenciação e bus-
ca a homogeneidade, que anuncia a igualdade e organiza a segrega-
ção; que produz o transeunte e reforça as cercas e cadeias; que cons-
trói a rua e a possibilidade de múltiplas apropriações do espaço urbano
e, ao mesmo tempo, condena as manifestações públicas populares, de
várias naturezas, como irracionais e perigosas.
     Assim, se podemos dizer, como MUNFORD(1961.p.15), que “a mente
humana toma forma na cidade, e as formas urbanas, por sua vez, condi-
cionam a mente”, é também preciso considerar, como WILLIAMS
(1989.p.216) que “esse caráter social da cidade ( no que tem de transi-
tório, inesperado, na procissão de homens e eventos, e no isolamento
essencial e inebriante (...) visto como realidade de toda existência hu-
mana”, causa inquietação e impõe pensar a direção do movimento edu-
cativo da cidade e na cidade.
     Numa cidade na qual tudo parece tão claro, reto, visível e, no entan-
to, na qual, os habitantes confundem, ou teimam em confundir, as refe-
rências claramente assinaladas, a escola aparece como uma das faces
educadoras e civilizadoras das populações pobres.
     Em Belo Horizonte, como em outras cidades brasileiras, além das
políticas de ordenação dos espaços comandadas pelo urbanismo, a
esratégia educativa dirigiu-se também para a construção de uma nova
forma e cultura escolares, ou em outras palavras, para a produção de
uma escola tipicamete urbana. Nesta, escola e cidade interagem, num
processo de mútua influência no qual o lugar da escola, definido no es-
paço da cidade enquanto prática de apropriação específica do/no urba-
no, vai definindo também o lugar específico da cidade no espaço da
escola.
     Aqui, no entanto, é preciso assinalar que, sob certos aspectos, a
participação da escola no movimento da cidade faz-se de forma bastan-
te diversificada. Uma primeira dessas formas, no caso específico de
Belo Horizonte, pode ser notada, logo no início do século, no processo
de construção dos grupos escolares. Conforme já foi demonstrado em
outro lugar (FARIA FILHO, 1996), a substituição das escolas isoladas
pelos grupos escolares em toda Minas Gerais, iniciada no governo de
João Pinheiro, foi produzida e festejada, como o momento, na educação
pública escolar, em que o novo suplantava o velho e em que a racionali-
dade moderna atingia definitivamente a escola, a começar pelos seus


                                                                      215
próprios prédios. A recém inaugurada capital mineira, foi, uma vez mais,
o marco inicial dessa empreitada modernizadora. Nela, como em outras
cidades, segundo discursos da época, ao ocupar os grupos escolares,
a escola mineira estava passando “dos pardieiros aos palácios”, numa
clara demonstração das referências simbólicas com as quais se queria
marcar esta “passagem”.
    Assim, já nas primeiras décadas deste século, a existência dos gru-
pos escolares na cidade, tansforma-os em palco e cena de uma ativida-
de espetacular: são e devem oferecer um espetáculo de racionalidade e
de civismo. Para isso concorre, por um lado, a própria construção física
dos grupos. São construções suntuosas e bem localizadas, como que
querendo demonstrar o zelo e a centralidade da escola para a Repúbli-
ca. São espaços que, internamente, oferecem condições para a afirma-
ção e realização de uma verdadeira “pedagogia do olhar”. E, externa-
mente, são para serem vistos, apreciados e reverenciados. Daí o fato,
bem exemplificado pelo primeiro grupo escolar a ser construído na cida-
de, o Barão do Rio Branco, dos grupos trazerem no seu frontispício, as
armas da República, do Estado de Minas e do Município.
    No entanto, não é apenas pela suntuosidade de suas construções
que essas novas organizações escolares dão a ver uma racionalidade
que se quer demonstrar. O próprio movimento de desenvolvimento da
rede de grupos escolares, vai construindo e demonstrando uma racio-
nalidade que vai do centro para a periferia, na qual, mais uma vez, esta
é compreendida como participante de segunda classe do banquete da
modernidade.
    Ora, tudo isto vai produzir, todavia, suas próprias contradições. A
primeira delas, é a crescente demanda da população para que o “triste
fenômeno” das escolas isoladas cessasse e desse lugar ao grandioso
espetáculo dos grupos. Já que, as primeiras, professoras “mal forma-
das” e com piores salários teimavam em dar aulas em condições muito
aquém das ideais, ou mesmo minimamente necessários, porque não
transformar todas as escolas isoladas em grupos escolares? Os agentes
do Estado afirmavam, na prática, que não era possível construir grupos
para todos: faltavam recursos. A população pobre, no entanto, produzia
estratégias de alocação de seus filhos nas melhores escolas. Daí o fato
de boa parte da matrícula de alguns grupos centrais, como Afonso Pena
e o Cesário Alvim, ser de crianças das camadas mais pobres da popula-
ção8. Não terá sido, por acaso, o ir e vir para a escola, inclusive da re-
gião central, que terá possibilitado a muitas dessas crianças uma das



8   Isto vale pelo menos para os anos inciais destes grupos, já que, como pudemos observar, já no final da
    década de 10 as categorias sociais mais pobres “perderam” vagas nesses estabelecimentos.



216
primeiras e definitivas apropriação do espaço urbano, fazendo das ruas,
atalhos, calçadas , espaço muito mais significativo do que “vias de cir-
culação”?
    Por outro lado, em se tratando da circulação, a necessidade de ir
dar aula na periferia da cidade era, para as professoras, ocasião não
apenas de estabelecerem relações duradouras com as crianças pobres
da cidade, mas também, e algumas vezes, sobretudo, de circularem
pelos espaços da cidade. Nesse percurso, o medo, a apreensão vividos
denotam, a par de possíveis perigos reais, a compreensão estigmatiza-
da e preconceituosa dos pobres. Estes aspectos podem ser apreendi-
dos da leitura de uma carta, enviada pela diretora e pelas professoras
do Grupo Escolar Henrique Diniz, em 1915, em que solicitavam a mu-
dança das instalações do grupo para outro local. Vejamos:

      Como se acha atualmente, em região distante de bonde, quase no
      mato, e infestada de vagabundo e desclassificados, é por demais
      difícil à diretora, professoras e alunos a freqüência constante, por
      isso vivem sempre em sobressaltos, na expectativa de uma agres-
      são inesperada. (...)
      A mudança da sede, pois, para outro ponto, por exemplo, para a
      avenida Floriano Peixoto, melhor proveito traria para a instrução e
      seria traqüilidade para as professoras e alunas, que não mais seriam
      obrigadas a transitar por locais ermos, habitados por elementos
      perigosos”.

     Mesmo considerando a natureza particular deste documento e a fi-
nalidade a que servia, o que coloca a possibilidade de utilização de
certos recursos de linguagem para sensibilizar o destinatário, o que, por
sua vez, é de muito interesse para o que aqui se apresenta, o fato é que
na carta, e em muitos outros documentos, a população pobre do subúr-
bio é assim re(a)presentada. A insegurança sentida pelas professoras,
pela diretora e pelas alunas, acaba favorecendo, em contradição com
as políticas alardeadas de a escola ir até os desclassificados para civili-
zá-los, a proposição de que a escola se torne mais próxima de ( ou
retorne ao) seu lugar “natural”: a região urbanizada do centro da cidade.
     As camadas populares, seus costumes, suas maneiras de educar
os filhos, tudo isto é visto como negativo pelos profissionais da escola.
Esta negatividade produzida pelo “olhar da escola”, expressa-se nos
relatórios das diretoras e inspetores de forma bastante evidente. Nas
representações produzidas pelos profissionais e agentes da educação
escolarizada, a qual se aproxima daqueles esteriótipos produzidos pe-
los cronistas nos anos de construção da capital, o modo de vida das
camadas populares é destituído de higiene, de espírito de coleguismo e


                                                                       217
caridade, sendo caracterizado pelos vícios da delação, das brigas, da
falta de disciplina. Como momento segundo, reforça-se, uma vez mais,
o papel educativo/preventivo da escola junto às populações suburba-
nas da capital.

      “Um tempo precioso foi consumido em arrancar das crianças os
      vícios contraídos no lar. No bairro em que está situado este grupo
      as crianças são criadas geralmente nas ruas, sendo pois, com gran-
      de esforço que se consegue boa disciplina, porque não estão ha-
      bituadas a sujeição e a obediência”. (MINAS GERAIS, 1915a).

    Percebe-se, na maioria das vezes, que, para as diretoras e inspeto-
res da instrução pública, os vícios contraídos no lar nada mais fazem
que se “juntar” aos outros vícios, de natureza hereditária ou social, esta-
belecendo-se, assim, um discurso que busca identificar as populações
pobres como “quase selvagens” que se encontram nos arredores da
cidade. Nos discursos solenes, como, por exemplo, no momento da for-
matura das alunas da escola normal, os recursos e as imagens utiliza-
das na produção do enunciado, denotam claramente a produção da iden-
tidade negativa do “outro”, de modo a afirmar o lugar e a importância da
ação educativa da escola. Numa dessas ocasiões solenes, afirmava
Aurélio Pires:

      Não penseis, sras. normalistas, que, em vossas futuras escolas,
      ireis encontrar somente as clássicas e poéticas crianças louras, de
      olhar seráfico, dóceis e mansas como pombas mansas.
      Não! Infelizmente é uma grande dolorosa verdade a sentença do
      filósofo pessimista que disse que o substrato da vida é uma áspe-
      ra trama pungente, onde se encontra mil fios de ferro por um só de
      ouro.
      Tereis, pois, de avir, não raro, com alunos grosseiros, rebeldes,
      bravos, em cujo coração haverá explosões súbitas e formidáveis
      de ferocidade primitiva de antepassados selvagens. Pois bem. São
      precisamente estes que mais necessitam que lhes inoculeis nas
      almas esse miráfico leite da humana ternura, que nos falou o bon-
      doso Machado de Assis.” (PIRES,1908.p.16).

    A contraposição evidenciada entre as crianças das camadas popu-
lares e as crianças idealizadas não se faz no sentido de demonstrar a
necessidade de a escola considerar as diferencas e especificidades das
primeiras, mas muito mais de chamar a atenção para o estado quase
que natural e, portanto, selvagem em que se encontram. Submetidos
aos imperativos da natureza, onde a vida “lhes impõe tantos ingredien-

218
tes diversos e adversos no sangue, nos nervos, na alma”, os sujeitos
populares como um todo precisam ser regenerados pelo trabalho salva-
cionista, quase celestial, das instituições escolares.
     Essa interlocução da escola com a cidade, como não poderia deixar
de ser, fez-se também com as políticas urbanas, quando se observa que
a força instituidora e modeladora dessas representações desdobrava-
se, também em outros movimentos e momentos de criação da cidade.
     Pode-se lembrar, por exemplo, que a data escolhida para a instala-
ção do Grupo do Barro Preto foi 14 de julho. Não uma data qualquer.
Segundo o inspetor, a escolha recaiu sobre este dia por ser ele “um dos
mais gloriosos e importantes para as democracias”. Entretanto, não sen-
do possível instalá-lo nesta data, a escolha recaiu sobre o dia 07 de
setembro. Datar, celebrar, criar memória. Festejar. Esta é também a pers-
pectiva diretora registrada quando relata sobre a festa de inauguração:

     “A festa foi abrilhantada pela banda do 1º Batalhão e pela orques-
     tra do sr. Justino da Conceição, sendo franqueada aos presentes
     uma exposição de trabalhos executados pelos alunos, especial-
     mente para esse fim, no pequeno espaço de tempo que vai de 8
     de abril a 6 desse mês.
     Os alunos compareceram uniformizados de branco completamen-
     te armados, tendo no braço esquerdo pequeno laço de fita auri-
     verde. Depois de prestarem devidas continências militares às au-
     toridades, executaram diversos manejos no pátio do estabeleci-
     mento. As alunas, que também trajam de branco com fita auri-ver-
     de à tiracolo, exibiram-se ainda, em exercícios de ginástica. Final-
     mente foi servido a todas as pessoas presentes uma mesa de do-
     ces, sendo ao champanhe erguido diversos brindes” (MINAS
     GERAIS,1911a).

     Não apenas a instalação do Grupo é celebrada como espetáculo
político, que conta com a participação de autoridades e convidados. O
hastear a bandeira, quotidianamente, passa a ser uma cerimônia que
interessa aos(às) alunos(as) e às pessoas presentes. As festas são con-
corridas. Os exames são públicos e assistidos, segundo relatos, por vá-
rias pessoas. A entrega das notas e dos boletins ocorre em cerimônias
cívicas, seguidas de festas para os familiares onde os(as) alunos(as)
são convidados(as) a apresentarem para as sua famílias, espetáculos a
respeito de temas morais e de higiene, falando sobre o mal que produz
as bebidas alcoólicas, o “jogo, o fumo, etc... ou incitando os companhei-
ros a não maltratarem animais, a não danificarem as flores, a respeita-
rem as leis e as autoridades etc, etc.”
     Mesmo constituindo-se num espaço fechado, num local próprio, onde


                                                                     219
o muro simboliza a sua separação da rua, contornando e definindo uma
certa identidade, a “cerca” não é, muitas vezes, impedimento aos espetá-
culos realizados ritualisticamente pelas crianças nos grupos escolares, con-
forme relatava o inspetor João Brandão a respeito do 4º grupo em 1911:

      “A Diretora manda agora alçar a bandeira no alpendre, em frente
      ao edifício, na hora do primeiro hino cantado. Isto não só desperta
      mais a alegria e entusiasmo nas crianças, como um orgulho são
      nos que de alguma distância assistem ao patriótico espetáculo”
      (MINAS GERAIS,1911b).

     A escola não cria espetáculo apenas no interior de seus muros. Ela
cria e/ou participa de espetáculos públicos, justamente naqueles locais
carregados de simbolismo para a população da cidade. É assim que
os(as) alunos(as) e as professoras participam de comemorações na Praça
da Liberdade e nas ruas da cidade. Outras vezes as manifestações pa-
recem ser criação das próprias professoras, diretoras e alunos(as). Em
todas elas, está expressa a importância cada vez maior que a escola
enquanto instituição vai adquirindo como força na construção e a legiti-
mação de signos e símbolos políticos e culturais.

      “Importante festa escolar teve lugar no Parque da cidade no dia 7
      de setembro de 1907, primeiro aniversário da posse do Presidente
      João Pinheiro.
      Reuniram-se naquele logradouro público as crianças dos grupos
      escolares da Capital sob a orientação da Diretora D. Helena Pena
      e das professoras (...), do Jardim da infância, bem como das Pro-
      fessoras (...), das escolas das colônias que circundavam a Capi-
      tal. O Parque estava enfeitado com inúmeras bandeiras multicores
      e o palanque respectivo fora artisticamente adornado.
      A festa destinava-se a homenagear João Pinheiro no primeiro ani-
      versário de seu governo. Caracterizava-se, quiçá, uma finalidade
      política, muito usual à época, em que se faziam freqüentes mani-
      festações de solidariedade aos membros dos executivos”.
      (MOURÃO,1970.p.106-7)

     Podemos, pois, afirmar, que a inteligibilidade dos espetáculos e ce-
rimônias escolares é dada não apenas por sua função como ritual peda-
gógico, mas, como nos lembra Sahlins(1990) ao falar da articulação en-
tre evento e estrutura, como um “evento” que, ao acontecer, possibilita a
transformação e reprodução da/na cultura, possibilitando a alteração e
as construções de significados culturais. Também Frago, citando Con-
nerton, afirma:

220
“Las ceremonias conmerativas combinan oralidad, texto e imagen.
     Son representaciones visibles con un cierto ritual o formalismo en
     relación con la presencia, disposición y comportamiento de quie-
     nes en ellas intervienen. La disposición espacial y temporal de ta-
     les presencias e atuaciones, los lugares que se ocupan, las inter-
     venciones, las posturas, los gestos y las palabras pronuciadas
     desempeñan un dobre papel: sirven para recordar, pero también
     para mostrar, mediante el recuerdo, quien ostenta el poder de re-
     crear y conmemorar el pasado, es decir, de darle el sentido ‘corre-
     to’ (FRAGO,1994.p.12)

     Assim, é possível compreender que nem a data (07 de setembro) e
muito menos o local (Parque Municipal), foram escolhidos ao acaso. Sig-
nificam, ao mesmo tempo, a celebração e lembrança da constituição da
nacionalidade e a produção e reforço do poder de quem governa na-
quele momento e, por outro lado, o reencontro com a natureza e com um
espaço de sociabilidade perfeitamente límpido (e limpo), encravado no
centro da cidade a lembrar as maravilhas realizadas pela razão humana
na construção da cidade.
     Assim, podemos lembrar com OLIVEIRA(1989.p.173) que “a come-
moração pretende exorcizar o esquecimento” e que:

     “Os estados nacionais foram pródigos em definir hinos, bandeiras,
     imagens e símbolos que ‘personificam’ a nação, fornecendo-lhes
     o sentido de identidade e expressando sua soberania. Legitimida-
     de, soberania e cidadania são as questões centrais na construção
     de uma nação e se fazem presentes na organização da tradição e
     da memória coletiva, constituidora da identidade nacional”. (OLI-
     VEIRA, 1989.p.181)

     O movimento da escola, a sua auto-construção, se desdobra e se
articula ao/no movimento da cidade e da nação, estabelecendo vínculos
e continuidades, mas constituindo também singularidades e rupturas. É
uma e mesma escola que se desdobra em vários movimentos, em múlti-
plas direções, de acordo com o jogo de forças, com os desejos, medos
e anseios de seus profissionais e, porque não daqueles que a freqüen-
tam. Escola e cidade, ambas criadoras e criaturas: é uma escola que vai
se legitimando como uma forma não apenas de educar as crianças e de
trans-formá-las, mas também de influir nos destinos da cidade. A esco-
la, neste sentido, se cria ao criar a cidade; é uma cidade que se produz
nos momentos da escola, e produz a escola como um de seus momen-
tos.



                                                                    221
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222
APCBH/Coleção J. Góes




                223

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  • 1. Belo Horizonte: a escola e os processos educativos no movimento da cidade CYNTHIA GREIVE VEIGA Professora Adjunta de História da Educação da FaE-UFMG LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO Professor Adjunto de História da Educação da FaE-UFMG “Só a visão de uma grande cidade onde sem nada querer apren- der alguém se instrui a todo instante, onde para se conhecer mil coisas novas basta caminhar na rua de olhos bem abertos, essa visão, essa cidade, sabei, é uma escola... Tudo passa depressa. Vêm os interesses, as concorrências, as rivalidades... E no entanto muita coisa restaria dela se a educação fizesse por reunir os ho- mens com o mesmo empenho que coloca em dividi-los” (Jules MICHELET, 1846)1 Introdução O movimento das reformas e construções de cidades ocorrido no século XIX2, bem como as discussões e ações em torno de uma nova pedagogia de formação dos sujeitos urbanos esteve associado à produ- 1 A edição brasileira é da editora Martins Fontes ( 1988) e a citação encontra-se nas páginas 117 e 178. 2 Referimo-nos aos diferentes empreendimentos urbanos ocorridos na Europa e no Brasil no decorrer do séc. XIX. Os estudos relativos ao tema podem ser encontrados, entre outros, em ANDRADE(1992), CHALLOUB(1990), FRITSCH e PECHMAN(1984), ORTIZ(1991), SENNET(1988) e SCHORSKE(1988). VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, nº 18, Set/97, p.203-222 203
  • 2. ção de novos parâmetros culturais, seja no trato ao acesso à proprieda- de, seja no acesso ao saber sistematizado. A produção de um novo sujeito urbano é parte das inúmeras utopias da modernidade onde se elabora entre outras, a dimensão educativa da cidade e a perspectiva urbanizadora da escola. Este texto se propõe a analisar neste duplo movimento, as representações de educação pre- sentes na experiência da construção da capital mineira, Belo Horizonte, tanto através do processo de implementação da nova organização ur- bana em fins do século XIX, como pelo processo de organização escolar da cidade em seus primeiros anos de fundação. Como parte de toda uma discussão presente nas sociedades oci- dentais, na elaboração dos planejamentos urbanos foi grande a preocu- pação em reeducar os sujeitos na sua relação com a urbanidade. As formas a serem assumidas pelas novas cidades, na concepção de seus empreendedores, implicariam na produção de novas formas a serem assumidas também pelos seus habitantes. Por sua vez, a redefinição de uma nova cultura escolar foi-se fazendo sob o signo da civilidade e do progresso, enquanto uma necessidade para a organização de uma so- ciedade racionalizada, constituída por indivíduos independentes materi- al e mentalmente. Urbanistas e educadores de finais do século XIX e início do século XX se aproximaram na produção de reformas que atendessem aos ape- los da modernidade: aliar o progresso material ao progresso das mentes numa sociedade convulsionada por novas técnicas, novas ciências e novas formas de interferência na sua estrutura política. Em seus projetos ganha destaque as preocupações em torno de como incorporar cultu- ralmente os sujeitos sociais em suas diferentes manifestações, na pers- pectiva da formação de homens e mulheres civilizados e educados. Fun- damentados na tese da homogeneidade cultural e da formação da opi- nião pública, a cultura urbana e a cultura escolar elaboradas nessa épo- ca lida com a diversidade material e social dos indivíduos produzindo uma tensão permanente com os elementos fundantes da sociedade de então: razão, propriedade e indivíduo. Nesse contexto tem lugar o percurso de constituição das repúblicas do século XIX, as quais sem excetuar a república brasileira, estavam impregnadas tanto do pensamento individualista liberal, como também, através da assimilação dos movimentos populares, da idéia da constru- ção de um corpo político, da nação, para garantir a sobrevivência dos direitos individuais. A ambigüidade dessa constituição estará presente não somente nas próprias dimensões teóricas que dão suporte às novas nações, como ainda na formalidade em que se constituem a urbanidade e a educação em detrimento das diversidades produzidas nas experiên- cias sociais. 204
  • 3. As escolas e as cidades serão, entre outros, os novos templos das repúblicas constituídas ou em constituição, na sua simbologia estará presente o imaginário de toda uma população a ser regenerada através da alteração de sua subjetividade, da produção de novos talentos e da reorientação de condutas — a regeneração da cidade se faz pela ree- ducação dos cidadãos, a regeneração da escola se faz pela reeduca- ção da cidade. A cidade é plena de potencialidades na produção de uma nova experiência escolar, por sua vez a escola deverá ser a possi- bilitadora da experiência urbana. A construção de Belo Horizonte foi se fazendo nas práticas do as- sentamento de novas relações sociais e econômicas necessárias para o desenvolvimento e progresso material. É instituída nas formas de traba- lho e nos processos de aquisição da propriedade toda uma caracteriza- ção moderna das relações entre cidade e educação. Entretanto, nos limites do direito à propriedade, definiram-se tam- bém os limites dos direitos políticos, de maneira que se efetiva a aproxi- mação entre o processo de hierarquização dos espaços (sub)urbanos e a noção de espaços apropriados de formas (ir)racionais. Nessa pers- pectiva, ganha corpo a idéia da necessidade de uma “racionalidade exterior” que venha em socorro à uma “irracionalidade interior”, substitu- indo práticas sociais tradicionais por práticas modernas com o objetivo de alocar os indivíduos, tanto material como culturalmente, em seus de- vidos lugares sociais. Dessa forma as cidades e as escolas se constituem na modernida- de como campos de tensões onde a ordem e a desordem cultural e física são passíveis de serem resolvidas pela régua e pelo compasso. Na perspectiva da configuração humana e configuração espacial como “tábulas rasas”, tudo estaria por ser feito, toda uma história estaria por ser inscrita. Passadas a limpo as superstições, a miséria e as irregulari- dades do passado, um tempo novo seria inaugurado: a razão e a civili- dade tomariam os seus assentos na nova cidade, uma visão por si só educativa. Por sua vez, as novas formas escolares, em sua função ho- mogeneizadora, vão definindo as dinâmicas culturais legítimas consti- tuidoras dos diferentes aspectos das práticas urbanas. A cidade como experiência educativa A Comissão Construtora da cidade de Belo Horizonte logo que inicia os trabalhos de edificação da capital assume ares de grande educado- ra. Na visão de seus membros, salta aos olhos a sua missão pedagógi- ca. Segundo o secretário de Comissão: 205
  • 4. “Quem no futuro, cortado já o arraial de largas avenidas, de espa- çosas e belas ruas, armadas de palacetes de mármore de Ganda- rella, de ajardinamento de luxo, chácaras de primor, formoso par- que etc... ficará, tendo lido esta pequena descrição, surpreendido de ter habitado nela uma população tão mesquinha, e não haver, há muitos anos, sido escolhido este arraial para a construção de uma grande cidade.(MINAS GERAIS,1895a.p.13) O entendimento da cidade como espaço educador e formador de seus habitantes estará presente em diversos projetos que tratam das reformas urbanas. Especificamente aqui sobre a cidade de Belo Hori- zonte, destaca-se que a edificação desta capital foi além de um simples processo de demolição e construção com vistas a implementação da modernidade nas formas arquitetônicas ou ainda, enquanto resposta a querelas políticas em torno de necessidade de mudança da capital de Ouro Preto para Belo Horizonte. Sem desconsiderar estes fatores, destaca-se que o empreendimen- to da construção da capital mineira é um processo de confrontos aber- tos com as múltiplas implicações desse empreendimento, os quais inter- feriram diretamente na vida das pessoas. Nessa perspectiva, a constru- ção da cidade revelou mais que o desenho de um novo traçado. A exe- cução da planta urbana expressou os novos contornos sociais e cultu- rais a serem assimilados pelas populações, redefinindo suas relações com a cidade de forma tensa e conflituosa. Através do estabelecimento de dimensões racionais no tratamento da propriedade, das relações de trabalho, das relações sociais e cultu- rais, os gestores oficiais da cidade conferem um sentido novo ao enten- dimento das formas de alocação dos indivíduos no espaço urbano. An- corados na tarefa de começar aparentemente do nada, a região é trans- formada em oficina de trabalho e negócios configurando a concretiza- ção do ideal de progresso e de civilidade, no sentido de reeducar as pessoas, reorientar seus caminhos, “acordar” os habitantes para a mo- dernidade. Os pressupostos de Aarão Reis, engenheiro chefe da Comissão Construtora até 18953, estão inseridos em premissas universais, que a par das diferenças ou ênfases em determinados traçados, se aproxi- mam da perspectiva pedagógica e disciplinar de adaptar o espaço físi- co às exigências econômicas e sociais seja pela racionalização das vias de circulação através de abertura de grandes vias, seja pela preocupa- 3 A edificação e construção da cidade de Belo Horizonte é feita sob a supervisão de dois engenheiros. Aarão REIS é o responsável de 1894 até abril de 1895 quando pede exoneração do cargo, sendo substituído por Francisco BICALHO, de maio de 1895 até janeiro de 1898, quando a Comissão Construtora é extinta. 206
  • 5. ção com a higiene e salubridade, bem como pela redefinição da função social dos subúrbios. É no traçado de planta da zona urbana que se definem as caracte- rísticas geométricas rígidas, com integração da malha ortogonal das ruas e da malha diagonal das avenidas, tendo como ponto de convergência diversas praças e espaços destinados a edificação públicas e futura zona comercial. A combinação de traços geométricos com edifícios im- ponentes, praças e parques é plena da simbologia dos ideais de civili- dade na qual todo habitante deveria se mirar. É o espaço onde se fixa a população proprietária e civilizada. A zona suburbana, por sua vez, vai localizar-se em terreno mais aci- dentado, de recorte irregular e ao contrário do que foi definido para o perímetro urbano, aqui o traçado é adequado à topografia do sítio. Dife- rentemente da solidez e consistência da zona urbana, os subúrbios são precários com destaque para provisoriedade das edificações. Enquanto espaço da irracionalidade, aponta para as contradições urbanas da modernidade expressa nas formas distintas de assentamento físico e social dos diferentes sujeitos urbanos. Evidenciam-se nestes contrastes as tensões entre, a ordem e o pro- gresso. Se no progresso situam-se as possibilidades de ganhos fáceis, de novas relações proprietárias e novas oportunidades de trabalho, na esfera da ordem localizam-se os problemas das “classes turbulentas”, moradores dos subúrbios, cafúas e favelas, na qual se localiza toda uma precariedade da vida social e cultural. Durante a construção da cidade, percebe-se todo um esforço na concretização de um ethos urbano. Através das prioridades concretas estabelecidas para a ocupação do espaço físico, foram criadas as con- dições para a elaboração de paradigmas conceituais de cidadania atra- vés da produção de esterótipos depreciadoras das formas de inserção urbana das camadas pobres e trabalhadoras. A ênfase na suposta irracionalidade das camadas pobres é uma constante nos discursos dos adeptos do progresso e do moderno e tra- zem pistas do incômodo político provocado pelas práticas sociais des- tes setores de sociedade. Francisco BICALHO, engenheiro chefe da Comissão Construtora, que assume o lugar de Aarão Reis em 1895, faz o seguinte comentário, a respeito da população pobre em um dos seus relatórios: “A aglomeração de semelhante população que não prima pelo amor à higiene, o acúmulo de detritos orgânicos e resíduos de toda a sorte, a falta absoluta dos mais ligeiros elementos de confortabili- dade e mesmo de asseio de suas habitações provisórias constitu- 207
  • 6. em outras tantas fontes para gravemente comprometerem a salu- bridade pública”. (BARRETO,1936.p.575.6). A intenção da cidade planejada, se possui um caráter arbitrário de criar espaços onde terá lugar uma possível homogeneidade social e cultural, mesmo que através da simbologia presente na zona urbana, é frustada pela heterogeneidade material contínua e persistente dos 70% da população que habitam a zona suburbana. Dessa forma, as relações entre cidade e educação que o projeto urbano inspira tensionam com as práticas de prioridades e provisoriedades que foram se acentuando, ao longo do período de construção de cidade. Podemos dizer que na planta de Belo Horizonte sobressaem formas bem distintas no movimento de ocupação da cidade. Neste sentido na “cidade provisória”, dos subúrbios e na “cidade dos privilégios”, a re- gião central, denota-se um sentido marcadamente político, relacionada à materialidade e as formas culturais nas quais ambas se constituem. Na “cidade de prioridades” foram previstas as condições de assen- tamento da propriedade privada onde o Estado interfere deliberadamente para a sua efetivação. Na “cidade provisória”, destacaram-se as limita- ções das condições de vida além de acentuada repressão policial, onde os habitantes são responsabilizados pela própria situação em que se encontram, seja em decorrência de sua dependência material, como pensavam os liberais, seja pela “irracionalidade natural” dada a sua con- dição operária, como preferiam os positivistas. Dessa forma, o modelo de civilidade da zona urbana conflitua com a “cidade provisória”, engrossando os estereótipos pejorativos dos hábi- tos das camadas pobres. Reafirma também a necessidade de educa- ção e disciplinarização dos habitantes dos subúrbios, produzindo uma prática mais próxima à justificativa da sua exclusão urbana e cultural, do que propriamente uma ênfase na incorporação desses sujeitos à vida da cidade. A cidade como experiência educativa se define na elaboração de modelos e de uma simbologia de racionalidade. Neste aspecto, consoli- da os pressupostos da modernidade nos vínculos que estabelece entre propriedade/ razão e propriedade/moralidade, enquanto elementos fun- dantes da missão civilizatória das novas formas urbanas. Essas concepções já apareceriam nos debates da Constituinte Fran- cesa, em fins do século XVIII, onde SIEYES, declarava que a proprieda- de não contém apenas uma conotação material, mas é portadora de qualidades morais e educacionais(GRADMAISON,1988.p.178-9). Desta forma é que a intelectualidade reformadora de fins do século XIX e início do XX, médicos, engenheiros e educadores, se debruçam sobre uma questão comum – a difícil tarefa de produzir um novo sujeito urbano, 208
  • 7. sem a mesquinhez do passado, como sugeria o secretário da Comissão Construtora, mas também sem propriedades. Entre privilégios e provisoriedades: a regeneração pela via ur- bana. SENNET, em O declínio do homem público, afirma que “A civilida- de existe quando uma pessoa não se torna um fardo para outras”(SENNET,1988.p.329). Os habitantes pobres da cidade emergem na sua incivilidade como fardo social e político. Durante o período de construção da capital mineira podemos detec- tar um deslocamento nas representações que se fazem da população horizontina, de uma dimensão mais folclórica à uma mais política, vão se elaborando os estereótipos da população.“Inerte”, “doentio”, “magros”, “esgrouvirados das costas”, “mineiros da carne de vento”, são, entre outras, as qualificações a respeito do “tosco” habitante do sítio escolhi- do para edificar a capital.4 Entretanto aos poucos, mesmo durante os anos da construção, outras adjetivações começam a aparecer na docu- mentação oficial e nos jornais. Expressões como “elementos turbulen- tos”, “perniciosos”, de “hábitos suspeitos”, “parcelas ínfimas da socie- dade” denunciam com mais clareza a necessidade de regeneração da população suburbana via o modelo urbano. A construção da nova capital mineira foi, sobretudo, a experiência de grande parte da população em relação às novas condições materiais e culturais com as quais foram se defrontando. Constituem essa experi- ência não somente a edificação de palácios, o arruamento de novos bairros, o novo parque, mas também a presença de demolições e desa- propriações, das ações da polícia, das posturas municipais, dos novos aglomerados populacionais, dos barracos, das epidemias e das novas regras do trabalho. A tensão urbano/suburbano ultrapassou o meio físico e o traçado geométrico. Nesse processo a cidade se revela em múltiplos planos. Começando pelas formas de prioridades e privilégios temos que são caracterizadas basicamente pela consolidação das condições para de- senvolvimento da economia de mercado e instalação das relações pri- vadas. Durante o processo de construção da cidade e mesmo após sua inauguração são benvindos os indivíduos dedicados à iniciativa priva- 4 Estas adjetivação podem ser encontrados nas Crônicas de Alfredo CAMARATE, pseudônimo Alfredo Rian- cho, na série “Por Montes e Vales” publicadas nos jornais Minas Gerais (Ouro Preto, 1894) e O Contemporâ- neo (Sabará, 1894). Abílio BARRETO também traz a transcrição de algumas passagens destas crônicas. Ver ainda Revista do Arquivo Público Mineiro, 1985, v. 36 pags 26-198. 209
  • 8. da, empreiteiros e comerciantes como sinalizadores da fixação de uma nova população5. Também, a “cidade de privilégios” pode ser identificada pelo desta- que dado à fixação dos funcionários públicos numa política clara de favorecimento a estes6. Para habitar a nova cidade utilizou-se dos sím- bolos positivos atribuídos aos funcionários públicos para atrair novos elementos à capital. A intenção é povoá-la com indivíduos distintos e de respeitabilidade em contrapartida aos antigos habitantes, bem como estabelecer marcos que identificassem a sua função social, através de edificações suntuosas e casas de fachada que impressionassem pelo seu estilo, modernidade e higiene. Nas correspondências à Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas (MINAS GERAIS,1898) encontramos uma pequena amostra dessa política de proteção, onde os moradores do bairro dos Funcioná- rios solicitam reparos em sua casas, a serem feitos com dinheiro públi- co, nos quais podemos destacar os seguintes: Tendo o Sr. Carlos F. Meireles solicitado a conclusão da pintura de sua casa, sita à rua Piauí, quarteirão 32, lotes 9 e 11, peço-vos providenciar no sentido de ser satisfeita a reclamação apresenta- da” (Em 14/01/1898) “Peço-vos atender, quando for possível, as reclamações feitas por funcionários sobre suas casas, segundo a nota junta”(Em: 28/08/ 1898) “O funcionário estadual Francisco de Paula (...) pede seja coloca- da em sua casa (...) uma torneira d’água em substituição a que ali foi posta provisoriamente. Para resolver o assunto peço-vos man- deis verificar e me informar se com efeito tal serviço foi feito provi- soriamente, alega o funcionário”(Em 01/02/1898). A preocupação com a possível provisoriedade em casas de funcio- nários e a predisposição para certificar tal feito não tem o mesmo trata- mento para as habitações da zona suburbana. Abílio BARRETO (1936), em sua obra, nos deixa pistas para problematizar a questão. No seu texto ele registra a presença de, 5 Nos jornais de Belo Horizonte, como Aurora (1897), A Capital (1897) e Jornal do Povo (1899) são freqüentes os espaços dedicados à iniciativa privada. 6 É sabido a previsão na planta da cidade do bairro destinado aos funcionários público com amplas vantagens na aquisição de lotes e edificações de suas casas, como podemos verificar na Revista Geral dos Trabalhos da comissão Construtora, 1995, v.1 210
  • 9. “(...) turbulentos bairros provisórios de cafúas e barracões – Córre- go do Leitão e Favela ou Alto da Estação, aglomerações humanas justamente consideradas a suburra da futura cidade”.(p.351) Em uma outra passagem, a observação se repete, “(...) ia-se adensando uma provação de cafúas e barracões de zinco, a que o povo denominava Favela ou Alto da Estação ou Morro da Estação (...) Tal qual aquele bairro improvisado, onde morava a gente operária, existia igualmente o Leitão, outro aglo- merado humano de gente pobre... Estes dois bairros mescladíssi- mos e turbulentos, sobretudo à noite e nos dias de descanso, pu- seram a prova de fogo as energias e o valor do sub-delegado de polícia Capitão Lopes (...)”(p.370) São evidentes os conflitos postos pelas práticas da moderna racio- nalidade. A pobreza extensiva e suas conseqüências são entendidas como produzidas pela própria “incivilidade” das camadas pobres, a pro- visoriedade mesma de suas condições de vida e trabalho é considerada conseqüência de sua “má conduta”, reforçando as adjetivações pejo- rativas. A degradação urbana não é produto de seu projeto e função social, aproxima-se de uma cultura de classe que possui em sua própria cons- tituição o potencial de “irracionalidade”. Ainda, trazendo as observações de BARRETO ele afirma a presen- ça de, “(...) levas inteiras de trabalhadores, nacionais e estrangeiros, acom- panhados alguns de suas famílias, produziram verdadeira simula- ção de abrigos hipotéticos”.(1936.p.575) A provisoriedade para os pobres e trabalhadores da cidade vão se afirmando cada vez com maior intensidade durante o andamento dos trabalhos da Comissão Construtora. Em 16 de julho de 1895, um ofício fala da intenção do engenheiro chefe de construir um “barracão provisó- rio a fim de nele serem agasalhados imigrantes solteiros e algumas famí- lias também de imigrantes”, em ofício de 17 de setembro do mesmo ano, a precariedade das acomodações da colônia do Barreiro pode ser des- tacada na afirmação de um membro da Comissão: “Estamos consertan- do a casa que antigamente seria de senzala da Fazenda para acomoda- ção e alojamento de empregados”(MINAS GERAIS,1895b). Também os problemas recorrentes à saúde pública utilizam de for- mas improvisadas da assistência médica. O médico da Comissão Cons- trutora, Cícero FERREIRA, nas palavras do engenheiro Francisco BICA- 211
  • 10. LHO, cumpre sua missão “caridosa”, supervisionando e desenvolvendo ele mesmo um intenso trabalho de sanitarização física, de vacinação (... “quase que violentamente... malgrado a grande relutância...”) e do em- penho na construção de um hospital de isolamento localizado nas ime- diações do bairro Calafate. Contudo, o próprio engenheiro, reconhecia que o “hospital” construído em situação de emergência tinha caracterís- ticas que bem o recomendavam: “(...) com caráter provisório, um barracão de pau a pique e cober- tura de zinco, em boas condições higiênicas e isolamento, apare- lhado conveniente para o fim o qual se destina e ao qual poderá prestar-se por muito tempo”(BARRETO,1936.p.577). A cidade enquanto espaço de alocação de novas categorias sociais, os trabalhadores urbanos, vai produzindo sua exclusão social numa pers- pectiva cada vez mais política. Nesse sentido, a força policial, as postu- ras municipais, as formas de higienização, não se constituem meros agentes repressores, mas acompanham toda a simbologia pedagógica da cidade: regenerar pela via urbana. As relações entre a “cidade de privilégios” e a “cidade provisória” ensejam um amplo campo de discussões no qual as condições materiais e culturais de existência das populações pobres sugerem a necessida- de de um determinado projeto educativo justificado pela situação de dependência material e da irracionalidade “natural” dessas populações. Nas palavras de Francisco Martins DIAS, contemporâneo das mudan- ças ocorridas durante a construção da cidade, “Nada é para nós mais belo, mais poético e mais recreativo do que a observação atenciosa desta sublime metamorfose material. Pre- za aos céus que sublime, poética e bela seja também a metamor- fose social e moral!...”(DIAS,1897.p.106). Outras dimensões educativas nas diversidades em movimento: a via suburbana. No ofício de 13 de outubro de 1895, expedido ao Secretário da Agri- cultura e Inspetor de Terras e Colonização, encontramos o seguinte re- gistro referente à edificação do “hospital “ de isolamento: “O lugar chamado Calafate está bastante povoado e todos os mo- radores protestam contra a colocação de um centro de infecção nas imediações deste povoado. A maior parte dos vizinhos ale- 212
  • 11. gam que já foram desapropriados de Belo Horizonte, donde tive- ram de retirar-se depois de terem já sido desterrados (dizem eles)... Queixaram-se de serem perseguidos até agora pela ameaça de ser instalada no meio deles uma colônia de bexiguentos, e já se acham apoderados de um verdadeiro pânico. Propõem também que seja utilizado como dormitório para trabalhadores e alega tam- bém que atrapalhará o comércio que transita pela estrada bem como o movimento de tropeiros” (MINAS GERAIS,1895b). As possibilidade de projetar um cidadão disciplinado e moderno acabam se defrontando com as interferências produzidas pelos diferen- tes sujeitos da cidade. As queixas e críticas, de uma certa forma, denun- ciam formas de romper ou continuar práticas anteriores de experiências sociais. O protesto dos moradores do Calafate, entre outras manifestações presentes no período de construção, nos atesta que a realidade social e material vivenciada por grande parte dos habitantes e expressa na pro- visoriedade urbana vão explicitar os conflitos do projeto urbano e não somente a sua suposta inviabilidade ou a incompetência política de geri- lo. A “politização da rotina”7 dos novos habitantes aponta para os pro- blemas na consolidação de uma cidade capital em sua perspectiva ho- mogeneizadora e diz respeito a questão de incorporação ou exclusão social e política das camadas pobres. A experiência da edificação de Belo Horizonte mostra, através das crescentes queixas dos moradores, diferentes pontos de tensão, nos quais podemos destacar os limites dos pressupostos teóricos do projeto inicial dos engenheiros no que toca a concepção de sociedade e a di- versidade cultural e política de sua composição. A manifestação de insatisfação por parte dos habitantes do bairro Calafate não diz respeito apenas a uma reação em relação à instalação do lazareto. É uma atitude de clara percepção da relação de reciproci- dade entre as novas formas de ordenação da propriedade e a sua ex- clusão da cidade, tornando-se, por isso, um incômodo político para as autoridades. As formas educativas enquanto tecidas na cidade, nas experiências urbanas, nos confrontos entre os diferentes sujeitos sociais, na “politiza- ção da rotina” de seus moradores, precipita nas elites a preocupação em assegurar o diferenciado acesso à propriedade ao mesmo tempo que quer incorporar os “dependentes material e culturalmente” ao seu projeto de cidade e sociedade. 7 A expressão foi tomada de CHALLOUB(1989) em seu estudo sobre o Rio de Janeiro nas últimas décadas do Império. 213
  • 12. Outros registros, nos possibilitam problematizar as formas tensas desse processo de incorporação, tais como o registrado nos ofícios de 27 e 28 de dezembro de 1895, respectivamente, “(...)Comunico-lhe que tem havido já certas manifestações de des- contentamento de uma parte do pessoal em conseqüência da de- mora dos pagamentos atrasados (...)”(MINAS GERAIS,1895b) “(...)A situação torna-se assim crítica e até um certo ponto perigo- sa, porque ficamos sem dinheiro para pagar e dispensar estes trabalhadores, e aos poucos vão ir a faltar os materiais e ferramen- tas para ocupar utilmente estes trabalhadores, operários e oficiais (...)”(MINAS GERAIS,1895b) Os conflitos originados da modificação de formas tradicionais da vida dos habitantes de Belo Horizonte são evidentes na ação dos mem- bros da Comissão Construtora e no seu projeto de transformar um arraial em cidade-capital. Durante o período de construção alteram-se profun- damente a relação dos moradores com suas propriedades e formas de trabalho. Entretanto, esse processo não foi feito sem problemas: o proje- to pedagógico-modernizador da Comissão encontrou obstáculos não tanto de caráter administrativo-burocrático, mas basicamente nas novas práticas às quais a população foi se educando e se formando. Na verdade, a experiência urbana com as alterações que trouxe nas relações sociais e culturais da população, revelou a possibilidade de se estabelecerem outras relações com a cidade no que diz respeito à pró- pria tensão entre a concessão e a conquista de direitos. De outro lado demonstrou as possibilidades de ação dos sujeitos, que diferentemente dos pressupostos de cidade-educadora, se fizeram nas práticas de in- satisfação com os limites físicos, morais e legais das formas de expan- são urbana, produzindo formas também diferenciadas do sentimento de pertencimento à cidade. A cidade no movimento da escola: representações escolares do mundo urbano. Duas cidades, dois lugares, duas escolas? Habitadas por quais ha- bitantes? Aproriadas por quais praticantes? Freqüentadas por quais es- tudantes? A resposta, ou as respostas, a estas questões, levam-nos ao âmago do projeto republicano para a capital mineira, já anunciado ante- riormente: o da busca da construção de um espaço que reflita os ideais republicanos de ordem, progresso e controle do mundo físico e social. A segregação social, a possibilidade de visibilidade, de conhecer e 214
  • 13. controlar a população, tinha como quase único destinatário as camadas mais pobres da população. Eram suas práticas diferenciadas de apro- priação do espaço urbano, sua suposta irracionalidade e falta de auto- controle que preocupavam as autoridades republicanas. Nesta perspec- tiva, a mesma cidade que segrega, deve ter o poder de homogeneizar e incorporar, educando. É uma e mesma cidade, aquela que permite a diferenciação e bus- ca a homogeneidade, que anuncia a igualdade e organiza a segrega- ção; que produz o transeunte e reforça as cercas e cadeias; que cons- trói a rua e a possibilidade de múltiplas apropriações do espaço urbano e, ao mesmo tempo, condena as manifestações públicas populares, de várias naturezas, como irracionais e perigosas. Assim, se podemos dizer, como MUNFORD(1961.p.15), que “a mente humana toma forma na cidade, e as formas urbanas, por sua vez, condi- cionam a mente”, é também preciso considerar, como WILLIAMS (1989.p.216) que “esse caráter social da cidade ( no que tem de transi- tório, inesperado, na procissão de homens e eventos, e no isolamento essencial e inebriante (...) visto como realidade de toda existência hu- mana”, causa inquietação e impõe pensar a direção do movimento edu- cativo da cidade e na cidade. Numa cidade na qual tudo parece tão claro, reto, visível e, no entan- to, na qual, os habitantes confundem, ou teimam em confundir, as refe- rências claramente assinaladas, a escola aparece como uma das faces educadoras e civilizadoras das populações pobres. Em Belo Horizonte, como em outras cidades brasileiras, além das políticas de ordenação dos espaços comandadas pelo urbanismo, a esratégia educativa dirigiu-se também para a construção de uma nova forma e cultura escolares, ou em outras palavras, para a produção de uma escola tipicamete urbana. Nesta, escola e cidade interagem, num processo de mútua influência no qual o lugar da escola, definido no es- paço da cidade enquanto prática de apropriação específica do/no urba- no, vai definindo também o lugar específico da cidade no espaço da escola. Aqui, no entanto, é preciso assinalar que, sob certos aspectos, a participação da escola no movimento da cidade faz-se de forma bastan- te diversificada. Uma primeira dessas formas, no caso específico de Belo Horizonte, pode ser notada, logo no início do século, no processo de construção dos grupos escolares. Conforme já foi demonstrado em outro lugar (FARIA FILHO, 1996), a substituição das escolas isoladas pelos grupos escolares em toda Minas Gerais, iniciada no governo de João Pinheiro, foi produzida e festejada, como o momento, na educação pública escolar, em que o novo suplantava o velho e em que a racionali- dade moderna atingia definitivamente a escola, a começar pelos seus 215
  • 14. próprios prédios. A recém inaugurada capital mineira, foi, uma vez mais, o marco inicial dessa empreitada modernizadora. Nela, como em outras cidades, segundo discursos da época, ao ocupar os grupos escolares, a escola mineira estava passando “dos pardieiros aos palácios”, numa clara demonstração das referências simbólicas com as quais se queria marcar esta “passagem”. Assim, já nas primeiras décadas deste século, a existência dos gru- pos escolares na cidade, tansforma-os em palco e cena de uma ativida- de espetacular: são e devem oferecer um espetáculo de racionalidade e de civismo. Para isso concorre, por um lado, a própria construção física dos grupos. São construções suntuosas e bem localizadas, como que querendo demonstrar o zelo e a centralidade da escola para a Repúbli- ca. São espaços que, internamente, oferecem condições para a afirma- ção e realização de uma verdadeira “pedagogia do olhar”. E, externa- mente, são para serem vistos, apreciados e reverenciados. Daí o fato, bem exemplificado pelo primeiro grupo escolar a ser construído na cida- de, o Barão do Rio Branco, dos grupos trazerem no seu frontispício, as armas da República, do Estado de Minas e do Município. No entanto, não é apenas pela suntuosidade de suas construções que essas novas organizações escolares dão a ver uma racionalidade que se quer demonstrar. O próprio movimento de desenvolvimento da rede de grupos escolares, vai construindo e demonstrando uma racio- nalidade que vai do centro para a periferia, na qual, mais uma vez, esta é compreendida como participante de segunda classe do banquete da modernidade. Ora, tudo isto vai produzir, todavia, suas próprias contradições. A primeira delas, é a crescente demanda da população para que o “triste fenômeno” das escolas isoladas cessasse e desse lugar ao grandioso espetáculo dos grupos. Já que, as primeiras, professoras “mal forma- das” e com piores salários teimavam em dar aulas em condições muito aquém das ideais, ou mesmo minimamente necessários, porque não transformar todas as escolas isoladas em grupos escolares? Os agentes do Estado afirmavam, na prática, que não era possível construir grupos para todos: faltavam recursos. A população pobre, no entanto, produzia estratégias de alocação de seus filhos nas melhores escolas. Daí o fato de boa parte da matrícula de alguns grupos centrais, como Afonso Pena e o Cesário Alvim, ser de crianças das camadas mais pobres da popula- ção8. Não terá sido, por acaso, o ir e vir para a escola, inclusive da re- gião central, que terá possibilitado a muitas dessas crianças uma das 8 Isto vale pelo menos para os anos inciais destes grupos, já que, como pudemos observar, já no final da década de 10 as categorias sociais mais pobres “perderam” vagas nesses estabelecimentos. 216
  • 15. primeiras e definitivas apropriação do espaço urbano, fazendo das ruas, atalhos, calçadas , espaço muito mais significativo do que “vias de cir- culação”? Por outro lado, em se tratando da circulação, a necessidade de ir dar aula na periferia da cidade era, para as professoras, ocasião não apenas de estabelecerem relações duradouras com as crianças pobres da cidade, mas também, e algumas vezes, sobretudo, de circularem pelos espaços da cidade. Nesse percurso, o medo, a apreensão vividos denotam, a par de possíveis perigos reais, a compreensão estigmatiza- da e preconceituosa dos pobres. Estes aspectos podem ser apreendi- dos da leitura de uma carta, enviada pela diretora e pelas professoras do Grupo Escolar Henrique Diniz, em 1915, em que solicitavam a mu- dança das instalações do grupo para outro local. Vejamos: Como se acha atualmente, em região distante de bonde, quase no mato, e infestada de vagabundo e desclassificados, é por demais difícil à diretora, professoras e alunos a freqüência constante, por isso vivem sempre em sobressaltos, na expectativa de uma agres- são inesperada. (...) A mudança da sede, pois, para outro ponto, por exemplo, para a avenida Floriano Peixoto, melhor proveito traria para a instrução e seria traqüilidade para as professoras e alunas, que não mais seriam obrigadas a transitar por locais ermos, habitados por elementos perigosos”. Mesmo considerando a natureza particular deste documento e a fi- nalidade a que servia, o que coloca a possibilidade de utilização de certos recursos de linguagem para sensibilizar o destinatário, o que, por sua vez, é de muito interesse para o que aqui se apresenta, o fato é que na carta, e em muitos outros documentos, a população pobre do subúr- bio é assim re(a)presentada. A insegurança sentida pelas professoras, pela diretora e pelas alunas, acaba favorecendo, em contradição com as políticas alardeadas de a escola ir até os desclassificados para civili- zá-los, a proposição de que a escola se torne mais próxima de ( ou retorne ao) seu lugar “natural”: a região urbanizada do centro da cidade. As camadas populares, seus costumes, suas maneiras de educar os filhos, tudo isto é visto como negativo pelos profissionais da escola. Esta negatividade produzida pelo “olhar da escola”, expressa-se nos relatórios das diretoras e inspetores de forma bastante evidente. Nas representações produzidas pelos profissionais e agentes da educação escolarizada, a qual se aproxima daqueles esteriótipos produzidos pe- los cronistas nos anos de construção da capital, o modo de vida das camadas populares é destituído de higiene, de espírito de coleguismo e 217
  • 16. caridade, sendo caracterizado pelos vícios da delação, das brigas, da falta de disciplina. Como momento segundo, reforça-se, uma vez mais, o papel educativo/preventivo da escola junto às populações suburba- nas da capital. “Um tempo precioso foi consumido em arrancar das crianças os vícios contraídos no lar. No bairro em que está situado este grupo as crianças são criadas geralmente nas ruas, sendo pois, com gran- de esforço que se consegue boa disciplina, porque não estão ha- bituadas a sujeição e a obediência”. (MINAS GERAIS, 1915a). Percebe-se, na maioria das vezes, que, para as diretoras e inspeto- res da instrução pública, os vícios contraídos no lar nada mais fazem que se “juntar” aos outros vícios, de natureza hereditária ou social, esta- belecendo-se, assim, um discurso que busca identificar as populações pobres como “quase selvagens” que se encontram nos arredores da cidade. Nos discursos solenes, como, por exemplo, no momento da for- matura das alunas da escola normal, os recursos e as imagens utiliza- das na produção do enunciado, denotam claramente a produção da iden- tidade negativa do “outro”, de modo a afirmar o lugar e a importância da ação educativa da escola. Numa dessas ocasiões solenes, afirmava Aurélio Pires: Não penseis, sras. normalistas, que, em vossas futuras escolas, ireis encontrar somente as clássicas e poéticas crianças louras, de olhar seráfico, dóceis e mansas como pombas mansas. Não! Infelizmente é uma grande dolorosa verdade a sentença do filósofo pessimista que disse que o substrato da vida é uma áspe- ra trama pungente, onde se encontra mil fios de ferro por um só de ouro. Tereis, pois, de avir, não raro, com alunos grosseiros, rebeldes, bravos, em cujo coração haverá explosões súbitas e formidáveis de ferocidade primitiva de antepassados selvagens. Pois bem. São precisamente estes que mais necessitam que lhes inoculeis nas almas esse miráfico leite da humana ternura, que nos falou o bon- doso Machado de Assis.” (PIRES,1908.p.16). A contraposição evidenciada entre as crianças das camadas popu- lares e as crianças idealizadas não se faz no sentido de demonstrar a necessidade de a escola considerar as diferencas e especificidades das primeiras, mas muito mais de chamar a atenção para o estado quase que natural e, portanto, selvagem em que se encontram. Submetidos aos imperativos da natureza, onde a vida “lhes impõe tantos ingredien- 218
  • 17. tes diversos e adversos no sangue, nos nervos, na alma”, os sujeitos populares como um todo precisam ser regenerados pelo trabalho salva- cionista, quase celestial, das instituições escolares. Essa interlocução da escola com a cidade, como não poderia deixar de ser, fez-se também com as políticas urbanas, quando se observa que a força instituidora e modeladora dessas representações desdobrava- se, também em outros movimentos e momentos de criação da cidade. Pode-se lembrar, por exemplo, que a data escolhida para a instala- ção do Grupo do Barro Preto foi 14 de julho. Não uma data qualquer. Segundo o inspetor, a escolha recaiu sobre este dia por ser ele “um dos mais gloriosos e importantes para as democracias”. Entretanto, não sen- do possível instalá-lo nesta data, a escolha recaiu sobre o dia 07 de setembro. Datar, celebrar, criar memória. Festejar. Esta é também a pers- pectiva diretora registrada quando relata sobre a festa de inauguração: “A festa foi abrilhantada pela banda do 1º Batalhão e pela orques- tra do sr. Justino da Conceição, sendo franqueada aos presentes uma exposição de trabalhos executados pelos alunos, especial- mente para esse fim, no pequeno espaço de tempo que vai de 8 de abril a 6 desse mês. Os alunos compareceram uniformizados de branco completamen- te armados, tendo no braço esquerdo pequeno laço de fita auri- verde. Depois de prestarem devidas continências militares às au- toridades, executaram diversos manejos no pátio do estabeleci- mento. As alunas, que também trajam de branco com fita auri-ver- de à tiracolo, exibiram-se ainda, em exercícios de ginástica. Final- mente foi servido a todas as pessoas presentes uma mesa de do- ces, sendo ao champanhe erguido diversos brindes” (MINAS GERAIS,1911a). Não apenas a instalação do Grupo é celebrada como espetáculo político, que conta com a participação de autoridades e convidados. O hastear a bandeira, quotidianamente, passa a ser uma cerimônia que interessa aos(às) alunos(as) e às pessoas presentes. As festas são con- corridas. Os exames são públicos e assistidos, segundo relatos, por vá- rias pessoas. A entrega das notas e dos boletins ocorre em cerimônias cívicas, seguidas de festas para os familiares onde os(as) alunos(as) são convidados(as) a apresentarem para as sua famílias, espetáculos a respeito de temas morais e de higiene, falando sobre o mal que produz as bebidas alcoólicas, o “jogo, o fumo, etc... ou incitando os companhei- ros a não maltratarem animais, a não danificarem as flores, a respeita- rem as leis e as autoridades etc, etc.” Mesmo constituindo-se num espaço fechado, num local próprio, onde 219
  • 18. o muro simboliza a sua separação da rua, contornando e definindo uma certa identidade, a “cerca” não é, muitas vezes, impedimento aos espetá- culos realizados ritualisticamente pelas crianças nos grupos escolares, con- forme relatava o inspetor João Brandão a respeito do 4º grupo em 1911: “A Diretora manda agora alçar a bandeira no alpendre, em frente ao edifício, na hora do primeiro hino cantado. Isto não só desperta mais a alegria e entusiasmo nas crianças, como um orgulho são nos que de alguma distância assistem ao patriótico espetáculo” (MINAS GERAIS,1911b). A escola não cria espetáculo apenas no interior de seus muros. Ela cria e/ou participa de espetáculos públicos, justamente naqueles locais carregados de simbolismo para a população da cidade. É assim que os(as) alunos(as) e as professoras participam de comemorações na Praça da Liberdade e nas ruas da cidade. Outras vezes as manifestações pa- recem ser criação das próprias professoras, diretoras e alunos(as). Em todas elas, está expressa a importância cada vez maior que a escola enquanto instituição vai adquirindo como força na construção e a legiti- mação de signos e símbolos políticos e culturais. “Importante festa escolar teve lugar no Parque da cidade no dia 7 de setembro de 1907, primeiro aniversário da posse do Presidente João Pinheiro. Reuniram-se naquele logradouro público as crianças dos grupos escolares da Capital sob a orientação da Diretora D. Helena Pena e das professoras (...), do Jardim da infância, bem como das Pro- fessoras (...), das escolas das colônias que circundavam a Capi- tal. O Parque estava enfeitado com inúmeras bandeiras multicores e o palanque respectivo fora artisticamente adornado. A festa destinava-se a homenagear João Pinheiro no primeiro ani- versário de seu governo. Caracterizava-se, quiçá, uma finalidade política, muito usual à época, em que se faziam freqüentes mani- festações de solidariedade aos membros dos executivos”. (MOURÃO,1970.p.106-7) Podemos, pois, afirmar, que a inteligibilidade dos espetáculos e ce- rimônias escolares é dada não apenas por sua função como ritual peda- gógico, mas, como nos lembra Sahlins(1990) ao falar da articulação en- tre evento e estrutura, como um “evento” que, ao acontecer, possibilita a transformação e reprodução da/na cultura, possibilitando a alteração e as construções de significados culturais. Também Frago, citando Con- nerton, afirma: 220
  • 19. “Las ceremonias conmerativas combinan oralidad, texto e imagen. Son representaciones visibles con un cierto ritual o formalismo en relación con la presencia, disposición y comportamiento de quie- nes en ellas intervienen. La disposición espacial y temporal de ta- les presencias e atuaciones, los lugares que se ocupan, las inter- venciones, las posturas, los gestos y las palabras pronuciadas desempeñan un dobre papel: sirven para recordar, pero también para mostrar, mediante el recuerdo, quien ostenta el poder de re- crear y conmemorar el pasado, es decir, de darle el sentido ‘corre- to’ (FRAGO,1994.p.12) Assim, é possível compreender que nem a data (07 de setembro) e muito menos o local (Parque Municipal), foram escolhidos ao acaso. Sig- nificam, ao mesmo tempo, a celebração e lembrança da constituição da nacionalidade e a produção e reforço do poder de quem governa na- quele momento e, por outro lado, o reencontro com a natureza e com um espaço de sociabilidade perfeitamente límpido (e limpo), encravado no centro da cidade a lembrar as maravilhas realizadas pela razão humana na construção da cidade. Assim, podemos lembrar com OLIVEIRA(1989.p.173) que “a come- moração pretende exorcizar o esquecimento” e que: “Os estados nacionais foram pródigos em definir hinos, bandeiras, imagens e símbolos que ‘personificam’ a nação, fornecendo-lhes o sentido de identidade e expressando sua soberania. Legitimida- de, soberania e cidadania são as questões centrais na construção de uma nação e se fazem presentes na organização da tradição e da memória coletiva, constituidora da identidade nacional”. (OLI- VEIRA, 1989.p.181) O movimento da escola, a sua auto-construção, se desdobra e se articula ao/no movimento da cidade e da nação, estabelecendo vínculos e continuidades, mas constituindo também singularidades e rupturas. É uma e mesma escola que se desdobra em vários movimentos, em múlti- plas direções, de acordo com o jogo de forças, com os desejos, medos e anseios de seus profissionais e, porque não daqueles que a freqüen- tam. Escola e cidade, ambas criadoras e criaturas: é uma escola que vai se legitimando como uma forma não apenas de educar as crianças e de trans-formá-las, mas também de influir nos destinos da cidade. A esco- la, neste sentido, se cria ao criar a cidade; é uma cidade que se produz nos momentos da escola, e produz a escola como um de seus momen- tos. 221
  • 20. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Carlos Roberto M. de. A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do enge- nheiro de Brito. São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, 1992 (Dis- sertação Mestrado). BARRETO, Abílio. Belo Horizonte, memória histórica e descritiva, história média. Planejamento, estudo, construção e inauguração da nova capital (1893 – 1897). Belo Horizonte : Rex, 1936. CHALLOUB, Sidney. A guerra contra os cortiços: cidade de Rop.1850 – 1906. Primeira Versão. IFCH, UNICAMP nº 19, pags 3-48, 1990. DIAS, Padre francisco Martins. Traços históricos e descritivos de Belo Horizonte. Belo Horizonte : Typografia de Belo Horizonte, 1897. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios: forma e cultura es- colares em Belo Horizonte - 1906/1918. São Paulo:FE-UP, 1996, 363p. (Tese de Dou- toramento). FRAGO, Antônio Viñao. Tiempo, historia y educación. Múrcia:Universidade de Múrica, 1994, 32p. mimeo. FRITSCH, Lilian e PECHMAN, Sérgio. A reforma urbana e seu avesso: algumas conside- rações a propósito da modernização do Distrito Federal na virada do século. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.5, nº 8/9, p. 139-196, set. 1984/abr. 1985. GRANDMAISON, Olive Le Cour. Passive citizens on the reasonless poor during the Fren- ch Revolution, 1789-1791. The languages of Revolution. Quaderno II, Milão: Mannuc- ci, 1988. MICHELET, Jules. O povo. São Paulo: Martins Fontes, 1988. MINAS GERAIS. Comissão Construtora da Nova Capital. Revista Geral dos Trabalhos, Rio de Janeiro, (1895a) MINAS GERAIS. Ofícios e Requisições da Colônia do Barreiro expedidos ao secretário da Agricultura e Inspector de Terras e Colonização. Secretaria da Agricultura, Comér- cio e Obras Pública. Ouro Preto: Imprensa Oficial,(1895b) MINAS GERAIS. Rascunhos de Ofícios dirigidos às finanças e diversos. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Cidade de Minas: Imprensa Oficial, (1898). MINAS GERAIS. Secretaria do Interior e Justiça. Relatórios das Diretoras de Grupos Es- colares. 1908/1917(a). MINAS GERAIS. Secretaria do Interior e Justiça. Relatórios dos Inspetores Técnicos do Ensino. 1908/1918(b). (APM) MUNFORD, Lewis. A cultura das cidades. Belo Horizonte:Itatiaia, 1961 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasli- ense, 1990. ORTIZ, Renato. Cultura e modernidade. São Paulo:Pioneira, 1991. PIRES, Aurélio. Missão do professorado no seio da sociedade. Belo Horizonte, Minas Gerais, 07/07/1907. SCHORSKE, Carl E. Viena fin- de-siècle, política e cultura . São Paulo: Companhia das Letras, 1988. SENNETT, Richard. O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. São Paulo: companhia das Letras, 1988 VEIGA, Cynthia Greive. Cidadania e Educação na trama da cidade: A construção de Belo Horizonte em fins do século XIX. Campinas: Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, 1994. (tese, doutorado). WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade - na história e na literatura. São Paulo: Cia das Letras, 1989. 222