1. E
O
spírito
SANTO
Os Dons do Espirito Santo
Owen D. Olbricht
Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos
serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é
quem opera tudo em todos. A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um
fim proveitoso (1 Coríntios 12:4–7).
Os dons que foram concedidos pelo Espírito
Santo não devem ser confundidos com o “dom”
[“dádiva”] do Espírito Santo. O “dom” (gr.: dorea)
do Espírito Santo é o próprio Espírito Santo
(Atos 10:44, 45; 11:17), mas os “dons” (gr.: chrisma)
eram poderes sobrenaturais divinamente distribuídos e concedidos pelo Espírito Santo (Romanos 1:11; 12:6; 1 Coríntios 1:7; 12:4, 9, 28,
30, 31; 1 Timóteo 4:14; 2 Timóteo 1:6). Chrisma
também pode se referir aos dons (traduzido
também por “favor”; 2 Coríntios 1:11) que
não são sobrenaturais quanto à natureza (Romanos 5:15, 16; 6:23; 11:29; 12:6–8; 1 Pedro 4:10,
11).
Paulo disse: “Ora, os dons são diversos, mas
o Espírito é o mesmo” (1 Coríntios 12:4). A idéia
principal levantada por Paulo era que possuir
diferentes dons não significava que os coríntios
possuíam espíritos diferentes. Em vez de divisão
(1 Coríntios 1:10–12), a diversidade de dons do
Espírito deveria produzir “a unidade de Espírito”
(Efésios 4:3). Paulo ilustrou a verdade a respeito
da unicidade comparando um corpo humano
composto por muitos membros ao corpo de Cristo
(1 Coríntios 12:12, 13).
A VARIEDADE DE DONS
Paulo enumerou nove dons em 1 Coríntios
12: “a palavra de sabedoria”, “a palavra de
conhecimento” (v. 8); “fé” (v. 9); “dons de curar”,
“operações de milagres”, “profecia”, “discernimento de espíritos”, “variedade de línguas” e
“interpretação de línguas” (v. 10). Nenhum
cristão de Corinto possuía todos esses dons.
F. W. Grosheide observou corretamente: “A idéia é
de distribuição e isto implica que ninguém possui
tudo”1 . Talvez os apóstolos tenham recebido todos
os dons, mas isto não ocorreu a ninguém mais.
Os dons miraculosos na igreja de Corinto
vinham da mesma fonte e eram dados conforme
a vontade do Espírito. Paulo teve o cuidado de
enfatizar esse fato: “Mas um só e o mesmo Espírito
realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como
lhe apraz, a cada um, individualmente” (1 Coríntios 12:11). Gordon Fee comentou: “A repetição
de ‘mesmo’ com cada Pessoa divina parece
11
F. W. Grosheide, Commentary on the First Epistle to the
Corinthians (“Comentário da Primeira Epístola aos Coríntios”). The New International Commentary on the New
Testament. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1953, p. 283.
1
2. enfatizar que o único Espírito/Senhor/Deus
manifesta-Se numa grande variedade de dons e
serviços. Por isso, a unidade de Deus não implica
uniformidade de dons; mas, o único e mesmo Deus
é responsável pela própria variedade”2 .
Em vez de inveja ou divisão geradas por
causa de orgulho, os dons deveriam resultar em
unidade. Os que receberam os diversos dons deveriam ter reconhecido que tais não foram obtidos
por méritos ou capacidades pessoais, mas que
toda a glória e honra eram devidas a Jesus, o qual
(através de um só Espírito) concedeu os dons.
Paulo enfatizou o fato de que cada cristão em
Corinto tinha seu próprio dom individual, e não
que cada cristão tinha todos os dons:
Porventura, são todos apóstolos? Ou, todos
profetas? São todos mestres? Ou, operadores
de milagres? Têm todos dons de curar? Falam
todos em outras línguas? Interpretam-nas
todos? (1 Coríntios 12:29, 30).
Como salientou Robert Bratcher: “…esses dois
versículos se constituem de sete questões retóricas, cujas respostas esperadas são: ‘Não’”3 . Os
dons miraculosos não eram dados com o propósito de capacitar todos os cristãos com as mesmas
habilidades.
O PROPÓSITO DOS DONS
O propósito dos dons era a edificação da
igreja para o bem da coletividade, e não beneficiar
aqueles que recebiam os dons. Paulo quis garantir
que os coríntios não ignorassem essa verdade.
A manifestação do Espírito é concedida a cada
um visando a um fim proveitoso (1 Coríntios 12:7).
…Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo
muito mais honra àquilo que menos tinha, para
que não haja divisão no corpo; pelo contrário,
cooperem os membros, com igual cuidado, em
favor uns dos outros (1 Coríntios 12:24, 25).
O propósito da profecia, assim como o de
qualquer outro dom, era a edificação da igreja:
“Mas o que profetiza fala aos homens, edificando,
exortando e consolando” (1 Coríntios 14:3).
“Assim, também vós, visto que desejais dons
12
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians (“A
Primeira Epístola aos Coríntios”), The New International
Commentary on the New Testament. Grand Rapids, Mich.:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1987, p. 586.
13
Robert G. Bratcher, A Translator’s Guide to Paul’s First
Letter to the Corinthians (“Guia para o Tradutor da Primeira
Carta de Paulo aos Coríntios”). Nova York: United Bible
Societies, 1982, p. 124.
2
espirituais, procurai progredir, para a edificação
da igreja” (1 Coríntios 14:12). “…Seja tudo feito
para edificação” (1 Coríntios 14:26). O termo
“tudo” significava que nas assembléias cristãs o
falar em línguas e todos os demais dons deveriam
ser usados para a edificação da igreja e não para
a edificação pessoal.
Frederick Dale Bruner comentou o seguinte:
Paulo olha para os dons da perspectiva superior da congregação e, dessa vista, ele não valoriza nenhum dom simplesmente por sua própria
existência, mas somente por sua comunicação
inteligível com os outros para a edificação
destes. De fato, na opinião de Paulo, é questionável dizer que um dom “existe” para o
indivíduo, se ele não é empregado para a igreja4 .
QUEM RECEBIA OS DONS
Os dons espirituais eram concedidos para
ajudar os cristãos a crescerem até a maturidade
espiritual, e não porque já tivessem atingido a
perfeição. Os dons eram dados aos novos convertidos (Atos 8:14–18; 19:6), e não àqueles que
haviam atingido um nível superior de espiritualidade. A igreja de Corinto era formada por
novos cristãos que precisavam crescer.
Bruner salientou: “Os dons espirituais (ou,
usando uma expressão de Paulo, as graças) não
se limitavam a um grupo seleto que, talvez,
exibisse manifestações extraordinárias como
resultado de sua profunda dedicação ou grande
proximidade do Espírito”5 .
A igreja em Corinto é uma prova de que os
dons espirituais especiais não eram garantia de
superioridade espiritual. Segundo a avaliação de
Paulo, a igreja em Corinto carecia de maturidade
espiritual. Ele escreveu o seguinte a tais cristãos:
Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a
espirituais, e sim como a carnais, como a
crianças em Cristo. Leite vos dei a beber, não
vos dei alimento sólido; porque ainda não
podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis,
porque ainda sois carnais. Porquanto, havendo
entre vós ciúmes e contendas, não é assim que
sois carnais e andais segundo o homem? (1 Coríntios 3:1–3).
Através do batismo do Espírito Santo, poderes especiais eram concedidos como sinais de
apostolado (2 Coríntios 12:12; veja também Atos
14
Frederick Dale Bruner, A Theology of the Holy Spirit
(“Teologia do Espírito Santo”). Grand Rapids, Mich.: Wm.
B. Eerdmans Publishing Co., 1970, p. 290.
15
Ibid.
3. 1:8; 2:1–4). Deus também usou esses sinais para
mostrar Sua aceitação para com os gentios,
considerando-os dignos da salvação (Atos 10:44,
45; 11:15; 15:7–9). Por meio da imposição das
mãos dos apóstolos, o Espírito era concedido a
outros capacitando-os com dons especiais (Atos
8:14–18; 19:5, 6; 2 Timóteo 1:6). O batismo no
Espírito Santo e os concedidos pelas mãos dos
apóstolos eram fatos completamente separados6 .
Alguns usam a afirmação de Paulo a Timóteo
em 2 Timóteo 1:6 como prova de que os apóstolos
não eram os únicos que podiam transmitir o
Espírito Santo. Paulo escreveu que Timóteo havia
recebido um dom, chrisma, “através da imposição
de” suas mãos. Anteriormente, ele escrevera que
Timóteo havia recebido um dom “com a imposição das mãos do presbitério” (1 Timóteo 4:14).
Timóteo recebeu um dom “através da” ou
“pela” (dia, uma preposição grega que, usada
com o genitivo, refere-se ao agente pelo qual
outro age) imposição das mãos de Paulo (2 Timóteo 1:6). Provavelmente foi esse o dom dado
“com” (meta, uma preposição que com o genitivo significa “acompanhado de”) a imposição
das mãos do presbitério (1 Timóteo 4:14). Paulo
parece ter tido boas razões para usar duas
preposições diferentes ao descrever como
Timóteo recebeu o dom. Jesus, por meio das
mãos de Paulo e acompanhado das mãos do
presbitério, deu um dom a Timóteo. As mãos
de Paulo foram o agente pelo qual o dom foi
concedido, e juntamente com Paulo, o presbitério impôs as mãos para conferir a Timóteo o
uso do dom7 .
A imposição de mãos tinha vários propósitos:
1) conferir uma bênção a outrem (Mateus 19:15),
2) liberar o poder de curar através de um contato
(Lucas 4:40; 13:13), 3) conceder o dom do Espírito
Santo (Atos 8:14–18; 19:6; 2 Timóteo 1:6) e 4) comissionar pessoas para responsabilidades ou
ofícios especiais (Atos 6:6; 13:3). Os dois últimos
propósitos ocorreram para preparar Timóteo
para realizar a obra de um evangelista. “Pela”
imposição das mãos de Paulo, um dom especial
foi dado a Timóteo (2 Timóteo 1:6). Juntamente
com as mãos de Paulo, o presbitério impôs suas
16
Também, a habitação do Espírito Santo deve ser
considerada distintamente dos dons miraculosos. A habitação do Espírito é concedida a todos os cristãos como uma
confirmação da filiação, enquanto que os dons miraculosos
eram dados somente pela imposição das mãos dos apóstolos.
17
Owen D. Olbricht, Baptism: New Birth or Empty Ritual?
(“Batismo: um Novo Nascimento ou um Ritual Vazio?”).
Delight, Ark.: Gospel Light Publishing Co., 1994, pp. 141–
42.
mãos para comissionar Timóteo para o exercício
desse dom (1 Timóteo 4:14).
Somente certas pessoas tinham dons espirituais: 1) exceto nos casos dos apóstolos e dos
primeiros cristãos gentios, os dons espirituais
eram concedidos pela imposição de mãos (Atos
19:6). 2) O apóstolo através do qual os dons
estavam sendo conferidos tinha de estar presente
para conceder um dom (gr. chrisma; Romanos
1:11). 3) A natureza do dom que cada um recebia
dependia da vontade do Espírito Santo, e não do
desejo daquele que recebia o dom (1 Coríntios
12:11). 4) A presença dos dons dentro de uma
igreja era sinal de que um apóstolo havia visitado
aquela congregação (1 Coríntios 9:1, 2).
Na igreja em Corinto, por exemplo, não
faltava “nenhum dom” (1 Coríntios 1:7); isto
porque Paulo, um apóstolo, estivera lá. Outros
apóstolos poderiam ter-lhes concedido dons
como um sinal de que eram apóstolos, assim
como fizera Paulo quando lá estivera (2 Coríntios
12:12); todavia, os outros apóstolos não estiveram
lá. Foi baseado nesse fato, que Paulo pôde usar a
igreja de Corinto como uma prova de que ele era
apóstolo:
Não sou eu, porventura, livre? Não sou apóstolo? Não vi Jesus, nosso Senhor? Acaso, não sois
fruto do meu trabalho no Senhor? Se não sou
apóstolo para outrem, certamente, o sou para
vós outros; porque vós sois o selo do meu
apostolado no Senhor (1 Coríntios 9:1, 2).
A igreja de Corinto era o selo do apostolado
de Paulo porque não lhe faltava nenhum dom,
mas possuía todo o espectro de dons que os
apóstolos eram capazes de conceder. Se alguém
questionasse o apostolado de Paulo, ele poderia
apontar para Corinto e dizer: “Eles são o selo do
meu apostolado”. Visto que só os apóstolos
podiam conceder os dons — e nenhum outro
apóstolo estivera em Corinto — o fato de os
coríntios possuírem os dons era uma prova acima
de qualquer dúvida de que Paulo era apóstolo.
Baseado nessa verdade, podemos concluir que
só os apóstolos podiam conceder dons; pois se
um cristão não-apóstolos pudesse conceder dons,
Corinto não teria sido usada por Paulo como
uma garantia de seu apostolado.
A NATUREZA DOS DONS
Cada um dos nove dons era para um fim
proveitoso na jovem igreja coríntia. Até aquele
3