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  UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
        DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
      CAMPUS XIV – CONCEIÇÃO DO COITÉ




   JELTROM ANTONIO OLIVEIRA DE ARAUJO




A FICÇÃO DENTRO DA FICÇÃO DE GEORGE
       ORWELL E SUAS NUANCES




             CONCEIÇÃO DO COITÉ
                    2012
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   JELTROM ANTONIO OLIVEIRA DE ARAUJO




A FICÇÃO DENTRO DA FICÇÃO DE GEORGE
       ORWELL E SUAS NUANCES




              Monografia apresentada à Universidade do Estado da
              Bahia, Departamento de Educação, Campus XIV, como
              requisito final à conclusão do Curso de Licenciatura em
              Letras com Habilitação em Língua Inglesa.

              Orientadora: Profª. Drª. Flávia Aninger de Barros Rocha.




             CONCEIÇÃO DO COITÉ
                    2012
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             JELTROM ANTONIO OLIVEIRA DE ARAUJO




      A FICÇÃO DENTRO DA FICÇÃO DE GEORGE
             ORWELL E SUAS NUANCES

                           Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia,
                           Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito final
                           à conclusão do Curso de Licenciatura em Letras com
                           Habilitação em Língua Inglesa.



Aprovada em: ___/___/___


                                Banca examinadora

_______________________________
Flávia Aninger de Barros Rocha – Orientadora
Universidade Estadual de Feira de Santana


_________________________________________
Neila Maria Oliveira Santana
Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV


_________________________________________
Rita Sacramento
Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV




                               CONCEIÇÃO DO COITÉ
                                      2012
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Dedico este trabalho aos meus familiares,
   colegas, e aos nossos professores pela
           contribuição na construção do
                          conhecimento.
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                                       AGRADECIMENTOS



   Para nós, seres humanos, viver deve ser entendido como encarar a ditadura da vida com
anarquia. Isso significa que precisamos confrontar de todas as formas as adversidades
sobrevindas, realizando inúmeras ações para atender às nossas necessidades, aspirações e
conveniências. Por conseguinte, devemos exercer sempre a nossa pluralidade que não se
reduz à unidade de confusão, pois, como diria o pensador Blaise Pascal, unidade que não
depende de pluralidade é tirania. Portanto, como não vivemos sozinhos, a produção da
existência é feita por um conjunto de ações coletivas e interligadas.
   Nesse ínterim, ao me dedicar neste trabalho científico, muitas pessoas contribuíram para
que se concretizasse esta monografia. Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que, de
alguma forma e mesmo que involuntariamente, doaram um pouco de si para que a conclusão
deste trabalho se tornasse possível:
   A minha orientadora professora doutora Flávia Aninger de Barros Rocha que me orientou,
desde o Anteprojeto até a Monografia auxiliando na produção do texto, na organização das
ideias, com a disponibilidade de tempo, materiais e referências que utilizei, com o apoio e
simpatia com que me tratava.
   Aos meus pais, Antonio e Raimunda que me incentivaram sempre a estudar, a acreditar
em mim mesmo, a nunca desistir; Agradeço a eles que me ensinaram a ser o que sou hoje e
me educaram para tornar-me uma pessoa de bem e aguerrida, por todos os sentimentos bons e
incondicionais a mim dados.
   A meu irmão mais velho Josué, que me deu grande input em todos os sentidos para
prosseguir nessa jornada e concluir, pois seria profícuo para o meu viver.
   A meus amigos, que compreenderam a minha ausência nos últimos momentos da
produção da monografia, pela atenção e paciência. Agradeço também por eles existirem em
minha vida, por estarem presentes nos momentos bons, bem como nos momentos difíceis, por
eles me aceitarem como sou.
   Aos colegas de Universidade, por eles, aos poucos, ocuparem um grande espaço em meu
existir, por conquistarem meu respeito, meu carinho e por representarem pessoas especiais e
indeléveis pra mim.
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CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que estereliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das
igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e
medrosas.

                          Carlos Drummond de Andrade
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                                          RESUMO



O presente trabalho propôs-se a uma abordagem sociocrítica, em 1984, de George Orwell.
Narrativa de grande densidade, na qual o autor focaliza as questões humanas, que vem à tona
diante de um quadro de grande opressão política. Vemos que é possível encontrar as marcas e
os impactos produzidos pela experiência das Grandes Guerras Mundiais. Nessa investigação,
pode-se visualizar as tentativas de dominação estabelecidas pelos regimes totalitários desse
período, que despertou nos intelectuais o sentido de alerta com relação aos direitos individuais
civis. Essa abordagem sociocrítica serve-nos para estabelecer a compreensão tanto da obra
1984 em si, quanto do livro que se encontra inserido nessa narrativa. Para tanto, procurou-se
aqui mostrar como se configura esta ficção ou livro imaginário dentro da ficção, e o
desdobramento do híbrido entre História e Literatura dentro da obra de Orwell no que diz
respeito aos paralelos com os sistemas sociais implantados no século XX. Possibilita-nos
afirmar assim, que através dum entendimento sociocrítico é que a obra fala por si, enquanto
espelho social de uma época.


Palavras-Chave: Literatura. História. Sociocrítica. Política. Ficção. Memória.
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                                          ABSTRACT



The present work, has proposed a sociocritic approach in 1984 by George Orwell. Narrative
of huge density, whose author focus on human questions that comes to the surface in front of
a picture with big politic oppression. We see that is possible to find so many wounds and the
impacts made by the experience of the Great World Wars. In these overlooking, we can see so
many attempts to dominate established by totalitarians regime in these period, which woke up
in the intellectuals the sense of alert in relation to the individual civil rights. This sociocritic
approach serves to establish the comprehension as 1984 itself, as the book inside this novel.
Hence, we search here show how to configure its fiction or imaginary book inside this fiction,
and the developments of the hybrid between History and Literature within Orwell‘s work, in
respect to the parallels with the social systems implanted in Twentieth century. Allow us to
state through these sociocritic understanding, the work tell by itself, while a social mirror of
an epoch.

Keywords: Literature. History. Sociocriticism. Politic. Fiction. Memory.
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                                                   SUMÁRIO



      INTRODUÇÃO: MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO:
      PALIMPSESTOS INACABADOS ....................................................................... 09




1     MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO: UMA LEITURA
      SOCIOCRÍTICA ...................................................................................................    12


2     GOLDSTEIN, O PAROXISMO DA CONSCIÊNCIA........................................ 17
2.1   A construção da sociedade através da luta de classes............................................... 19
2.2   Os mencheviques de Goldstein................................................................................. 22
2.3   O Terror da razão humana em 1984.........................................................................           24


3     O PODER VIRTUAL: A ANULAÇÃO DA MEMÓRIA...................................                                           29
3.1   Manutenção da situação por subtração.....................................................................           34
3.2   Winston e Júlia: a revolução traída...........................................................................      37
3.3   Panis et circenses, pois somente ―os proles e os animais são livres‖.....................                           41




      CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................               43


      REFERÊNCIAS .....................................................................................................   45
9




                                        INTRODUÇÃO:
  MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO: PALIMPSESTOS INACABADOS




            Eric Arthur Blair (1903-1950), ou George Orwell, como é conhecido, é um dos
representantes mais marcantes da literatura distópica, ou seja, da escrita que descreve a
vivência de uma ―utopia negativa‖, marcada pelo total controle da sociedade através da
tecnologia. Podemos conceituar melhor o termo distopia, partindo da sua palavra radical
utopia, que é um conceito segundo o qual é possível idealizar de forma fantasiosa um lugar
que é um não-lugar, pois situa-se tão somente no imaginário e não chega a realizar-se. O
utopismo é um modo absurdamente otimista de ver as coisas do jeito que gostaríamos que
elas fossem e desse modo, pode-se dizer que o conceito derivado de distopia seria o inverso,
ou seja, a possibilidade de idealizar de forma negativa esse não-lugar.
            Desse modo, a obra de Orwell, 1984, escrita em 1947, retrata uma sociedade
oligárquica e totalitária, que reprime qualquer um que se opuser a ela. As ideias que a regem
partem de um líder obscuro, ―O Grande Irmão‖ (The Big Brother), que, através de telões
instalados em vários lugares, inclusive nas casas, controla a privacidade de todos os cidadãos
do país. Através desse controle da informação, ele se mantém e se consolida cada vez mais,
pois, como se percebe na leitura do livro, o grupo dominante altera os fatos históricos para
situações mais convenientes. Associado a essa intervenção no passado, está o conceito
chamado de ―duplipensar‖, conceito segundo o qual é possível ao indivíduo conviver
simultaneamente com duas crenças diametralmente opostas e aceitar ambas, também criado
para consolidar a ditadura do Partido que determina tudo.
            Desiludido com sua existência miserável, Winston Smith, protagonista da narrativa e
funcionário do governo totalitarista, começa a empreitada de se rebelar, juntamente com a
companheira Júlia, transgredindo a partir do momento em que vê nela também uma possível
dissidente e começam a se envolver amorosamente. Assim, no início, sem nem mesmo
conhecer quase nada sobre sedição, ainda que silenciosamente, Winston tenta restituir sua
esperança, acreditando que os proles, a camada mais baixa da população, considerada como
muito inferior, seriam os que restituiriam a ideia de liberdade na Oceania, esta, local da
figuração de Orwell, em constante guerra com mais duas potências rivais: a Eurásia e a
Lestásia.
            Para os fins a que nos propomos, se avaliarmos historicamente, veremos semelhanças
gritantes com a época vivida pelo autor, pois o clima de guerra constante é possivelmente uma
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caricatura dos pactos realizados entre os países envolvidos na Segunda Grande Guerra. Entre
eles, pode-se destacar o de maior proximidade com a figuração de Orwell, o Pacto Molotov-
Ribbentrop, que aliou a URSS com a Alemanha Nazista, e a ruptura inesperada com a
Operação Barba Vermelha, que culminou com o insucesso da Alemanha Nazista.
         Dando prosseguimento à nossa análise, encontramos na outra face da moeda, em
contraste com o ―Grande Irmão‖, a sua polarização, o dissidente do Partido, Emmanuel
Goldstein, inimigo público número um da sociedade da Oceania. Emmanuel Goldstein era um
antigo membro do Partido que quebrara as regras vigentes ao supostamente conspirar contra o
Grande Irmão.
         Desse modo, devido ao seu caráter subversivo, o personagem foi transformado em
alvo de ataques, servindo para alimentar a vitalidade do Partido nas manifestações mais
gritantes, como nos Dois Minutos de Ódio, momento diário em que as pessoas se reuniam em
frente a um telão enorme alocado em praça pública chamado de Teletela, diante do qual se
atiravam insultos a esse suposto dissidente. A condição de ―suposto inimigo‖ nesses dois
polos da narrativa, se deve ao fato de que, assim como o Grande Irmão, não se tinha a certeza
da real existência de Emmanuel Goldstein, e, ainda assim, essa sociedade era dominada pela
influência dessas duas entidades: A grande maioria, que não ousava pensar sem as ordens do
Big Brother e os mencheviques de Goldstein que conspiravam às escuras, nos quais se
incluíam Winston e Júlia.
         Contido na ficção de Orwell, há um livro chamado Teoria e Prática do Coletivismo
Oligárquico, escrito pelo desertor Emmanuel Goldstein, o qual apresenta um pouco da gênese
e das consequências de todas as formas de totalitarismos. É um livro de natureza sediciosa
que, por haver poucos exemplares, vai sendo revezado entre os possíveis dissidentes, e que,
minuciosamente, mostra as nuances desse sistema utópico, servindo de espelho para uma
crítica às manifestações totalitárias do século XX.
         Emmanuel Goldstein, então, pode ter sido um dos ―revolucionários‖ que ajudou a
construir o sistema social implantado naquela sociedade (IngSoc – sigla para Socialismo
Inglês). Este pregava a liberdade de pensamento, sendo o cérebro o único local em que o Big
Brother não conseguia vigiar, isto se o pensamento não fosse expresso na face e captado pela
teletela. Esta ideia se mostra contrária ao poder vigente, pois somente com o povo exprimindo
as suas opiniões, sem serem obrigados a duplipensar, é que a ordem poderia mudar. Porém,
por ter opiniões contrárias, Goldstein acabou sendo perseguido e banido da Oceania.
         É possível afirmarmos que, ao analisarmos as obras da Literatura européia pós 2ª
Guerra Mundial, encontraremos as marcas e os impactos produzidos pela experiência da
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Guerra. A tentativa de dominação pelos regimes totalitários de Hitler e Mussolini despertou
nos intelectuais ingleses e europeus de um modo geral, o sentido de alerta com relação aos
direitos individuais civis.
         Com sua obra, George Orwell se posiciona a favor de uma reflexão que vai além de
um exame sobre o Stalinismo, como anteriormente propuseram vários estudiosos deste livro.
Além deste propósito, o autor focaliza as questões humanas que vem à tona diante de um
quadro de opressão política.
         O livro que se encontra dentro do livro, de autoria do personagem dissidente
Emmanuel Goldstein, representa um importante elemento do qual os personagens são
privados todo o tempo: a liberdade de pensamento ou a liberdade de experimentar um
caminho e ter o direito de também negá-lo, buscando um equilíbrio.
         A relação entre o contexto social e a produção literária pode ser vista conforme
explica Antônio Cândido em ensaio fundamental para os Estudos Literários: ―a função social
comporta o papel que a obra desempenha no estabelecimento de relações sociais, na
satisfação de necessidades espirituais e materiais, na manutenção ou mudança de uma certa
ordem na sociedade‖ (CÂNDIDO, 2000, p. 53).
       Deste modo, acreditamos que Orwell aponta, com a presença do livro de Goldstein no
enredo, para a Palavra que permanece, para o registro escrito da História, mostrando que o
livro se revela passível de inúmeras abordagens, e que, quanto mais nos dispusermos a fazer
nossas análises sociocríticas, iremos ver que 1984 é um terreno muito fértil para as análises
sociológicas e que, com essa visão, será possível perceber os recursos narrativos usados por
Orwell para tratar dessa reflexão através da Literatura, bem como pelo estudo sistemático da
conexão entre a literatura e a sociedade.
       Assim, o recurso narrativo do ―livro dentro do livro‖ reforça a questão das formações
discursivas como portadoras de ideologias, trazendo uma chave de compreensão para o
enredo da obra, demonstrando como aquela sociedade se tornou opressora e fechada e, deste
modo, convocando o leitor à reflexão fundamental de que um regime político que não se
avalia tende a se tornar ditatorial, remetendo-nos a alguns regimes implantados num dos
séculos mais conturbados por guerras como o século XX.
         A pesquisa se desenvolveu através de revisão bibliográfica, visando encontrar
fundamentação teórica na leitura de material já publicado sobre o tema/problema de pesquisa,
em que fossem discutidos os aspectos da tirania, os mecanismos de coerção, a constituição
das classes sociais, pela ótica do livro contido na ficção de George Orwell: ―Teoria e Prática
do Coletivismo Oligárquico‖ do personagem Emanuel Goldstein, bem como a partir de
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autores que, a exemplo de Cândido e Baccega, aqui citados, tratam do imbricamento entre o
tecido social e histórico e a Literatura.

         Encontramos, desse modo, um terreno bem fértil nessa literatura pós-guerra, a qual
dá uma visão em detalhes desse período de grande importância histórica. Muito pelo fato de
que, fornece-nos não somente uma visão unidimensional da história, mas descreve com
precisão de quem vivenciou esse período que deixou indeléveis marcas na nossa sociedade.

         No sentido de manter-nos atualizados sobre como se dá o funcionamento das
engrenagens sociais, fizemos algumas análises também por vieses outros, como o
psicanalítico, o qual nos oferece pontos veementes para estabelecermos o entendimento do
que essa leitura pode mostrar.

         Dos procedimentos instrumentais utilizados temos a seleção de textos teóricos que,
desta forma, também entraram nessa seara sociológica e encontram seu norte do ponto de
vista da literatura. Assim, o trabalho se articulou através de pesquisas bibliográficas, na
internet e discussões na órbita do tema, os quais culminaram com o know-how necessário às
incursões discursivas realizadas aqui.


       1. MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO: UMA LEITURA
           SOCIOCRÍTICA


        Um entendimento sociocrítico designará a leitura do histórico em que está inserida
determinada literatura. Assim, para Madame de Stäel apud Barbéris (1997, p. 153), a
literatura muda com as sociedades e com os progressos da ―liberdade.‖ Ela se amolda à
evolução da ciência, do pensamento, das forças sociais. A literatura é sempre crítica e ao
mesmo tempo convite a alguma coisa. É preciso investigar a fundo as matrizes discursivas
para definirmos as relações entre história e literatura presentes na obra. Sobre esse aspecto,
Vargas Llosa (2007, p. 23) afirma que ―a diferença entre a verdade histórica e a verdade
literária desaparece e se funde num híbrido que banha a história de realidade e esvazia a
história de mistério, de iniciativa e de inconformidade diante do estabelecido‖.
        Logo, como afirma Baccega (1995, p. 89), ―a leitura nada mais é que o discurso da
existência humana, das suas várias possibilidades. E a história é o desdobramento no tempo
dessas várias possibilidades‖. Faz-se preciso, portanto, que saibamos como situar essa
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literatura, no que diz respeito a estruturar um paralelo entre a utopia e a construção da
sociedade através da luta de classes.

                        Há ocasiões em que o texto pode ser uma excepcional síntese de tensões e vibrações,
                        inquietações e perspectivas, aflições e horizontes de indivíduos e coletividades, em
                        dada situação, conjuntura ou emergência. Nesse sentido é que algumas obras de
                        literatura, assim como de sociologia, podem ser e têm sido tomadas como sínteses
                        de visões do mundo prevalecentes na época. (SEGATTO; BALDAN, 1999, p. 41)

       Segundo Cândido, deve-se analisar o vínculo entre a obra e o ambiente, sempre
observando a estética da literatura. O que interessa é uma abordagem que exponha a obra
literária como uma união de fatores sociais que exerçam influência na composição da mesma,
que consiste no escopo da nossa busca. A literatura deve ser vista como um todo
indissociável, formado por características sociais diferentes que se completam. Cândido
afirma que:


                        a arte é social ‗quando‘ depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na
                        obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito
                        prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o
                        sentimento dos valores sociais. Isto decorre da própria natureza da obra e independe
                        do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os receptores de arte.
                        (CÂNDIDO, 2000, p. 29)


       Ainda segundo este autor, tratando dos fatores socioculturais, podemos afirmar que os
mais importantes estão ligados à estrutura social, no que diz respeito à posição social do
artista, os valores e ideologias que se manifestam no conteúdo e na obra e as técnicas de
comunicação que podem ser observadas na transmissão da obra. Sociologicamente, a obra só
finaliza quando repercute e atua, pois ela é um sistema de comunicação inter-humana, se
recorrermos à época de lançamento de 1984, iremos nos certificar desse momento de
repercussão e atuação e que refrata por todos esses anos e reverbera na contemporaneidade.
       Analisando ―1984‖ por esse critério da indissociabilidade da literatura e da história
veremos que estas:


                        Além dos seus enigmas filosóficos, religiosos, políticos ou outros, elas contribuem
                        decisivamente para a revelação do desenho da prisão de ferro, literal ou
                        metaforicamente. São um mergulho audacioso, surpreendente, aflitivo e fascinante
                        no sistema labiríntico produzido pela racionalização das organizações, instituições,
                        atividades e mentalidades. (SEGATTO; BALDAN, 1999, p. 24-25)


       Tais características estão presentes em alguns sistemas políticos do período em que
1984 está mergulhado. Podemos considerar que, ―a literatura não é mais Apolo inspirando o
14




Poeta, mas um aspecto da história social‖, como expressa Barbéris (1997, p. 160). Para
entendermos a natureza da ficção, Vargas Llosa (2007, p. 12) diz que ―no embrião de todo
romance ferve um inconformismo, pulsa um desejo insatisfeito‖, ou seja, pode-se dizer que
Orwell transmitia suas ideias inconformistas através da sua pintura literária.
       Na esteira desse pensamento, Eric Arthur Blair, ou George Orwell, dedicou parte de
sua vida ao combate de ideologias totalitárias, sobretudo as de cunho nazifascistas.
Primeiramente, lutando na Guerra Civil Espanhola em 1936 contra a ditadura de Francisco
Franco e depois, quando desiludido com o sistema socialista, passa a voltar sua obra literária
para a crítica a este tipo de modelo.
       Assim, no discurso literário, podemos encontrar inúmeras marcas de relações
socioeconômicas, políticas e culturais, como quando percebemos na leitura, o momento que
Winston resolve ler o livro proibido escrito por Goldstein. Os conceitos apresentados no livro
ficcional de Emmanuel Goldstein sobre como se dá a construção da história através da luta de
classes apresenta claramente a defesa dos pontos de vistas de Orwell, identificadas no trecho
abaixo e que, ao final, mostram a estruturação daquela sociedade distópica:


                        O objetivo da Alta é ficar onde está. O da Média é trocar de lugar com a Alta. E o
                        objetivo da Baixa, quando tem objetivo – pois é característica constante da Baixa
                        viver tão esmagada pela monotonia do trabalho cotidiano que só intermitentemente
                        tem consciência de que existe fora de sua vida – é abolir todas as distinções e criar
                        uma sociedade em que todos sejam iguais. Assim, por toda a história, trava-se
                        repetidamente uma luta que é a mesma em seus traços gerais. Por longos períodos a
                        Alta parece firme no poder, porém mais cedo ou mais tarde chega um momento em
                        que, ou perde a fé em si própria ou a capacidade de governar com eficiência, ou
                        ambas. É então derrubada pela Média, que atrai a Baixa ao seu lado fingindo lutar
                        pela liberdade e a justiça. (ORWELL, 1986, p. 147).


      Essa crítica parece representar um pouco da desilusão de Orwell com relação ao
comunismo, sistema que, por sua vez, primava pela pureza de sua sociedade, também
defendida pelo nazismo, e que praticava o mesmo cerceamento das liberdades individuais, por
trás da falsa ideia de ―reorganização social‖.
      Desse modo, 1984 remete-nos também às frustrações particulares do autor. Para
Timothy Garton Ash (2001), professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, nos
Estados Unidos, três fatores pessoais levaram Orwell a descrever o sistema totalitário de
maneira tão realista, embora todo o seu conhecimento sobre o sistema comunista russo
provenha de suas leituras. O primeiro deles foi o processo de formação de Orwell como
policial imperial britânico na Birmânia, onde ele foi funcionário de um regime opressor por
cinco anos. Ao criar ódio pelo imperialismo e fortalecer sua relutância a este sistema, o
15




escritor também desenvolve uma forte percepção do perfil psicológico de um opressor,
figurado no Grande Irmão. O segundo proviria da vivência do escritor com os pobres da
Inglaterra e da França com os quais conheceu a humilhante falta de liberdade que a pobreza
proporciona.
      Por último, viria sua vivência direta no conflito ocorrido na Espanha, onde foi ferido
por um tiro na garganta. Porém, o que mais o impressionou e revoltou foi a difamação e a
perseguição sofridas pelo Partido Operário de Unificação Marxista (POUM) por parte de
comunistas, que deveriam ser aliados no combate à ditadura franquista. O agente russo na
Espanha acusava os membros do POUM de traidores trotskistas franquistas. Este fato levou
George Orwell a compreender que a manutenção da supremacia pessoal pode se sobrepor a
ideologias e vidas.
       De fato, o que é mais emblemático ao mergulharmos na narrativa de 1984, mais
precisamente, na narrativa da suposta existência de Emmanuel Goldstein e na estruturação de
―Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico‖, é vermos que este assemelha-se muito ao que
foi vivenciado por Leon Trotski, líder comunista que teve papel decisivo na Revolução
Bolchevique. Bem como, se nos referimos ao contexto do livro, veremos que a guerra para a
manutenção da paz foi recurso muito utilizado na Europa da época, principalmente na Rússia,
Alemanha, entre outros.
       Também, como no comportamento do Big Brother, podemos comprovar com as
palavras dos biógrafos de Stálin, Dorothy e Thomas Hoobler, que este gostava de estimular
rivalidades entre os que compunham o seu círculo mais íntimo de relações, de modo a manter
todos sob eterna tensão. ―Havia o temor generalizado de que, de repente, o líder decidisse que
alguém já não merecia sua integral confiança‖ (HOOBLER, 1987, p. 95). Tal afirmação é
suscetível de incontáveis reflexões e desse modo, podemos nos questionar: se num círculo de
amizades há esse temor, o que se poderia dizer do cenário político como um todo?
       Podemos perceber que 1984 nos dá todo o panorama histórico do período da Segunda
Grande Guerra, tanto o nazismo de Hitler quanto o Franquismo na Espanha, o Stalinismo
russo, entre outros. Além de outras similaridades menos relevantes, sabemos que ―Trotski era
constantemente acusado pelo regime stalinista de liderar uma conspiração antissoviética. Na
verdade, seu nome serviu de pretexto para a violência e o terror implantados por Stálin‖
(HOOBLER, 1987, p. 63).
       Ademais, a título de informação, Trotski se tornou crítico ferrenho depois que a
cortina de ferro se abriu pra ele. Como intelectual e tendo participado ativamente na
Revolução, produziu incontáveis escritos em que condenava os mandos e desmandos das
16




políticas totalitaristas, principalmente de Stálin. Entre esses escritos, o mais veemente foi The
Revolution Betrayed. E é com este sentido que muitos correlacionam a obra de Trotski (The
Revolution Betrayed) com ―Teoria e prática do Coletivismo Oligárquico‖ de Goldstein,
contido em 1984. Este estrutura de forma detalhada o conhecimento sobre a constituição das
sociedades desde a sua gênese.
       Assim, à luz das reflexões sobre história e literatura, Bacegga (1995, p. 54) afirma
que: ―a palavra é a arena privilegiada onde se desenvolve a luta de classes‖. Portanto, o
quadro evidenciado na obra de Orwell demonstra as condições sociais que ainda
incomodavam e que de certa forma ainda atemorizavam as pessoas nos primeiros anos após a
Guerra. Em sua obra O mal-estar da pós-modernidade (1998) o sociólogo Zygmunt Bauman
faz um resgate das agressões e da negação da vida pessoal do indivíduo e, para estabelecer
esta conexão, se utiliza de George Orwell e de 1984:

                        O mais opressivo dos pesadelos que assombraram o nosso século, notório por seus
                        horrores e terrores, por seus feitos sangrentos e tristes premonições, foi bem captado
                        na memorável imagem de George Orwell da bota de cano alto pisando uma face
                        humana. Nenhuma face estava segura – como cada uma estava sujeita a ser culpada
                        do crime de violar ou transgredir. E uma vez que a humanidade tolera mal todo
                        tempo de reclusão, os seres humanos que transgridem os limites se convertem em
                        estranhos – cada um teve motivos para temer a bota de cano alto feita para pisar no
                        pó a face do estranho, para espremer o estranho do humano e manter aqueles ainda
                        não pisados, mas prestes a vir a sê-lo, longe do dano ilegal de cruzar as fronteiras.
                        (BAUMAN, 1998, p. 27-28).


       Para concluir, vemos que, neste momento da História, cada autor recomporá este
social de uma forma particular. Como já afirmamos, sabemos que Orwell estava a representar
algo através de sua escrita, trazendo sua análise para os leitores e que consegue transmitir-nos
todo o terror que esse período do século XX promoveu para a humanidade. Assim, mais do
que uma profecia, George Orwell com sua magnus opus faz um alerta lúcido e generoso,
sobre o que sucederia se os totalitarismos conseguissem seu real anseio, a negação do privado,
do particular.
       Ao nos transpormos para a realidade do livro, veremos que essa desvalorização
insidiosa do passado e do privado promoveu as condições para que todos vivessem
alienadamente. Se nos voltarmos para nossa realidade concreta, identificamos que este é um
mundo onde o silêncio é condição sine qua non para que o indivíduo não se veja a si mesmo,
bem como não entenda o mistério que constitui a vida (Jahanbegloo, 2000, p. 28). Logo, essa
literatura desempenha papel preponderante, pois:
17




                            Esses refúgios privados, as verdades subjetivas da literatura, conferem à verdade
                            histórica, que é seu complemento, uma existência possível e uma função própria:
                            resgatar uma parte importante – porém somente uma parte – da nossa memória:
                            aquelas grandezas e misérias que compartilhamos com os demais, em nossa
                            condição de entes gregários. Essa verdade histórica é indispensável e insubstituível
                            para saber o que fomos e, talvez o que seremos como coletividade humana. O que
                            somos como indivíduos e o que quisemos ser e não pudemos sê-lo de verdade, e
                            devemos sê-lo, portanto, fantasiando e inventando – nossa história secreta -, somente
                            a literatura sabe contá-lo. (VARGAS LLOSA, 2007, p. 26)




        Concomitantemente, nesse terrível universo a que George Orwell dá corpo através de
sua distopia, Orwell foi verdadeiro, oferecendo ao mundo uma narrativa mais abrangente e
profunda, mais humana do que qualquer esquema ideológico – de sinal positivo ou negativo –
possa conceber. Essa obra representa a comprovação do quanto a literatura e a história se
desdobram juntas e de como esse quadro histórico foi visto pelos artistas do período, posto
que, sabemos que a arte é o espelho social de uma época e que somente ela consegue mostrar
a representação de períodos que muitas vezes nem chegamos a presenciar. Melhor dizendo,
dentro dessas verdades subjetivas como as que encontramos em 1984, estão incrustadas as
verdades históricas necessárias às nossas reflexões.
        Por conseguinte, um dos primeiros tópicos que iremos abordar será com relação à
tirania desempenhada pela razão a serviço do Partido, que é mostrada em 1984. Essa mesma
razão impõe o terror e todo o medo dentro dessa sociedade, fazendo com que as pessoas sejam
meros joguetes a serviço do Partido, e estes, imersos na ideologia imposta através dessa
mesma razão, não conseguem tirar a venda dos olhos, condição que os cega.


2. GOLDSTEIN, O PAROXISMO DA CONSCIÊNCIA

                            A pior coisa que nós podemos dizer sobre uma obra de arte é sua insinceridade...A
                            literatura moderna...é senão a verdadeira expressão do que o homem pensa e sente,
                            ou não é nada. (ORWELL, 1970, apud BOUNDS, 2009, p. 87) 1 [tradução nossa].


        Ao escolher a citação acima como epígrafe desse capítulo, desejamos enfatizar e
sustentar as inúmeras incursões discursivas que são utilizadas na literatura Orwelliana de um
modo geral e na obra 1984, em específico. Ao estabelecer essas inúmeras reflexões através
das alegorias ora utilizadas no livro, Orwell retrata aquele período de grande importância



1
 The worst thing we can say about a work of art is that it is insincere…Modern literature…is either the truthful
expression of what one man thinks and feels, or it is nothing.
18




histórica pelas inúmeras mazelas sociais que ainda perduram, as quais, resultantes da guerra,
deixaram marcas indeléveis.
       Por conseguinte, mesmo se estabelecermos uma visão de forma menos detalhada do
livro, se pode perceber essa sinceridade requerida e defendida na citação acima, como amostra
dos sentimentos verdadeiros com relação àquelas sociedades caricaturadas.
       Desse modo, destacamos aqui esse ponto, de grande importância que pode ser
observado também dentro de uma personagem fundamental para a compreensão dessa obra.
Goldstein, em seu guia teórico sobre como foram os processos que levaram aquela sociedade
até o ponto em que estava, fornece muitas explicações às incontáveis conjeturas feitas por
Winston. Esses dados, por assim dizer, alimentam a sede de transformação desejada pelo
personagem. É a partir das ideias de Goldstein, associado àquele desejo inconsciente de
Winston de saber como se configurava a sociedade no passado, que a revolução (no campo
das ideias) contra o Grande Irmão começa a tomar forma.
       Logo, pode-se dizer que a figura messiânica de Goldstein se apresenta através dos
pontos ideológicos que são defendidos na obra. O personagem aponta para o zênite da
narrativa, onde mais uma vez ficção e realidade se abraçam e mostra o que os bolcheviques do
Grande Irmão fizeram para que a revolução deles nunca fosse traída, e se consolidasse cada
vez mais.
       Muito embora Winston saiba que a revolução não tem condições de se concretizar
pelo fato de que a lavagem cerebral realizada se deu de forma muito intensa e profunda, pode-
se perceber que Goldstein, existindo ou não, representa os ideais que são defendidos na obra.
O livro proibido havia sido engendrado pelas mãos dos que sabiam realmente como fora o
processo de construção daquele sistema e dos processos históricos que o levaram até aquele
ponto. Podemos até ir mais além e afirmar que, em caso de Goldstein ser somente uma
invencionice de afirmação da doutrina do Grande Irmão, possivelmente este ou quem o
inventou, teria realmente feito parte daqueles que determinavam a estrutura ideológica do
Partido.
       Assim, podemos, a grosso modo, caracterizar as imagens dos dois pólos da obra, nas
figuras de Goldstein e do Big Brother,        aproximando-as do conceito convencional e
maniqueísta de bem e mal existente nas nossas sociedades. Esses são construídos com essa
imagem polarizada, a negação de um é a negação dos dois, a afirmação de um é afirmar o
outro. Logo, podemos concluir que, muito mais onipotente que o Grande Irmão, o Partido
desempenha o maior papel, ao determinar a construção de dois pólos nos quais sem a
existência de um, o outro não se afirma, podendo causar a ruína do sistema.
19




       A consciência coletiva e alienada nunca buscaria uma resposta efetiva para o
entendimento da ideia de coletividade oligárquica. Portanto, Emmanuel Goldstein é
fundamental para que o Partido continue sempre em voga, mesmo sabendo que é um grande
risco deixar seu livro, suas ideias subversivas, fluírem de certo modo, mesmo que às escuras.


2.1 A construção da sociedade através da luta de classes


       Ao nos debruçarmos sobre o livro de Goldstein, ―Teoria e Prática do Coletivismo
Oligárquico”, podemos ver que este faz uma análise minuciosa dos processos que levaram o
sistema político até chegar ao estado de controle tirano. Essa obra se revela como um
verdadeiro tratado de ciência política, no qual se estabelecem detalhes minuciosos de como
desde os idos do final do período Neolítico, as três classes: a baixa, e principalmente a média
e a alta digladiaram-se pela ascensão ao topo da pirâmide. Em detalhes sucintos, porém não
menos incisivos, mostra-se o que fora preciso observar para que se encontrasse a forma ideal
de eterna dominação de um determinado grupo, sem que de forma alguma, nada viesse a
comprometer a ideologia vigente, congelando a história em um determinado período.


                      Tem havido três classes no mundo, Alta, Média e Baixa. Têm-se subdividido de
                      muitas maneiras, receberam inúmeros nomes diferentes, e sua relação quantitativa,
                      assim como sua atitude em relação às outras, variaram segundo as épocas; mas nunca
                      se alterou a estrutura essencial da sociedade. Mesmo depois de enormes comoções e
                      transformações aparentemente irrevogáveis, o mesmo diagrama sempre se
                      restabeleceu, da mesma forma que um giroscópio em movimento sempre volta ao
                      equilíbrio, por mais que seja empurrado desse ou daquele lado.
                      Os objetivos desses três grupos são inteiramente irreconciliáveis... (ORWELL, 1986,
                      p. 133,134)


       Goldstein em sua teoria dá-nos a metáfora ideal de como as posições das castas sociais
sempre volta para as mesmas posições. É justamente a diferença que discrimina uma classe da
outra e que é o combustível para que troquem continuamente suas posições.
       Essa mesma atmosfera é criada também em meio as potências mundiais dessa
narrativa. Mantêm-se a atmosfera de constante ebulição entre uma e outra, como se estivesse
sempre por um triz, de se digladiarem. No entanto é essa linha tênue que dá o equilíbrio exato
às potências. A ideia de guerra constante é que estabelece o equilíbrio na cabeça das pessoas.
       Conforme vemos nas palavras do teórico subversivo Goldstein:

                       A guerra, contudo, não é mais a luta desesperada e aniquiladora que costumava ser
                       nas primeiras décadas do século vinte. É uma luta de objetivos limitados entre
                       combatentes incapazes de destruir um ao outro, sem causa material para guerrear e
                       sem mesmo qualquer genuína divergência ideológica. Isto não significa que as
20




                          operações de guerra, ou a atitude em relação a ela se tenham tornado mais
                          cavalheiriscas ou menos sanguinárias. Ao contrário, a histeria guerreira é contínua e
                          universal em todos os países, e atos tais como estupros, pilhagens, matança de
                          crianças, e escravização de povoações inteiras, e represálias contra prisioneiros que
                          chega a incluir a morte pela água fervente e o enterramento de seres vivos, são
                          considerados normais e até meritórios, quando são cometidos pelos amigos, e não
                          pelos inimigos. (ORWELL, 1986, p. 134,135)


        É esse clima belicoso que, releva os atos cometidos por este sistema. Constrói-se esse
enredo de constante guerra, para que as mentes das pessoas estejam povoadas de fantasias
nacionalistas e assim, até os atos internos não terão resposta de indignação da sociedade.
Tudo se justifica em prol da estabilidade do sistema como um todo.
        Por conseguinte, podemos estabelecer inúmeros paralelos pelo viés sociológico.
Sabemos que, mesmo que aquele regime fosse intitulado de socialismo, tinha somente a
roupagem de tal, pois no socialismo há a luta de classes e percebemos tão somente, duas
classes na Oceania: os bolcheviques do Grande Irmão e os proles, aqueles que, como iremos
ver na nossa caracterização sobre os mesmos, não eram submetidos às armas utilizadas pelo
partido para coação completa, pois não era necessário.
        Podemos assim concluir que os proles, a esfera social que compunha a base, em
nenhum momento tenta coibir ou sobrepujar a outra e vice e versa, como normalmente
acontece na existência de duas ou mais classes, ou que pelo menos isso não se dava de forma
ostensiva e voluntária.
        Dando continuidade, ao pensarmos essa sociedade da Oceania, podemos tomar o
conceito de superestrutura e seu antagônico infraestrutura, e veremos essa sociedade bem
próxima daquela a qual Althusser (2003, apud MUSSALIM, 2006, p. 123), contemporâneo de
Orwell, mostra numa de suas obras, ao referir-se aos mecanismos de controle angariados pela
superestrutura, que a ideologia se perpetua, produzindo condições materiais, ideológicas e
políticas de exploração e dentre esses mecanismos estão os de suma importância, que são os
aparelhos ideológicos do Estado usados para controlar a infraestrutura, base da pirâmide,
portanto, maior parte da população.
        Podemos ver nas palavras de Bounds, um dos estudiosos da obra Orwelliana, que
desde que os valores da sociedade são invariavelmente baseados nos valores do sistema
econômico dominante, segue-se que a característica da vida cotidiana (...) será uma supressão
brutal das emoções. (BOUNDS, 2009, p. 87) 2 [tradução nossa].



2
 since a society‘s values are invariably based on those of the dominant economic system, it follows that the
main characteristic of everyday life… will be a brutal suppression of emotion
21




       Ou seja, a supressão dessas emoções exercida pela tirania era vista constantemente na
classe que domina toda a Oceania em nossa narrativa. Logo, se pode afirmar que o Partido
seria a superestrutura, quem determinaria como as coisas funcionariam, e a infraestrutura
seria composta por aqueles que ficavam aquém da sociedade dominante, à margem, os proles.
       Para os fins de nossas análises, não incluímos aqui os desertores, aqueles que, assim
como Winston, pretendiam uma grande subversão, exclusivamente pelo fato de que esses
mesmos pertenciam à superestrutura do Partido, àqueles que compunham a parte que
determinava a ideologia, nos quais se enquadram: Winston, Jones, Aaronson, Rutherford,
Goldstein, entre outros.
       Goldstein afirmava em sua narrativa teórica que                  ―a desigualdade é o preço da
civilização‖. Mas constatamos que, se nessa sociedade não havia a luta de classes, as coisas
estavam em equilíbrio para os mesmos. Logo, supomos que algo de muito importante teria
que ser extinto. E que nesse caso fora escolhido a consciência das pessoas. O mecanismo que
consegue olhar para as coisas de forma crítica, capaz de reconhecer como invasivas as
selvagerias, as incivilidades do sistema.
        Pode-se dizer assim, que não há a existência de classes propriamente ditas dentro
dessa distopia, pelo fato de o Partido trabalhar de forma tão sistematizada associada aos
mecanismos de coação, que as pessoas não sentiam o peso da hierarquia, presente em
qualquer agrupamento humano. Não havia a questão de o status ser determinado pela sua
função, logo, os mesmos não se viam diferentes, impossibilitando assim qualquer possível
subversão.
       Pode-se dizer, que mesmo tendo a fachada de socialismo, ao analisarmos de modo
mais teórico vemos que a luta de classes, que é divisor de águas no entendimento da noção do
que vem a ser o socialismo, é praticamente inexistente.
       Sobre esse aspecto, encontramos nas palavras de teóricos do assunto, pontos de vista
científicos muito veementes sobre a temática. No Manifesto do Partido Comunista Marx e
Engels (1848, apud ARON, 2005, p. 50) têm a visão essencial para o entendimento do que
estamos aqui tratando:


                           A história de todas as sociedades, até hoje, tem sido a história da luta de classes.
                           Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro especializado das
                           corporações e aprendiz, em suma: opressores e oprimidos estiveram em permanente
                           oposição; travaram uma luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que terminou
                           sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio
                           conjunto das classes em conflito. (MARX, ENGELS, 1848, apud ARON, 2005, p.
                           50)
22




       Temos aí de forma sucinta o resumo de um dos principais pensamentos marxistas
sobre a história humana, a sempre existente polarização em dois grupos. Winston, através de
suas tentativas trôpegas tenta não permitir o declínio por completo da maior parte da
população, a parte coadjuvante e subjugada, os proles.
       Muito pelo contrário, ele tenta acordá-los para que enxerguem que a ideologia não era
inexpugnável, e que era necessário perceber essa oposição entre opressores e oprimidos,
necessária à transformação revolucionária ou ao declínio das partes envolvidas.
       Ora, através do pensamento marxista pode-se compreender os processos que levaram
até chegar a esse lugar irreal negativo, o qual nos possibilita refletir sobre o que acontece
quando esse conflito inexiste e uma classe é submetida perenemente à outra. As dissidências
se dão sempre entre dois grupos, como no pensamento de Heráclito de Éfeso (535 a.C. - 475
a.C.), o qual dizia que é da guerra que nasce a paz, como síntese dos contrários.
       Daremos pertinência maior a esse assunto a posteriori, porém, de forma superficial, se
vê que o aforismo acima citado nos faz entender o porquê de eles incutirem na cabeça
daquelas pessoas a ideia da constante guerra. Só com essa atmosfera de guerra com outras
potências o equilíbrio seria onipresente, e assim subversões internas seriam quase
impossíveis.


2.2 Os mencheviques de Goldstein


       Em uma das faces antagônicas do sistema, encontra-se o personagem que serve de
combustível para os momentos de exaltação das paixões populares: Emmanuel Goldstein,
aquele que é tido como o inimigo número um do partido e que, assim como o Grande Irmão,
não se sabe ao exato se realmente trata-se de uma pessoa física. No entanto, na alegoria que é
retratada em nossa narrativa, podemos ver o quão real para os circunstantes da distopia a
figura de Goldstein se apresentava.
       Por conseguinte, ao intitularmos esse tópico como ―os mencheviques de Goldstein‖,
aludimos diretamente ao grupo de menor número que ajudou na construção da Revolução de
Outubro de 1917, àqueles que compunham a camada mais baixa da população. Dentro da
nossa figuração, os proles, o cerne da transformação social almejada por Winston Smith.
Enquadramos o próprio nesse grupo, bem como a Irmandade, que seria a suposta conspiração
existente e encabeçada por Goldstein e mais alguns antigos membros do Partido.
       Foi através dessa mesma Irmandade que o nosso protagonista teve acesso às ideias do
maior teórico contra o partido, através do livro ―Teoria e prática do coletivismo Oligárquico‖.
23




Da mesma forma, foi através das idéias dos mencheviques que se chegou à grande parte das
ramificações partidárias que surgiu desde esse período até então.
       Sabemos que na Revolução Russa de 1917, os mencheviques eram tidos como
reacionários à maioria bolchevique e dominante, e ao sistema social implantado pelos
mesmos. Consequentemente, isso culminava nas inúmeras perseguições de todos os tipos aos
primeiros e, mesmo sabendo que esses dissidentes estavam em minoria, o Partido
Bolchevique tinha bastante medo de seu poder de coação e de uma possível deserção em
massa dos ideais bolcheviques.
       Ainda assim, vemos que, com relação ao equilíbrio desses dois sistemas, tanto do
fictício quanto da realidade russa, há um contra-senso que é determinante no controle dos
cidadãos pois, como já dissemos, o partido dominante deixava que o grupo dissidente
existisse para que houvesse o álibi para as torturas, o álibi para as perseguições, em outras
palavras, o medo era a fonte do equilíbrio daquela pseudo-felicidade.
       Vemos também na nossa distopia as inúmeras incursões da Polícia do Pensamento,
que era o aparelho repressivo criado pela superestrutura daquele sistema e como, por algum
tempo, o Partido precisava, mesmo não existindo, de alguém para ser o leitmotiv das
perseguições, por ele engendradas.
       Assim, inventava-se a culpabilidade, logo após, o encalço, e por fim, através do poder
de coação, dava-se a aceitação do grande Irmão, como se pode ver claramente na nossa
narrativa, com o que sucede com Winston, ao entrar no quarto de tortura, em um dos
ministérios responsáveis pelas funções do Partido, o tão temido Quarto 101. Para este local
eram levados cativos todos aqueles que desacatavam o poderio de punho cerrado do Grande
Irmão, e lá era realizada a lavagem cerebral através dos medos das pessoas.
       Mais uma vez partindo do viés histórico em que a obra está mergulhada, corroborando
o que já afirmamos sobre as políticas do Grande Irmão, dentre estas o forjar, a alteração dos
fatos acontecidos, recorremos às palavras do próprio Trotski, líder menchevique
extremamente perseguido durante os anos em que, em nome da Revolução se instaurou um
regime de terror e de mentira sem igual, numa de suas obras mais contundentes:


                       Estes mitos e mentiras fazem parte integrante de um fenômeno – o stalinismo – que
                       recebe o nome do homem que foi protagonista da viragem que se produziu no seio
                       da Revolução Russa depois de 1923. Foi também Stálin quem fez dar – e por várias
                       vezes – uma nova redação à história da Revolução, do Partido bolchevique e da
                       Internacional Comunista. (TROTSKI, 1977, p. 9)
24




       Deste modo, é possível perceber a grande semelhança do que Trotski afirma sobre a
Revolução de Outubro, com o que é visto em nossa narrativa no ofício do próprio
protagonista, Winston, o qual trabalha alterando o que fora a história, para dar
sustentabilidade ao que é pregado pelo Partido.
       Vemos assim que a história é o registro da condição humana nas suas várias
possibilidades e que, sua alteração é um recurso fundamental para que se consolide o sistema
social vigente. Podemos supor que um dos primeiros insights de consciência do nosso
revolucionário possa ter se dado no momento em que ele vê a si mesmo imerso nesse
processo fraudulento, alterando esses fatos históricos para situações cômodas ao partido.


2.3 O Terror da razão humana em 1984


       O pensador francês Michael Foucault, em obras como Vigiar e Punir e Microfísica do
Poder, faz observações veementes sobre o controle do indivíduo através da tirania do poder.
Assim, é possível enquadrar o contexto da obra em estudo nessa abordagem.
       Podemos ver ao longo da narrativa que há inúmeras técnicas de sujeição utilizadas por
esse sistema. São elas que fazem com que se restrinja a liberdade individual humana e depois
conforme todos num padrão estético de comportamento fazendo com que conforme as
individualidades numa enorme eugenia. Sobre essa sujeição que os governos impõem ao ser
humano através da tirania, Foucault afirma que:


                       um novo objeto vai-se compondo e lentamente substituindo o corpo mecânico - o
                       corpo composto de sólidos e comandado por movimentos, cuja imagem tanto
                       povoara os sonhos dos que buscavam a perfeição disciplinar. Esse novo objeto e o
                       corpo natural, portador de forcas e sede de algo durável; e o corpo suscetível de
                       operações especificadas, que tem sua ordem, seu tempo, suas condições internas,
                       seus elementos constituintes. O corpo, tornando-se alvo dos novos mecanismos do
                       poder, oferece-se a novas formas de saber. Corpo do exercício mais que da física
                       especulativa; corpo manipulado pela autoridade mais que atravessado pelos espíritos
                       animais; corpo do treinamento útil e não da mecânica racional, mas no qual por essa
                       mesma razão se anunciara um certo número de exigências de natureza e de
                       limitações funcionais (FOUCAULT, 1999, p. 131)


       Os mecanismos de poder utilizados para essa moldagem são incontáveis e todos
incidem primariamente na mente humana. E vê-se ao longo da análise que a aceitação da
ideologia do controle por parte desse povo da Oceania, é uma coisa tão presente e tão normal
que eles confundem com um posicionamento racional. Desse modo, enquadra-se o indivíduo,
nega-se a multiplicidade. Aceita-se o Grande Irmão.
25




        Assim, é possível perceber o quanto essa atmosfera de medo foi onipresente, tanto na
narrativa quanto no período em que ela está inserida e ainda, observar em nossos dias ecos
desse terror imposto pela razão humana, o poder pelo poder, o veto da liberdade.
        Conforme se vê na nossa estória, há organismos específicos, feitos para desenvolver
esses mecanismos de controle, para que mesmo sem perceber o medo de sofrer as represálias
dos Ministérios, faça com que você lembre que todas as paredes têm olhos e ouvidos, e que o
seu comportamento seja policiado por si próprio.
       Vemos nas palavras de Foucault ao falar sobre as instituições engendradas pelo todo
da pirâmide social, a ratificação do que afirmamos:


                        As instituições disciplinares produziram uma maquinaria de controle que funcionou
                        como um microscópio do comportamento; as divisões tênues e analíticas por elas
                        realizadas formaram, em torno dos homens, um aparelho de observação, de registro
                        e de treinamento. Nessas maquinas de observar, como subdividir os olhares, como
                        estabelecer entre eles escalas, comunicações? Como fazer para que, de sua
                        multiplicidade calculada, resulte um poder homogêneo e contínuo? O aparelho
                        disciplinar perfeito capacitaria um único olhar tudo ver permanentemente. Um ponto
                        central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de
                        convergência para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e
                        centro em direção ao qual todos os olhares convergem. (FOUCAULT, 1999, p. 145)


       Isso faz com que mais uma vez pensemos como grande parte das instituições sociais se
perpetuaram durante séculos através da política do medo. Lotando as cabeças incipientes com
o que poderia sobrevir se algum indivíduo se arriscasse a pisar fora da linha tênue que
demarca até onde vai o comportamento adequado.
       Ainda podemos fazer um gancho com um trecho da obra, onde mostra que Syme um
dos funcionários mais dedicados do Partido Interno, órgão de grande veemência dentro desse
sistema, fora apagado até das baixas dadas mensalmente, por passar dos limites com seu
fanatismo ideológico. Preso na falsa ideia de que tinha liberdade e que poderia sim, cada vez
mais, dar demonstrações ostentosas de que estava fazendo sua parte ante o Grande Irmão, se
tornara uma impessoa. Pode-se ver que um fanático era um possível desertor. A sociedade
tinha que ser expurgada também nesses casos. Tinha que ter um tipo de controle latente entre
essas pessoas.
       Num de seus ensaios, o escritor brasileiro, Guido Guerra (2003, p. 215), ao explanar
sobre como viria a ser o estado autoritário ao desestabilizar-se, faz grandes observações sobre
as condições essenciais para exercer as humanidades sem o veto da idéia de tempo, e nos
mostra que: ―A restauração da idéia do ir e vir reserva ao ser social a possibilidade de trocar o
26




pão racionado pelas incertezas do dia seguinte, com o desespero de quem junta a fome à
vontade de comer‖.
        Isso ratifica o que o pensamento foucaultiano, em suas teorias a respeito da pós-
modernidade, nos mostra. Vemos que o pleno poder só pode ser exercido através das
concessões, da falsa liberdade, claramente visto na nossa distopia, pois, liberdade é
escravidão, lema que é salmodiado a todo o momento em nossa figuração. Esse controle pode
ser feito de terríveis formas, através da banalização da violência, banalização da morte, entre
outras maneiras.
        Pode-se ter uma noção dessa banalização da morte, que é a culminância da tirania, nos
diálogos tecidos entre os personagens sobre o que vem a ser o conceito de ser uma impessoa e
que, por mais paradoxal que o termo ―ser uma impessoa‖ possa parecer, o conceito era
assimilado por aquelas pessoas de forma natural.
        Analisando o conceito de cultura como recurso para entendermos a distopia
orwelliana, vemos que esta é criada a partir do exercício da repetição de algo e que, é esse
exercício que faz com que as pessoas vejam algo repetitivo como algo normal.
         Dentro da nossa narrativa, vemos inúmeros exercícios de repetição sendo usados. A
morte, por exemplo, de tão presente na vida daqueles, chega a um nível banal.
        Ou seja, o medo é concebido de maneira extremamente natural por eles. Assim, as
pessoas ficam enclausuradas no medo, pela estética que padroniza o "normal"; e por várias
outras formas e teias que se articulam para aprisionar o homem dentro de sua própria
existência. Na esteira desse pensamento, Foucault (1977, p. 321) afirma que: "Fabricam-se
indivíduos submissos, e se constitui sobre eles um sabor em que se pode confiar". Em
palavras sucintas, através desse exercício da repetição esses indivíduos são submetidos cada
vez mais ao jugo do Partido.
        Aliás, vê-se que ao longo da história essa tirania desempenhada pelo medo é um
recurso que foi de muita valia tanto em sistemas sociais quanto religiosos. O medo é porta
para que haja a aceitação e quem sabe, a posteriori, a assimilação do pretendido, em outras
palavras, sem esse recurso crucial a consolidação de qualquer sistema se daria de forma mais
dificultosa, ou então nem se realizaria.
        A socióloga Hannah Arendt detalha cronologicamente os tantos aparatos de controle
de que se valem os totalitarismos, dentre eles, nos mostra como é trabalhado o terror como
meio de coerção, e como estes agem dentro de uma sociedade vassala de um sistema
totalitário:
27




                       Somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto do totalitarismo; as massas
                       têm de ser conquistadas por meio da propaganda. Sob um governo constitucional e
                       havendo liberdade de opinião, os movimentos totalitários que lutam pelo poder
                       podem usar o terror somente até certo ponto e, como qualquer outro partido,
                       necessitam granjear aderentes e parecer plausíveis aos olhos de um público que
                       ainda não está rigorosamente isolado de todas as outras fontes de informação.
                       Nos países totalitários, a propaganda e o terror parecem ser duas faces da mesma
                       moeda. Isso, porém, só é verdadeiro em parte. Quando o totalitarismo detém o
                       controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não
                       mais para assustar o povo (o que só é feito nos estágios iniciais, quando ainda existe
                       a oposição política), mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas
                       mentiras utilitárias. (ARENDT, 1979, p. 390)


       Também é possível partir de um ponto de vista psicanalítico ao analisar 1984. Sobre a
convenção social de civilização, que se adapta às realidades individuais de cada sociedade,
Freud (1996, p. 127) ratifica o acima citado e coloca que, a civilização, portanto, consegue
dominar o perigoso desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e
estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade
conquistada.
       Por conseguinte, vemos que a consolidação desse Socialismo Inglês por meio desses
organismos de coerção, se dava de forma tão forte, que acabava resultando num processo
mecânico e arriscaria a afirmar que, quase consciente.
       Isso ratifica o que já fora supracitado, de que toda civilização tem um preço. O preço
do equilíbrio é sempre desempenhado por um mecanismo de controle. O preço que se paga
para sair da barbárie e entrar na civilidade exige que você se enquadre e de forma consciente
ou inconsciente, aceite os dogmas éticos e morais, determinados por uma ideologia qualquer.
       Dando continuidade, engendradas ferramentas para mostrar que estava sendo
observado em qualquer lugar, o cidadão se autopoliciava, censurando seu próprio
comportamento. Por fim, a idéia do exercício da repetição, para se perpetuar dogmas é bem
sustentada por Althusser (1970, apud MUSSALIM, 2006, p. 110) que diz:


                       A ideologia é bem um sistema de representações: mas estas representações não têm,
                       na maior parte do tempo, nada a ver com a ―consciência‖: elas são na maior parte
                       das vezes imagens, às vezes conceitos, mas é antes de tudo como estruturas que elas
                       se impõem à maioria dos homens, sem passar por suas consciências.


       Assim, o clímax da cegueira mental por parte das pessoas da Oceania, se dava em duas
cerimônias: os Dois Minutos de Ódio, e mais ainda na Semana de Ódio, em que a imagem
polarizada de Emmanuel Goldstein com sua voz balida era atacada com insultos e palavrões.
        No que diz respeito às políticas de controle desenvolvidas e desempenhadas por esse
sistema, podemos ver uma descrição quase ideal de como eram conduzidas tais cerimônias, e
28




de como, uma vez que já se encontravam com o poder estabelecido, o que era preciso fazer
para permanecerem. À medida que a sociedade se encontra socialmente sonhada, o sonho se
torna necessário. O espetáculo é o sonho mau da sociedade moderna aprisionada, que só
expressa afinal o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guarda desse sono. (DEBORD, 1997,
p. 19).
          O trecho serve-nos para comprovar de forma sistematizada o que se travava nesses
espetáculos promovidos concomitantemente, uma vez que serviam tão somente para ajudar
todos os lá inseridos a acreditar piamente no Grande Irmão e sua ideologia. Também nos
remete à segunda parte do pão e circo romano. Desse modo, podemos visualizar o transe em
que essas pessoas mergulhavam, mostrando a eficácia desses utensílios, trabalhando em
conjunto com o propósito da razão do Partido. A razão exerce tirania, subtraindo as
possibilidades de dissidência.
          Cruzando mais uma vez a relação da ficção com a realidade, haja vista que a obra
aqui dissecada promove por hora esses entrelaçamentos dentro da narrativa, podemos situar
outro ponto em nossa análise que é a semelhança dessa situação na distopia de Orwell, com a
Alemanha nazista de Hitler. Este também se utilizava, além de artifícios retóricos, da
exaltação das paixões populares, pela via de um lema que, assim como em nossa narrativa, era
salmodiado a todo o momento. Tratava-se do: “Deutschland Über Alles”, que era a primeira
linha da primeira estrofe da canção alemã Das Lied der Deutschen, que fora utilizada como
hino de exortação à unidade alemã.
          Dessa maneira, esse trecho constituía o slogan da verdadeira propaganda nazista de
exaltação à supremacia da raça ariana sobre o mundo, pregada por Hitler em seu regime.
Destaca-se também a respeito das incursões retóricas de Hitler, que este entrava em um
suposto estágio de transe em que os ouvintes também mergulhavam, como se houvesse ainda
por trás dele um ente superior, regente de todo aquele cerimonial.
          O ponto chave da nossa comparação aqui são os aparatos de coerção e
principalmente a propaganda desempenhada por estes regimes totalitários. Tanto o sistema em
questão dentro de nossa narrativa como o regime de Hitler, se utilizavam praticamente dos
mesmos recursos repressivos para perpetuar sua ideologia e cercear as liberdades, primeiro no
plano individual, que era o medo sendo trabalhado na cabeça de cada uma daquelas pessoas e
depois esse trabalho refletia num público maior, que seria o coletivo, através principalmente
da propaganda ovacionista. Uma mentira que era dita inúmeras vezes se tornava verdade e a
assimilação do medo como uma coisa típica de um governo era grandemente tragável por
parte dos governados.
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3. O PODER VIRTUAL: A ANULAÇÃO DA MEMÓRIA


        Conforme nossos estudos, foi possível notarmos que, entre as manifestações
totalitárias, a pluralidade de pensamento é um misto de passado e presente, tradição e
modernidade e esta pluralidade é vetada, dando lugar ao pensamento individual composto
somente de tempo presente, indispensável na consolidação destes sistemas. Logo, podemos
dizer que o passado é a matéria viva do presente e que, para entendermos esse poder virtual
como anulação da memória devemos sempre considerar o fator tempo.
        Thomas Mann, (2006, p, 67-68) romancista contundente que também abordou sobre os
anos que se sucederam após uma grande guerra, a de 1914, pra ser exato, coloca que, quando
um dia é como todos, todos são como um só; passada numa uniformidade perfeita, a mais
longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fechar de olhos. O hábito
representa a modorra, ou ao menos o enfraquecimento, do senso de tempo.
        O que se vê em nossa narrativa que tem uma ligação grande com o que elucidamos
acima, é que se procurava matar esse tempo através do exercício da repetição. Transformava-
se toda atividade em coisas habituais, que até mesmo a mente fazia suas abstrações de forma
maquinal. Como não se tinha consciência da passagem desse elemento tempo de grande
importância para possíveis mudanças no futuro, todo cidadão nada mais era que uma organela
entrelaçada a outras, compondo o todo indivisível.
        Nessa temporalidade se remonta à memória de um povo como em camadas. Uma
sociedade sem história torna-se trôpega. As possíveis tentativas de recuperação de sua estima,
para uma possível revolta, se dá principalmente através do conhecimento das suas memórias
guerreiras, que conseqüentemente servirão de paradigmas a serem seguidos.
        Acerca da tradição e temporalidade, T. S. Elliot (1975, p. 37) lido e apreciado por
Orwell, afirma que a sua compreensão ―envolve um senso histórico, e o senso histórico
envolve uma percepção, não somente da passagem do passado, mas sua presença 3‖ [tradução
nossa]. Presença essa que, no texto, o Partido procura o tempo todo apagar por completo.
        Assim, sabemos que, na memória, faculdade de reter impressões e conhecimentos
adquiridos, e de recuperá-los pela ação da vontade, está contida a existência humana em todas
as suas várias possibilidades e que, devido a ela, nós seres humanos nos tornamos mesmo sem
sermos eternos, seres indeléveis, melhor dizendo, é na memória que se inscreve nossa história,
é nela que nossas ações humanas inscrevem-se na atemporalidade.

3
 It involves (…) the historical sense (…) and the historical sense involves a perception, not only of the pastness
of the past, but of its presence.
30




       Na narrativa, podemos compreender melhor essa informação quando o protagonista
decide escrever um diário para o futuro. Daí, do ato de registrar seu presente para que alguém
possa entender o que se passa em seu tempo, parte seu propósito de se rebelar contra esse
regime. Nesse ínterim, enquanto escreve seu diário, uma das importantes chaves de
compreensão dessa narrativa são as armas utilizadas como tentativa de supressão da memória.
        Ao nos defrontarmos inicialmente com a obra 1984, a primeira coisa que nos salta
aos olhos é a temporalidade, não só pelo título datado, 1984, mas pelo fato de encontrarmos
alguém que busca vestígios de sua memória coletiva. Sabemos que esse poder, figurado no
Grande Irmão, busca incontestavelmente a anulação da memória de um tempo em que havia
liberdade, âncora da consciência de Winston Smith. Conforme Borges (2007, p. 55-56),
vemos que:


                       A memória, por sua vez, está ligada ao afeto. Talvez possamos dizer que
                       memorizamos apenas o que nos afeta, em maior ou menor grau. Talvez possamos ir
                       mais longe e afirmar que memorizamos mais nitidamente quanto mais intenso for o
                       afeto. Se isto for correto, para que as pessoas percam a faculdade de produzir uma
                       memória e assim fiquem mais facilmente à mercê dos mecanismos de submissão,
                       torna-se necessário impedir que elas se toquem ou pelo menos que não se afaguem,
                       mesmo que este afago seja um aperto de mão... Em outras palavras: é preciso formar
                       soldados e não cidadãos, pois a função do soldado é negar o outro, eliminá-lo;
                       ―matar ou morrer‖. Ou então que uma intensidade limite produza a necessidade de
                       esquecer. Ser forçado a agir contra a sua própria natureza. É preciso que a tortura, a
                       dor e a humilhação venham junto a palavras de ordem. (BORGES, p. 55-56)


        Assim, a raiz etimológica da palavra latina memória significa ―preservação de
experiência passada‖, um processo consciente que, de forma deliberada, convoca os fatos a
serem registrados. Em outras palavras, processo consciente que remete à liberdade. Essa
mesma liberdade, de forma intensa, o Partido tentava subverter através de mais algumas
outras armas que, somadas, dão grande parte do aparato desse sistema opressor.
        Analisando o conceito de memória, por esse viés etimológico, o qual, por sua vez,
está presente em vários campos do saber e ações do homem, percebemos que esta seria a
capacidade de o ser humano retomar o passado através de divagações sobre impressões e
vivências passadas. Também confirma esse pensamento Le Goff (2003, apud OLIVEIRA,
2008, p. 10): ―A memória é um comportamento narrativo que tem em seu cerne a função
social de comunicar a outras pessoas informações e impressões ocorridas no passado as quais
não estão no presente na sua forma original.‖
        Logo, percebemos quando exploramos com mais afinco os recursos utilizados pelo
partido para anulação dessa memória, que provavelmente havia uma consciência por parte dos
líderes de que ―os fenômenos da memória nos seus aspectos biológicos como nos
31




psicológicos, mais não são que os resultados de sistemas dinâmicos de organização e apenas
existem na medida em que a organização os mantém ou os reconstitui‖. (LE GOFF, 2003,
apud OLIVEIRA, 2008, p. 10).
         Desse modo, podemos afirmar que é nesse ponto que atacam as tiranias: se essa
organização que constitui a memória for ameaçada, a memória ancestral, as camadas que
compõe o tecido histórico, nunca poderá ser reconstituída. Winston busca sua memória
quando, por exemplo, vaga pelos subúrbios, onde existem as vivendas dos proles, faz compras
de resquícios do passado no antiquário, ou em sua quase certeza de que as coisas um dia não
tinham sido daquela forma, certeza essa que latente, o deixava absorto em seus pensamentos.
         Assim, se conjecturarmos que Winston chegasse a ter comprovação dessa realidade
passada que o visitava de quando em vez, seria o input perfeito para que ele realizasse a
revolução no campo das ideias pretendidas, pois sua memória não conseguia sistematizar de
forma organizada essas divagações, que seriam a pedra fundamental da preservação da
memória, e que, como sabemos, é justamente nela que o Partido incidia com o intuito de
subvertê-las quando levava seus cativos revoltosos para o quarto 101.
         Essa supressão era requerida pelo fato de que de alguma forma essa lembranças que
por ora Winston buscava, ainda que vagas, como imagens da mãe e da irmã, as canções
infantis, souvenires comprados no antiquário, entre outras coisas, podiam levar ao processo de
recuperação dessa consciência do que fora o passado buscado pelo protagonista. Esse
processo era visto por Winston de forma intensa na figura dos proles, os mesmos que eram
alimentados de panis et circenses, com músicas vazias de sentido, loterias de prêmios
utópicos, pornografia barata, entre outras coisas.
         E ainda que Winston visse as colunas dessa revolução nas figuras dos proles, isso
passava despercebido por eles próprios. Os futuros protagonistas da pretendida revolução, em
nenhum momento sentiam a necessidade de alteração da situação, eles possuíam pouca
instrução, e sabemos que quanto menor a informação, menor o questionamento. Estratégia
essa que sabemos ser muito utilizada pelos mantenedores do poder da atualidade. Instruindo
as camadas da base da pirâmide social estariam fornecendo um paiol de armamentos contra
aqueles, colocando em risco a situação do poderio. Isso faz-nos perceber que a ficção não fica
aquém da nossa realidade, que está bem mais próxima do que possamos pensar, ou seja,
ficção e realidade são um híbrido essencial para o entendimento da nossa condição humana.
         Com o fio na mesma meada, podemos nos questionar também do porquê de os proles
não oferecerem risco de revelia quase alguma ao Partido. Winston deixa bem claro em suas
buscas, em visitas frequentes ao local onde os proles residiam, entender o porquê de eles não
32




possuírem reminiscência alguma do passado. O escopo da busca de Winston, como aponta
nossa leitura, mostrava que, se alguma esperança havia, tinha que residir nos proles, pois só
deles, desse imenso e desprezado formigueiro, 85% da população de Oceania, podia alguma
vez brotar a força para destruir o Partido (ORWELL, 1986, p. 161).
          Desse modo, a manutenção da situação era instaurada pela subtração daquilo que
Winston começou a buscar nesses desprezados pardieiros, mesmo sabendo que, no fundo, a
revolução que ele poderia instigar a acontecer seria tão somente no campo das ideias, e que
teria que trabalhar a consciência da população quase que por inteiro. Ora, essa seria uma
tarefa quase que impossível. Mesmo o Partido, com todas as suas estratagemas bem
elaborados para controlar a população, não conseguiria esse feito com cem por cento de êxito.
          Dando prosseguimento, podemos mais uma vez fazer analogia ao período ditatorial
em que essa narrativa está inserida, mesclando realidade e ficção. Pois, à medida que nos
aprofundamos na literatura, enxergamos cada vez mais que todo escritor de ficção é um
memoralista. Às vezes, memória e ficção se entrelaçam fazendo com que se dificulte saber
definir o que é ficção do que é memória. Em incursões discursivas ficcionais sempre ficam
resquícios de algum fato vivenciado pelo autor da obra, haja vista que a literatura dá liberdade
de construir essas costuras, de forma consciente ou inconsciente.
          Ainda, identificamos que realidade e ficção são siamesas na eterna busca de
descortinar a vida, ambas são um amálgama inegável na construção da memória da
humanidade.
          No que diz respeito à manutenção do poder através da tirania da razão sobre a mente
humana, invólucro dessa memória, podemos ponderar que:

                           a coisa que mais claramente distinguiu a Rússia de Stalin ou a Alemanha de Hitler
                           de regimes autoritários anteriores foi a habilidade deles de invadir a vida interior das
                           pessoas que eles governavam. Ao invés de compelir obediência através do uso da
                           força (embora isto fora obviamente importante) eles exerceram um tipo de controle
                           mental que fez isso quase literalmente impossível para qualquer pessoa questionar a
                           ideologia oficial. (BOUNDS, 2009, p. 35). 4 [tradução nossa]


        Hannah Arendt, ao analisar os totalitarismos e seus estratagemas de controle, faz
observações contundentes, os quais nortearão nosso rumo de investigação, estabelecendo
assim, paralelos entre o período em que 1984 está imersa e a obra propriamente dita. Dentre



4
  The thing which most obviously distinguished Stalin‘s Russia or Hitler‘s Germany from earlier authoritarian
regimes was their ability to invade the inner lives of the people they governed. Instead of compelling obedience
through the threat of force (though this was obviously important) they exercised the sort of mind control which
made it almost literally impossible for anyone to question the official ideology.
33




eles um dos que são usados deliberadamente em nossa distopia, ao qual ela dá a nomenclatura
de ―culpa por associação‖, é conceituado da seguinte forma:


                       A "culpa por associação" é uma invenção engenhosa e simples; Jogo que um homem
                       é acusado e os seus antigos amigos se transformam nos mais amargos inimigos: para
                       salvar a própria pele, prestam informações e acorrem com denúncias que
                       "corroboram" provas inexistentes, a única maneira que encontram de demonstrarem
                       a sua própria fidelidade. Em seguida, tentam provar que a sua amizade com o
                       acusado nada mais era que um meio de espioná-lo e delatá-lo como sabotador,
                       trotskista, espião estrangeiro ou "fascista‖. Uma vez que o mérito é "julgado pelo
                       número de denúncias apresentadas contra os camaradas", é óbvio que a mais
                       elementar cautela exige que se evitem, se possível, todos os contatos íntimos — não
                       para evitar que outros descubram os pensamentos secretos, mas para eliminar, em
                       caso quase certo de problemas futuros, a presença daqueles que sejam obrigados,
                       pelo perigo da própria vida, à necessidade de arruinar a de outrem. Em última
                       análise, foi através do desenvolvimento desse artifício, até os seus máximos e mais
                       fantásticos extremos, que os governantes bolchevistas conseguiram criar uma
                       sociedade atomizada e individualizada como nunca se viu antes, e a qual nenhum
                       evento ou catástrofe poderiam por si só ter suscitado. (ARENDT, 1979, p. 356).



       Essa culpa por associação é identificada por ora na nossa distopia, como por exemplo,
as crianças que delatam os pais ao Partido. Os quais, mesmo sujeitos à represália pela delação,
se orgulham das crianças estarem desempenhando seu papel para com o Partido. Colocando
mais uma vez o Partido acima de qualquer forma de relação humana.
       Outro exemplo é o da companheira de Winston. A impressão que se tem é que Julia
fora criada para delatar Winston. Pode-se perceber que essa culpa por associação fora
engendrada justamente para apagar a humanidade daqueles cidadãos da Oceania,                        para
desfazer os laços tanto familiares quanto de amizade existentes, haja vista que não seria
possível um delatar o outro, caso existissem quaisquer vínculos.
       Assim, podemos ver que, vetando toda e qualquer atividade autônoma, o totalitarismo,
toma corpo cada vez mais. Essa culpa por associação culmina com a coisificação das pessoas,
o que Arendt chama de atomização, ação que, além de ser percebida em nossa narrativa de
forma contundente, se deu em um grau muito acentuado também na Rússia de Stálin, entre
outros sistemas totalitários. Essa atomização seria, a grosso modo, como se cada indivíduo
dependesse do outro para existir, como se eles não passassem de células ou átomos isolados à
mercê de outras células. Sua funcionalidade só existiria enquanto existisse o coletivo, o todo,
do contrário, seria inconcebível outro comportamento dentro desses sistemas.
34




3.1 Manutenção da situação por subtração


       Ao passo que nos aprofundamos na narrativa de George Orwell, podemos afirmar que
a revolução realizada pelo partido, até se instaurar o poder do Grande Irmão, se deu de forma
sistemática, ou melhor, a razão desempenhou um papel tirânico na consolidação do poder. A
história parou, nada existe, exceto um presente sem-fim no qual o Partido tem sempre razão
(ORWELL, 1986, p. 113). Vê-se assim que o propósito principal desse sistema é colocar na
mente humana a concepção das coisas sem a ideia de início, meio e fim, o que, diga-se de
passagem, fora conseguido. A idéia do durante, do enquanto, do agora, é a que prevalece
sobre todas as coisas. Acrescenta-se a isso o duplipensar, a que Orwell dá a seguinte
definição:


                       Duplipensar significa a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas
                       crenças contraditórias, e aceitá-las ambas(…) O processo tem de ser consciente, ou
                       não seria realizado com a precisão suficiente, mas também deve ser inconsciente, ou
                       provocaria uma sensação de falsidade e, portanto, de culpa. (ORWELL, 1986, p.
                       157)


        À medida que o entendimento nos chega de forma sutil na leitura de 1984,
identificamos que a narrativa extrapola a realidade por ser pejada de duplipensares. Como por
exemplo, o próprio entendimento do duplipensar que também é uma forma de conviver com
crenças diametralmente opostas, que, trocando em miúdos, é um duplipensar, e ele continua:


                       O duplipensar é a pedra basilar do Ingsoc, já que a ação do Partido é usar a fraude
                       consciente ao mesmo tempo em que conserva a firmeza do propósito que
                       acompanha a honestidade completa. Dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar
                       piamente, esquecer qualquer fato que se haja tornado inconveniente, e depois,
                       quando de novo se tornar preciso, arrancá-lo do olvido o tempo suficiente à sua
                       utilidade, negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a
                       realidade que se nega – tudo isso é indispensável. (...) Pois o segredo do mando
                       consiste em combinar a crença na nossa própria infalibilidade com a capacidade de
                       aprender com os erros anteriores. (ORWELL, 1986, p. 157-158).


        Devemos também observar o fato de que, além de toda essa nostalgia que Winston
nem tem comprovação ser onipresente, associa-se o fato de ele trabalhar nesse próprio
processo fraudulento. Desse modo, podemos dizer que, o duplipensar é a subtração do
conceito convencional das palavras possuírem um só sentido ou quando não, possuindo mais
de um, tocarem-se sem divergirem. Em outras palavras, seria aceitar dois sentidos numa
mesma palavra, mesmo sendo sentidos antagônicos, e acreditar em ambos de forma
consciente.
35




        A outra arma que desempenha um papel importante nessa consolidação do poder é a
novilíngua, que podemos entender nas palavras claras de Syme, um dos vassalos do Partido:


                       - Não vês que todo o objetivo da Novilíngua é estreitar a gama de pensamento? No
                       fim, tornaremos a crimidéia literalmente impossível, porque não haverá palavras
                       para expressá-la. Todos os conceitos necessários serão expressos exatamente por
                       uma palavra, de sentido rigidamente definido, e cada significado subsidiário
                       eliminado, esquecido. (ORWELL, 1986, p. 38)


        Agindo assim, todos os conceitos suscetíveis a questionamentos são vetados pelo
partido e a Novilíngua se revela como mais uma das incontáveis armas de limitação das
possibilidades da condição humana.
        Identificamos, então, que o processo de subtração toma corpo mais uma vez, a partir
do momento em que são vetadas inúmeras palavras, ou seja, se não há definição para
determinada coisa, não há nela sentido, bem como a construção duma imagem negativa de
Emmanuel Goldstein, que, assim, acaba por ser esfacelada, fazendo desaparecer a
possibilidade de uma imagem positiva.
        Trazendo a ação de vetar palavras da língua como realizado pelo Partido na Oceania,
Orwell em Política e a Língua Inglesa traz-nos algo interessante:


                       O grande inimigo da linguagem é a insinceridade. Quando há um hiato entre os
                       nossos verdadeiros objetivos e os objetivos declarados, voltamo-nos como que
                       instintivamente para as palavras longas e para as expressões gastas, como um choco
                       a largar tinta. (...)
                       Se simplificarmos a língua, libertamo-nos das piores tolices da ortodoxia. Não
                       seremos capazes de falar dialetos necessários, e quando fizermos um comentário
                       estúpido a sua estupidez será óbvia, até para nós próprios. A linguagem política – e
                       com algumas variações isto aplica-se a todos os partidos políticos, dos
                       conservadores aos anarquistas – foi concebida para fazer as mentiras parecer
                       verdades e o assassino respeitável, e para dar uma aparência de solidez ao puro
                       vento. (ORWELL, 2009, p. 1).


        Desta maneira, em mais uma das razões fundamentais para manutenção da situação
que era a Novilíngua, vemos o quanto a palavra representa o direito de ter um caminho e
também negá-lo, o que nos diz como o IngSoc agiu nos pontos fundamentais para realização
desse controle.
        Podemos afirmar também que o paroxismo da negação do indivíduo se dá a partir do
momento que o ser humano, na condição de oprimido, não tem como se afirmar, contra essa
ideologia em evidência. Sobre o conceito de ideologia e linguagem podemos ver pelo viés da
análise do discurso, que ―a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a
36




ideologia se materializa. A linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio da
qual se pode depreender o funcionamento da ideologia.‖ (MUSSALIM, 2006, p. 104)
         Portanto, a afirmação do eu é um processo que se realiza através da enunciação, da
linguagem. Desse modo, o processo de abstração para a compreensão do funcionamento da
ideologia ficava enormemente impossibilitado pela limitação da língua, manipulada pelo
poder político vigente.
         Assim, podemos ver que em toda essa atmosfera de subtração reside nesse
mecanismo de controle do Partido. Ao estabelecermos um paralelo com algo mais próximo da
nossa realidade, observamos:


                          É óbvio que isso nos remete ao caráter revolucionário do patoá, da gíria, dos
                          dialetos, que exprimem as condições materiais reais dos grupos nos quais são
                          produzidos, mesmo sob condições de repressão, expondo os problemas, os
                          movimentos e as práticas, pela incessante renovação dos termos, respondendo
                          diretamente ao devir criativo das ações concretas que se efetuam no grupo.
                          Além do mais, o caráter codificado da linguagem mantém o sigilo, o ocultamento
                          necessário a qualquer forma de resistência, restringindo a eficácia da mensagem
                          àqueles que detêm o sentido das palavras. Isto mantém o opressor sempre um passo
                          atrás, vendo-se obrigado a forjar meios que levem à descoberta dos segredos daquele
                          linguajar (problema da manutenção do segredo e da necessidade de renovação
                          constante dos termos e do seu sentido e cuidado com o risco da traição ou da
                          infiltração do inimigo, para a minoria em posição de resistência). (BORGES, 2007,
                          p. 55)


         Por fim, não existindo essas reduções na Novilíngua, seria quase impossível que,
aqueles que estavam imersos nessa situação por tanto tempo, cometessem algum tipo de
subversão contra o partido. Então, o partido, ao invés de forjar meios para descobrir o que se
passava na cabeça das massas, possuía pessoas específicas para destruírem algumas palavras
que, no ponto de vista de um dos teóricos mais importantes do partido, Syme, eram tidas
como desnecessárias.
         Podemos depreender da nossa parábola, que exercer a linguagem seja em qualquer
sentido e de qualquer forma, é uma atividade subversiva, por ser uma atividade baseada na
autonomia do indivíduo. A eficácia da mensagem se restringe a pouca variedade de palavras
para expressar alguma coisa. Na Oceania, com frequência aconteciam às reformas
ortográficas e cada vez mais, a dificuldade de definição das palavras se tornava maior, em
outras palavras, dificultando-se a definição, os sentidos, dificultava-se o pensamento.
         Logo, o risco de traição era praticamente nulo, pelo fato de essa tática ser usada com
mais outras de mesmo tipo, como o duplipensar, o trabalho do medo na consciência das
pessoas entre outras coisas. Os quais mostram a mão de ferro a que eram submetidos os
37




habitantes da Oceania, bem como a pressão de dez atmosferas que essas estratégias de
repressão exerciam.


3.2 Winston e Júlia: a revolução traída


        Podemos também fazer um gancho num ponto crucial no entendimento dos
propósitos de Winston. Vemos que, uma vez que ninguém podia de forma alguma, manifestar
quaisquer demonstrações de afeto um para com o outro, Winston acaba encontrando uma
grande companheira de deserção, pelo menos a nível aparente.
        Winston começa a desejá-la quando a vê numa das cerimônias de exaltação das
paixões populares, onde haviam apupos altissonantes contra o suposto traidor, Emannuel
Goldstein. E percebe a aparente personalidade destemida e independente. E fora instigado à
transgressão a partir daquele momento. Só que depois por um descontrole dos seus desígnios
acaba por amá-la de verdade.
        Depois de uma troca instantânea de um bilhete com indicação do que ela sentia,
passam a se encontrar às escondidas. Mais tarde Winston também revela o sentimento que
também se manifestava dentro de si.
        Eventualmente sua intenção era somente possuí-la, no entanto, mesmo sem ter
consciência disso a transgressão fora bem maior uma vez que nessa sociedade o amor não era
algo permitido. Era mais um das inúmeras repressões da autonomia do indivíduo. Tanto que
vale salientar que existia um dos órgãos dos que compunham a parte principal do Partido que
era responsável pela castração desses sentimentos, tidos como sentimentos desnecessários ao
sistema. O Ministério do Amor era encarregado de delatar e julgar aqueles que desse mal
subversivo sofria. O único sentimento de afeição que poderia desenvolver era exclusivamente
direcionado ao Grande Irmão.
        No entanto, percebemos que, somente depois de algum tempo, é que Winston
começa a demonstrar seus resquícios de humanidade, pois quando ele conhece Julia, ele tem
por ela sentimentos dos mais hostis, por causa da maneira com a qual ela seguia piamente o
Grande Irmão.
        Um retrato consistente disso se dá quando ele confessa para Julia os sentimentos
sádicos que tinha com relação a ela. O fluxo da consciência de Winston ao vê-la em um dos
cerimoniais do Partido, é o seguinte:
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  • 1. 0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV – CONCEIÇÃO DO COITÉ JELTROM ANTONIO OLIVEIRA DE ARAUJO A FICÇÃO DENTRO DA FICÇÃO DE GEORGE ORWELL E SUAS NUANCES CONCEIÇÃO DO COITÉ 2012
  • 2. 1 JELTROM ANTONIO OLIVEIRA DE ARAUJO A FICÇÃO DENTRO DA FICÇÃO DE GEORGE ORWELL E SUAS NUANCES Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito final à conclusão do Curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em Língua Inglesa. Orientadora: Profª. Drª. Flávia Aninger de Barros Rocha. CONCEIÇÃO DO COITÉ 2012
  • 3. 2 JELTROM ANTONIO OLIVEIRA DE ARAUJO A FICÇÃO DENTRO DA FICÇÃO DE GEORGE ORWELL E SUAS NUANCES Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito final à conclusão do Curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em Língua Inglesa. Aprovada em: ___/___/___ Banca examinadora _______________________________ Flávia Aninger de Barros Rocha – Orientadora Universidade Estadual de Feira de Santana _________________________________________ Neila Maria Oliveira Santana Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV _________________________________________ Rita Sacramento Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV CONCEIÇÃO DO COITÉ 2012
  • 4. 3 Dedico este trabalho aos meus familiares, colegas, e aos nossos professores pela contribuição na construção do conhecimento.
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS Para nós, seres humanos, viver deve ser entendido como encarar a ditadura da vida com anarquia. Isso significa que precisamos confrontar de todas as formas as adversidades sobrevindas, realizando inúmeras ações para atender às nossas necessidades, aspirações e conveniências. Por conseguinte, devemos exercer sempre a nossa pluralidade que não se reduz à unidade de confusão, pois, como diria o pensador Blaise Pascal, unidade que não depende de pluralidade é tirania. Portanto, como não vivemos sozinhos, a produção da existência é feita por um conjunto de ações coletivas e interligadas. Nesse ínterim, ao me dedicar neste trabalho científico, muitas pessoas contribuíram para que se concretizasse esta monografia. Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que, de alguma forma e mesmo que involuntariamente, doaram um pouco de si para que a conclusão deste trabalho se tornasse possível: A minha orientadora professora doutora Flávia Aninger de Barros Rocha que me orientou, desde o Anteprojeto até a Monografia auxiliando na produção do texto, na organização das ideias, com a disponibilidade de tempo, materiais e referências que utilizei, com o apoio e simpatia com que me tratava. Aos meus pais, Antonio e Raimunda que me incentivaram sempre a estudar, a acreditar em mim mesmo, a nunca desistir; Agradeço a eles que me ensinaram a ser o que sou hoje e me educaram para tornar-me uma pessoa de bem e aguerrida, por todos os sentimentos bons e incondicionais a mim dados. A meu irmão mais velho Josué, que me deu grande input em todos os sentidos para prosseguir nessa jornada e concluir, pois seria profícuo para o meu viver. A meus amigos, que compreenderam a minha ausência nos últimos momentos da produção da monografia, pela atenção e paciência. Agradeço também por eles existirem em minha vida, por estarem presentes nos momentos bons, bem como nos momentos difíceis, por eles me aceitarem como sou. Aos colegas de Universidade, por eles, aos poucos, ocuparem um grande espaço em meu existir, por conquistarem meu respeito, meu carinho e por representarem pessoas especiais e indeléveis pra mim.
  • 6. 5 CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que estereliza os abraços, não cantaremos o ódio, porque este não existe, existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte. Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas. Carlos Drummond de Andrade
  • 7. 6 RESUMO O presente trabalho propôs-se a uma abordagem sociocrítica, em 1984, de George Orwell. Narrativa de grande densidade, na qual o autor focaliza as questões humanas, que vem à tona diante de um quadro de grande opressão política. Vemos que é possível encontrar as marcas e os impactos produzidos pela experiência das Grandes Guerras Mundiais. Nessa investigação, pode-se visualizar as tentativas de dominação estabelecidas pelos regimes totalitários desse período, que despertou nos intelectuais o sentido de alerta com relação aos direitos individuais civis. Essa abordagem sociocrítica serve-nos para estabelecer a compreensão tanto da obra 1984 em si, quanto do livro que se encontra inserido nessa narrativa. Para tanto, procurou-se aqui mostrar como se configura esta ficção ou livro imaginário dentro da ficção, e o desdobramento do híbrido entre História e Literatura dentro da obra de Orwell no que diz respeito aos paralelos com os sistemas sociais implantados no século XX. Possibilita-nos afirmar assim, que através dum entendimento sociocrítico é que a obra fala por si, enquanto espelho social de uma época. Palavras-Chave: Literatura. História. Sociocrítica. Política. Ficção. Memória.
  • 8. 7 ABSTRACT The present work, has proposed a sociocritic approach in 1984 by George Orwell. Narrative of huge density, whose author focus on human questions that comes to the surface in front of a picture with big politic oppression. We see that is possible to find so many wounds and the impacts made by the experience of the Great World Wars. In these overlooking, we can see so many attempts to dominate established by totalitarians regime in these period, which woke up in the intellectuals the sense of alert in relation to the individual civil rights. This sociocritic approach serves to establish the comprehension as 1984 itself, as the book inside this novel. Hence, we search here show how to configure its fiction or imaginary book inside this fiction, and the developments of the hybrid between History and Literature within Orwell‘s work, in respect to the parallels with the social systems implanted in Twentieth century. Allow us to state through these sociocritic understanding, the work tell by itself, while a social mirror of an epoch. Keywords: Literature. History. Sociocriticism. Politic. Fiction. Memory.
  • 9. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO: MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO: PALIMPSESTOS INACABADOS ....................................................................... 09 1 MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO: UMA LEITURA SOCIOCRÍTICA ................................................................................................... 12 2 GOLDSTEIN, O PAROXISMO DA CONSCIÊNCIA........................................ 17 2.1 A construção da sociedade através da luta de classes............................................... 19 2.2 Os mencheviques de Goldstein................................................................................. 22 2.3 O Terror da razão humana em 1984......................................................................... 24 3 O PODER VIRTUAL: A ANULAÇÃO DA MEMÓRIA................................... 29 3.1 Manutenção da situação por subtração..................................................................... 34 3.2 Winston e Júlia: a revolução traída........................................................................... 37 3.3 Panis et circenses, pois somente ―os proles e os animais são livres‖..................... 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 43 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 45
  • 10. 9 INTRODUÇÃO: MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO: PALIMPSESTOS INACABADOS Eric Arthur Blair (1903-1950), ou George Orwell, como é conhecido, é um dos representantes mais marcantes da literatura distópica, ou seja, da escrita que descreve a vivência de uma ―utopia negativa‖, marcada pelo total controle da sociedade através da tecnologia. Podemos conceituar melhor o termo distopia, partindo da sua palavra radical utopia, que é um conceito segundo o qual é possível idealizar de forma fantasiosa um lugar que é um não-lugar, pois situa-se tão somente no imaginário e não chega a realizar-se. O utopismo é um modo absurdamente otimista de ver as coisas do jeito que gostaríamos que elas fossem e desse modo, pode-se dizer que o conceito derivado de distopia seria o inverso, ou seja, a possibilidade de idealizar de forma negativa esse não-lugar. Desse modo, a obra de Orwell, 1984, escrita em 1947, retrata uma sociedade oligárquica e totalitária, que reprime qualquer um que se opuser a ela. As ideias que a regem partem de um líder obscuro, ―O Grande Irmão‖ (The Big Brother), que, através de telões instalados em vários lugares, inclusive nas casas, controla a privacidade de todos os cidadãos do país. Através desse controle da informação, ele se mantém e se consolida cada vez mais, pois, como se percebe na leitura do livro, o grupo dominante altera os fatos históricos para situações mais convenientes. Associado a essa intervenção no passado, está o conceito chamado de ―duplipensar‖, conceito segundo o qual é possível ao indivíduo conviver simultaneamente com duas crenças diametralmente opostas e aceitar ambas, também criado para consolidar a ditadura do Partido que determina tudo. Desiludido com sua existência miserável, Winston Smith, protagonista da narrativa e funcionário do governo totalitarista, começa a empreitada de se rebelar, juntamente com a companheira Júlia, transgredindo a partir do momento em que vê nela também uma possível dissidente e começam a se envolver amorosamente. Assim, no início, sem nem mesmo conhecer quase nada sobre sedição, ainda que silenciosamente, Winston tenta restituir sua esperança, acreditando que os proles, a camada mais baixa da população, considerada como muito inferior, seriam os que restituiriam a ideia de liberdade na Oceania, esta, local da figuração de Orwell, em constante guerra com mais duas potências rivais: a Eurásia e a Lestásia. Para os fins a que nos propomos, se avaliarmos historicamente, veremos semelhanças gritantes com a época vivida pelo autor, pois o clima de guerra constante é possivelmente uma
  • 11. 10 caricatura dos pactos realizados entre os países envolvidos na Segunda Grande Guerra. Entre eles, pode-se destacar o de maior proximidade com a figuração de Orwell, o Pacto Molotov- Ribbentrop, que aliou a URSS com a Alemanha Nazista, e a ruptura inesperada com a Operação Barba Vermelha, que culminou com o insucesso da Alemanha Nazista. Dando prosseguimento à nossa análise, encontramos na outra face da moeda, em contraste com o ―Grande Irmão‖, a sua polarização, o dissidente do Partido, Emmanuel Goldstein, inimigo público número um da sociedade da Oceania. Emmanuel Goldstein era um antigo membro do Partido que quebrara as regras vigentes ao supostamente conspirar contra o Grande Irmão. Desse modo, devido ao seu caráter subversivo, o personagem foi transformado em alvo de ataques, servindo para alimentar a vitalidade do Partido nas manifestações mais gritantes, como nos Dois Minutos de Ódio, momento diário em que as pessoas se reuniam em frente a um telão enorme alocado em praça pública chamado de Teletela, diante do qual se atiravam insultos a esse suposto dissidente. A condição de ―suposto inimigo‖ nesses dois polos da narrativa, se deve ao fato de que, assim como o Grande Irmão, não se tinha a certeza da real existência de Emmanuel Goldstein, e, ainda assim, essa sociedade era dominada pela influência dessas duas entidades: A grande maioria, que não ousava pensar sem as ordens do Big Brother e os mencheviques de Goldstein que conspiravam às escuras, nos quais se incluíam Winston e Júlia. Contido na ficção de Orwell, há um livro chamado Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico, escrito pelo desertor Emmanuel Goldstein, o qual apresenta um pouco da gênese e das consequências de todas as formas de totalitarismos. É um livro de natureza sediciosa que, por haver poucos exemplares, vai sendo revezado entre os possíveis dissidentes, e que, minuciosamente, mostra as nuances desse sistema utópico, servindo de espelho para uma crítica às manifestações totalitárias do século XX. Emmanuel Goldstein, então, pode ter sido um dos ―revolucionários‖ que ajudou a construir o sistema social implantado naquela sociedade (IngSoc – sigla para Socialismo Inglês). Este pregava a liberdade de pensamento, sendo o cérebro o único local em que o Big Brother não conseguia vigiar, isto se o pensamento não fosse expresso na face e captado pela teletela. Esta ideia se mostra contrária ao poder vigente, pois somente com o povo exprimindo as suas opiniões, sem serem obrigados a duplipensar, é que a ordem poderia mudar. Porém, por ter opiniões contrárias, Goldstein acabou sendo perseguido e banido da Oceania. É possível afirmarmos que, ao analisarmos as obras da Literatura européia pós 2ª Guerra Mundial, encontraremos as marcas e os impactos produzidos pela experiência da
  • 12. 11 Guerra. A tentativa de dominação pelos regimes totalitários de Hitler e Mussolini despertou nos intelectuais ingleses e europeus de um modo geral, o sentido de alerta com relação aos direitos individuais civis. Com sua obra, George Orwell se posiciona a favor de uma reflexão que vai além de um exame sobre o Stalinismo, como anteriormente propuseram vários estudiosos deste livro. Além deste propósito, o autor focaliza as questões humanas que vem à tona diante de um quadro de opressão política. O livro que se encontra dentro do livro, de autoria do personagem dissidente Emmanuel Goldstein, representa um importante elemento do qual os personagens são privados todo o tempo: a liberdade de pensamento ou a liberdade de experimentar um caminho e ter o direito de também negá-lo, buscando um equilíbrio. A relação entre o contexto social e a produção literária pode ser vista conforme explica Antônio Cândido em ensaio fundamental para os Estudos Literários: ―a função social comporta o papel que a obra desempenha no estabelecimento de relações sociais, na satisfação de necessidades espirituais e materiais, na manutenção ou mudança de uma certa ordem na sociedade‖ (CÂNDIDO, 2000, p. 53). Deste modo, acreditamos que Orwell aponta, com a presença do livro de Goldstein no enredo, para a Palavra que permanece, para o registro escrito da História, mostrando que o livro se revela passível de inúmeras abordagens, e que, quanto mais nos dispusermos a fazer nossas análises sociocríticas, iremos ver que 1984 é um terreno muito fértil para as análises sociológicas e que, com essa visão, será possível perceber os recursos narrativos usados por Orwell para tratar dessa reflexão através da Literatura, bem como pelo estudo sistemático da conexão entre a literatura e a sociedade. Assim, o recurso narrativo do ―livro dentro do livro‖ reforça a questão das formações discursivas como portadoras de ideologias, trazendo uma chave de compreensão para o enredo da obra, demonstrando como aquela sociedade se tornou opressora e fechada e, deste modo, convocando o leitor à reflexão fundamental de que um regime político que não se avalia tende a se tornar ditatorial, remetendo-nos a alguns regimes implantados num dos séculos mais conturbados por guerras como o século XX. A pesquisa se desenvolveu através de revisão bibliográfica, visando encontrar fundamentação teórica na leitura de material já publicado sobre o tema/problema de pesquisa, em que fossem discutidos os aspectos da tirania, os mecanismos de coerção, a constituição das classes sociais, pela ótica do livro contido na ficção de George Orwell: ―Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico‖ do personagem Emanuel Goldstein, bem como a partir de
  • 13. 12 autores que, a exemplo de Cândido e Baccega, aqui citados, tratam do imbricamento entre o tecido social e histórico e a Literatura. Encontramos, desse modo, um terreno bem fértil nessa literatura pós-guerra, a qual dá uma visão em detalhes desse período de grande importância histórica. Muito pelo fato de que, fornece-nos não somente uma visão unidimensional da história, mas descreve com precisão de quem vivenciou esse período que deixou indeléveis marcas na nossa sociedade. No sentido de manter-nos atualizados sobre como se dá o funcionamento das engrenagens sociais, fizemos algumas análises também por vieses outros, como o psicanalítico, o qual nos oferece pontos veementes para estabelecermos o entendimento do que essa leitura pode mostrar. Dos procedimentos instrumentais utilizados temos a seleção de textos teóricos que, desta forma, também entraram nessa seara sociológica e encontram seu norte do ponto de vista da literatura. Assim, o trabalho se articulou através de pesquisas bibliográficas, na internet e discussões na órbita do tema, os quais culminaram com o know-how necessário às incursões discursivas realizadas aqui. 1. MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO: UMA LEITURA SOCIOCRÍTICA Um entendimento sociocrítico designará a leitura do histórico em que está inserida determinada literatura. Assim, para Madame de Stäel apud Barbéris (1997, p. 153), a literatura muda com as sociedades e com os progressos da ―liberdade.‖ Ela se amolda à evolução da ciência, do pensamento, das forças sociais. A literatura é sempre crítica e ao mesmo tempo convite a alguma coisa. É preciso investigar a fundo as matrizes discursivas para definirmos as relações entre história e literatura presentes na obra. Sobre esse aspecto, Vargas Llosa (2007, p. 23) afirma que ―a diferença entre a verdade histórica e a verdade literária desaparece e se funde num híbrido que banha a história de realidade e esvazia a história de mistério, de iniciativa e de inconformidade diante do estabelecido‖. Logo, como afirma Baccega (1995, p. 89), ―a leitura nada mais é que o discurso da existência humana, das suas várias possibilidades. E a história é o desdobramento no tempo dessas várias possibilidades‖. Faz-se preciso, portanto, que saibamos como situar essa
  • 14. 13 literatura, no que diz respeito a estruturar um paralelo entre a utopia e a construção da sociedade através da luta de classes. Há ocasiões em que o texto pode ser uma excepcional síntese de tensões e vibrações, inquietações e perspectivas, aflições e horizontes de indivíduos e coletividades, em dada situação, conjuntura ou emergência. Nesse sentido é que algumas obras de literatura, assim como de sociologia, podem ser e têm sido tomadas como sínteses de visões do mundo prevalecentes na época. (SEGATTO; BALDAN, 1999, p. 41) Segundo Cândido, deve-se analisar o vínculo entre a obra e o ambiente, sempre observando a estética da literatura. O que interessa é uma abordagem que exponha a obra literária como uma união de fatores sociais que exerçam influência na composição da mesma, que consiste no escopo da nossa busca. A literatura deve ser vista como um todo indissociável, formado por características sociais diferentes que se completam. Cândido afirma que: a arte é social ‗quando‘ depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais. Isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os receptores de arte. (CÂNDIDO, 2000, p. 29) Ainda segundo este autor, tratando dos fatores socioculturais, podemos afirmar que os mais importantes estão ligados à estrutura social, no que diz respeito à posição social do artista, os valores e ideologias que se manifestam no conteúdo e na obra e as técnicas de comunicação que podem ser observadas na transmissão da obra. Sociologicamente, a obra só finaliza quando repercute e atua, pois ela é um sistema de comunicação inter-humana, se recorrermos à época de lançamento de 1984, iremos nos certificar desse momento de repercussão e atuação e que refrata por todos esses anos e reverbera na contemporaneidade. Analisando ―1984‖ por esse critério da indissociabilidade da literatura e da história veremos que estas: Além dos seus enigmas filosóficos, religiosos, políticos ou outros, elas contribuem decisivamente para a revelação do desenho da prisão de ferro, literal ou metaforicamente. São um mergulho audacioso, surpreendente, aflitivo e fascinante no sistema labiríntico produzido pela racionalização das organizações, instituições, atividades e mentalidades. (SEGATTO; BALDAN, 1999, p. 24-25) Tais características estão presentes em alguns sistemas políticos do período em que 1984 está mergulhado. Podemos considerar que, ―a literatura não é mais Apolo inspirando o
  • 15. 14 Poeta, mas um aspecto da história social‖, como expressa Barbéris (1997, p. 160). Para entendermos a natureza da ficção, Vargas Llosa (2007, p. 12) diz que ―no embrião de todo romance ferve um inconformismo, pulsa um desejo insatisfeito‖, ou seja, pode-se dizer que Orwell transmitia suas ideias inconformistas através da sua pintura literária. Na esteira desse pensamento, Eric Arthur Blair, ou George Orwell, dedicou parte de sua vida ao combate de ideologias totalitárias, sobretudo as de cunho nazifascistas. Primeiramente, lutando na Guerra Civil Espanhola em 1936 contra a ditadura de Francisco Franco e depois, quando desiludido com o sistema socialista, passa a voltar sua obra literária para a crítica a este tipo de modelo. Assim, no discurso literário, podemos encontrar inúmeras marcas de relações socioeconômicas, políticas e culturais, como quando percebemos na leitura, o momento que Winston resolve ler o livro proibido escrito por Goldstein. Os conceitos apresentados no livro ficcional de Emmanuel Goldstein sobre como se dá a construção da história através da luta de classes apresenta claramente a defesa dos pontos de vistas de Orwell, identificadas no trecho abaixo e que, ao final, mostram a estruturação daquela sociedade distópica: O objetivo da Alta é ficar onde está. O da Média é trocar de lugar com a Alta. E o objetivo da Baixa, quando tem objetivo – pois é característica constante da Baixa viver tão esmagada pela monotonia do trabalho cotidiano que só intermitentemente tem consciência de que existe fora de sua vida – é abolir todas as distinções e criar uma sociedade em que todos sejam iguais. Assim, por toda a história, trava-se repetidamente uma luta que é a mesma em seus traços gerais. Por longos períodos a Alta parece firme no poder, porém mais cedo ou mais tarde chega um momento em que, ou perde a fé em si própria ou a capacidade de governar com eficiência, ou ambas. É então derrubada pela Média, que atrai a Baixa ao seu lado fingindo lutar pela liberdade e a justiça. (ORWELL, 1986, p. 147). Essa crítica parece representar um pouco da desilusão de Orwell com relação ao comunismo, sistema que, por sua vez, primava pela pureza de sua sociedade, também defendida pelo nazismo, e que praticava o mesmo cerceamento das liberdades individuais, por trás da falsa ideia de ―reorganização social‖. Desse modo, 1984 remete-nos também às frustrações particulares do autor. Para Timothy Garton Ash (2001), professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, nos Estados Unidos, três fatores pessoais levaram Orwell a descrever o sistema totalitário de maneira tão realista, embora todo o seu conhecimento sobre o sistema comunista russo provenha de suas leituras. O primeiro deles foi o processo de formação de Orwell como policial imperial britânico na Birmânia, onde ele foi funcionário de um regime opressor por cinco anos. Ao criar ódio pelo imperialismo e fortalecer sua relutância a este sistema, o
  • 16. 15 escritor também desenvolve uma forte percepção do perfil psicológico de um opressor, figurado no Grande Irmão. O segundo proviria da vivência do escritor com os pobres da Inglaterra e da França com os quais conheceu a humilhante falta de liberdade que a pobreza proporciona. Por último, viria sua vivência direta no conflito ocorrido na Espanha, onde foi ferido por um tiro na garganta. Porém, o que mais o impressionou e revoltou foi a difamação e a perseguição sofridas pelo Partido Operário de Unificação Marxista (POUM) por parte de comunistas, que deveriam ser aliados no combate à ditadura franquista. O agente russo na Espanha acusava os membros do POUM de traidores trotskistas franquistas. Este fato levou George Orwell a compreender que a manutenção da supremacia pessoal pode se sobrepor a ideologias e vidas. De fato, o que é mais emblemático ao mergulharmos na narrativa de 1984, mais precisamente, na narrativa da suposta existência de Emmanuel Goldstein e na estruturação de ―Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico‖, é vermos que este assemelha-se muito ao que foi vivenciado por Leon Trotski, líder comunista que teve papel decisivo na Revolução Bolchevique. Bem como, se nos referimos ao contexto do livro, veremos que a guerra para a manutenção da paz foi recurso muito utilizado na Europa da época, principalmente na Rússia, Alemanha, entre outros. Também, como no comportamento do Big Brother, podemos comprovar com as palavras dos biógrafos de Stálin, Dorothy e Thomas Hoobler, que este gostava de estimular rivalidades entre os que compunham o seu círculo mais íntimo de relações, de modo a manter todos sob eterna tensão. ―Havia o temor generalizado de que, de repente, o líder decidisse que alguém já não merecia sua integral confiança‖ (HOOBLER, 1987, p. 95). Tal afirmação é suscetível de incontáveis reflexões e desse modo, podemos nos questionar: se num círculo de amizades há esse temor, o que se poderia dizer do cenário político como um todo? Podemos perceber que 1984 nos dá todo o panorama histórico do período da Segunda Grande Guerra, tanto o nazismo de Hitler quanto o Franquismo na Espanha, o Stalinismo russo, entre outros. Além de outras similaridades menos relevantes, sabemos que ―Trotski era constantemente acusado pelo regime stalinista de liderar uma conspiração antissoviética. Na verdade, seu nome serviu de pretexto para a violência e o terror implantados por Stálin‖ (HOOBLER, 1987, p. 63). Ademais, a título de informação, Trotski se tornou crítico ferrenho depois que a cortina de ferro se abriu pra ele. Como intelectual e tendo participado ativamente na Revolução, produziu incontáveis escritos em que condenava os mandos e desmandos das
  • 17. 16 políticas totalitaristas, principalmente de Stálin. Entre esses escritos, o mais veemente foi The Revolution Betrayed. E é com este sentido que muitos correlacionam a obra de Trotski (The Revolution Betrayed) com ―Teoria e prática do Coletivismo Oligárquico‖ de Goldstein, contido em 1984. Este estrutura de forma detalhada o conhecimento sobre a constituição das sociedades desde a sua gênese. Assim, à luz das reflexões sobre história e literatura, Bacegga (1995, p. 54) afirma que: ―a palavra é a arena privilegiada onde se desenvolve a luta de classes‖. Portanto, o quadro evidenciado na obra de Orwell demonstra as condições sociais que ainda incomodavam e que de certa forma ainda atemorizavam as pessoas nos primeiros anos após a Guerra. Em sua obra O mal-estar da pós-modernidade (1998) o sociólogo Zygmunt Bauman faz um resgate das agressões e da negação da vida pessoal do indivíduo e, para estabelecer esta conexão, se utiliza de George Orwell e de 1984: O mais opressivo dos pesadelos que assombraram o nosso século, notório por seus horrores e terrores, por seus feitos sangrentos e tristes premonições, foi bem captado na memorável imagem de George Orwell da bota de cano alto pisando uma face humana. Nenhuma face estava segura – como cada uma estava sujeita a ser culpada do crime de violar ou transgredir. E uma vez que a humanidade tolera mal todo tempo de reclusão, os seres humanos que transgridem os limites se convertem em estranhos – cada um teve motivos para temer a bota de cano alto feita para pisar no pó a face do estranho, para espremer o estranho do humano e manter aqueles ainda não pisados, mas prestes a vir a sê-lo, longe do dano ilegal de cruzar as fronteiras. (BAUMAN, 1998, p. 27-28). Para concluir, vemos que, neste momento da História, cada autor recomporá este social de uma forma particular. Como já afirmamos, sabemos que Orwell estava a representar algo através de sua escrita, trazendo sua análise para os leitores e que consegue transmitir-nos todo o terror que esse período do século XX promoveu para a humanidade. Assim, mais do que uma profecia, George Orwell com sua magnus opus faz um alerta lúcido e generoso, sobre o que sucederia se os totalitarismos conseguissem seu real anseio, a negação do privado, do particular. Ao nos transpormos para a realidade do livro, veremos que essa desvalorização insidiosa do passado e do privado promoveu as condições para que todos vivessem alienadamente. Se nos voltarmos para nossa realidade concreta, identificamos que este é um mundo onde o silêncio é condição sine qua non para que o indivíduo não se veja a si mesmo, bem como não entenda o mistério que constitui a vida (Jahanbegloo, 2000, p. 28). Logo, essa literatura desempenha papel preponderante, pois:
  • 18. 17 Esses refúgios privados, as verdades subjetivas da literatura, conferem à verdade histórica, que é seu complemento, uma existência possível e uma função própria: resgatar uma parte importante – porém somente uma parte – da nossa memória: aquelas grandezas e misérias que compartilhamos com os demais, em nossa condição de entes gregários. Essa verdade histórica é indispensável e insubstituível para saber o que fomos e, talvez o que seremos como coletividade humana. O que somos como indivíduos e o que quisemos ser e não pudemos sê-lo de verdade, e devemos sê-lo, portanto, fantasiando e inventando – nossa história secreta -, somente a literatura sabe contá-lo. (VARGAS LLOSA, 2007, p. 26) Concomitantemente, nesse terrível universo a que George Orwell dá corpo através de sua distopia, Orwell foi verdadeiro, oferecendo ao mundo uma narrativa mais abrangente e profunda, mais humana do que qualquer esquema ideológico – de sinal positivo ou negativo – possa conceber. Essa obra representa a comprovação do quanto a literatura e a história se desdobram juntas e de como esse quadro histórico foi visto pelos artistas do período, posto que, sabemos que a arte é o espelho social de uma época e que somente ela consegue mostrar a representação de períodos que muitas vezes nem chegamos a presenciar. Melhor dizendo, dentro dessas verdades subjetivas como as que encontramos em 1984, estão incrustadas as verdades históricas necessárias às nossas reflexões. Por conseguinte, um dos primeiros tópicos que iremos abordar será com relação à tirania desempenhada pela razão a serviço do Partido, que é mostrada em 1984. Essa mesma razão impõe o terror e todo o medo dentro dessa sociedade, fazendo com que as pessoas sejam meros joguetes a serviço do Partido, e estes, imersos na ideologia imposta através dessa mesma razão, não conseguem tirar a venda dos olhos, condição que os cega. 2. GOLDSTEIN, O PAROXISMO DA CONSCIÊNCIA A pior coisa que nós podemos dizer sobre uma obra de arte é sua insinceridade...A literatura moderna...é senão a verdadeira expressão do que o homem pensa e sente, ou não é nada. (ORWELL, 1970, apud BOUNDS, 2009, p. 87) 1 [tradução nossa]. Ao escolher a citação acima como epígrafe desse capítulo, desejamos enfatizar e sustentar as inúmeras incursões discursivas que são utilizadas na literatura Orwelliana de um modo geral e na obra 1984, em específico. Ao estabelecer essas inúmeras reflexões através das alegorias ora utilizadas no livro, Orwell retrata aquele período de grande importância 1 The worst thing we can say about a work of art is that it is insincere…Modern literature…is either the truthful expression of what one man thinks and feels, or it is nothing.
  • 19. 18 histórica pelas inúmeras mazelas sociais que ainda perduram, as quais, resultantes da guerra, deixaram marcas indeléveis. Por conseguinte, mesmo se estabelecermos uma visão de forma menos detalhada do livro, se pode perceber essa sinceridade requerida e defendida na citação acima, como amostra dos sentimentos verdadeiros com relação àquelas sociedades caricaturadas. Desse modo, destacamos aqui esse ponto, de grande importância que pode ser observado também dentro de uma personagem fundamental para a compreensão dessa obra. Goldstein, em seu guia teórico sobre como foram os processos que levaram aquela sociedade até o ponto em que estava, fornece muitas explicações às incontáveis conjeturas feitas por Winston. Esses dados, por assim dizer, alimentam a sede de transformação desejada pelo personagem. É a partir das ideias de Goldstein, associado àquele desejo inconsciente de Winston de saber como se configurava a sociedade no passado, que a revolução (no campo das ideias) contra o Grande Irmão começa a tomar forma. Logo, pode-se dizer que a figura messiânica de Goldstein se apresenta através dos pontos ideológicos que são defendidos na obra. O personagem aponta para o zênite da narrativa, onde mais uma vez ficção e realidade se abraçam e mostra o que os bolcheviques do Grande Irmão fizeram para que a revolução deles nunca fosse traída, e se consolidasse cada vez mais. Muito embora Winston saiba que a revolução não tem condições de se concretizar pelo fato de que a lavagem cerebral realizada se deu de forma muito intensa e profunda, pode- se perceber que Goldstein, existindo ou não, representa os ideais que são defendidos na obra. O livro proibido havia sido engendrado pelas mãos dos que sabiam realmente como fora o processo de construção daquele sistema e dos processos históricos que o levaram até aquele ponto. Podemos até ir mais além e afirmar que, em caso de Goldstein ser somente uma invencionice de afirmação da doutrina do Grande Irmão, possivelmente este ou quem o inventou, teria realmente feito parte daqueles que determinavam a estrutura ideológica do Partido. Assim, podemos, a grosso modo, caracterizar as imagens dos dois pólos da obra, nas figuras de Goldstein e do Big Brother, aproximando-as do conceito convencional e maniqueísta de bem e mal existente nas nossas sociedades. Esses são construídos com essa imagem polarizada, a negação de um é a negação dos dois, a afirmação de um é afirmar o outro. Logo, podemos concluir que, muito mais onipotente que o Grande Irmão, o Partido desempenha o maior papel, ao determinar a construção de dois pólos nos quais sem a existência de um, o outro não se afirma, podendo causar a ruína do sistema.
  • 20. 19 A consciência coletiva e alienada nunca buscaria uma resposta efetiva para o entendimento da ideia de coletividade oligárquica. Portanto, Emmanuel Goldstein é fundamental para que o Partido continue sempre em voga, mesmo sabendo que é um grande risco deixar seu livro, suas ideias subversivas, fluírem de certo modo, mesmo que às escuras. 2.1 A construção da sociedade através da luta de classes Ao nos debruçarmos sobre o livro de Goldstein, ―Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico”, podemos ver que este faz uma análise minuciosa dos processos que levaram o sistema político até chegar ao estado de controle tirano. Essa obra se revela como um verdadeiro tratado de ciência política, no qual se estabelecem detalhes minuciosos de como desde os idos do final do período Neolítico, as três classes: a baixa, e principalmente a média e a alta digladiaram-se pela ascensão ao topo da pirâmide. Em detalhes sucintos, porém não menos incisivos, mostra-se o que fora preciso observar para que se encontrasse a forma ideal de eterna dominação de um determinado grupo, sem que de forma alguma, nada viesse a comprometer a ideologia vigente, congelando a história em um determinado período. Tem havido três classes no mundo, Alta, Média e Baixa. Têm-se subdividido de muitas maneiras, receberam inúmeros nomes diferentes, e sua relação quantitativa, assim como sua atitude em relação às outras, variaram segundo as épocas; mas nunca se alterou a estrutura essencial da sociedade. Mesmo depois de enormes comoções e transformações aparentemente irrevogáveis, o mesmo diagrama sempre se restabeleceu, da mesma forma que um giroscópio em movimento sempre volta ao equilíbrio, por mais que seja empurrado desse ou daquele lado. Os objetivos desses três grupos são inteiramente irreconciliáveis... (ORWELL, 1986, p. 133,134) Goldstein em sua teoria dá-nos a metáfora ideal de como as posições das castas sociais sempre volta para as mesmas posições. É justamente a diferença que discrimina uma classe da outra e que é o combustível para que troquem continuamente suas posições. Essa mesma atmosfera é criada também em meio as potências mundiais dessa narrativa. Mantêm-se a atmosfera de constante ebulição entre uma e outra, como se estivesse sempre por um triz, de se digladiarem. No entanto é essa linha tênue que dá o equilíbrio exato às potências. A ideia de guerra constante é que estabelece o equilíbrio na cabeça das pessoas. Conforme vemos nas palavras do teórico subversivo Goldstein: A guerra, contudo, não é mais a luta desesperada e aniquiladora que costumava ser nas primeiras décadas do século vinte. É uma luta de objetivos limitados entre combatentes incapazes de destruir um ao outro, sem causa material para guerrear e sem mesmo qualquer genuína divergência ideológica. Isto não significa que as
  • 21. 20 operações de guerra, ou a atitude em relação a ela se tenham tornado mais cavalheiriscas ou menos sanguinárias. Ao contrário, a histeria guerreira é contínua e universal em todos os países, e atos tais como estupros, pilhagens, matança de crianças, e escravização de povoações inteiras, e represálias contra prisioneiros que chega a incluir a morte pela água fervente e o enterramento de seres vivos, são considerados normais e até meritórios, quando são cometidos pelos amigos, e não pelos inimigos. (ORWELL, 1986, p. 134,135) É esse clima belicoso que, releva os atos cometidos por este sistema. Constrói-se esse enredo de constante guerra, para que as mentes das pessoas estejam povoadas de fantasias nacionalistas e assim, até os atos internos não terão resposta de indignação da sociedade. Tudo se justifica em prol da estabilidade do sistema como um todo. Por conseguinte, podemos estabelecer inúmeros paralelos pelo viés sociológico. Sabemos que, mesmo que aquele regime fosse intitulado de socialismo, tinha somente a roupagem de tal, pois no socialismo há a luta de classes e percebemos tão somente, duas classes na Oceania: os bolcheviques do Grande Irmão e os proles, aqueles que, como iremos ver na nossa caracterização sobre os mesmos, não eram submetidos às armas utilizadas pelo partido para coação completa, pois não era necessário. Podemos assim concluir que os proles, a esfera social que compunha a base, em nenhum momento tenta coibir ou sobrepujar a outra e vice e versa, como normalmente acontece na existência de duas ou mais classes, ou que pelo menos isso não se dava de forma ostensiva e voluntária. Dando continuidade, ao pensarmos essa sociedade da Oceania, podemos tomar o conceito de superestrutura e seu antagônico infraestrutura, e veremos essa sociedade bem próxima daquela a qual Althusser (2003, apud MUSSALIM, 2006, p. 123), contemporâneo de Orwell, mostra numa de suas obras, ao referir-se aos mecanismos de controle angariados pela superestrutura, que a ideologia se perpetua, produzindo condições materiais, ideológicas e políticas de exploração e dentre esses mecanismos estão os de suma importância, que são os aparelhos ideológicos do Estado usados para controlar a infraestrutura, base da pirâmide, portanto, maior parte da população. Podemos ver nas palavras de Bounds, um dos estudiosos da obra Orwelliana, que desde que os valores da sociedade são invariavelmente baseados nos valores do sistema econômico dominante, segue-se que a característica da vida cotidiana (...) será uma supressão brutal das emoções. (BOUNDS, 2009, p. 87) 2 [tradução nossa]. 2 since a society‘s values are invariably based on those of the dominant economic system, it follows that the main characteristic of everyday life… will be a brutal suppression of emotion
  • 22. 21 Ou seja, a supressão dessas emoções exercida pela tirania era vista constantemente na classe que domina toda a Oceania em nossa narrativa. Logo, se pode afirmar que o Partido seria a superestrutura, quem determinaria como as coisas funcionariam, e a infraestrutura seria composta por aqueles que ficavam aquém da sociedade dominante, à margem, os proles. Para os fins de nossas análises, não incluímos aqui os desertores, aqueles que, assim como Winston, pretendiam uma grande subversão, exclusivamente pelo fato de que esses mesmos pertenciam à superestrutura do Partido, àqueles que compunham a parte que determinava a ideologia, nos quais se enquadram: Winston, Jones, Aaronson, Rutherford, Goldstein, entre outros. Goldstein afirmava em sua narrativa teórica que ―a desigualdade é o preço da civilização‖. Mas constatamos que, se nessa sociedade não havia a luta de classes, as coisas estavam em equilíbrio para os mesmos. Logo, supomos que algo de muito importante teria que ser extinto. E que nesse caso fora escolhido a consciência das pessoas. O mecanismo que consegue olhar para as coisas de forma crítica, capaz de reconhecer como invasivas as selvagerias, as incivilidades do sistema. Pode-se dizer assim, que não há a existência de classes propriamente ditas dentro dessa distopia, pelo fato de o Partido trabalhar de forma tão sistematizada associada aos mecanismos de coação, que as pessoas não sentiam o peso da hierarquia, presente em qualquer agrupamento humano. Não havia a questão de o status ser determinado pela sua função, logo, os mesmos não se viam diferentes, impossibilitando assim qualquer possível subversão. Pode-se dizer, que mesmo tendo a fachada de socialismo, ao analisarmos de modo mais teórico vemos que a luta de classes, que é divisor de águas no entendimento da noção do que vem a ser o socialismo, é praticamente inexistente. Sobre esse aspecto, encontramos nas palavras de teóricos do assunto, pontos de vista científicos muito veementes sobre a temática. No Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels (1848, apud ARON, 2005, p. 50) têm a visão essencial para o entendimento do que estamos aqui tratando: A história de todas as sociedades, até hoje, tem sido a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro especializado das corporações e aprendiz, em suma: opressores e oprimidos estiveram em permanente oposição; travaram uma luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes em conflito. (MARX, ENGELS, 1848, apud ARON, 2005, p. 50)
  • 23. 22 Temos aí de forma sucinta o resumo de um dos principais pensamentos marxistas sobre a história humana, a sempre existente polarização em dois grupos. Winston, através de suas tentativas trôpegas tenta não permitir o declínio por completo da maior parte da população, a parte coadjuvante e subjugada, os proles. Muito pelo contrário, ele tenta acordá-los para que enxerguem que a ideologia não era inexpugnável, e que era necessário perceber essa oposição entre opressores e oprimidos, necessária à transformação revolucionária ou ao declínio das partes envolvidas. Ora, através do pensamento marxista pode-se compreender os processos que levaram até chegar a esse lugar irreal negativo, o qual nos possibilita refletir sobre o que acontece quando esse conflito inexiste e uma classe é submetida perenemente à outra. As dissidências se dão sempre entre dois grupos, como no pensamento de Heráclito de Éfeso (535 a.C. - 475 a.C.), o qual dizia que é da guerra que nasce a paz, como síntese dos contrários. Daremos pertinência maior a esse assunto a posteriori, porém, de forma superficial, se vê que o aforismo acima citado nos faz entender o porquê de eles incutirem na cabeça daquelas pessoas a ideia da constante guerra. Só com essa atmosfera de guerra com outras potências o equilíbrio seria onipresente, e assim subversões internas seriam quase impossíveis. 2.2 Os mencheviques de Goldstein Em uma das faces antagônicas do sistema, encontra-se o personagem que serve de combustível para os momentos de exaltação das paixões populares: Emmanuel Goldstein, aquele que é tido como o inimigo número um do partido e que, assim como o Grande Irmão, não se sabe ao exato se realmente trata-se de uma pessoa física. No entanto, na alegoria que é retratada em nossa narrativa, podemos ver o quão real para os circunstantes da distopia a figura de Goldstein se apresentava. Por conseguinte, ao intitularmos esse tópico como ―os mencheviques de Goldstein‖, aludimos diretamente ao grupo de menor número que ajudou na construção da Revolução de Outubro de 1917, àqueles que compunham a camada mais baixa da população. Dentro da nossa figuração, os proles, o cerne da transformação social almejada por Winston Smith. Enquadramos o próprio nesse grupo, bem como a Irmandade, que seria a suposta conspiração existente e encabeçada por Goldstein e mais alguns antigos membros do Partido. Foi através dessa mesma Irmandade que o nosso protagonista teve acesso às ideias do maior teórico contra o partido, através do livro ―Teoria e prática do coletivismo Oligárquico‖.
  • 24. 23 Da mesma forma, foi através das idéias dos mencheviques que se chegou à grande parte das ramificações partidárias que surgiu desde esse período até então. Sabemos que na Revolução Russa de 1917, os mencheviques eram tidos como reacionários à maioria bolchevique e dominante, e ao sistema social implantado pelos mesmos. Consequentemente, isso culminava nas inúmeras perseguições de todos os tipos aos primeiros e, mesmo sabendo que esses dissidentes estavam em minoria, o Partido Bolchevique tinha bastante medo de seu poder de coação e de uma possível deserção em massa dos ideais bolcheviques. Ainda assim, vemos que, com relação ao equilíbrio desses dois sistemas, tanto do fictício quanto da realidade russa, há um contra-senso que é determinante no controle dos cidadãos pois, como já dissemos, o partido dominante deixava que o grupo dissidente existisse para que houvesse o álibi para as torturas, o álibi para as perseguições, em outras palavras, o medo era a fonte do equilíbrio daquela pseudo-felicidade. Vemos também na nossa distopia as inúmeras incursões da Polícia do Pensamento, que era o aparelho repressivo criado pela superestrutura daquele sistema e como, por algum tempo, o Partido precisava, mesmo não existindo, de alguém para ser o leitmotiv das perseguições, por ele engendradas. Assim, inventava-se a culpabilidade, logo após, o encalço, e por fim, através do poder de coação, dava-se a aceitação do grande Irmão, como se pode ver claramente na nossa narrativa, com o que sucede com Winston, ao entrar no quarto de tortura, em um dos ministérios responsáveis pelas funções do Partido, o tão temido Quarto 101. Para este local eram levados cativos todos aqueles que desacatavam o poderio de punho cerrado do Grande Irmão, e lá era realizada a lavagem cerebral através dos medos das pessoas. Mais uma vez partindo do viés histórico em que a obra está mergulhada, corroborando o que já afirmamos sobre as políticas do Grande Irmão, dentre estas o forjar, a alteração dos fatos acontecidos, recorremos às palavras do próprio Trotski, líder menchevique extremamente perseguido durante os anos em que, em nome da Revolução se instaurou um regime de terror e de mentira sem igual, numa de suas obras mais contundentes: Estes mitos e mentiras fazem parte integrante de um fenômeno – o stalinismo – que recebe o nome do homem que foi protagonista da viragem que se produziu no seio da Revolução Russa depois de 1923. Foi também Stálin quem fez dar – e por várias vezes – uma nova redação à história da Revolução, do Partido bolchevique e da Internacional Comunista. (TROTSKI, 1977, p. 9)
  • 25. 24 Deste modo, é possível perceber a grande semelhança do que Trotski afirma sobre a Revolução de Outubro, com o que é visto em nossa narrativa no ofício do próprio protagonista, Winston, o qual trabalha alterando o que fora a história, para dar sustentabilidade ao que é pregado pelo Partido. Vemos assim que a história é o registro da condição humana nas suas várias possibilidades e que, sua alteração é um recurso fundamental para que se consolide o sistema social vigente. Podemos supor que um dos primeiros insights de consciência do nosso revolucionário possa ter se dado no momento em que ele vê a si mesmo imerso nesse processo fraudulento, alterando esses fatos históricos para situações cômodas ao partido. 2.3 O Terror da razão humana em 1984 O pensador francês Michael Foucault, em obras como Vigiar e Punir e Microfísica do Poder, faz observações veementes sobre o controle do indivíduo através da tirania do poder. Assim, é possível enquadrar o contexto da obra em estudo nessa abordagem. Podemos ver ao longo da narrativa que há inúmeras técnicas de sujeição utilizadas por esse sistema. São elas que fazem com que se restrinja a liberdade individual humana e depois conforme todos num padrão estético de comportamento fazendo com que conforme as individualidades numa enorme eugenia. Sobre essa sujeição que os governos impõem ao ser humano através da tirania, Foucault afirma que: um novo objeto vai-se compondo e lentamente substituindo o corpo mecânico - o corpo composto de sólidos e comandado por movimentos, cuja imagem tanto povoara os sonhos dos que buscavam a perfeição disciplinar. Esse novo objeto e o corpo natural, portador de forcas e sede de algo durável; e o corpo suscetível de operações especificadas, que tem sua ordem, seu tempo, suas condições internas, seus elementos constituintes. O corpo, tornando-se alvo dos novos mecanismos do poder, oferece-se a novas formas de saber. Corpo do exercício mais que da física especulativa; corpo manipulado pela autoridade mais que atravessado pelos espíritos animais; corpo do treinamento útil e não da mecânica racional, mas no qual por essa mesma razão se anunciara um certo número de exigências de natureza e de limitações funcionais (FOUCAULT, 1999, p. 131) Os mecanismos de poder utilizados para essa moldagem são incontáveis e todos incidem primariamente na mente humana. E vê-se ao longo da análise que a aceitação da ideologia do controle por parte desse povo da Oceania, é uma coisa tão presente e tão normal que eles confundem com um posicionamento racional. Desse modo, enquadra-se o indivíduo, nega-se a multiplicidade. Aceita-se o Grande Irmão.
  • 26. 25 Assim, é possível perceber o quanto essa atmosfera de medo foi onipresente, tanto na narrativa quanto no período em que ela está inserida e ainda, observar em nossos dias ecos desse terror imposto pela razão humana, o poder pelo poder, o veto da liberdade. Conforme se vê na nossa estória, há organismos específicos, feitos para desenvolver esses mecanismos de controle, para que mesmo sem perceber o medo de sofrer as represálias dos Ministérios, faça com que você lembre que todas as paredes têm olhos e ouvidos, e que o seu comportamento seja policiado por si próprio. Vemos nas palavras de Foucault ao falar sobre as instituições engendradas pelo todo da pirâmide social, a ratificação do que afirmamos: As instituições disciplinares produziram uma maquinaria de controle que funcionou como um microscópio do comportamento; as divisões tênues e analíticas por elas realizadas formaram, em torno dos homens, um aparelho de observação, de registro e de treinamento. Nessas maquinas de observar, como subdividir os olhares, como estabelecer entre eles escalas, comunicações? Como fazer para que, de sua multiplicidade calculada, resulte um poder homogêneo e contínuo? O aparelho disciplinar perfeito capacitaria um único olhar tudo ver permanentemente. Um ponto central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de convergência para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem. (FOUCAULT, 1999, p. 145) Isso faz com que mais uma vez pensemos como grande parte das instituições sociais se perpetuaram durante séculos através da política do medo. Lotando as cabeças incipientes com o que poderia sobrevir se algum indivíduo se arriscasse a pisar fora da linha tênue que demarca até onde vai o comportamento adequado. Ainda podemos fazer um gancho com um trecho da obra, onde mostra que Syme um dos funcionários mais dedicados do Partido Interno, órgão de grande veemência dentro desse sistema, fora apagado até das baixas dadas mensalmente, por passar dos limites com seu fanatismo ideológico. Preso na falsa ideia de que tinha liberdade e que poderia sim, cada vez mais, dar demonstrações ostentosas de que estava fazendo sua parte ante o Grande Irmão, se tornara uma impessoa. Pode-se ver que um fanático era um possível desertor. A sociedade tinha que ser expurgada também nesses casos. Tinha que ter um tipo de controle latente entre essas pessoas. Num de seus ensaios, o escritor brasileiro, Guido Guerra (2003, p. 215), ao explanar sobre como viria a ser o estado autoritário ao desestabilizar-se, faz grandes observações sobre as condições essenciais para exercer as humanidades sem o veto da idéia de tempo, e nos mostra que: ―A restauração da idéia do ir e vir reserva ao ser social a possibilidade de trocar o
  • 27. 26 pão racionado pelas incertezas do dia seguinte, com o desespero de quem junta a fome à vontade de comer‖. Isso ratifica o que o pensamento foucaultiano, em suas teorias a respeito da pós- modernidade, nos mostra. Vemos que o pleno poder só pode ser exercido através das concessões, da falsa liberdade, claramente visto na nossa distopia, pois, liberdade é escravidão, lema que é salmodiado a todo o momento em nossa figuração. Esse controle pode ser feito de terríveis formas, através da banalização da violência, banalização da morte, entre outras maneiras. Pode-se ter uma noção dessa banalização da morte, que é a culminância da tirania, nos diálogos tecidos entre os personagens sobre o que vem a ser o conceito de ser uma impessoa e que, por mais paradoxal que o termo ―ser uma impessoa‖ possa parecer, o conceito era assimilado por aquelas pessoas de forma natural. Analisando o conceito de cultura como recurso para entendermos a distopia orwelliana, vemos que esta é criada a partir do exercício da repetição de algo e que, é esse exercício que faz com que as pessoas vejam algo repetitivo como algo normal. Dentro da nossa narrativa, vemos inúmeros exercícios de repetição sendo usados. A morte, por exemplo, de tão presente na vida daqueles, chega a um nível banal. Ou seja, o medo é concebido de maneira extremamente natural por eles. Assim, as pessoas ficam enclausuradas no medo, pela estética que padroniza o "normal"; e por várias outras formas e teias que se articulam para aprisionar o homem dentro de sua própria existência. Na esteira desse pensamento, Foucault (1977, p. 321) afirma que: "Fabricam-se indivíduos submissos, e se constitui sobre eles um sabor em que se pode confiar". Em palavras sucintas, através desse exercício da repetição esses indivíduos são submetidos cada vez mais ao jugo do Partido. Aliás, vê-se que ao longo da história essa tirania desempenhada pelo medo é um recurso que foi de muita valia tanto em sistemas sociais quanto religiosos. O medo é porta para que haja a aceitação e quem sabe, a posteriori, a assimilação do pretendido, em outras palavras, sem esse recurso crucial a consolidação de qualquer sistema se daria de forma mais dificultosa, ou então nem se realizaria. A socióloga Hannah Arendt detalha cronologicamente os tantos aparatos de controle de que se valem os totalitarismos, dentre eles, nos mostra como é trabalhado o terror como meio de coerção, e como estes agem dentro de uma sociedade vassala de um sistema totalitário:
  • 28. 27 Somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto do totalitarismo; as massas têm de ser conquistadas por meio da propaganda. Sob um governo constitucional e havendo liberdade de opinião, os movimentos totalitários que lutam pelo poder podem usar o terror somente até certo ponto e, como qualquer outro partido, necessitam granjear aderentes e parecer plausíveis aos olhos de um público que ainda não está rigorosamente isolado de todas as outras fontes de informação. Nos países totalitários, a propaganda e o terror parecem ser duas faces da mesma moeda. Isso, porém, só é verdadeiro em parte. Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo (o que só é feito nos estágios iniciais, quando ainda existe a oposição política), mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias. (ARENDT, 1979, p. 390) Também é possível partir de um ponto de vista psicanalítico ao analisar 1984. Sobre a convenção social de civilização, que se adapta às realidades individuais de cada sociedade, Freud (1996, p. 127) ratifica o acima citado e coloca que, a civilização, portanto, consegue dominar o perigoso desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade conquistada. Por conseguinte, vemos que a consolidação desse Socialismo Inglês por meio desses organismos de coerção, se dava de forma tão forte, que acabava resultando num processo mecânico e arriscaria a afirmar que, quase consciente. Isso ratifica o que já fora supracitado, de que toda civilização tem um preço. O preço do equilíbrio é sempre desempenhado por um mecanismo de controle. O preço que se paga para sair da barbárie e entrar na civilidade exige que você se enquadre e de forma consciente ou inconsciente, aceite os dogmas éticos e morais, determinados por uma ideologia qualquer. Dando continuidade, engendradas ferramentas para mostrar que estava sendo observado em qualquer lugar, o cidadão se autopoliciava, censurando seu próprio comportamento. Por fim, a idéia do exercício da repetição, para se perpetuar dogmas é bem sustentada por Althusser (1970, apud MUSSALIM, 2006, p. 110) que diz: A ideologia é bem um sistema de representações: mas estas representações não têm, na maior parte do tempo, nada a ver com a ―consciência‖: elas são na maior parte das vezes imagens, às vezes conceitos, mas é antes de tudo como estruturas que elas se impõem à maioria dos homens, sem passar por suas consciências. Assim, o clímax da cegueira mental por parte das pessoas da Oceania, se dava em duas cerimônias: os Dois Minutos de Ódio, e mais ainda na Semana de Ódio, em que a imagem polarizada de Emmanuel Goldstein com sua voz balida era atacada com insultos e palavrões. No que diz respeito às políticas de controle desenvolvidas e desempenhadas por esse sistema, podemos ver uma descrição quase ideal de como eram conduzidas tais cerimônias, e
  • 29. 28 de como, uma vez que já se encontravam com o poder estabelecido, o que era preciso fazer para permanecerem. À medida que a sociedade se encontra socialmente sonhada, o sonho se torna necessário. O espetáculo é o sonho mau da sociedade moderna aprisionada, que só expressa afinal o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guarda desse sono. (DEBORD, 1997, p. 19). O trecho serve-nos para comprovar de forma sistematizada o que se travava nesses espetáculos promovidos concomitantemente, uma vez que serviam tão somente para ajudar todos os lá inseridos a acreditar piamente no Grande Irmão e sua ideologia. Também nos remete à segunda parte do pão e circo romano. Desse modo, podemos visualizar o transe em que essas pessoas mergulhavam, mostrando a eficácia desses utensílios, trabalhando em conjunto com o propósito da razão do Partido. A razão exerce tirania, subtraindo as possibilidades de dissidência. Cruzando mais uma vez a relação da ficção com a realidade, haja vista que a obra aqui dissecada promove por hora esses entrelaçamentos dentro da narrativa, podemos situar outro ponto em nossa análise que é a semelhança dessa situação na distopia de Orwell, com a Alemanha nazista de Hitler. Este também se utilizava, além de artifícios retóricos, da exaltação das paixões populares, pela via de um lema que, assim como em nossa narrativa, era salmodiado a todo o momento. Tratava-se do: “Deutschland Über Alles”, que era a primeira linha da primeira estrofe da canção alemã Das Lied der Deutschen, que fora utilizada como hino de exortação à unidade alemã. Dessa maneira, esse trecho constituía o slogan da verdadeira propaganda nazista de exaltação à supremacia da raça ariana sobre o mundo, pregada por Hitler em seu regime. Destaca-se também a respeito das incursões retóricas de Hitler, que este entrava em um suposto estágio de transe em que os ouvintes também mergulhavam, como se houvesse ainda por trás dele um ente superior, regente de todo aquele cerimonial. O ponto chave da nossa comparação aqui são os aparatos de coerção e principalmente a propaganda desempenhada por estes regimes totalitários. Tanto o sistema em questão dentro de nossa narrativa como o regime de Hitler, se utilizavam praticamente dos mesmos recursos repressivos para perpetuar sua ideologia e cercear as liberdades, primeiro no plano individual, que era o medo sendo trabalhado na cabeça de cada uma daquelas pessoas e depois esse trabalho refletia num público maior, que seria o coletivo, através principalmente da propaganda ovacionista. Uma mentira que era dita inúmeras vezes se tornava verdade e a assimilação do medo como uma coisa típica de um governo era grandemente tragável por parte dos governados.
  • 30. 29 3. O PODER VIRTUAL: A ANULAÇÃO DA MEMÓRIA Conforme nossos estudos, foi possível notarmos que, entre as manifestações totalitárias, a pluralidade de pensamento é um misto de passado e presente, tradição e modernidade e esta pluralidade é vetada, dando lugar ao pensamento individual composto somente de tempo presente, indispensável na consolidação destes sistemas. Logo, podemos dizer que o passado é a matéria viva do presente e que, para entendermos esse poder virtual como anulação da memória devemos sempre considerar o fator tempo. Thomas Mann, (2006, p, 67-68) romancista contundente que também abordou sobre os anos que se sucederam após uma grande guerra, a de 1914, pra ser exato, coloca que, quando um dia é como todos, todos são como um só; passada numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fechar de olhos. O hábito representa a modorra, ou ao menos o enfraquecimento, do senso de tempo. O que se vê em nossa narrativa que tem uma ligação grande com o que elucidamos acima, é que se procurava matar esse tempo através do exercício da repetição. Transformava- se toda atividade em coisas habituais, que até mesmo a mente fazia suas abstrações de forma maquinal. Como não se tinha consciência da passagem desse elemento tempo de grande importância para possíveis mudanças no futuro, todo cidadão nada mais era que uma organela entrelaçada a outras, compondo o todo indivisível. Nessa temporalidade se remonta à memória de um povo como em camadas. Uma sociedade sem história torna-se trôpega. As possíveis tentativas de recuperação de sua estima, para uma possível revolta, se dá principalmente através do conhecimento das suas memórias guerreiras, que conseqüentemente servirão de paradigmas a serem seguidos. Acerca da tradição e temporalidade, T. S. Elliot (1975, p. 37) lido e apreciado por Orwell, afirma que a sua compreensão ―envolve um senso histórico, e o senso histórico envolve uma percepção, não somente da passagem do passado, mas sua presença 3‖ [tradução nossa]. Presença essa que, no texto, o Partido procura o tempo todo apagar por completo. Assim, sabemos que, na memória, faculdade de reter impressões e conhecimentos adquiridos, e de recuperá-los pela ação da vontade, está contida a existência humana em todas as suas várias possibilidades e que, devido a ela, nós seres humanos nos tornamos mesmo sem sermos eternos, seres indeléveis, melhor dizendo, é na memória que se inscreve nossa história, é nela que nossas ações humanas inscrevem-se na atemporalidade. 3 It involves (…) the historical sense (…) and the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its presence.
  • 31. 30 Na narrativa, podemos compreender melhor essa informação quando o protagonista decide escrever um diário para o futuro. Daí, do ato de registrar seu presente para que alguém possa entender o que se passa em seu tempo, parte seu propósito de se rebelar contra esse regime. Nesse ínterim, enquanto escreve seu diário, uma das importantes chaves de compreensão dessa narrativa são as armas utilizadas como tentativa de supressão da memória. Ao nos defrontarmos inicialmente com a obra 1984, a primeira coisa que nos salta aos olhos é a temporalidade, não só pelo título datado, 1984, mas pelo fato de encontrarmos alguém que busca vestígios de sua memória coletiva. Sabemos que esse poder, figurado no Grande Irmão, busca incontestavelmente a anulação da memória de um tempo em que havia liberdade, âncora da consciência de Winston Smith. Conforme Borges (2007, p. 55-56), vemos que: A memória, por sua vez, está ligada ao afeto. Talvez possamos dizer que memorizamos apenas o que nos afeta, em maior ou menor grau. Talvez possamos ir mais longe e afirmar que memorizamos mais nitidamente quanto mais intenso for o afeto. Se isto for correto, para que as pessoas percam a faculdade de produzir uma memória e assim fiquem mais facilmente à mercê dos mecanismos de submissão, torna-se necessário impedir que elas se toquem ou pelo menos que não se afaguem, mesmo que este afago seja um aperto de mão... Em outras palavras: é preciso formar soldados e não cidadãos, pois a função do soldado é negar o outro, eliminá-lo; ―matar ou morrer‖. Ou então que uma intensidade limite produza a necessidade de esquecer. Ser forçado a agir contra a sua própria natureza. É preciso que a tortura, a dor e a humilhação venham junto a palavras de ordem. (BORGES, p. 55-56) Assim, a raiz etimológica da palavra latina memória significa ―preservação de experiência passada‖, um processo consciente que, de forma deliberada, convoca os fatos a serem registrados. Em outras palavras, processo consciente que remete à liberdade. Essa mesma liberdade, de forma intensa, o Partido tentava subverter através de mais algumas outras armas que, somadas, dão grande parte do aparato desse sistema opressor. Analisando o conceito de memória, por esse viés etimológico, o qual, por sua vez, está presente em vários campos do saber e ações do homem, percebemos que esta seria a capacidade de o ser humano retomar o passado através de divagações sobre impressões e vivências passadas. Também confirma esse pensamento Le Goff (2003, apud OLIVEIRA, 2008, p. 10): ―A memória é um comportamento narrativo que tem em seu cerne a função social de comunicar a outras pessoas informações e impressões ocorridas no passado as quais não estão no presente na sua forma original.‖ Logo, percebemos quando exploramos com mais afinco os recursos utilizados pelo partido para anulação dessa memória, que provavelmente havia uma consciência por parte dos líderes de que ―os fenômenos da memória nos seus aspectos biológicos como nos
  • 32. 31 psicológicos, mais não são que os resultados de sistemas dinâmicos de organização e apenas existem na medida em que a organização os mantém ou os reconstitui‖. (LE GOFF, 2003, apud OLIVEIRA, 2008, p. 10). Desse modo, podemos afirmar que é nesse ponto que atacam as tiranias: se essa organização que constitui a memória for ameaçada, a memória ancestral, as camadas que compõe o tecido histórico, nunca poderá ser reconstituída. Winston busca sua memória quando, por exemplo, vaga pelos subúrbios, onde existem as vivendas dos proles, faz compras de resquícios do passado no antiquário, ou em sua quase certeza de que as coisas um dia não tinham sido daquela forma, certeza essa que latente, o deixava absorto em seus pensamentos. Assim, se conjecturarmos que Winston chegasse a ter comprovação dessa realidade passada que o visitava de quando em vez, seria o input perfeito para que ele realizasse a revolução no campo das ideias pretendidas, pois sua memória não conseguia sistematizar de forma organizada essas divagações, que seriam a pedra fundamental da preservação da memória, e que, como sabemos, é justamente nela que o Partido incidia com o intuito de subvertê-las quando levava seus cativos revoltosos para o quarto 101. Essa supressão era requerida pelo fato de que de alguma forma essa lembranças que por ora Winston buscava, ainda que vagas, como imagens da mãe e da irmã, as canções infantis, souvenires comprados no antiquário, entre outras coisas, podiam levar ao processo de recuperação dessa consciência do que fora o passado buscado pelo protagonista. Esse processo era visto por Winston de forma intensa na figura dos proles, os mesmos que eram alimentados de panis et circenses, com músicas vazias de sentido, loterias de prêmios utópicos, pornografia barata, entre outras coisas. E ainda que Winston visse as colunas dessa revolução nas figuras dos proles, isso passava despercebido por eles próprios. Os futuros protagonistas da pretendida revolução, em nenhum momento sentiam a necessidade de alteração da situação, eles possuíam pouca instrução, e sabemos que quanto menor a informação, menor o questionamento. Estratégia essa que sabemos ser muito utilizada pelos mantenedores do poder da atualidade. Instruindo as camadas da base da pirâmide social estariam fornecendo um paiol de armamentos contra aqueles, colocando em risco a situação do poderio. Isso faz-nos perceber que a ficção não fica aquém da nossa realidade, que está bem mais próxima do que possamos pensar, ou seja, ficção e realidade são um híbrido essencial para o entendimento da nossa condição humana. Com o fio na mesma meada, podemos nos questionar também do porquê de os proles não oferecerem risco de revelia quase alguma ao Partido. Winston deixa bem claro em suas buscas, em visitas frequentes ao local onde os proles residiam, entender o porquê de eles não
  • 33. 32 possuírem reminiscência alguma do passado. O escopo da busca de Winston, como aponta nossa leitura, mostrava que, se alguma esperança havia, tinha que residir nos proles, pois só deles, desse imenso e desprezado formigueiro, 85% da população de Oceania, podia alguma vez brotar a força para destruir o Partido (ORWELL, 1986, p. 161). Desse modo, a manutenção da situação era instaurada pela subtração daquilo que Winston começou a buscar nesses desprezados pardieiros, mesmo sabendo que, no fundo, a revolução que ele poderia instigar a acontecer seria tão somente no campo das ideias, e que teria que trabalhar a consciência da população quase que por inteiro. Ora, essa seria uma tarefa quase que impossível. Mesmo o Partido, com todas as suas estratagemas bem elaborados para controlar a população, não conseguiria esse feito com cem por cento de êxito. Dando prosseguimento, podemos mais uma vez fazer analogia ao período ditatorial em que essa narrativa está inserida, mesclando realidade e ficção. Pois, à medida que nos aprofundamos na literatura, enxergamos cada vez mais que todo escritor de ficção é um memoralista. Às vezes, memória e ficção se entrelaçam fazendo com que se dificulte saber definir o que é ficção do que é memória. Em incursões discursivas ficcionais sempre ficam resquícios de algum fato vivenciado pelo autor da obra, haja vista que a literatura dá liberdade de construir essas costuras, de forma consciente ou inconsciente. Ainda, identificamos que realidade e ficção são siamesas na eterna busca de descortinar a vida, ambas são um amálgama inegável na construção da memória da humanidade. No que diz respeito à manutenção do poder através da tirania da razão sobre a mente humana, invólucro dessa memória, podemos ponderar que: a coisa que mais claramente distinguiu a Rússia de Stalin ou a Alemanha de Hitler de regimes autoritários anteriores foi a habilidade deles de invadir a vida interior das pessoas que eles governavam. Ao invés de compelir obediência através do uso da força (embora isto fora obviamente importante) eles exerceram um tipo de controle mental que fez isso quase literalmente impossível para qualquer pessoa questionar a ideologia oficial. (BOUNDS, 2009, p. 35). 4 [tradução nossa] Hannah Arendt, ao analisar os totalitarismos e seus estratagemas de controle, faz observações contundentes, os quais nortearão nosso rumo de investigação, estabelecendo assim, paralelos entre o período em que 1984 está imersa e a obra propriamente dita. Dentre 4 The thing which most obviously distinguished Stalin‘s Russia or Hitler‘s Germany from earlier authoritarian regimes was their ability to invade the inner lives of the people they governed. Instead of compelling obedience through the threat of force (though this was obviously important) they exercised the sort of mind control which made it almost literally impossible for anyone to question the official ideology.
  • 34. 33 eles um dos que são usados deliberadamente em nossa distopia, ao qual ela dá a nomenclatura de ―culpa por associação‖, é conceituado da seguinte forma: A "culpa por associação" é uma invenção engenhosa e simples; Jogo que um homem é acusado e os seus antigos amigos se transformam nos mais amargos inimigos: para salvar a própria pele, prestam informações e acorrem com denúncias que "corroboram" provas inexistentes, a única maneira que encontram de demonstrarem a sua própria fidelidade. Em seguida, tentam provar que a sua amizade com o acusado nada mais era que um meio de espioná-lo e delatá-lo como sabotador, trotskista, espião estrangeiro ou "fascista‖. Uma vez que o mérito é "julgado pelo número de denúncias apresentadas contra os camaradas", é óbvio que a mais elementar cautela exige que se evitem, se possível, todos os contatos íntimos — não para evitar que outros descubram os pensamentos secretos, mas para eliminar, em caso quase certo de problemas futuros, a presença daqueles que sejam obrigados, pelo perigo da própria vida, à necessidade de arruinar a de outrem. Em última análise, foi através do desenvolvimento desse artifício, até os seus máximos e mais fantásticos extremos, que os governantes bolchevistas conseguiram criar uma sociedade atomizada e individualizada como nunca se viu antes, e a qual nenhum evento ou catástrofe poderiam por si só ter suscitado. (ARENDT, 1979, p. 356). Essa culpa por associação é identificada por ora na nossa distopia, como por exemplo, as crianças que delatam os pais ao Partido. Os quais, mesmo sujeitos à represália pela delação, se orgulham das crianças estarem desempenhando seu papel para com o Partido. Colocando mais uma vez o Partido acima de qualquer forma de relação humana. Outro exemplo é o da companheira de Winston. A impressão que se tem é que Julia fora criada para delatar Winston. Pode-se perceber que essa culpa por associação fora engendrada justamente para apagar a humanidade daqueles cidadãos da Oceania, para desfazer os laços tanto familiares quanto de amizade existentes, haja vista que não seria possível um delatar o outro, caso existissem quaisquer vínculos. Assim, podemos ver que, vetando toda e qualquer atividade autônoma, o totalitarismo, toma corpo cada vez mais. Essa culpa por associação culmina com a coisificação das pessoas, o que Arendt chama de atomização, ação que, além de ser percebida em nossa narrativa de forma contundente, se deu em um grau muito acentuado também na Rússia de Stálin, entre outros sistemas totalitários. Essa atomização seria, a grosso modo, como se cada indivíduo dependesse do outro para existir, como se eles não passassem de células ou átomos isolados à mercê de outras células. Sua funcionalidade só existiria enquanto existisse o coletivo, o todo, do contrário, seria inconcebível outro comportamento dentro desses sistemas.
  • 35. 34 3.1 Manutenção da situação por subtração Ao passo que nos aprofundamos na narrativa de George Orwell, podemos afirmar que a revolução realizada pelo partido, até se instaurar o poder do Grande Irmão, se deu de forma sistemática, ou melhor, a razão desempenhou um papel tirânico na consolidação do poder. A história parou, nada existe, exceto um presente sem-fim no qual o Partido tem sempre razão (ORWELL, 1986, p. 113). Vê-se assim que o propósito principal desse sistema é colocar na mente humana a concepção das coisas sem a ideia de início, meio e fim, o que, diga-se de passagem, fora conseguido. A idéia do durante, do enquanto, do agora, é a que prevalece sobre todas as coisas. Acrescenta-se a isso o duplipensar, a que Orwell dá a seguinte definição: Duplipensar significa a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e aceitá-las ambas(…) O processo tem de ser consciente, ou não seria realizado com a precisão suficiente, mas também deve ser inconsciente, ou provocaria uma sensação de falsidade e, portanto, de culpa. (ORWELL, 1986, p. 157) À medida que o entendimento nos chega de forma sutil na leitura de 1984, identificamos que a narrativa extrapola a realidade por ser pejada de duplipensares. Como por exemplo, o próprio entendimento do duplipensar que também é uma forma de conviver com crenças diametralmente opostas, que, trocando em miúdos, é um duplipensar, e ele continua: O duplipensar é a pedra basilar do Ingsoc, já que a ação do Partido é usar a fraude consciente ao mesmo tempo em que conserva a firmeza do propósito que acompanha a honestidade completa. Dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar piamente, esquecer qualquer fato que se haja tornado inconveniente, e depois, quando de novo se tornar preciso, arrancá-lo do olvido o tempo suficiente à sua utilidade, negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a realidade que se nega – tudo isso é indispensável. (...) Pois o segredo do mando consiste em combinar a crença na nossa própria infalibilidade com a capacidade de aprender com os erros anteriores. (ORWELL, 1986, p. 157-158). Devemos também observar o fato de que, além de toda essa nostalgia que Winston nem tem comprovação ser onipresente, associa-se o fato de ele trabalhar nesse próprio processo fraudulento. Desse modo, podemos dizer que, o duplipensar é a subtração do conceito convencional das palavras possuírem um só sentido ou quando não, possuindo mais de um, tocarem-se sem divergirem. Em outras palavras, seria aceitar dois sentidos numa mesma palavra, mesmo sendo sentidos antagônicos, e acreditar em ambos de forma consciente.
  • 36. 35 A outra arma que desempenha um papel importante nessa consolidação do poder é a novilíngua, que podemos entender nas palavras claras de Syme, um dos vassalos do Partido: - Não vês que todo o objetivo da Novilíngua é estreitar a gama de pensamento? No fim, tornaremos a crimidéia literalmente impossível, porque não haverá palavras para expressá-la. Todos os conceitos necessários serão expressos exatamente por uma palavra, de sentido rigidamente definido, e cada significado subsidiário eliminado, esquecido. (ORWELL, 1986, p. 38) Agindo assim, todos os conceitos suscetíveis a questionamentos são vetados pelo partido e a Novilíngua se revela como mais uma das incontáveis armas de limitação das possibilidades da condição humana. Identificamos, então, que o processo de subtração toma corpo mais uma vez, a partir do momento em que são vetadas inúmeras palavras, ou seja, se não há definição para determinada coisa, não há nela sentido, bem como a construção duma imagem negativa de Emmanuel Goldstein, que, assim, acaba por ser esfacelada, fazendo desaparecer a possibilidade de uma imagem positiva. Trazendo a ação de vetar palavras da língua como realizado pelo Partido na Oceania, Orwell em Política e a Língua Inglesa traz-nos algo interessante: O grande inimigo da linguagem é a insinceridade. Quando há um hiato entre os nossos verdadeiros objetivos e os objetivos declarados, voltamo-nos como que instintivamente para as palavras longas e para as expressões gastas, como um choco a largar tinta. (...) Se simplificarmos a língua, libertamo-nos das piores tolices da ortodoxia. Não seremos capazes de falar dialetos necessários, e quando fizermos um comentário estúpido a sua estupidez será óbvia, até para nós próprios. A linguagem política – e com algumas variações isto aplica-se a todos os partidos políticos, dos conservadores aos anarquistas – foi concebida para fazer as mentiras parecer verdades e o assassino respeitável, e para dar uma aparência de solidez ao puro vento. (ORWELL, 2009, p. 1). Desta maneira, em mais uma das razões fundamentais para manutenção da situação que era a Novilíngua, vemos o quanto a palavra representa o direito de ter um caminho e também negá-lo, o que nos diz como o IngSoc agiu nos pontos fundamentais para realização desse controle. Podemos afirmar também que o paroxismo da negação do indivíduo se dá a partir do momento que o ser humano, na condição de oprimido, não tem como se afirmar, contra essa ideologia em evidência. Sobre o conceito de ideologia e linguagem podemos ver pelo viés da análise do discurso, que ―a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a
  • 37. 36 ideologia se materializa. A linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio da qual se pode depreender o funcionamento da ideologia.‖ (MUSSALIM, 2006, p. 104) Portanto, a afirmação do eu é um processo que se realiza através da enunciação, da linguagem. Desse modo, o processo de abstração para a compreensão do funcionamento da ideologia ficava enormemente impossibilitado pela limitação da língua, manipulada pelo poder político vigente. Assim, podemos ver que em toda essa atmosfera de subtração reside nesse mecanismo de controle do Partido. Ao estabelecermos um paralelo com algo mais próximo da nossa realidade, observamos: É óbvio que isso nos remete ao caráter revolucionário do patoá, da gíria, dos dialetos, que exprimem as condições materiais reais dos grupos nos quais são produzidos, mesmo sob condições de repressão, expondo os problemas, os movimentos e as práticas, pela incessante renovação dos termos, respondendo diretamente ao devir criativo das ações concretas que se efetuam no grupo. Além do mais, o caráter codificado da linguagem mantém o sigilo, o ocultamento necessário a qualquer forma de resistência, restringindo a eficácia da mensagem àqueles que detêm o sentido das palavras. Isto mantém o opressor sempre um passo atrás, vendo-se obrigado a forjar meios que levem à descoberta dos segredos daquele linguajar (problema da manutenção do segredo e da necessidade de renovação constante dos termos e do seu sentido e cuidado com o risco da traição ou da infiltração do inimigo, para a minoria em posição de resistência). (BORGES, 2007, p. 55) Por fim, não existindo essas reduções na Novilíngua, seria quase impossível que, aqueles que estavam imersos nessa situação por tanto tempo, cometessem algum tipo de subversão contra o partido. Então, o partido, ao invés de forjar meios para descobrir o que se passava na cabeça das massas, possuía pessoas específicas para destruírem algumas palavras que, no ponto de vista de um dos teóricos mais importantes do partido, Syme, eram tidas como desnecessárias. Podemos depreender da nossa parábola, que exercer a linguagem seja em qualquer sentido e de qualquer forma, é uma atividade subversiva, por ser uma atividade baseada na autonomia do indivíduo. A eficácia da mensagem se restringe a pouca variedade de palavras para expressar alguma coisa. Na Oceania, com frequência aconteciam às reformas ortográficas e cada vez mais, a dificuldade de definição das palavras se tornava maior, em outras palavras, dificultando-se a definição, os sentidos, dificultava-se o pensamento. Logo, o risco de traição era praticamente nulo, pelo fato de essa tática ser usada com mais outras de mesmo tipo, como o duplipensar, o trabalho do medo na consciência das pessoas entre outras coisas. Os quais mostram a mão de ferro a que eram submetidos os
  • 38. 37 habitantes da Oceania, bem como a pressão de dez atmosferas que essas estratégias de repressão exerciam. 3.2 Winston e Júlia: a revolução traída Podemos também fazer um gancho num ponto crucial no entendimento dos propósitos de Winston. Vemos que, uma vez que ninguém podia de forma alguma, manifestar quaisquer demonstrações de afeto um para com o outro, Winston acaba encontrando uma grande companheira de deserção, pelo menos a nível aparente. Winston começa a desejá-la quando a vê numa das cerimônias de exaltação das paixões populares, onde haviam apupos altissonantes contra o suposto traidor, Emannuel Goldstein. E percebe a aparente personalidade destemida e independente. E fora instigado à transgressão a partir daquele momento. Só que depois por um descontrole dos seus desígnios acaba por amá-la de verdade. Depois de uma troca instantânea de um bilhete com indicação do que ela sentia, passam a se encontrar às escondidas. Mais tarde Winston também revela o sentimento que também se manifestava dentro de si. Eventualmente sua intenção era somente possuí-la, no entanto, mesmo sem ter consciência disso a transgressão fora bem maior uma vez que nessa sociedade o amor não era algo permitido. Era mais um das inúmeras repressões da autonomia do indivíduo. Tanto que vale salientar que existia um dos órgãos dos que compunham a parte principal do Partido que era responsável pela castração desses sentimentos, tidos como sentimentos desnecessários ao sistema. O Ministério do Amor era encarregado de delatar e julgar aqueles que desse mal subversivo sofria. O único sentimento de afeição que poderia desenvolver era exclusivamente direcionado ao Grande Irmão. No entanto, percebemos que, somente depois de algum tempo, é que Winston começa a demonstrar seus resquícios de humanidade, pois quando ele conhece Julia, ele tem por ela sentimentos dos mais hostis, por causa da maneira com a qual ela seguia piamente o Grande Irmão. Um retrato consistente disso se dá quando ele confessa para Julia os sentimentos sádicos que tinha com relação a ela. O fluxo da consciência de Winston ao vê-la em um dos cerimoniais do Partido, é o seguinte: