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Introdução:


        A análise das religiões no Brasil compõe-se em objeto de curiosidade de diversas
áreas de estudos acadêmico, como Historia Filosofia, Sociologia, Antropologia, entre outras,
abordando as mais variadas vertentes, porém todas estas, acredita-se que as vivências
religiosas de qualquer tempo enquanto fenômeno religioso não se esgota em si, mas amplia
perspectivas e possibilidades cada vez maiores e mais amplas. Neste contexto a atenção deste
trabalho será voltado para a instituição católica, especialmente á Festa dedicado ao Glorioso
São Roque, praticada em Riachão do Jacuipe – BA. Cidade por ter sua localização ás margens
do Rio Jacuipe, no semi-árido baiano com uma distância aproximadamente da capital baiana
de 183Km. No qual, seu território esta incluído na zona do “Polígono da Seca”.
       Para a realização desse trabalho abordarei os festejos de São Roque em Riachão do
Jacuipe nas décadas de 1930-1950.O visual parece ter estado sempre associado a vivencia e a
teatralidade de relação com os orixás que no candomblé, o santo homenageado tem função
homologa. E possível acompanhar essa prática cultural de herança africana através de
fotografias e vídeos, práticas essas excluídas pala Igreja Católica.
       Após essas considerações faz-se necessário demonstrar algumas possibilidades de
abordagem e, em seguida, apontar algumas inquietações temáticas. Porém algumas discussões
teóricas, atenta-se, neste momento para a participação do fenômeno religioso na realização da
Lavagem das Prostitutas em louvor a São Roque em Riachão do Jacuipe- Ba.
       Dessa forma buscando uma história local numa perspectiva da História Cultural,
pretendo analisar os motivos que levou a igreja católica de Riachão do Jacuipe a não aceitar
num ato discriminatório, separar a parte religiosa dos festejos de São Roque, realizado pela
Igreja Católica local, da parte profana, realizada pelas prostitutas.
O trabalho apresenta-se dividido em três subtópicos:
       O primeiro intitulado: Breve histórico sobre a prostituição que busca compreender o
fenômeno da prostituição nas décadas de 1930-1950.
O segundo intitulado: Resistência e opressão vivida pelas prostitutas trata-se do processo de
segregação, exclusão e preconceito sofrida pelas prostitutas e luta pelas mesmas para resistir e
ainda lutar contra a dominação da sociedade autoritária e se fazerem presentes na sociedade
mesmo que por pouco tempo.
3



Já o terceiro subtópico: O contexto da festa após Abdias objetiva conhecer as mudanças após
a morte de Abdias Carneiro
E por fim as considerações finais remetem a sistematização do que foi identificado na pesquisa num
processo em que o lado religioso da festa de São Roque foi separado da parte profana. A Lavagem de
São Roque. Identificando conflitos sociais, mas também, como afirmam os seus participantes, um
espaço de alianças, alegrias e a diversão era, sobretudo, uma forma de expressão, de auto-
afirmação naquela estrutura social.
4



A LAVAGEM DE SÃO ROQUE EM RIACHÃO DO JACUÍPE: UM ESPAÇO
DE INTEGRACAO ENTRE A POPULACAO POBRE AS PROSTITUTAS
NAS DÉCADAS DE 1930-1950

Breve histórico sobre a prostituição


        Historicamente, há registros da existência de prostitutas desde a Antigüidade. Na
Grécia Antiga a classe das hetairas, eram as prostitutas mais sofisticadas, que além de suas
prestações sexuais ofereciam companhia e com as quais os clientes frequentemente tinham
relacionamentos prolongados. No entanto, em fins do século XV a prostituição passa a ser
proibida em quase toda a Europa, por conta da enorme difusão da sífilis no mesmo momento
em que ocorriam as crises da Reforma e da Contra-Reforma, quando a intolerância era
justificada com o discurso que defendia o equilíbrio entre aquilo que era mais santo e mais
puro.
        No Brasil o fenômeno da prostituição existe desde o período colonial e transformou-se
em objeto de estudo a partir da segunda metade do século XX. Alguns autores1 afirmam que
as prostitutas do Brasil Colônia contribuíram para a construção e valorização do seu oposto:
ou seja, as mulheres puras, identificadas com a Virgem Maria e longe da sexualidade
excessiva. Nessa realidade, as mulheres que exerciam a prostituição eram vistas como
pacificadoras da violência sexual, salvaguarda do casamento moderno e, ao mesmo tempo,
taxadas de meretrizes.
        Para compreender o significado da prostituição neste período, é necessário lembrar-se
da realidade social: a pobreza, que fazia do meretrício um ofício ou uma forma de trabalho
ligada à sobrevivência. A prostituta, carregada de preconceitos como herdamos hoje no Brasil,
nasce do conflito entre as duas diferentes idéias e realidades de prostituição existentes: as
prostitutas de bordel caracterizadas como bem instruídas, sofisticadas, educadas, etc. com
aparente permissão para transgredir e as prostitutas de bordéis populares, predominantemente
pobres, mulatas ou negras, e que se sujeitavam á prostituição por razões de sobrevivência.

1
 Podemos citar entre os autores em questão: SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In:
PRIORE, Mary Del (org). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, p.362. FRANCO,
Setastião Pimentel. O gênero feminino na história brasileira: da exclusão e busca da participação. FCAA
Disponível em:<www.fcaa.com.br/sitenovo/.../lernoticia.asp?...> Acesso em: 14 Jul. 2009
BROTTO, Renata Batista. Médicos e padres: maternidade e representações dos papéis sociais da mulher (1860-
1870).      Rio     de      Janeiro:    Fundação       Oswaldo       Cruz,     2009.     Disponível      em:
www.fiocruz.br/ppghcs/media/dissertacaorenatabrotto. Acesso em: 14 Jul. 2010. DEL Priore, Mary Lucy. Ao sul
do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia. Rio de Janeiro; José Olympio,
1993
5



        Nesse contexto Sueann Caulfield vem falar da hierarquia social das prostitutas, ou
seja, no final da década de 1920 no Rio de Janeiro as prostitutas de classe baixa ficavam
separadas isoladas em áreas que os próprios policiais reservavam, pois, o objetivo dos
mesmos pressionados pela sociedade era mantê-las longe dos centros comerciais, e da linha
dos bondes distante dos “cidadãos respeitáveis”. A sociedade cobrava dos policiais por meio
de campanhas sensacionalista da empresa e pelas autoridades médicas e jurídicas temendo o
aumento da criminalidade e desordem social no Rio de Janeiro.2 Nesse sentido ficava a cargo
da policia a retirada das prostitutas do centro, isolando-as em bairros periféricos onde
localizava os chamados baixo meretrício, evidenciando o preconceito de raça, etnia e classe
por parte da elite. Observando assim, um número relevante de prostitutas pobres e negras3.
        A respeito disso Waldir de Abreu, afirma que:
                           Já no século XVII, em Recife, era ostensiva a prostituição, sob a dominação
                          holandesa, quer em numerosos sobrados e bordeis, quer em prostíbulos do porto.
                          Variava a categoria desde as negras, mulatas e brancas nacionais até as louras e
                                                                                               4
                          ruivas holandesas. Uma delas chegou a ser denunciada ao Santo Ofício” .

                          Para Gilberto Freire:

                           A cidade de Recife talvez deva ser considerada a primeira de uma série de pequenas
                          Sodomas e Gomorras, que floresceram á margem do sistema patriarcal brasileiro.
                          Foram muitos os sobrados que, ainda novos tiveram lá, como em cidades mineiras,
                          em Salvador, e no Rio de Janeiro, seu patriarcal desvio, seu sentido familiar
                          pervertido, sua condição cristã manchada por extremos de libertinagem.5


        Segundo Guido Fonseca em seu livro História da prostituição em São Paulo6, José
Arouche de Toledo Rondon fala, em 1788, sobre a visão deprimente que se tinha nas ruas da
cidade: meninas pedindo esmola e outras, se prostituindo sendo que a maioria delas tinha
idade inferior a 12 anos. Relata ainda que em 1825, crianças rejeitadas ou filhas de militares
enviados ao extremo sul do país da Pátria que não haviam retornado ou voltavam inválidos
perambulavam pelas cidades e acabavam sendo recolhidas por famílias miseráveis que logo as
atiravam à prostituição, visando o lucro, como na Grécia Antiga. No século XX, havia




2
  CAULFIELD, Sueann. O nascimento do mangue: raça, nação, e o controle da prostituição no Rio de Janeiro,
1850-1942. Rio de Janeiro: Tempo, 1996 nº 9.p.44. Disponível em: www.historia.uff.br/tempo/site/?cat=37.
Acesso em: 20 de Jul. 2009.
3
  CAULFIELD, Sueann. Op. cit. p. 44.
4
  ABREU, Waldyr de. O submundo da prostituição, vadiagem e jogo do bicho: aspectos sociais, jurídicos e
psicológicos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968. p. 42.
5
  Idem, ibidem, loc. cit. p. 42.
6
   ANDRADE, Ivanise. Prostituição e exploração: comercialização de sexo jovem. Disponível em:
www.caminhos.ufms.br/.../impressao.htm?artigo=45. Acesso em 20 de Jun 2010.
6



prostíbulos onde as exploradoras reservavam crianças do sexo feminino, filhas de prostitutas
escravas, substituindo as mais velhas ou as que tivessem falecido.7
       Através das palavras de Guido Fonseca é possível perceber que o fenômeno da
prostituição além de um processo crescente, era uma forma de sobrevivência diante da
situação financeira das famílias, complementando a renda familiar ou até sendo a única fonte
de renda, ou seja, a questão social em que a maioria das famílias vivia com a pobreza e
miséria determinava o aumento da mesma tanto infanto-juvenil, quanto adulta.
       De acordo com Cremoso, para Evaristo de Moraes, um dos maiores criminólogos
brasileiros, na virada do século XIX ao XX a prostituição era um "mal necessário" para a
preservação da moral no lar, não podendo ser considerada crime. Entretanto, ela foi
criminalizada como "ato imoral" que ameaçava a vida social. Paralelamente a isso, existiu
uma repressão médica, que perpassava a profilaxia da sífilis, e uma repressão moral contra os
"escândalos" promovidos pelas meretrizes. Implantou-se, portanto, uma penalização quanto à
"conduta anti-social (anti-higiênica ou desmoralizante)" das meretrizes que ofendessem a
sociedade e o Estado. A Medicina foi um instrumento como forma de penalizá-la, pois a
polícia devia capturar as prostitutas para exames médicos. Tratava-se, então, de um controle
da sexualidade vista como criminosa pelo discurso da Criminologia: declarava-se ser
necessário uma Polícia Sanitária para criminalizar a prostituição8.
       Fosse a prostituição, no discurso da Criminologia, um fenômeno fisiológico, orgânico
ou patológico, ela era vista por moralistas, sociólogos e criminólogos como resultado do meio
social, tendo como principal causa a miséria. O meretrício seria inevitável, pois uma parte
significativa de mulheres somente obteria a sua sobrevivência pela prostituição. Com relação
aos homens, o meretrício seria a única forma de obter satisfação sexual. Segundo diversos
autores, a prostituição era uma necessidade social como “a ante-moral do lar doméstico [...]”,
visto que “não se conhece meio algum eficaz de impedir, coercitivamente, a existência dessa
instituição”.
       Candido Motta, que, além de ter sido um dos principais criminólogos da época, seguiu
carreira nos cargos públicos, desde Chefe de Polícia até Secretário da Justiça e Segurança
Pública do Estado de São Paulo, escrevendo em 1897, afirmava que a prostituição era
considerada um "fenômeno social fatal e necessário", como o crime, uma resultante de fatores
antropológicos, físicos e sociais. "A sua necessidade explica-se pelo derivativo que oferece às


7
 Idem, ibidem. Loc. cit.
8
 CREMOSO Karine. P. Estudo teórico sobre a prostituição e as casas de prostituição p.1. Disponível em:
<intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/.../1119> . Acesso em: 08 jun. 2010.
7



excitações genéricas muito intensas, que sem ela não respeitariam, talvez, nem a infância,
nem o lar doméstico". Daí, a necessidade de opor barreiras ao vício que, sem elas, se alastraria
num crescendo9.
        A sexualidade no lar tinha seus limites, devendo ser respeitada a "natureza" e contidos
os excessos. A relação sexual ali era mantida dentro dos padrões tradicionais, extirpando-se
desvios, mantendo-se a reprodução e a sexualidade sadia. O submundo da sexualidade devia
ser exercido fora do lar, com o sadio e o desvio podendo existir, mas de formas separadas:
eles não caberiam no mesmo teto, nem na mesma rua. A perversão só era possível, portanto,
no mundo da prostituição, cabendo dentro do lar o respeito.
        Para alguns criminólogos, apesar da preponderância das causas sociais na explicação
do meretrício, existiam casos patológicos, mulheres que se entregavam "à prostituição pelas
                                               10
exigências mórbidas do seu organismo”               . Lombroso afirmou a existência da prostituição
(feminina) nata, do mesmo jeito que existia a criminalidade (masculina) nata, ambas marcadas
pela hereditariedade11.
        De acordo com esses mesmos pensadores, "a prostituição com as características da que
hoje conhecemos resultou do desenvolvimento urbano"12. O período de 1870 a 1920 foi
exatamente aquele em que tanto a cidade de São Paulo, como outros núcleos do mesmo
estado (principalmente Campinas e Santos) estavam se formando. São Paulo se transformava
num centro industrial e de serviços, Campinas era o principal centro cafeeiro e Santos o
grande porto do estado, por onde passava toda a exportação e importação de mercadorias e,
principalmente, imigrantes13.
        A urbanização também foi um dos fatores que contribuíram para o surgimento da
prostituição em Riachão do Jacuípe, ou seja, por volta dos anos 50 à cidade acentua o seu
desenvolvimento. É nesse período que chegam à luz elétrica, as indústrias e as rodovias. Foi
então que vieram pessoas, principalmente do sexo masculino de vários lugares para trabalhar
na construção da BR 324 e foi aí que se deu a procura de mulheres para satisfazer o desejo




9
  MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade Criminalizada: Prostituição, Lenocínio e Outros Delitos - São Paulo
1870/1920. São Paulo: Revista brasileira de História. vol. 18 n. 35, 1998. Disponível em:
www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102...script. Acesso em: 20 Jul. 2009
10
    PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRODE PROTEÇÃO Á INFÂNCIA, Rio de Janeiro. Anais. Rio de
Janeiro: MORAES, Evaristo de. "Prostituição e Infância", 1925. 10 p.
11
   ABREU, Waldir de, Op. cit., p. 19.
12
   MORAES, Evaristo de. Op. cit., p. 10.
13
   Sobre a cidade e são Paulo consultar: FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano. A Criminalidade em São Paulo
(1880-1924). São Paulo: Brasiliense, 1983. In CRUZ, Heloísa Faria. Trabalhadores em serviços: dominação e
resistência. São Paulo: Marco Zero/CNPq, 1990.
8



sexual dos trabalhadores. Sobre esse momento, observa Dedê14 uma das primeiras moradoras
do bairro:


                         Isso tudo era lama. A luz não era, era luz de motor, nem acendia digamos sete horas
                         quando era dez horas ia embora. Ia muitas firmas em Riachão umas quatro a cinco
                         firmas. Naquela época aqui era um movimento doido, era um movimento estrupido
                         era muito movimento, muita mulé, muleres jovens.15

       Nesse ambiente urbano as opções de trabalho feminino ainda são limitadas destacando
o comércio informal e, em casos extremos, em que essas opções não estavam disponíveis dá-
se a prostituição diante de um cenário de dificuldade e pobreza. Mais tarde, nas décadas de
1980 e 1990, a crise do sisal no nordeste baiano, contribuiu também para o empobrecimento
da população e o aumento da prostituição. Veja-se nesse sentido o relato de Dona Idalina,
antiga profissional do sexo na região:


                         Naquele tempo eu sofria muito. Naquele tempo eu vendia minhas carnes para comer,
                         né isso, perdendo noite, dando boa vida a dono de abuate. Naquela vida era uma
                         vida precuaria, uma vida de sofrimento, mas a gente vivia tudo na honestidade(...)16

       Segundo Moraes, a grande indústria "tende a destruir os elos e freios familiares". Os
baixos salários femininos faziam com que a prostituição fosse "um fenômeno econômico,
como sendo o complemento do salário insuficiente, ou a falta absoluta de salário". 95% das
prostitutas, nessa perspectiva, vinham das classes pobres.17
       Fica assim evidente a relação ambígua entre a rejeição e a aceitação da prostituição.
Por um lado sua figura feria a conduta, a moral e os bons costumes da sociedade, e por outro
não deixava de atender as vaidades masculinas que viam nas meretrizes o cumprimento de
suas fantasias e desejos já que para a estrutura familiar e social a relação entre o casal era de
respeito, ou seja, não cabiam os ímpetos do desejo masculino.
       Diante da visão comum das pessoas, e do preconceito existente, a imagem da
prostituta quanto ao seio familiar é de que a mesma não tem apoio ou afeto da sua família, ou
seja, é sozinha na vida. Porém, um olhar mais atento evidencia uma realidade diferente, fator
relevante surge neste contexto que vai quebrar essa visão na qual as prostitutas
frequentemente eram uma fonte de renda para suas famílias e contribuíam com a economia
local como consumidoras de produtos e serviços. É o que se constata, por exemplo, na fala de

14
   Uma das primeiras moradoras do bairro da Rua do Fogo
15
    FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Documentário: Rua do Fogo - Memórias do Baixo Meretrício. In. III
encontro de cinema Negro Brasil/África Américas. Rio de Janeiro, 2009. Riachão do Jacuípe. 2009. 1 CD
16
   Idem, ibidem. Depoimento de Dona Idalina, antiga profissional do sexo na região:
17
   MORAES, Evaristo de. Op. cit., p. 158-160.
9



Maria de Lurdes, lavadeira, que afirma ter lavado roupas das prostitutas da Rua do Fogo.
Segundo dona Maria de Lurdes ela criou seus filhos com a ajuda das prostitutas que ao voltar
de suas viagens ainda traziam presentes para seus filhos. E mesmo diante do preconceito da
maioria da sociedade ela se orgulha de ter convivido com as prostitutas. Segundo Maria de
Lurdes elas eram seres humanos também.18
        A despeito dessa inserção as prostitutas eram descriminadas na sociedade jacuipense
tendo como único espaço de expressão uma festa religiosa: a festa de São Roque. Para melhor
entendimento desse espaço e dos seus conflitos cabe uma breve caracterização da sociedade
jacuipense. A cidade de Riachão do Jacuípe situa-se a margem da BR 324 encontra-se a 75
km da cidade de Feira de Santana, no semi-árido baiano, distanciando-se a 183 km de
Salvador, capital do Estado da Bahia.
        Riachão do Jacuípe na década de 40 e 50 era uma pequena cidade e continua sendo em
relação à extensão territorial e carrega traços culturais característico de cidade pequena, ou
seja, as relações sociais se davam de forma rápida, pelo fato de todos se conhecerem os
acontecimentos acabavam chegando a todos os habitantes com certa velocidade. De acordo
com a memória local a maior parcela da população professava o Catolicismo, sendo que se
observava em meio à população subalterna como da Rua do Fogo e outros, além da devoção a
São Roque havia também seguidores do Candomblé que louvam São Roque e os Orixás
Obaluaê ou Omolu. Porém, era notória a proibição de batuques naquela época. A respeito de
tal comportamento da sociedade Rachel Soihet vem falar dos objetivos e métodos usados por
policiais para combater as manifestações culturais e para elucidar ela cita como exemplo a
Festa da Penha no Rio de Janeiro mo momento da transição para a modernidade:

                         O objetivo da repressão era não só o problema da ordem publica, ameaçadas por
                         roubos e conflitos supostamente sugeridos entre os populares, como também as
                         manifestações culturais destes grupos, tais como a capoeira, o batuque, o samba etc.,
                         sendo apreendidos os instrumentos que os acompanhavam: violão, pandeiro e
                         outros. Sobre a vertente de origem negra das manifestações populares recaía com
                         maior ênfase o viés preconceituoso, limitando a repressão19.


        Em meio a esta opinião preconceituosa da sociedade, ou seja, da elite era nesse
período que a base econômica dos jacuipense predominava a agropecuária de bovino, suíno,
ouvino e caprino movimentando a economia da região, além da criação de gado que tinha
como referência a bacia leiteira da região, sem esquecer a agricultura de subsistência, as

18
   CONCEIÇÃO de Oliveira, Maria de Lurdes. Lavagem de São Roque. Casa da entrevistada: 2008. Riachão do
Jacuipe. 10 Jul. 2008. Entrevista concedida a M. N. de Lima
19
   SOIHET, Raquel. Festa da Penha: resistência e interpretação cultural (1890-1920). In CUNHA, M. C. P.
(org.), Carnavais e outras f(r)estas, Campinas: Unicamp, 2005. p. 355.
10



pessoas se ajudavam e compartilhava de muita abundância na alimentação e colheita. Os
números de fazendas de gado foram aumentando de forma significativa, os fazendeiros
movimentavam a economia local, e também exerciam certa autonomia na cidade.
       Pensando em autonomia o plano político, indica que se trata de uma região
tradicionalmente controlada por grandes proprietários rurais e comerciantes. Pode-se afirmar
que até meados da década de 80, o quadro político local era marcado por formas tradicionais
de dominação que remontam ao “coronelismo” do início do século passado, observava-se ao
lado de suas casas de fazenda o tronco que estava ali como símbolo de poder e autoridade do
senhor. Nesse sentido, afirmam Padrão e Pinheiro, o “poder local”, expressão hoje tão em
moda, não era ali uma redução do conteúdo da informação de um conceito; ao contrário,
encontrava-se bem fundado em relações personalizadas de mando, que, segundo relatos,
intimidavam pessoas ou grupos a não questionarem a dominação a que se encontravam
submetidos.20
       Um elemento comum aos municípios da região era, até recentemente, a forte
deficiência de infra-estruturas e serviços sociais. Às precárias condições de acesso à água
presentes tanto nas comunidades rurais como em bairros urbanos, somavam-se deficiências
nos serviços de saúde, carência de escolas, professores e material didático, inexistência de
infra-estrutura de esportes e lazer, serviços de comunicação e transporte insuficientes.
       É nesse contexto que os grupos subalternos principalmente na Rua do Fogo na qual se
formava com rua estreita que vai se enlarguecendo, com casinhas bem juntinhas, uma colada
na outra que dava acesso a outra rua. Um bairro humilde, constituído de moradores de baixa
renda como: magarefes, lavadeiras, pedreiros, as fateiras, os carroceiros e açougueiros. A
afro-descendência é muito marcante. Tem também o Rio Jacuípe, que corta toda a Rua e boa
parte da cidade. Segundo a população nesse período quando as enchentes chegavam alagavam
todas as casas das ruas. Na beira do rio, as antigas profissionais do sexo criavam seus filhos,
tratavam os fatos de boi, pescavam.
       A Rua do Fogo gerava a economia da cidade e a prostituição era só uma conseqüência.
Lá, tinha fábrica de balas, batedeiras de sal, olarias na beira do rio, tudo na Rua do Fogo ou
adjacências. E lá se localizava os baixos meretrícios de inicio se dava os encontros furtivos
em locais com estrutura de bodega, como ressaltei anteriormente as ruas não eram asfaltadas e
não tinha luz elétrica na cidade, mas era lá que recebiam inúmeras mulheres das regiões

20
   PADRÃO, Luciano Nunes In PINHEIRO, Maria Lúcia Bellicanta. Um estudo de impacto: o
programa de pequenos projetos da CESE na Região do Sisal. Salvador: CESE, 2004. Disponível
em:< www.cese.org.br/.../Cese%20-%20Estudo%20de%20Impactos%20-%20Relatrio%20Final%20(v_08-10-
04).doc> Acesso em: 8 jul. 2009.
11



circunvizinhas, depois na década de 60 a prostituição ganha um novo cenário com os avanços
urbanos e então começam a surgir as Boates. Uma delas que ganhou destaque foi a Boate
Refúgio. Dona Bernadete descreve a Rua do Fogo da seguinte maneira:


                            A Rua do Fogo era o seguinte tinha coisa tinha buate muita coisa que não prestava,
                            mas o povo gostava de fazer muita zonzeira muita coisa aí chamou Rua do Fogo.
                            Que era a rua que tinha mais movimento e que tinha mais transito. Hoje é uma rua
                            de família mais eu alcancei sendo rua que só passava mesmo quem fosse da
                            mangueira, quem fosse do brinquedo, quem não fosse não passava.
                            O dia de Sábado mesmo, família quase nenhuma passava porque não prestava não
                            dava pra passar. (...) movimento brega, cabaré tinha uns quatro a cinco, tinha bem
                            uns oito, todo lugar que vendia cachaça tinha dança, cada lugar que tinha dança
                                                            21
                            tinha mulher e tinha movimento.


             Naquela época, a vida noturna era somente na Rua do Fogo. Doutores, filhos da elite
de Riachão que estudavam em Salvador, iam para Riachão no fim de semana buscar diversão
na Rua do Fogo. O Centro, a rua de cima, era da elite. E lá, tinha horário para dormir, acordar,
e não podia ter barulho, por isso as mulheres do baixo meretrício eram impedidas de subir. Na
época, tinha um sargento que ficava na vigília para barrar a subida das prostitutas. Um amigo
de confiança das mesmas, uma espécie de cafetão, era quem combinava os encontros, era
quem comprava remédio em farmácia, levava e pegava carta em correio, porque elas eram
proibidas de ir até a rua de cima. Só as mais ousadas como Cheirinho, segundo seu próprio
depoimento, é que enfrentava e subia.


                            Há seu Dilo inspetor se um, a mulher subisse na rua de chorte com as pernas de fora
                            ele cobria o reio, agora comigo não que eu era ousada, eu ia mesmo. Vestia o mais
                            curta que eu tinha e ia não é não ninguém abriu o caminho já achou aberto, se
                            tivesse em um bar e uma mulher solteira chegasse todo mundo saia não queria
                            aceitar22


             Pessoas da alta sociedade que o dia estava com sua família e a partir das dez horas
     iam saciar seus desejos e fantasias, o que cabe então uma reflexão porque recriminar as
     trabalhadoras do sexo já que a alta sociedade participava ativamente ou porque não dizer
     eram eles os responsáveis pela manutenção das casas. O que nos leva a pensar que a
     aparência era o elemento fundamental dessa ordem social. Quem vem elucidar isso é a
     ex- prostituta Cherinho: “Os homens da sociedade era quem vinham naquele tempo, mas antigamente
     era”.




21
     FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Documentário. Rua do Fogo - Memórias do Baixo Meretrício,
22
     Idem, ibidem. Depoimento de Cherinho, uma ex profissional do sexo.
12



          Segundo o depoimento de Armando Colombina afirma também que naquele período
     as mulheres vinham de vários lugares sendo a descontração dos estudantes jacuipense:


                           Juazeiro, Bom Fim, Petrolina, todo essa região vinha muler. Todos os estudantes
                           daquela época filho de Riachão que estudava em Salvador, o fim de semana ia
                           curtir lá em casa porque aqui tinha muitas muleres bonitas, nova e eles
                                                               23
                           fraquentavam e eram bem recebidos.

     Segundo o depoimento de Edílson um cafetã, os freqüentadores dos meretrícios eram:


                           Duca, era seu Lauro Coletor, meu tio que é Reginaldo, Naginho é médico analista
                           mora em Ipirá, Mundinho de Zé de Cândido que era Ortopedista esse povo tudo
                           freqüentava, Vaginho,Plínio esses homens tudo vinha era de dentro. 24


          É nesse espaço que fica evidente a distribuição dos grupos subalternos, e a pouca
aceitação formal desses indivíduos em conviver com a sociedade, grupos que são
marginalizados e excluídos do contexto social jacuipense.




                  Figura 1 Imagem da Lavagem de São Roque. Riachão do Jacuípe. Ano 2009


          Na cidade de Riachão do Jacuípe das décadas de 30 e 50 o espaço encontrado pelas
prostitutas para estar inseridas na sociedade foi a Lavagem de São Roque. Cabe aqui, porém
uma breve caracterização histórica deste festejo.


23
     FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Depoimento de COLOMBINA, Armando um cafetã
24
     PEREIRA, Edílson. Nasceu em 28.02.1951, em Riachão do Jacuípe.
13



       O culto aos santos, desde os tempos da Colônia se apresenta como a grande expressão
do Catolicismo no Brasil. As aventuras e desventuras de personalidades que simbolizam o
ideal de pureza e bondade desdobram ao longo dos séculos, ratificando condutas e
comportamentos sociais, que a ótica da Igreja Católica deveria ser seguida pelos fiéis.
       A lista de santos e santas que povoam o universo católico no Brasil é muito grande,
cada um com papel específico na condução das almas. A figura de São Roque é identificada
como: “Padroeiro dos inválidos, cirurgiões, protetor do gado, contra doenças contagiosas e a
peste”. Acompanhando então a história de vida de São Roque para melhor nos situarmos com
essa questão, temos as informações de que ele é um santo da Igreja Católica Romana, que
protege contra a peste e é padroeiro dos inválidos e cirurgiões. É também considerado por
algumas comunidades católicas como protetor do gado contra doenças contagiosas. A sua
popularidade, devido à intercessão contra a peste, é grande, sendo o Santo de muitas
comunidades em todo o mundo católico e padroeiro de diversas profissões ligadas à medicina,
ao tratamento de animais e dos seus produtos bem como dos cães. A sua festa celebra-se no
dia 16 de Agosto.
       O culto a São Roque foi difundido em nosso país com a chegada dos colonizadores
portugueses no portal de 1500 e na contemporaneidade mantém-se com o mesmo vigor em
diversas cidades baianas. Em sua pesquisa sobre São Roque, Benevides nos informa que no
                                                                                              25
Brasil, o culto a este santo sempre esteve ligado às epidemias de doenças contagiosas              . Por
                                                                           26
volta de 1850, estavam ocorrendo epidemias de cólera por todo Brasil : “Na Bahia, ela chega
entre 1855 e 1856 [...] causando a morte de quarenta mil pessoas principalmente em Salvador.
       Em Riachão do Jacuípe o culto remonta a 1904, quando o flagelo da peste acometeu o
povo Jacuipense, semelhante ao que aconteceu em Santos (SP) e Salvador (Ba). Como
conseqüência da epidemia de peste na região de Riachão do Jacuípe a sociedade adotou a
devoção á São Roque, ao lado de Nossa Senhora da Conceição padroeira oficial. Desse modo
o santo tornando-se Co-padroeiro e santo protetor da cidade, que é festejado no dia 16 de
Agosto, data de seu sepultamento em Montpellier, na França, em 1379.
       Uma vez que enfrentavam a reprovação social, não conseguiam freqüentar os eventos
religiosos cotidianos da Igreja Católica, as prostitutas recorriam á Festa de São Roque para se
fazerem reconhecidas na sociedade. Saíam em grupo, em procissão festiva que partia da Rua
do Fogo, atual Barão do Rio Branco em direção as principais ruas da cidade com o objetivo


25
   BENEVIDES, Nete. A Louvação das prostitutas de Riachão do Jacuípe ao Glorioso São Roque. Salvador:
Secretaria da Cultura e Turismo, FUNCEB, 2006, p. 56
26
   O autor, na verdade refere-se equivocadamente á peste bubônica.
14



de louvar São Roque e mesmo momentaneamente marcar um espaço, uma identidade própria,
na sociedade, integrando-se a outros grupos sociais.
          A Lavagem da Rua do Fogo, ou seja, a procissão do dia 15 de Agosto tornou-se o
maior evento para a população que habitava naquele espaço. Representava o sentimento
religioso, artístico e cultural, alimentado pela fé no Santo Padroeiro que para muitos
integrantes da religião do candomblé, sincretiza-se com o orixá Obaluaê.


                         Nas antigas lavagens da rua do fogo as mulheres acompanhavam o cortejo com
                         porrões com água de cheiro, enquanto dançavam enfileiradas e protegidas por
                         correntes dos dois lados. Além das raparigas. O cortejo era composto por homens
                         caboclos e jumentos enfeitados que carregavam água para lavar a Igreja de nossa
                         Senhora da Conceição27


          A Lavagem de São Roque possui a riqueza de várias tradições que foram sendo
incorporadas. Existem significados que se entrecruzam, crenças que unem o sagrado ao
profano. Os momentos de sociabilidade já ocorriam durante a preparação das atividades,
especialmente nas festividades promovidas pela população na arrecadação de fundos para a
realização da festa: eram doadas prendas para o leilão por todos os seguimentos sociais, desde
pessoas influentes até os mais humildes contribuíam com os festejos na cidade. Em sinal de
gratidão e fé, anualmente, nos dias 15 e 16 de agosto era realizado o novenário na Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Feira de comidas típicas, leilões, entre outros jogos,
além de três alvoradas e a tradicional procissão religiosa acompanhada pela Filarmônica Lyra
Oito de Setembro. Segundo depoimento de José de Aquino, conhecido como Seu Zico,
naquele tempo a festa de São Roque começava nos dia 13 para 14 e 15 para 16 de agosto, e
relata:
                         Vinham os Barbeiros de Pé de Serra, quando também existia aqui o terno de Aleluia
                         que tocava juntamente com o tradicional Barbeiro de Pé de Serra. No dia 14 fazia as
                         matinas, tocava às cinco horas da manhã, tocando na porta da Igreja e os sinos
                         tocando. Ao meio dia eles iam à porta da Igreja, tocava as músicas que eram
                         adequadas àquele momento e o sino tocava meio-dia, e repicava anunciando a festa,
                         a mesma coisa às seis horas.
                         No dia 15, celebrando a missa de Nossa Senhora [havia] muito foguete, muito
                         foguete já. Às vezes até a Filarmônica tocava e gente já participando da festa. Missa
                         festiva às 10 horas, a Filarmônica e os Barbeiros tocando a noite [...]
                         Dia 15 também era feito a Lavagem. O que era a Lavagem? Por muitas vezes grupo
                         de senhoras e moças ficavam na Igreja lavando a Igreja. E os Barbeiros, o terno de
                         Barbeiro tocando na rua acompanhada pelas prostitutas. Era o dia em que elas
                         tinham de diversão, de divertir [...] mais nesse dia elas iam dançando, cantando,
                         sambando acompanhado pelo terno de Barbeiro....28



27
  BENEVIDES, Nete., 2006, p. 110.
28
  AQUINO, José. Lavagem de São Roque. Casa do entrevistado: 2008. Riachão do Jacuípe. 07. 12. Dez. 2008.
Entrevista concedida a M. N. de Lima
15



       No dia 16, o ultimo dia de festa, percebe se uma diferença, ou seja, a festa agora era
realizada a parte, sem a presença das prostitutas. Jose de Aquino descreve esse dia assim:


                         Os barbeiros faziam as matinas cinco horas da manhã. Como já foi dito às 10 horas
                         tocava a missa de São Roque, juntamente com as Filarmônicas. Às duas horas iam
                         pra rua com moças da elite. Aí já era o destaque, a diferença. Quer dizer, as moças
                         da de condição fazer o banho de precatório. Era a toalha de mesa ou um lençol
                         seguro por moças desfilando nas ruas para arrecadar fundos arrecadar dinheiro para
                         a comissão da festa. Era acompanhado também pelo terno de barbeiro, pós esse
                         desfile pós arrecadação em quase toda a cidade. Às quatro horas era realizada a
                         procissão que ao chegar à frente da Igreja era dada a benção do santíssimo e
                         encerrada a festa de São roque (....)29


       A festa começou partir da década de 1920, mas ganha impulso por volta de 1930, com
a organização de Abdias Carneiro. Este fez uma promessa para São Roque que se o Santo
livrasse os jacuipense das doenças, todo ano faria uma festa para ele. Assim, durante 59 anos,
Abdias administrou os festejos religiosos ligados a Igreja e a Procissão da Rua do fogo em
louvor a São Roque. Abdias nasceu em 28 de abril de 1905, era filho de Jovita Leonília
Carneiro e de Joaquim Carneiro da Silva, próspero comerciante jacuipense, que fora também
Intendente e Juiz de Paz do município, além de ser descendente de uma das famílias que
fundou Riachão do Jacuípe.
       Desde criança Abdias participava dos festejos a São Roque, mas só em 1938 passou a
organizar a festa. Quando esteve por conta da organização da Lavagem de São Roque
observava-se uma maior participação das prostitutas. Ele se dedicou à preparação com muita
dedicação e, mesmo não sendo de classe desfavorecida, talvez por ter uma mentalidade mais
aberta, não fazia distinção de classe ou etnia. Convidava a todos para louvar o Santo, o que
resultava em uma maior participação da população Jacuipense, e as prostitutas eram um dos
segmentos que participavam da Lavagem. Segundo Antônio Cedraz Mascarenhas, filho de
Abdias:


                         Quem deu embalo foi Abdias porque ele aí deu impulso, gente que dizia Ave Maria
                         que mulheres não podiam vim na rua de jeito nenhum só depois das dez horas da
                         noite. E aí quando ele tomou conta ele aí abriu, jogou solto, deu a liberdade da tarde
                         e deu liberdade da manhã e não tinha nenhum desrespeito, toda vida na festa e na
                         alvorada (...) você não via nenhuma discussão, era com o maior respeito do mundo 30


       No período em que Abdias Carneiro organizava os festejos de São Roque, havia um
planejamento anterior aos dias da festividade. O senhor Abdias já encomendava com Leandro
29
  AQUINO. Op. Cit..
30
  MASCARENHAS, Antônio Cedraz. Lavagem de São Roque. Casa do entrevistado: 2010. Riachão do Jacuípe.
07. 07. Jul.20 10. Entrevista concedida a M. N. de Lima.
16



Fogueteiro, os fogos do ano seguinte no final da festa. Ele enviava cartas para os moradores
da zona urbana e da zona rural, solicitando prendas (brindes) destinadas aos leilões que
ocorriam na noite da novena de São Roque, nas cartas ele dizia:


                           Aproximando dos festejos do Glorioso São Roque, viemos através dessa carta pedir
                           uma prenda pra o glorioso santo para que sejam feitas as despesas da festa do
                           glorioso São Roque, na certeza que, o glorioso São Roque irá continuar sempre a
                                                31
                           nos livrar da peste.


        No que confere à organização da festa, Benevides ressalta:

                           Abdias não era um homem de muitas palavras ou grandes demonstrações afetivas,
                           no entanto tinha um grande amor pelos festejos pelos qual era responsável.
                           Bernadete Pereira de Oliveira, que foi porta-bandeira, no tempo em que Abdias
                           campeava sobre a organização anual da festa, é testemunha ocular da época: “oxente
                           se a gente não fosse ele chorava, seu Abdias chorava, chegava a derramar as
                           lágrima, ele não salvava ninguém, num conversava com ninguém mais a bandeira
                           que entrá a bandeira32.


        Quando doente escreveu uma mensagem no livro de novena pedindo à população
jacuipense que não deixasse a festa São Roque se perder. A mensagem dizia:

                                                         Querido povo Jacuipense
                           Ao se celebrar a primeira festa do “Glorioso São Roque” sem a minha” “presença
                           física”, conclamo a todos para que se empenhem, o máximo para que ela não se
                           perca com o tempo, mesmo se minha família vier a ficar de fora, por conseqüências
                           ingrata do homem. A festa de São Roque já é uma tradição de nossa querida
                           Riachão, porém as dificuldades da nossa região a tornaram menos brilhante na sua
                           essência dos anos passados: mas o povo continua participando na sua piedade e
                           perseverança, graças a vossa fé neste santo que com zelos tão fervorosa os a todos
                           curais. Rogai por todos, Oh! São Roque!
                           E assinando no final33

        É importante observar que a Lavagem foi ignorada pela igreja Católica, por constituir
a parte profana da festa, além de não aceitar que São Roque fosse o segundo padroeiro da
cidadejá que a primeira era Nossa Senhora da Conceição. Esse festejo, realizado pelas
prostitutas da “Rua do fogo”34 percorria todas as ruas da cidade acompanhada por uma
bandinha de sopro “os Barbeiros”35.



31
   Idem, Ibidem. p. 137.
32
   BENEVIDES, Op. cit. p. 141.
33
   IGREJA MATRIZ DE RIACHÃO DO JACUÍPE. Novena do glorioso São Roque. Feira de Santana: J. M. A.
Comercial Gráfica, [2003?].
34
   Chamada assim por abrigar um alto número de prostíbulos, como também uma clara alusão ao incêndio que
ocorreu na região de Mataripe, na década de 60, quando o fogo que tomou uma das peças de petróleo da refinaria
Landulfo Alves era avistada ao longe pela população de Riachão do Jacuípe.
35
   Músicas que tocam de ouvido, sem partitura, se assemelha ao estilo de Filarmônica.
17



           Durante a Lavagem de São Roque, as mulheres se vestiam com roupas com muito
brilho e acessórios extravagantes, desfilavam com bandeiras, cantando e dançando durante
todo o percurso, que culminava com a lavagem da Igreja Matriz pelas próprias prostitutas.




Figura 2 Festa de São Roque. Ano de 1997. Em                    Figura 3- Imagem da lavagem de São Roque, 1997
primeiro plano Idalina Soares da Hora (porta- bandeira)
uma ex-profissional do sexo




           Segundo informações orais de uma ex-participante da lavagem, era este o „único‟ dia
em que elas estavam livres para percorrer a cidade como integrantes da sociedade. “As coisas
que eu brincava no meio delas tudo só era a Lavagem aqueles outros negócio não era” 36.
           Essa fala de Dona Bernadete na citação acima vem evidenciar uma contradição muito
presente em todas as falas dos entrevistados: o preconceito estava impregnado não só
naquelas que se dizia de “famílias de bem”, como as próprias prostitutas demonstravam ao
afirmar que a rua “não prestava”.
           Em cada lugar, a festa de são Roque tem características singulares, mas todas elas são
realizadas a partir de referências comuns, ativadas pela memória coletiva que envolve o santo
protetor contra as doenças contagiosas. Vejamos o ideal construído em torno da imagem de
São Roque através das orações e do hino de São Roque rezadas nas novenas:

                            Hino de são Roque

                            Ó são Roque pai amável
                            Que doce contentamento eu sinto a cada momento Teu Santo nome invoca
                            Refrão: Salve, salve, salve São Roque
                            Protetor universal
                            Que nos livra sempre da peste
                            E nos guarda de todo mal
                            Ó São Roque glorioso

36
     FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. de Dona Bernadete uma ex profissional do sexo.
18



                         Que só um anjo celeste
                         Mandou – vos Deus ajudar
                         Contra o contágio da peste
                         Rogai por nós, oh! São Roque diante do sumo bem pra que nos livre da peste
                         Trazendo nos lábios
                         Teu nome São Roque eu te chamo dia e noite como filho eterno Pai.37
        Esta citação se faz relevante, pois, ilustra muito bem o valor e a fé ao santo exaltado.
Ao proferir palavras de exaltação ao santo, há um estreitamento dos laços entre as „pobres
criaturas pecadoras‟, que rogam por sua proteção e bondade. Já que era o santo da cura,
bondade, da caridade e que ajudou os pobres e os doentes.
        Contudo, em 1930, as mulheres da antiga „Rua do Fogo‟, atual Barão do Rio Branco,
localizada na área do meretrício Jacuipense, tiveram acesso às comemorações de São Roque.
Também considerado protetor das raparigas38 do sertão, o santo iria protegê-las das doenças
como a sífilis à qual estavam expostas devido a sua profissão. Ou seja, a devoção das
prostitutas mais velhas ao santo, justifica-se pelo fato de considerá-lo como protetor das
doenças venéreas e como aquele que iriam „absorvê-las‟ dos „pecados da carne‟. Além disso,
pode-se considerar também que a festa era um momento de embate político, na medida em
que representava a luta dessas mulheres pela inserção na sociedade.
        Na verdade, as prostitutas aproveitavam dessa festividade, desse evento anual, para se
afirmarem socialmente como cidadãs e como a padroeira Nossa Senhora da Conceição era
uma festa religiosa de maior participação elitizada, acabava excluindo os outros grupos
sociais. Nesse sentido, Benevides afirma que:


                           As raparigas levadas pelo fervor dessa devoção, porém oprimidas e excluídas dos
                           festejos pela tradicional sociedade local, instituíram para a tarde do dia 15 de Agosto
                           um evento festivo pelas ruas da cidade, para o qual levou uma grande parcela da
                           população ecomonicamente menos privilegiada, como; feirantes, magarefes,
                           lavadeiras , carroceiros e coveiros os quais vivem na expectativa dessa encanação
                           anual escrita no calendário Jacuipense. 39


        Assim, uma vez que as prostitutas não acharam espaço para estarem integradas à
sociedade Jacuipense, a Lavagem de São Roque acabou tendo mais um significado, ou seja,
tornou-se um pretexto, mesmo que inconscientemente, para inserção social, apresentando-se
como espaço alternativo, que abrigava de forma mais igualitária a participação de todos.
        Vale lembrar, porém, que esse contexto não é exclusivo de Riachão, mas que se faz
presentes em outros lugares, como Feira de Santana, onde a festa religiosa era marcada
também por dois momentos: a Procissão e a Lavagem de Santana (sendo esta ultima a parte

37
   Cântico do glorioso São Roque. [s.n], 16 de Agosto de 1995.
38
   Termo utilizado para se referir as prostitutas.
39
   BENEVIDES, Op. cit. p. 19.
19



profana ). A Lavagem era o momento em que a maior participação era do „povo‟ contando
com a participação dos organizadores da Festa religiosa.
        No caso da festa feirense, de acordo com a programação oficial, em 1945, a Lavagem
era vista como:


                          Festa do povo
                          No dia 25 de Janeiro, quinta- feira, o nobre povo feirense estará nas ruas da Cidade,
                          em explosões de alegria e de reconhecimento, levando a Santana orações de risos e
                          de sons.
                          A Cidade inteira estará de pé, contente e sadia, ao lado da divina Padroeira.
                          É a tradicional Lavagem, manifestação simples, mas sincera, dos humildes, dos que
                          sofrem resignados e esperançosos.40


        O segundo momento, a festa Religiosa “A missa Solene”, era na verdade, uma missa
grandiosa realizada depois de sete dias depois do bando anunciador, sempre pela manhã que
era celebrada por vários sacerdotes. Essa missa reunia orquestras, maestros, e filarmônicas. 41
Em que se percebia o luxo e requinte para louvar Santana. O programa da festa assim o
descrevia:


                                                                Dia 26
                          É o dia máximo de grandiosidade e esplendor, porque é o dia da Festa.
                          Nesse dia extraordinário tudo será melhor e mais completo. Toda a Feira irá pôr aos
                          pés da Padroeira, as flores do seu amor e de fé. As matinas, a novena, a tocata, feita
                          pela „EUTERPE FEIRENSE‟ terá uma concorrência fora do comum. [...] A noite
                          desse grande e glorioso dia tocará ao auge e animação no Largo da Matriz, sob
                          nuvens de lança-perfume e os doces sons da sympathisada.

        Características parecidas a essas citadas se davam também em Salvador, com a Festa
de Nosso Senhor do Bonfim. Esta festa é considerada a mais importante das comemorações
de largo de Salvador. O religioso (a parte sacra da festa) inicia-se com o novenário que se
encerra no segundo domingo após o Dia de Reis, ou seja, 06 de Janeiro. A festa realiza-se no
Largo do Bonfim, bem em frente à igreja, no alto da Colina Sagrada, na última quinta-feira
antes do final do novenário e é marcada pela lavagem da escadaria e do adro da igreja por
baianas vestidas a caráter, trazendo na cabeça água de cheiro para lavar o chão da igreja e
flores para enfeitar o altar.
        O outro momento, considerado com a parte profana, dá-se com „A festa da lavagem‟ é
atribuída à promessa de um devoto. O cortejo parte ainda pela manhã da Igreja de Nossa
Senhora da Conceição da Praia e vai até o Bonfim, arrastando multidões. Contando com a
40
   SILVANIA, Maria Batista. Conflitos e comunhão na festa da padroeira em Feira de Santana (1930 -
1950). 1997. Monografia (Especialização em Teoria e Metodologia da História), Universidade Estadual de Feira
de Santana. Feira de Santana. 1997. p. 37.
41
   Idem, ibidem, loc. cit. p. 38
20



presença de autoridades civis e militares, artistas e personalidades da cidade de Salvador, da
Bahia e do Brasil. Até a década de 50 as baianas tinham acesso ao interior da Igreja, onde o
chão era lavado "com energia e entusiasmo" até que as autoridades eclesiásticas limitaram a
lavagem apenas ao adro da Igreja.42
        Por meio de um universo de contestações sociais que visam manter a ordem está
situado o fenômeno da prostituição, no qual os discursos jurídicos, criminalistas e médicos
ditam as regras e formulam comportamentos adequados. Mas então como trabalhar com uma
sociedade que discrimina e ao mesmo tempo mantém a prostituição? E aos homens até que
ponto torna-se vantajoso a permuta encontrada na harmonia de seus lares por noites em
bordéis?
        A historiadora Margareth Rago, da sua interpretação quando ela menciona que no
bordel “buscava-se não apenas a transgressão dos comportamentos moralmente sancionados,
mas também os excessos, as fugas, os êxtases e a realização dos desejos que outrora eram
negados em casa,”43 visto que a sexualidade dentro do lar tinha suas limitações.
        Nessa perspectiva dois conceitos se tornam fundamentais para a compreensão do
trabalho. Os conceitos de Gênero e de Prostituição, dando ênfase às questões de moralidade
que padronizavam comportamentos e ditavam regras para a manutenção da ordem.
        Segundo Gisele Ferreira na visão Michel Foucault,44 todos os discursos sobre o sexo e
sobre a sexualidade passaram a existir no momento em que se precisavam controlar os corpos
na ascensão da classe burguesa e em nome de seus referenciais de moralidade. Pode-se dizer
que o discurso vai se alterando conforme as práticas sociais, mudando de acordo com a época
ou período da história, dependendo das relações de poder vigentes. E, é no século XIX que a
idéia de separação entre o público e o privado vão se aprofundar, e às mulheres, delimita-se os
espaços privados.
      A prostituição em Riachão do Jacuípe não é um fenômeno único. Mas para uma melhor
compreensão do significado cultural e social desse fenômeno, faz-se necessária a utilização
da categoria gênero, através da qual os papéis sexuais são concebidos como construções
históricas diferenciadas. Essa categoria, ao incorporar a dimensão das relações de poder e das
relações entre homens e mulheres, possibilita a percepção dos poderes informais femininos

42
   VERGER, Pierre. Lavagem do Bonfim: Tradições e Representações da Fé na Bahia. Disponível em:
<www.naya.org.ar/.../ponencias/Luis_Americo.htm>. Acesso em 11 de jul. 2010.
43
    RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade em São Paulo, 1890-1930.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 188.
44
    FERREIRA, Gisele Gaspar. Prostituição e criminalidade: o cotidiano e os conflitos nos bordéis ponta
grossenses nas décadas de 1930-1940. Disponível em: <htpp:/www.fazendogenero8.ufsc.br/sts.> Acesso em:
11de Jul. de 2010
21



permitidos por uma situação de sujeição, que nesse contexto histórico, devem ser entendidos
como contra-poderes sedutores e ilícitos que resultavam em uma existência mais autônoma
para as prostitutas Jacuipense.


                             Enquanto o social dorme, é possível encontrar um submundo diferenciado em certas
                             ruas, em alguns bares, nos cabarés, em salas pouco iluminadas e enfumaçadas, onde
                             as tensões urbanas e sociais emergem, e essas são formas fragmentadas e
                             diversificadas de vivências. Onde seus freqüentadores fazem da cidade, um lugar
                             para se trabalhar durante o dia, e fazem da noite um lugar para se divertir e viver
                             suas aventuras e desventuras.45


           Ainda em discussão está o comportamento de uma sociedade com considerável grau
de preconceito, que são ditados pelas normas de moralidade, e nesse mesmo contexto estão
inseridas as atitudes masculinas diante do cenário de contestações femininas, que questionam
a autoridade do homem e buscam novas formas de sobrevivência.
           O contato com as fontes possibilita a identificação de profundas marcas de opressão e
exclusão das prostitutas na sociedade jacuipense, seja pela Igreja Católica, ou até mesmo pela
força repressora da polícia. Ao que nos consta, elas eram proibidas de circular normalmente
pela cidade, principalmente durante o dia, e de freqüentarem as festas em clubes ou locais
abertos, já que a presença das mesmas significava uma ofensa à moral e aos bons costumes
das “pessoas de bem”. Para as „moças de família‟ qualquer aproximação poderia deixá-las
mal falada se tal ato constituía uma preocupação constante das mães para com as filhas. Para
os homens, essas mulheres nada mais eram do que um “objeto sexual” que lhes
proporcionaram certo prazer durante algumas horas na noite. Aliás, freqüentar os prostíbulos
era sinal de virilidade. Era comum inclusive, que a vida sexual de muitos jovens se iniciasse
lá.
           Essa concepção da classe burguesa significava eliminar focos de doenças que
impregnavam a cidade, e dentre os atores vistos como portadores dos males doentios, estavam
às mulheres prostitutas, ou as “decaídas”, como eram vistas pela população e certificadas pela
imprensa. Essa última citação evidencia claramente o preconceito, discriminação e medo que
a sociedade Jacuipense sentia diante das profissionais do sexo fazendo com que essa categoria
fosse excluída e marginalizada. Tal preconceito é relatado ainda por dona Idalina, ex-
moradora da Rua do Fogo, ao comentar a recusa das „mulheres de família‟ em transitar ali, ao
afirmar “a Rua do Fogo era igualmente a rua de família você não via devassidão [...] as



45
     FERREIRA, Op. cit. Disponível em: <htpp:/www.fazendogenero8.ufsc.br/sts.> Acesso em: 11de Jul. de 2010.
22



mulheres casadas que se julgava de passar. Se passasse acho que a doença da gente ia pega
nelas”46.


Resistência e opressão vivida pelas prostitutas


         A sociedade Jacuipense, cuja origem remonta a 1878, é firmada sobre uma postura e
estrutura conservadora, o que revela o preconceito da ordem social estabelecida. Contudo a
sociedade vai se estruturando ao longo do século, sob a égide da Religião Católica, em que a
fé em Deus determina seus destinos e assume lugar de destaque sobre todas as tradições e
povos.
         Como também o temor a Deus, a crença na Santíssima Trindade, a louvação á
Padroeira e a gratidão a São Roque, aliados á cultura do homem do sertão fizeram crescer no
imaginário popular desse habitat uma gama de manifestações culturais que fazem desse povo
os criadores de uma cultura popular diversa.
         Dento de um longo processo de segregação exclusão e preconceito a muito foi o
silêncio dado como também muito foi resistido. E é procurando vencer tais desafios que as
prostitutas vão lutar contra uma sociedade dominante e autoritária que sujeita o sexo feminino
e dita as regras da moral e dos bons costumes e onde o que for de encontro as mesmas será
perseguida e castigada, sendo considerada degenerada. As relações de poder constatadas
nesse contexto se dão de forma complexa e conflituosa, mas não dá para ignorar o jogo de
sedução, de e interesse existente no núcleo dos meretrícios.
         Sobre isso Alberto Heráclito Ferreira Filho afirma que o processo de segregação das
prostitutas em áreas previamente estipuladas pelas autoridades e as políticas de repressão ao
meretrício provocaram uma reação surda em todo período.47 Ou seja, como o projeto político
não tinha a autonomia necessária percebia-se claramente que as resistências eram em um nível
de interferência muito peculiar às mulheres: as inter-relações e os pactos clandestinos.
         No caso dos policiais, por exemplo, desmembravam em situações diferentes às vezes
esses davam batidas nos meretrícios e em outros momentos eram clientes desses espaços,
muitas vezes protegendo e por que não dizer preservando o ambiente contra possíveis
fechamentos do recinto. Sobre esta questão o jornal noticia:



46
  FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Depoimento de Dona Idalina uma ex- prostituta.
47
  FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. Quem pariu e bateu, que balance: mundos femininos, maternidade e
pobreza: Salvador: 1980-1940. CEB, 2003. p. 89.
23



                         Em 13 de Outubro de 1910, através de uma noticia moralista, o Diário de Notícias
                         denunciava a constante presença de policiais nas “casas de mulheres” bebendo,
                         jogando ou mesmo participando, aos sábados, dos “bailes licenciosos” promovidos
                         pelas “pensões alegres48


        Essa citação serve para ilustrar a relação de poder que as „mulheres de vida pública‟
tinham para resistir ao preconceito da sociedade burguesa que via na prostituição um mal.
Acabar a mesma era o projeto inicial, porém, ao longo do tempo passa-se a tolerá-la, uma vez
que as mulheres de vida fácil serviam para manter o prazer do homem fora de casa, pois,
diante dos padrões estabelecidos a mulher de família tinha que preservar sua relação conjugal
sem tanto fervor, sendo a prostituição um “mal necessário”.

                         Isso era uma cavalaria da peste, muler vinha até dos infernos aqui pra dentro e de
                         noite ninguém dormia só ia dormir quatro hora da madrugada, três horas. Era uma
                         zuada disgraçada era porrada até em muler aí pra dentro. Muler cansou de tomar
                         torpedo49 aqui dentro desse Riachao. Homem brigava por causa de muler e
                         cachaça também e foi uma putaria da peste.50

        Vale ressaltar que os freqüentadores dos bordéis e meretrícios eram fazendeiros,
autoridade, intelectuais, ou seja, pessoas da alta sociedade que o dia estava com sua família
e a partir das dez horas iam saciar seus desejos e fantasias, o que cabe então uma reflexão
porque recriminar as trabalhadoras do sexo já que a alta sociedade participava ativamente
ou porque não dizer eram eles os responsáveis pela manutenção das casas. O que nos leva a
pensar que a aparência era o elemento fundamental dessa ordem social. Quem vem elucidar
isso é a ex-prostituta Cherinho: “Os homens da sociedade era quem vinham naquele tempo,
mas antigamente era”:

Isso prova que os freqüentadores dos bordéis e os principais colaboradores eram de classe
abastada.



O contexto da festa após Abdias


        Hoje os festejos Roqueanos apresentam grandes mudanças, após a morte de Abdias
em três de Abril de mil novecentos e noventa e sete, a começar pela novena. Antes eram nove
dias de festa na Igreja, hoje reduziu-se para três dias (tríduo). Não há mais leilões e sim
bingos, o que fez com que a participação dos devotos na arrecadação das prendas tenha


48
   Cf. Diário de Noticias.Bahia, 13 Out.1910.
49
   Murro de mão fechada
50
   FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Depoimento de Seu João ex cafetão.
24



diminuindo muito. A Lavagem não acontece todos os anos e vai dependendo
progressivamente do patrocínio da Prefeitura, a participação popular também se reduziu, quer
seja por parte das prostitutas quer seja da população no geral. A respeito disso Antonio
Cedraz Mascarenhas aponta uma possibilidade da redução do evento em função da Igreja ter
tirado a ajuda de custo para a festa, o que diminuiu o orçamento das participantes para
preparar suas vestimentas e adereços. Afirma ainda que a postura de Padres levou ao fracasso
das festas religiosas tradicionais em Riachão, e dá o exemplo da proibição total, por estes, da
participação das prostitutas nas atividades da Igreja católica.
          O Padre Hélio da Rocha foi um dos que ficou totalmente contra a Lavagem de São
Roque, o que explica ele ter tomado a organização da festa das mãos de Abdias, sem dar
explicação alguma ao mesmo. Fato que causou grande tristeza a Abdias, afinal ele já tinha
uma relação de carinho e devoção com os festejos. Porém mesmo depois da proibição a
população jacuipense não aceita essa imposição do Padre e reagi. Contrata-se a bandinha para
tocar e alegrar a festa, nesse ano se constata a maior arrecadação feita pela sociedade, a
solidariedade marca o evento, pois, a bandinha dos Barbeiros aceitam participar da festa sem
receber nem um pagamento. Para elucidar essa questão, Antonio Cedraz Mascarenhas
descreve um fato ilustrativo da mentalidade conservadora desse Padre. Ele conta que nesse
período, quando chegou a Pé de Serra para assistir a missa de Bom Jesus da Lapa:

                        O padre Hélio da Rocha se aproximou de mime disse: O que veio fazer aqui? Você
                        queria fazer lá o que eu vi aqui de manhã? Prostitutas em frente à Igreja? [...]
                        Eu não admito o senhor padre dizer uma coisa dessa [...] O senhor está me dizendo
                        que prostitutas não pode entrar na igreja. Me diga o senhor quem foi Santa
                        Madalena? [...] A maior prostituta que o mundo já teve e Jesus perdoou. Será que
                        essas mulheres não merecem ser perdoadas? Quem é o senhor pra ta julgando A, B,
                                                                                     51
                        ou, C? Olhe o passado do senhor. (Eu sabia que ele era gay)

          Fica claro a relação de conflito social e cultural entre os vários segmentos
existente nas festas religiosas, da aceitação e rejeição, de uma questão que perpassa esse
período (1930 a 1950) e encontra-se até a atualidade. Analisando os depoimentos e fontes
coletadas sobre esse espaço simbólico, constatamos a presença marcante das
desigualdades e preconceitos de uma sociedade dominante e hierárquica. Mas também,
como afirmam os seus participantes, aquele era o espaço de alianças, alegrias e a diversão
era, sobretudo, uma forma de expressão, de auto-afirmação nas brechas daquela estrutura
social.


51
   MASCARENHAS, Antônio Cedraz. Lavagem de São Roque. Casa do entrevistado: 2010. Riachão do
Jacuípe. 07. 07. Jul.20 10. Entrevista concedida a M. N. de Lima.
25



Referências

ANDRADE, Ivanise. Prostituição e exploração: comercialização de sexo jovem. Nov. 2003.
Disponível em: <www.caminhos.ufms.br/reportagens/view.htm?a....> Acesso em 7 jun. 2010.
ABREU, Martha. Carnavais e outras Festas: ensaio de Historia Sociais da Cultura. São
Paulo: Unicamp, 2002.
ABREU, Waldyr de. O submundo da prostituição, vadiagem e jogo do bicho: aspectos
sociais, jurídicos e psicológicos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S. A, 1968
BENEVIDES, Nete. A Louvação das Prostitutas de Riachão do Jacuipe ao Glorioso São
Roque. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, FUNCEB, 2006
CAULFIELD, Sueann. O nascimento do mangue: raça, nação, e o controle da prostituição no
Rio de Janeiro, 1850-1942.
CREMOSO Karine. P. Estudo teórico sobre a prostituição e as casas de prostituição. p.1.
Disponível em:<intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1169/1119>.
Acesso em: 08 jun.2010
FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Documentário: Rua do fogo: Memórias do baixo meretrício.
In: III encontro de cinema Negro Brasil/África Américas. Rio de Janeiro, 2009. Riachão do
Jacuípe. 2009. 1 CD
FERREIRA, Gisele Gaspar. Prostituição e criminalidade: o cotidiano e os conflitos nos
bordéis  ponta    grossenses    nas     décadas   de    1930-1940.    Disponível  em:
<htpp:/www.fazendogenero8.ufsc.br/sts.> Acesso em: 11de Jul. de 2010.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,
1981.
FERREIRA Filho,Alberto Heráclito. Quem pariu e bateu, que balance: mundos femininos,
maternidadee pobreza: Salvador, 1980-1940.CEB, 2003.
MOTTA, Candido. Prostituição, polícia de costumes e lenocínio. São Paulo, 1897.
Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102...script...>. Acesso em: 14 Nov. de
2009
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Anais... Rio de Janeiro: MORAES, Evaristo de. "Prostituição e Infância", 1925. Disponível
em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102...script...>. Acesso em: 14 Nov. 2009
RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: Prostituição e códigos da sexualidade em São
Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
SILVANIA, Maria Batista. Conflitos e comunhão na festa da padroeira em Feira de Santana
(1930- 1950). Feira de Santana: 1997.
SOIHET, Raquel. Festa da Penha: resistência e interpretação cultural (1890-1920). In
CUNHA,M.C.P.(org.), Carnavais e outras f ( r ) estas, Campinas: Unicamp, 2005.
VERGER, Pierre. Lavagem do Bonfim: Tradições e Representações da Fé na Bahia.
Disponível em: <www.naya.org.ar/.../ponencias/Luis_Americo.htm>. Acesso em: 11 de jul.
2010.

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A Lavagem de São Roque e a integração entre pobres e prostitutas

  • 1. 2 Introdução: A análise das religiões no Brasil compõe-se em objeto de curiosidade de diversas áreas de estudos acadêmico, como Historia Filosofia, Sociologia, Antropologia, entre outras, abordando as mais variadas vertentes, porém todas estas, acredita-se que as vivências religiosas de qualquer tempo enquanto fenômeno religioso não se esgota em si, mas amplia perspectivas e possibilidades cada vez maiores e mais amplas. Neste contexto a atenção deste trabalho será voltado para a instituição católica, especialmente á Festa dedicado ao Glorioso São Roque, praticada em Riachão do Jacuipe – BA. Cidade por ter sua localização ás margens do Rio Jacuipe, no semi-árido baiano com uma distância aproximadamente da capital baiana de 183Km. No qual, seu território esta incluído na zona do “Polígono da Seca”. Para a realização desse trabalho abordarei os festejos de São Roque em Riachão do Jacuipe nas décadas de 1930-1950.O visual parece ter estado sempre associado a vivencia e a teatralidade de relação com os orixás que no candomblé, o santo homenageado tem função homologa. E possível acompanhar essa prática cultural de herança africana através de fotografias e vídeos, práticas essas excluídas pala Igreja Católica. Após essas considerações faz-se necessário demonstrar algumas possibilidades de abordagem e, em seguida, apontar algumas inquietações temáticas. Porém algumas discussões teóricas, atenta-se, neste momento para a participação do fenômeno religioso na realização da Lavagem das Prostitutas em louvor a São Roque em Riachão do Jacuipe- Ba. Dessa forma buscando uma história local numa perspectiva da História Cultural, pretendo analisar os motivos que levou a igreja católica de Riachão do Jacuipe a não aceitar num ato discriminatório, separar a parte religiosa dos festejos de São Roque, realizado pela Igreja Católica local, da parte profana, realizada pelas prostitutas. O trabalho apresenta-se dividido em três subtópicos: O primeiro intitulado: Breve histórico sobre a prostituição que busca compreender o fenômeno da prostituição nas décadas de 1930-1950. O segundo intitulado: Resistência e opressão vivida pelas prostitutas trata-se do processo de segregação, exclusão e preconceito sofrida pelas prostitutas e luta pelas mesmas para resistir e ainda lutar contra a dominação da sociedade autoritária e se fazerem presentes na sociedade mesmo que por pouco tempo.
  • 2. 3 Já o terceiro subtópico: O contexto da festa após Abdias objetiva conhecer as mudanças após a morte de Abdias Carneiro E por fim as considerações finais remetem a sistematização do que foi identificado na pesquisa num processo em que o lado religioso da festa de São Roque foi separado da parte profana. A Lavagem de São Roque. Identificando conflitos sociais, mas também, como afirmam os seus participantes, um espaço de alianças, alegrias e a diversão era, sobretudo, uma forma de expressão, de auto- afirmação naquela estrutura social.
  • 3. 4 A LAVAGEM DE SÃO ROQUE EM RIACHÃO DO JACUÍPE: UM ESPAÇO DE INTEGRACAO ENTRE A POPULACAO POBRE AS PROSTITUTAS NAS DÉCADAS DE 1930-1950 Breve histórico sobre a prostituição Historicamente, há registros da existência de prostitutas desde a Antigüidade. Na Grécia Antiga a classe das hetairas, eram as prostitutas mais sofisticadas, que além de suas prestações sexuais ofereciam companhia e com as quais os clientes frequentemente tinham relacionamentos prolongados. No entanto, em fins do século XV a prostituição passa a ser proibida em quase toda a Europa, por conta da enorme difusão da sífilis no mesmo momento em que ocorriam as crises da Reforma e da Contra-Reforma, quando a intolerância era justificada com o discurso que defendia o equilíbrio entre aquilo que era mais santo e mais puro. No Brasil o fenômeno da prostituição existe desde o período colonial e transformou-se em objeto de estudo a partir da segunda metade do século XX. Alguns autores1 afirmam que as prostitutas do Brasil Colônia contribuíram para a construção e valorização do seu oposto: ou seja, as mulheres puras, identificadas com a Virgem Maria e longe da sexualidade excessiva. Nessa realidade, as mulheres que exerciam a prostituição eram vistas como pacificadoras da violência sexual, salvaguarda do casamento moderno e, ao mesmo tempo, taxadas de meretrizes. Para compreender o significado da prostituição neste período, é necessário lembrar-se da realidade social: a pobreza, que fazia do meretrício um ofício ou uma forma de trabalho ligada à sobrevivência. A prostituta, carregada de preconceitos como herdamos hoje no Brasil, nasce do conflito entre as duas diferentes idéias e realidades de prostituição existentes: as prostitutas de bordel caracterizadas como bem instruídas, sofisticadas, educadas, etc. com aparente permissão para transgredir e as prostitutas de bordéis populares, predominantemente pobres, mulatas ou negras, e que se sujeitavam á prostituição por razões de sobrevivência. 1 Podemos citar entre os autores em questão: SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: PRIORE, Mary Del (org). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, p.362. FRANCO, Setastião Pimentel. O gênero feminino na história brasileira: da exclusão e busca da participação. FCAA Disponível em:<www.fcaa.com.br/sitenovo/.../lernoticia.asp?...> Acesso em: 14 Jul. 2009 BROTTO, Renata Batista. Médicos e padres: maternidade e representações dos papéis sociais da mulher (1860- 1870). Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2009. Disponível em: www.fiocruz.br/ppghcs/media/dissertacaorenatabrotto. Acesso em: 14 Jul. 2010. DEL Priore, Mary Lucy. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia. Rio de Janeiro; José Olympio, 1993
  • 4. 5 Nesse contexto Sueann Caulfield vem falar da hierarquia social das prostitutas, ou seja, no final da década de 1920 no Rio de Janeiro as prostitutas de classe baixa ficavam separadas isoladas em áreas que os próprios policiais reservavam, pois, o objetivo dos mesmos pressionados pela sociedade era mantê-las longe dos centros comerciais, e da linha dos bondes distante dos “cidadãos respeitáveis”. A sociedade cobrava dos policiais por meio de campanhas sensacionalista da empresa e pelas autoridades médicas e jurídicas temendo o aumento da criminalidade e desordem social no Rio de Janeiro.2 Nesse sentido ficava a cargo da policia a retirada das prostitutas do centro, isolando-as em bairros periféricos onde localizava os chamados baixo meretrício, evidenciando o preconceito de raça, etnia e classe por parte da elite. Observando assim, um número relevante de prostitutas pobres e negras3. A respeito disso Waldir de Abreu, afirma que: Já no século XVII, em Recife, era ostensiva a prostituição, sob a dominação holandesa, quer em numerosos sobrados e bordeis, quer em prostíbulos do porto. Variava a categoria desde as negras, mulatas e brancas nacionais até as louras e 4 ruivas holandesas. Uma delas chegou a ser denunciada ao Santo Ofício” . Para Gilberto Freire: A cidade de Recife talvez deva ser considerada a primeira de uma série de pequenas Sodomas e Gomorras, que floresceram á margem do sistema patriarcal brasileiro. Foram muitos os sobrados que, ainda novos tiveram lá, como em cidades mineiras, em Salvador, e no Rio de Janeiro, seu patriarcal desvio, seu sentido familiar pervertido, sua condição cristã manchada por extremos de libertinagem.5 Segundo Guido Fonseca em seu livro História da prostituição em São Paulo6, José Arouche de Toledo Rondon fala, em 1788, sobre a visão deprimente que se tinha nas ruas da cidade: meninas pedindo esmola e outras, se prostituindo sendo que a maioria delas tinha idade inferior a 12 anos. Relata ainda que em 1825, crianças rejeitadas ou filhas de militares enviados ao extremo sul do país da Pátria que não haviam retornado ou voltavam inválidos perambulavam pelas cidades e acabavam sendo recolhidas por famílias miseráveis que logo as atiravam à prostituição, visando o lucro, como na Grécia Antiga. No século XX, havia 2 CAULFIELD, Sueann. O nascimento do mangue: raça, nação, e o controle da prostituição no Rio de Janeiro, 1850-1942. Rio de Janeiro: Tempo, 1996 nº 9.p.44. Disponível em: www.historia.uff.br/tempo/site/?cat=37. Acesso em: 20 de Jul. 2009. 3 CAULFIELD, Sueann. Op. cit. p. 44. 4 ABREU, Waldyr de. O submundo da prostituição, vadiagem e jogo do bicho: aspectos sociais, jurídicos e psicológicos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968. p. 42. 5 Idem, ibidem, loc. cit. p. 42. 6 ANDRADE, Ivanise. Prostituição e exploração: comercialização de sexo jovem. Disponível em: www.caminhos.ufms.br/.../impressao.htm?artigo=45. Acesso em 20 de Jun 2010.
  • 5. 6 prostíbulos onde as exploradoras reservavam crianças do sexo feminino, filhas de prostitutas escravas, substituindo as mais velhas ou as que tivessem falecido.7 Através das palavras de Guido Fonseca é possível perceber que o fenômeno da prostituição além de um processo crescente, era uma forma de sobrevivência diante da situação financeira das famílias, complementando a renda familiar ou até sendo a única fonte de renda, ou seja, a questão social em que a maioria das famílias vivia com a pobreza e miséria determinava o aumento da mesma tanto infanto-juvenil, quanto adulta. De acordo com Cremoso, para Evaristo de Moraes, um dos maiores criminólogos brasileiros, na virada do século XIX ao XX a prostituição era um "mal necessário" para a preservação da moral no lar, não podendo ser considerada crime. Entretanto, ela foi criminalizada como "ato imoral" que ameaçava a vida social. Paralelamente a isso, existiu uma repressão médica, que perpassava a profilaxia da sífilis, e uma repressão moral contra os "escândalos" promovidos pelas meretrizes. Implantou-se, portanto, uma penalização quanto à "conduta anti-social (anti-higiênica ou desmoralizante)" das meretrizes que ofendessem a sociedade e o Estado. A Medicina foi um instrumento como forma de penalizá-la, pois a polícia devia capturar as prostitutas para exames médicos. Tratava-se, então, de um controle da sexualidade vista como criminosa pelo discurso da Criminologia: declarava-se ser necessário uma Polícia Sanitária para criminalizar a prostituição8. Fosse a prostituição, no discurso da Criminologia, um fenômeno fisiológico, orgânico ou patológico, ela era vista por moralistas, sociólogos e criminólogos como resultado do meio social, tendo como principal causa a miséria. O meretrício seria inevitável, pois uma parte significativa de mulheres somente obteria a sua sobrevivência pela prostituição. Com relação aos homens, o meretrício seria a única forma de obter satisfação sexual. Segundo diversos autores, a prostituição era uma necessidade social como “a ante-moral do lar doméstico [...]”, visto que “não se conhece meio algum eficaz de impedir, coercitivamente, a existência dessa instituição”. Candido Motta, que, além de ter sido um dos principais criminólogos da época, seguiu carreira nos cargos públicos, desde Chefe de Polícia até Secretário da Justiça e Segurança Pública do Estado de São Paulo, escrevendo em 1897, afirmava que a prostituição era considerada um "fenômeno social fatal e necessário", como o crime, uma resultante de fatores antropológicos, físicos e sociais. "A sua necessidade explica-se pelo derivativo que oferece às 7 Idem, ibidem. Loc. cit. 8 CREMOSO Karine. P. Estudo teórico sobre a prostituição e as casas de prostituição p.1. Disponível em: <intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/.../1119> . Acesso em: 08 jun. 2010.
  • 6. 7 excitações genéricas muito intensas, que sem ela não respeitariam, talvez, nem a infância, nem o lar doméstico". Daí, a necessidade de opor barreiras ao vício que, sem elas, se alastraria num crescendo9. A sexualidade no lar tinha seus limites, devendo ser respeitada a "natureza" e contidos os excessos. A relação sexual ali era mantida dentro dos padrões tradicionais, extirpando-se desvios, mantendo-se a reprodução e a sexualidade sadia. O submundo da sexualidade devia ser exercido fora do lar, com o sadio e o desvio podendo existir, mas de formas separadas: eles não caberiam no mesmo teto, nem na mesma rua. A perversão só era possível, portanto, no mundo da prostituição, cabendo dentro do lar o respeito. Para alguns criminólogos, apesar da preponderância das causas sociais na explicação do meretrício, existiam casos patológicos, mulheres que se entregavam "à prostituição pelas 10 exigências mórbidas do seu organismo” . Lombroso afirmou a existência da prostituição (feminina) nata, do mesmo jeito que existia a criminalidade (masculina) nata, ambas marcadas pela hereditariedade11. De acordo com esses mesmos pensadores, "a prostituição com as características da que hoje conhecemos resultou do desenvolvimento urbano"12. O período de 1870 a 1920 foi exatamente aquele em que tanto a cidade de São Paulo, como outros núcleos do mesmo estado (principalmente Campinas e Santos) estavam se formando. São Paulo se transformava num centro industrial e de serviços, Campinas era o principal centro cafeeiro e Santos o grande porto do estado, por onde passava toda a exportação e importação de mercadorias e, principalmente, imigrantes13. A urbanização também foi um dos fatores que contribuíram para o surgimento da prostituição em Riachão do Jacuípe, ou seja, por volta dos anos 50 à cidade acentua o seu desenvolvimento. É nesse período que chegam à luz elétrica, as indústrias e as rodovias. Foi então que vieram pessoas, principalmente do sexo masculino de vários lugares para trabalhar na construção da BR 324 e foi aí que se deu a procura de mulheres para satisfazer o desejo 9 MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade Criminalizada: Prostituição, Lenocínio e Outros Delitos - São Paulo 1870/1920. São Paulo: Revista brasileira de História. vol. 18 n. 35, 1998. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102...script. Acesso em: 20 Jul. 2009 10 PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRODE PROTEÇÃO Á INFÂNCIA, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: MORAES, Evaristo de. "Prostituição e Infância", 1925. 10 p. 11 ABREU, Waldir de, Op. cit., p. 19. 12 MORAES, Evaristo de. Op. cit., p. 10. 13 Sobre a cidade e são Paulo consultar: FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano. A Criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Brasiliense, 1983. In CRUZ, Heloísa Faria. Trabalhadores em serviços: dominação e resistência. São Paulo: Marco Zero/CNPq, 1990.
  • 7. 8 sexual dos trabalhadores. Sobre esse momento, observa Dedê14 uma das primeiras moradoras do bairro: Isso tudo era lama. A luz não era, era luz de motor, nem acendia digamos sete horas quando era dez horas ia embora. Ia muitas firmas em Riachão umas quatro a cinco firmas. Naquela época aqui era um movimento doido, era um movimento estrupido era muito movimento, muita mulé, muleres jovens.15 Nesse ambiente urbano as opções de trabalho feminino ainda são limitadas destacando o comércio informal e, em casos extremos, em que essas opções não estavam disponíveis dá- se a prostituição diante de um cenário de dificuldade e pobreza. Mais tarde, nas décadas de 1980 e 1990, a crise do sisal no nordeste baiano, contribuiu também para o empobrecimento da população e o aumento da prostituição. Veja-se nesse sentido o relato de Dona Idalina, antiga profissional do sexo na região: Naquele tempo eu sofria muito. Naquele tempo eu vendia minhas carnes para comer, né isso, perdendo noite, dando boa vida a dono de abuate. Naquela vida era uma vida precuaria, uma vida de sofrimento, mas a gente vivia tudo na honestidade(...)16 Segundo Moraes, a grande indústria "tende a destruir os elos e freios familiares". Os baixos salários femininos faziam com que a prostituição fosse "um fenômeno econômico, como sendo o complemento do salário insuficiente, ou a falta absoluta de salário". 95% das prostitutas, nessa perspectiva, vinham das classes pobres.17 Fica assim evidente a relação ambígua entre a rejeição e a aceitação da prostituição. Por um lado sua figura feria a conduta, a moral e os bons costumes da sociedade, e por outro não deixava de atender as vaidades masculinas que viam nas meretrizes o cumprimento de suas fantasias e desejos já que para a estrutura familiar e social a relação entre o casal era de respeito, ou seja, não cabiam os ímpetos do desejo masculino. Diante da visão comum das pessoas, e do preconceito existente, a imagem da prostituta quanto ao seio familiar é de que a mesma não tem apoio ou afeto da sua família, ou seja, é sozinha na vida. Porém, um olhar mais atento evidencia uma realidade diferente, fator relevante surge neste contexto que vai quebrar essa visão na qual as prostitutas frequentemente eram uma fonte de renda para suas famílias e contribuíam com a economia local como consumidoras de produtos e serviços. É o que se constata, por exemplo, na fala de 14 Uma das primeiras moradoras do bairro da Rua do Fogo 15 FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Documentário: Rua do Fogo - Memórias do Baixo Meretrício. In. III encontro de cinema Negro Brasil/África Américas. Rio de Janeiro, 2009. Riachão do Jacuípe. 2009. 1 CD 16 Idem, ibidem. Depoimento de Dona Idalina, antiga profissional do sexo na região: 17 MORAES, Evaristo de. Op. cit., p. 158-160.
  • 8. 9 Maria de Lurdes, lavadeira, que afirma ter lavado roupas das prostitutas da Rua do Fogo. Segundo dona Maria de Lurdes ela criou seus filhos com a ajuda das prostitutas que ao voltar de suas viagens ainda traziam presentes para seus filhos. E mesmo diante do preconceito da maioria da sociedade ela se orgulha de ter convivido com as prostitutas. Segundo Maria de Lurdes elas eram seres humanos também.18 A despeito dessa inserção as prostitutas eram descriminadas na sociedade jacuipense tendo como único espaço de expressão uma festa religiosa: a festa de São Roque. Para melhor entendimento desse espaço e dos seus conflitos cabe uma breve caracterização da sociedade jacuipense. A cidade de Riachão do Jacuípe situa-se a margem da BR 324 encontra-se a 75 km da cidade de Feira de Santana, no semi-árido baiano, distanciando-se a 183 km de Salvador, capital do Estado da Bahia. Riachão do Jacuípe na década de 40 e 50 era uma pequena cidade e continua sendo em relação à extensão territorial e carrega traços culturais característico de cidade pequena, ou seja, as relações sociais se davam de forma rápida, pelo fato de todos se conhecerem os acontecimentos acabavam chegando a todos os habitantes com certa velocidade. De acordo com a memória local a maior parcela da população professava o Catolicismo, sendo que se observava em meio à população subalterna como da Rua do Fogo e outros, além da devoção a São Roque havia também seguidores do Candomblé que louvam São Roque e os Orixás Obaluaê ou Omolu. Porém, era notória a proibição de batuques naquela época. A respeito de tal comportamento da sociedade Rachel Soihet vem falar dos objetivos e métodos usados por policiais para combater as manifestações culturais e para elucidar ela cita como exemplo a Festa da Penha no Rio de Janeiro mo momento da transição para a modernidade: O objetivo da repressão era não só o problema da ordem publica, ameaçadas por roubos e conflitos supostamente sugeridos entre os populares, como também as manifestações culturais destes grupos, tais como a capoeira, o batuque, o samba etc., sendo apreendidos os instrumentos que os acompanhavam: violão, pandeiro e outros. Sobre a vertente de origem negra das manifestações populares recaía com maior ênfase o viés preconceituoso, limitando a repressão19. Em meio a esta opinião preconceituosa da sociedade, ou seja, da elite era nesse período que a base econômica dos jacuipense predominava a agropecuária de bovino, suíno, ouvino e caprino movimentando a economia da região, além da criação de gado que tinha como referência a bacia leiteira da região, sem esquecer a agricultura de subsistência, as 18 CONCEIÇÃO de Oliveira, Maria de Lurdes. Lavagem de São Roque. Casa da entrevistada: 2008. Riachão do Jacuipe. 10 Jul. 2008. Entrevista concedida a M. N. de Lima 19 SOIHET, Raquel. Festa da Penha: resistência e interpretação cultural (1890-1920). In CUNHA, M. C. P. (org.), Carnavais e outras f(r)estas, Campinas: Unicamp, 2005. p. 355.
  • 9. 10 pessoas se ajudavam e compartilhava de muita abundância na alimentação e colheita. Os números de fazendas de gado foram aumentando de forma significativa, os fazendeiros movimentavam a economia local, e também exerciam certa autonomia na cidade. Pensando em autonomia o plano político, indica que se trata de uma região tradicionalmente controlada por grandes proprietários rurais e comerciantes. Pode-se afirmar que até meados da década de 80, o quadro político local era marcado por formas tradicionais de dominação que remontam ao “coronelismo” do início do século passado, observava-se ao lado de suas casas de fazenda o tronco que estava ali como símbolo de poder e autoridade do senhor. Nesse sentido, afirmam Padrão e Pinheiro, o “poder local”, expressão hoje tão em moda, não era ali uma redução do conteúdo da informação de um conceito; ao contrário, encontrava-se bem fundado em relações personalizadas de mando, que, segundo relatos, intimidavam pessoas ou grupos a não questionarem a dominação a que se encontravam submetidos.20 Um elemento comum aos municípios da região era, até recentemente, a forte deficiência de infra-estruturas e serviços sociais. Às precárias condições de acesso à água presentes tanto nas comunidades rurais como em bairros urbanos, somavam-se deficiências nos serviços de saúde, carência de escolas, professores e material didático, inexistência de infra-estrutura de esportes e lazer, serviços de comunicação e transporte insuficientes. É nesse contexto que os grupos subalternos principalmente na Rua do Fogo na qual se formava com rua estreita que vai se enlarguecendo, com casinhas bem juntinhas, uma colada na outra que dava acesso a outra rua. Um bairro humilde, constituído de moradores de baixa renda como: magarefes, lavadeiras, pedreiros, as fateiras, os carroceiros e açougueiros. A afro-descendência é muito marcante. Tem também o Rio Jacuípe, que corta toda a Rua e boa parte da cidade. Segundo a população nesse período quando as enchentes chegavam alagavam todas as casas das ruas. Na beira do rio, as antigas profissionais do sexo criavam seus filhos, tratavam os fatos de boi, pescavam. A Rua do Fogo gerava a economia da cidade e a prostituição era só uma conseqüência. Lá, tinha fábrica de balas, batedeiras de sal, olarias na beira do rio, tudo na Rua do Fogo ou adjacências. E lá se localizava os baixos meretrícios de inicio se dava os encontros furtivos em locais com estrutura de bodega, como ressaltei anteriormente as ruas não eram asfaltadas e não tinha luz elétrica na cidade, mas era lá que recebiam inúmeras mulheres das regiões 20 PADRÃO, Luciano Nunes In PINHEIRO, Maria Lúcia Bellicanta. Um estudo de impacto: o programa de pequenos projetos da CESE na Região do Sisal. Salvador: CESE, 2004. Disponível em:< www.cese.org.br/.../Cese%20-%20Estudo%20de%20Impactos%20-%20Relatrio%20Final%20(v_08-10- 04).doc> Acesso em: 8 jul. 2009.
  • 10. 11 circunvizinhas, depois na década de 60 a prostituição ganha um novo cenário com os avanços urbanos e então começam a surgir as Boates. Uma delas que ganhou destaque foi a Boate Refúgio. Dona Bernadete descreve a Rua do Fogo da seguinte maneira: A Rua do Fogo era o seguinte tinha coisa tinha buate muita coisa que não prestava, mas o povo gostava de fazer muita zonzeira muita coisa aí chamou Rua do Fogo. Que era a rua que tinha mais movimento e que tinha mais transito. Hoje é uma rua de família mais eu alcancei sendo rua que só passava mesmo quem fosse da mangueira, quem fosse do brinquedo, quem não fosse não passava. O dia de Sábado mesmo, família quase nenhuma passava porque não prestava não dava pra passar. (...) movimento brega, cabaré tinha uns quatro a cinco, tinha bem uns oito, todo lugar que vendia cachaça tinha dança, cada lugar que tinha dança 21 tinha mulher e tinha movimento. Naquela época, a vida noturna era somente na Rua do Fogo. Doutores, filhos da elite de Riachão que estudavam em Salvador, iam para Riachão no fim de semana buscar diversão na Rua do Fogo. O Centro, a rua de cima, era da elite. E lá, tinha horário para dormir, acordar, e não podia ter barulho, por isso as mulheres do baixo meretrício eram impedidas de subir. Na época, tinha um sargento que ficava na vigília para barrar a subida das prostitutas. Um amigo de confiança das mesmas, uma espécie de cafetão, era quem combinava os encontros, era quem comprava remédio em farmácia, levava e pegava carta em correio, porque elas eram proibidas de ir até a rua de cima. Só as mais ousadas como Cheirinho, segundo seu próprio depoimento, é que enfrentava e subia. Há seu Dilo inspetor se um, a mulher subisse na rua de chorte com as pernas de fora ele cobria o reio, agora comigo não que eu era ousada, eu ia mesmo. Vestia o mais curta que eu tinha e ia não é não ninguém abriu o caminho já achou aberto, se tivesse em um bar e uma mulher solteira chegasse todo mundo saia não queria aceitar22 Pessoas da alta sociedade que o dia estava com sua família e a partir das dez horas iam saciar seus desejos e fantasias, o que cabe então uma reflexão porque recriminar as trabalhadoras do sexo já que a alta sociedade participava ativamente ou porque não dizer eram eles os responsáveis pela manutenção das casas. O que nos leva a pensar que a aparência era o elemento fundamental dessa ordem social. Quem vem elucidar isso é a ex- prostituta Cherinho: “Os homens da sociedade era quem vinham naquele tempo, mas antigamente era”. 21 FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Documentário. Rua do Fogo - Memórias do Baixo Meretrício, 22 Idem, ibidem. Depoimento de Cherinho, uma ex profissional do sexo.
  • 11. 12 Segundo o depoimento de Armando Colombina afirma também que naquele período as mulheres vinham de vários lugares sendo a descontração dos estudantes jacuipense: Juazeiro, Bom Fim, Petrolina, todo essa região vinha muler. Todos os estudantes daquela época filho de Riachão que estudava em Salvador, o fim de semana ia curtir lá em casa porque aqui tinha muitas muleres bonitas, nova e eles 23 fraquentavam e eram bem recebidos. Segundo o depoimento de Edílson um cafetã, os freqüentadores dos meretrícios eram: Duca, era seu Lauro Coletor, meu tio que é Reginaldo, Naginho é médico analista mora em Ipirá, Mundinho de Zé de Cândido que era Ortopedista esse povo tudo freqüentava, Vaginho,Plínio esses homens tudo vinha era de dentro. 24 É nesse espaço que fica evidente a distribuição dos grupos subalternos, e a pouca aceitação formal desses indivíduos em conviver com a sociedade, grupos que são marginalizados e excluídos do contexto social jacuipense. Figura 1 Imagem da Lavagem de São Roque. Riachão do Jacuípe. Ano 2009 Na cidade de Riachão do Jacuípe das décadas de 30 e 50 o espaço encontrado pelas prostitutas para estar inseridas na sociedade foi a Lavagem de São Roque. Cabe aqui, porém uma breve caracterização histórica deste festejo. 23 FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Depoimento de COLOMBINA, Armando um cafetã 24 PEREIRA, Edílson. Nasceu em 28.02.1951, em Riachão do Jacuípe.
  • 12. 13 O culto aos santos, desde os tempos da Colônia se apresenta como a grande expressão do Catolicismo no Brasil. As aventuras e desventuras de personalidades que simbolizam o ideal de pureza e bondade desdobram ao longo dos séculos, ratificando condutas e comportamentos sociais, que a ótica da Igreja Católica deveria ser seguida pelos fiéis. A lista de santos e santas que povoam o universo católico no Brasil é muito grande, cada um com papel específico na condução das almas. A figura de São Roque é identificada como: “Padroeiro dos inválidos, cirurgiões, protetor do gado, contra doenças contagiosas e a peste”. Acompanhando então a história de vida de São Roque para melhor nos situarmos com essa questão, temos as informações de que ele é um santo da Igreja Católica Romana, que protege contra a peste e é padroeiro dos inválidos e cirurgiões. É também considerado por algumas comunidades católicas como protetor do gado contra doenças contagiosas. A sua popularidade, devido à intercessão contra a peste, é grande, sendo o Santo de muitas comunidades em todo o mundo católico e padroeiro de diversas profissões ligadas à medicina, ao tratamento de animais e dos seus produtos bem como dos cães. A sua festa celebra-se no dia 16 de Agosto. O culto a São Roque foi difundido em nosso país com a chegada dos colonizadores portugueses no portal de 1500 e na contemporaneidade mantém-se com o mesmo vigor em diversas cidades baianas. Em sua pesquisa sobre São Roque, Benevides nos informa que no 25 Brasil, o culto a este santo sempre esteve ligado às epidemias de doenças contagiosas . Por 26 volta de 1850, estavam ocorrendo epidemias de cólera por todo Brasil : “Na Bahia, ela chega entre 1855 e 1856 [...] causando a morte de quarenta mil pessoas principalmente em Salvador. Em Riachão do Jacuípe o culto remonta a 1904, quando o flagelo da peste acometeu o povo Jacuipense, semelhante ao que aconteceu em Santos (SP) e Salvador (Ba). Como conseqüência da epidemia de peste na região de Riachão do Jacuípe a sociedade adotou a devoção á São Roque, ao lado de Nossa Senhora da Conceição padroeira oficial. Desse modo o santo tornando-se Co-padroeiro e santo protetor da cidade, que é festejado no dia 16 de Agosto, data de seu sepultamento em Montpellier, na França, em 1379. Uma vez que enfrentavam a reprovação social, não conseguiam freqüentar os eventos religiosos cotidianos da Igreja Católica, as prostitutas recorriam á Festa de São Roque para se fazerem reconhecidas na sociedade. Saíam em grupo, em procissão festiva que partia da Rua do Fogo, atual Barão do Rio Branco em direção as principais ruas da cidade com o objetivo 25 BENEVIDES, Nete. A Louvação das prostitutas de Riachão do Jacuípe ao Glorioso São Roque. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, FUNCEB, 2006, p. 56 26 O autor, na verdade refere-se equivocadamente á peste bubônica.
  • 13. 14 de louvar São Roque e mesmo momentaneamente marcar um espaço, uma identidade própria, na sociedade, integrando-se a outros grupos sociais. A Lavagem da Rua do Fogo, ou seja, a procissão do dia 15 de Agosto tornou-se o maior evento para a população que habitava naquele espaço. Representava o sentimento religioso, artístico e cultural, alimentado pela fé no Santo Padroeiro que para muitos integrantes da religião do candomblé, sincretiza-se com o orixá Obaluaê. Nas antigas lavagens da rua do fogo as mulheres acompanhavam o cortejo com porrões com água de cheiro, enquanto dançavam enfileiradas e protegidas por correntes dos dois lados. Além das raparigas. O cortejo era composto por homens caboclos e jumentos enfeitados que carregavam água para lavar a Igreja de nossa Senhora da Conceição27 A Lavagem de São Roque possui a riqueza de várias tradições que foram sendo incorporadas. Existem significados que se entrecruzam, crenças que unem o sagrado ao profano. Os momentos de sociabilidade já ocorriam durante a preparação das atividades, especialmente nas festividades promovidas pela população na arrecadação de fundos para a realização da festa: eram doadas prendas para o leilão por todos os seguimentos sociais, desde pessoas influentes até os mais humildes contribuíam com os festejos na cidade. Em sinal de gratidão e fé, anualmente, nos dias 15 e 16 de agosto era realizado o novenário na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Feira de comidas típicas, leilões, entre outros jogos, além de três alvoradas e a tradicional procissão religiosa acompanhada pela Filarmônica Lyra Oito de Setembro. Segundo depoimento de José de Aquino, conhecido como Seu Zico, naquele tempo a festa de São Roque começava nos dia 13 para 14 e 15 para 16 de agosto, e relata: Vinham os Barbeiros de Pé de Serra, quando também existia aqui o terno de Aleluia que tocava juntamente com o tradicional Barbeiro de Pé de Serra. No dia 14 fazia as matinas, tocava às cinco horas da manhã, tocando na porta da Igreja e os sinos tocando. Ao meio dia eles iam à porta da Igreja, tocava as músicas que eram adequadas àquele momento e o sino tocava meio-dia, e repicava anunciando a festa, a mesma coisa às seis horas. No dia 15, celebrando a missa de Nossa Senhora [havia] muito foguete, muito foguete já. Às vezes até a Filarmônica tocava e gente já participando da festa. Missa festiva às 10 horas, a Filarmônica e os Barbeiros tocando a noite [...] Dia 15 também era feito a Lavagem. O que era a Lavagem? Por muitas vezes grupo de senhoras e moças ficavam na Igreja lavando a Igreja. E os Barbeiros, o terno de Barbeiro tocando na rua acompanhada pelas prostitutas. Era o dia em que elas tinham de diversão, de divertir [...] mais nesse dia elas iam dançando, cantando, sambando acompanhado pelo terno de Barbeiro....28 27 BENEVIDES, Nete., 2006, p. 110. 28 AQUINO, José. Lavagem de São Roque. Casa do entrevistado: 2008. Riachão do Jacuípe. 07. 12. Dez. 2008. Entrevista concedida a M. N. de Lima
  • 14. 15 No dia 16, o ultimo dia de festa, percebe se uma diferença, ou seja, a festa agora era realizada a parte, sem a presença das prostitutas. Jose de Aquino descreve esse dia assim: Os barbeiros faziam as matinas cinco horas da manhã. Como já foi dito às 10 horas tocava a missa de São Roque, juntamente com as Filarmônicas. Às duas horas iam pra rua com moças da elite. Aí já era o destaque, a diferença. Quer dizer, as moças da de condição fazer o banho de precatório. Era a toalha de mesa ou um lençol seguro por moças desfilando nas ruas para arrecadar fundos arrecadar dinheiro para a comissão da festa. Era acompanhado também pelo terno de barbeiro, pós esse desfile pós arrecadação em quase toda a cidade. Às quatro horas era realizada a procissão que ao chegar à frente da Igreja era dada a benção do santíssimo e encerrada a festa de São roque (....)29 A festa começou partir da década de 1920, mas ganha impulso por volta de 1930, com a organização de Abdias Carneiro. Este fez uma promessa para São Roque que se o Santo livrasse os jacuipense das doenças, todo ano faria uma festa para ele. Assim, durante 59 anos, Abdias administrou os festejos religiosos ligados a Igreja e a Procissão da Rua do fogo em louvor a São Roque. Abdias nasceu em 28 de abril de 1905, era filho de Jovita Leonília Carneiro e de Joaquim Carneiro da Silva, próspero comerciante jacuipense, que fora também Intendente e Juiz de Paz do município, além de ser descendente de uma das famílias que fundou Riachão do Jacuípe. Desde criança Abdias participava dos festejos a São Roque, mas só em 1938 passou a organizar a festa. Quando esteve por conta da organização da Lavagem de São Roque observava-se uma maior participação das prostitutas. Ele se dedicou à preparação com muita dedicação e, mesmo não sendo de classe desfavorecida, talvez por ter uma mentalidade mais aberta, não fazia distinção de classe ou etnia. Convidava a todos para louvar o Santo, o que resultava em uma maior participação da população Jacuipense, e as prostitutas eram um dos segmentos que participavam da Lavagem. Segundo Antônio Cedraz Mascarenhas, filho de Abdias: Quem deu embalo foi Abdias porque ele aí deu impulso, gente que dizia Ave Maria que mulheres não podiam vim na rua de jeito nenhum só depois das dez horas da noite. E aí quando ele tomou conta ele aí abriu, jogou solto, deu a liberdade da tarde e deu liberdade da manhã e não tinha nenhum desrespeito, toda vida na festa e na alvorada (...) você não via nenhuma discussão, era com o maior respeito do mundo 30 No período em que Abdias Carneiro organizava os festejos de São Roque, havia um planejamento anterior aos dias da festividade. O senhor Abdias já encomendava com Leandro 29 AQUINO. Op. Cit.. 30 MASCARENHAS, Antônio Cedraz. Lavagem de São Roque. Casa do entrevistado: 2010. Riachão do Jacuípe. 07. 07. Jul.20 10. Entrevista concedida a M. N. de Lima.
  • 15. 16 Fogueteiro, os fogos do ano seguinte no final da festa. Ele enviava cartas para os moradores da zona urbana e da zona rural, solicitando prendas (brindes) destinadas aos leilões que ocorriam na noite da novena de São Roque, nas cartas ele dizia: Aproximando dos festejos do Glorioso São Roque, viemos através dessa carta pedir uma prenda pra o glorioso santo para que sejam feitas as despesas da festa do glorioso São Roque, na certeza que, o glorioso São Roque irá continuar sempre a 31 nos livrar da peste. No que confere à organização da festa, Benevides ressalta: Abdias não era um homem de muitas palavras ou grandes demonstrações afetivas, no entanto tinha um grande amor pelos festejos pelos qual era responsável. Bernadete Pereira de Oliveira, que foi porta-bandeira, no tempo em que Abdias campeava sobre a organização anual da festa, é testemunha ocular da época: “oxente se a gente não fosse ele chorava, seu Abdias chorava, chegava a derramar as lágrima, ele não salvava ninguém, num conversava com ninguém mais a bandeira que entrá a bandeira32. Quando doente escreveu uma mensagem no livro de novena pedindo à população jacuipense que não deixasse a festa São Roque se perder. A mensagem dizia: Querido povo Jacuipense Ao se celebrar a primeira festa do “Glorioso São Roque” sem a minha” “presença física”, conclamo a todos para que se empenhem, o máximo para que ela não se perca com o tempo, mesmo se minha família vier a ficar de fora, por conseqüências ingrata do homem. A festa de São Roque já é uma tradição de nossa querida Riachão, porém as dificuldades da nossa região a tornaram menos brilhante na sua essência dos anos passados: mas o povo continua participando na sua piedade e perseverança, graças a vossa fé neste santo que com zelos tão fervorosa os a todos curais. Rogai por todos, Oh! São Roque! E assinando no final33 É importante observar que a Lavagem foi ignorada pela igreja Católica, por constituir a parte profana da festa, além de não aceitar que São Roque fosse o segundo padroeiro da cidadejá que a primeira era Nossa Senhora da Conceição. Esse festejo, realizado pelas prostitutas da “Rua do fogo”34 percorria todas as ruas da cidade acompanhada por uma bandinha de sopro “os Barbeiros”35. 31 Idem, Ibidem. p. 137. 32 BENEVIDES, Op. cit. p. 141. 33 IGREJA MATRIZ DE RIACHÃO DO JACUÍPE. Novena do glorioso São Roque. Feira de Santana: J. M. A. Comercial Gráfica, [2003?]. 34 Chamada assim por abrigar um alto número de prostíbulos, como também uma clara alusão ao incêndio que ocorreu na região de Mataripe, na década de 60, quando o fogo que tomou uma das peças de petróleo da refinaria Landulfo Alves era avistada ao longe pela população de Riachão do Jacuípe. 35 Músicas que tocam de ouvido, sem partitura, se assemelha ao estilo de Filarmônica.
  • 16. 17 Durante a Lavagem de São Roque, as mulheres se vestiam com roupas com muito brilho e acessórios extravagantes, desfilavam com bandeiras, cantando e dançando durante todo o percurso, que culminava com a lavagem da Igreja Matriz pelas próprias prostitutas. Figura 2 Festa de São Roque. Ano de 1997. Em Figura 3- Imagem da lavagem de São Roque, 1997 primeiro plano Idalina Soares da Hora (porta- bandeira) uma ex-profissional do sexo Segundo informações orais de uma ex-participante da lavagem, era este o „único‟ dia em que elas estavam livres para percorrer a cidade como integrantes da sociedade. “As coisas que eu brincava no meio delas tudo só era a Lavagem aqueles outros negócio não era” 36. Essa fala de Dona Bernadete na citação acima vem evidenciar uma contradição muito presente em todas as falas dos entrevistados: o preconceito estava impregnado não só naquelas que se dizia de “famílias de bem”, como as próprias prostitutas demonstravam ao afirmar que a rua “não prestava”. Em cada lugar, a festa de são Roque tem características singulares, mas todas elas são realizadas a partir de referências comuns, ativadas pela memória coletiva que envolve o santo protetor contra as doenças contagiosas. Vejamos o ideal construído em torno da imagem de São Roque através das orações e do hino de São Roque rezadas nas novenas: Hino de são Roque Ó são Roque pai amável Que doce contentamento eu sinto a cada momento Teu Santo nome invoca Refrão: Salve, salve, salve São Roque Protetor universal Que nos livra sempre da peste E nos guarda de todo mal Ó São Roque glorioso 36 FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. de Dona Bernadete uma ex profissional do sexo.
  • 17. 18 Que só um anjo celeste Mandou – vos Deus ajudar Contra o contágio da peste Rogai por nós, oh! São Roque diante do sumo bem pra que nos livre da peste Trazendo nos lábios Teu nome São Roque eu te chamo dia e noite como filho eterno Pai.37 Esta citação se faz relevante, pois, ilustra muito bem o valor e a fé ao santo exaltado. Ao proferir palavras de exaltação ao santo, há um estreitamento dos laços entre as „pobres criaturas pecadoras‟, que rogam por sua proteção e bondade. Já que era o santo da cura, bondade, da caridade e que ajudou os pobres e os doentes. Contudo, em 1930, as mulheres da antiga „Rua do Fogo‟, atual Barão do Rio Branco, localizada na área do meretrício Jacuipense, tiveram acesso às comemorações de São Roque. Também considerado protetor das raparigas38 do sertão, o santo iria protegê-las das doenças como a sífilis à qual estavam expostas devido a sua profissão. Ou seja, a devoção das prostitutas mais velhas ao santo, justifica-se pelo fato de considerá-lo como protetor das doenças venéreas e como aquele que iriam „absorvê-las‟ dos „pecados da carne‟. Além disso, pode-se considerar também que a festa era um momento de embate político, na medida em que representava a luta dessas mulheres pela inserção na sociedade. Na verdade, as prostitutas aproveitavam dessa festividade, desse evento anual, para se afirmarem socialmente como cidadãs e como a padroeira Nossa Senhora da Conceição era uma festa religiosa de maior participação elitizada, acabava excluindo os outros grupos sociais. Nesse sentido, Benevides afirma que: As raparigas levadas pelo fervor dessa devoção, porém oprimidas e excluídas dos festejos pela tradicional sociedade local, instituíram para a tarde do dia 15 de Agosto um evento festivo pelas ruas da cidade, para o qual levou uma grande parcela da população ecomonicamente menos privilegiada, como; feirantes, magarefes, lavadeiras , carroceiros e coveiros os quais vivem na expectativa dessa encanação anual escrita no calendário Jacuipense. 39 Assim, uma vez que as prostitutas não acharam espaço para estarem integradas à sociedade Jacuipense, a Lavagem de São Roque acabou tendo mais um significado, ou seja, tornou-se um pretexto, mesmo que inconscientemente, para inserção social, apresentando-se como espaço alternativo, que abrigava de forma mais igualitária a participação de todos. Vale lembrar, porém, que esse contexto não é exclusivo de Riachão, mas que se faz presentes em outros lugares, como Feira de Santana, onde a festa religiosa era marcada também por dois momentos: a Procissão e a Lavagem de Santana (sendo esta ultima a parte 37 Cântico do glorioso São Roque. [s.n], 16 de Agosto de 1995. 38 Termo utilizado para se referir as prostitutas. 39 BENEVIDES, Op. cit. p. 19.
  • 18. 19 profana ). A Lavagem era o momento em que a maior participação era do „povo‟ contando com a participação dos organizadores da Festa religiosa. No caso da festa feirense, de acordo com a programação oficial, em 1945, a Lavagem era vista como: Festa do povo No dia 25 de Janeiro, quinta- feira, o nobre povo feirense estará nas ruas da Cidade, em explosões de alegria e de reconhecimento, levando a Santana orações de risos e de sons. A Cidade inteira estará de pé, contente e sadia, ao lado da divina Padroeira. É a tradicional Lavagem, manifestação simples, mas sincera, dos humildes, dos que sofrem resignados e esperançosos.40 O segundo momento, a festa Religiosa “A missa Solene”, era na verdade, uma missa grandiosa realizada depois de sete dias depois do bando anunciador, sempre pela manhã que era celebrada por vários sacerdotes. Essa missa reunia orquestras, maestros, e filarmônicas. 41 Em que se percebia o luxo e requinte para louvar Santana. O programa da festa assim o descrevia: Dia 26 É o dia máximo de grandiosidade e esplendor, porque é o dia da Festa. Nesse dia extraordinário tudo será melhor e mais completo. Toda a Feira irá pôr aos pés da Padroeira, as flores do seu amor e de fé. As matinas, a novena, a tocata, feita pela „EUTERPE FEIRENSE‟ terá uma concorrência fora do comum. [...] A noite desse grande e glorioso dia tocará ao auge e animação no Largo da Matriz, sob nuvens de lança-perfume e os doces sons da sympathisada. Características parecidas a essas citadas se davam também em Salvador, com a Festa de Nosso Senhor do Bonfim. Esta festa é considerada a mais importante das comemorações de largo de Salvador. O religioso (a parte sacra da festa) inicia-se com o novenário que se encerra no segundo domingo após o Dia de Reis, ou seja, 06 de Janeiro. A festa realiza-se no Largo do Bonfim, bem em frente à igreja, no alto da Colina Sagrada, na última quinta-feira antes do final do novenário e é marcada pela lavagem da escadaria e do adro da igreja por baianas vestidas a caráter, trazendo na cabeça água de cheiro para lavar o chão da igreja e flores para enfeitar o altar. O outro momento, considerado com a parte profana, dá-se com „A festa da lavagem‟ é atribuída à promessa de um devoto. O cortejo parte ainda pela manhã da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia e vai até o Bonfim, arrastando multidões. Contando com a 40 SILVANIA, Maria Batista. Conflitos e comunhão na festa da padroeira em Feira de Santana (1930 - 1950). 1997. Monografia (Especialização em Teoria e Metodologia da História), Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana. 1997. p. 37. 41 Idem, ibidem, loc. cit. p. 38
  • 19. 20 presença de autoridades civis e militares, artistas e personalidades da cidade de Salvador, da Bahia e do Brasil. Até a década de 50 as baianas tinham acesso ao interior da Igreja, onde o chão era lavado "com energia e entusiasmo" até que as autoridades eclesiásticas limitaram a lavagem apenas ao adro da Igreja.42 Por meio de um universo de contestações sociais que visam manter a ordem está situado o fenômeno da prostituição, no qual os discursos jurídicos, criminalistas e médicos ditam as regras e formulam comportamentos adequados. Mas então como trabalhar com uma sociedade que discrimina e ao mesmo tempo mantém a prostituição? E aos homens até que ponto torna-se vantajoso a permuta encontrada na harmonia de seus lares por noites em bordéis? A historiadora Margareth Rago, da sua interpretação quando ela menciona que no bordel “buscava-se não apenas a transgressão dos comportamentos moralmente sancionados, mas também os excessos, as fugas, os êxtases e a realização dos desejos que outrora eram negados em casa,”43 visto que a sexualidade dentro do lar tinha suas limitações. Nessa perspectiva dois conceitos se tornam fundamentais para a compreensão do trabalho. Os conceitos de Gênero e de Prostituição, dando ênfase às questões de moralidade que padronizavam comportamentos e ditavam regras para a manutenção da ordem. Segundo Gisele Ferreira na visão Michel Foucault,44 todos os discursos sobre o sexo e sobre a sexualidade passaram a existir no momento em que se precisavam controlar os corpos na ascensão da classe burguesa e em nome de seus referenciais de moralidade. Pode-se dizer que o discurso vai se alterando conforme as práticas sociais, mudando de acordo com a época ou período da história, dependendo das relações de poder vigentes. E, é no século XIX que a idéia de separação entre o público e o privado vão se aprofundar, e às mulheres, delimita-se os espaços privados. A prostituição em Riachão do Jacuípe não é um fenômeno único. Mas para uma melhor compreensão do significado cultural e social desse fenômeno, faz-se necessária a utilização da categoria gênero, através da qual os papéis sexuais são concebidos como construções históricas diferenciadas. Essa categoria, ao incorporar a dimensão das relações de poder e das relações entre homens e mulheres, possibilita a percepção dos poderes informais femininos 42 VERGER, Pierre. Lavagem do Bonfim: Tradições e Representações da Fé na Bahia. Disponível em: <www.naya.org.ar/.../ponencias/Luis_Americo.htm>. Acesso em 11 de jul. 2010. 43 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade em São Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 188. 44 FERREIRA, Gisele Gaspar. Prostituição e criminalidade: o cotidiano e os conflitos nos bordéis ponta grossenses nas décadas de 1930-1940. Disponível em: <htpp:/www.fazendogenero8.ufsc.br/sts.> Acesso em: 11de Jul. de 2010
  • 20. 21 permitidos por uma situação de sujeição, que nesse contexto histórico, devem ser entendidos como contra-poderes sedutores e ilícitos que resultavam em uma existência mais autônoma para as prostitutas Jacuipense. Enquanto o social dorme, é possível encontrar um submundo diferenciado em certas ruas, em alguns bares, nos cabarés, em salas pouco iluminadas e enfumaçadas, onde as tensões urbanas e sociais emergem, e essas são formas fragmentadas e diversificadas de vivências. Onde seus freqüentadores fazem da cidade, um lugar para se trabalhar durante o dia, e fazem da noite um lugar para se divertir e viver suas aventuras e desventuras.45 Ainda em discussão está o comportamento de uma sociedade com considerável grau de preconceito, que são ditados pelas normas de moralidade, e nesse mesmo contexto estão inseridas as atitudes masculinas diante do cenário de contestações femininas, que questionam a autoridade do homem e buscam novas formas de sobrevivência. O contato com as fontes possibilita a identificação de profundas marcas de opressão e exclusão das prostitutas na sociedade jacuipense, seja pela Igreja Católica, ou até mesmo pela força repressora da polícia. Ao que nos consta, elas eram proibidas de circular normalmente pela cidade, principalmente durante o dia, e de freqüentarem as festas em clubes ou locais abertos, já que a presença das mesmas significava uma ofensa à moral e aos bons costumes das “pessoas de bem”. Para as „moças de família‟ qualquer aproximação poderia deixá-las mal falada se tal ato constituía uma preocupação constante das mães para com as filhas. Para os homens, essas mulheres nada mais eram do que um “objeto sexual” que lhes proporcionaram certo prazer durante algumas horas na noite. Aliás, freqüentar os prostíbulos era sinal de virilidade. Era comum inclusive, que a vida sexual de muitos jovens se iniciasse lá. Essa concepção da classe burguesa significava eliminar focos de doenças que impregnavam a cidade, e dentre os atores vistos como portadores dos males doentios, estavam às mulheres prostitutas, ou as “decaídas”, como eram vistas pela população e certificadas pela imprensa. Essa última citação evidencia claramente o preconceito, discriminação e medo que a sociedade Jacuipense sentia diante das profissionais do sexo fazendo com que essa categoria fosse excluída e marginalizada. Tal preconceito é relatado ainda por dona Idalina, ex- moradora da Rua do Fogo, ao comentar a recusa das „mulheres de família‟ em transitar ali, ao afirmar “a Rua do Fogo era igualmente a rua de família você não via devassidão [...] as 45 FERREIRA, Op. cit. Disponível em: <htpp:/www.fazendogenero8.ufsc.br/sts.> Acesso em: 11de Jul. de 2010.
  • 21. 22 mulheres casadas que se julgava de passar. Se passasse acho que a doença da gente ia pega nelas”46. Resistência e opressão vivida pelas prostitutas A sociedade Jacuipense, cuja origem remonta a 1878, é firmada sobre uma postura e estrutura conservadora, o que revela o preconceito da ordem social estabelecida. Contudo a sociedade vai se estruturando ao longo do século, sob a égide da Religião Católica, em que a fé em Deus determina seus destinos e assume lugar de destaque sobre todas as tradições e povos. Como também o temor a Deus, a crença na Santíssima Trindade, a louvação á Padroeira e a gratidão a São Roque, aliados á cultura do homem do sertão fizeram crescer no imaginário popular desse habitat uma gama de manifestações culturais que fazem desse povo os criadores de uma cultura popular diversa. Dento de um longo processo de segregação exclusão e preconceito a muito foi o silêncio dado como também muito foi resistido. E é procurando vencer tais desafios que as prostitutas vão lutar contra uma sociedade dominante e autoritária que sujeita o sexo feminino e dita as regras da moral e dos bons costumes e onde o que for de encontro as mesmas será perseguida e castigada, sendo considerada degenerada. As relações de poder constatadas nesse contexto se dão de forma complexa e conflituosa, mas não dá para ignorar o jogo de sedução, de e interesse existente no núcleo dos meretrícios. Sobre isso Alberto Heráclito Ferreira Filho afirma que o processo de segregação das prostitutas em áreas previamente estipuladas pelas autoridades e as políticas de repressão ao meretrício provocaram uma reação surda em todo período.47 Ou seja, como o projeto político não tinha a autonomia necessária percebia-se claramente que as resistências eram em um nível de interferência muito peculiar às mulheres: as inter-relações e os pactos clandestinos. No caso dos policiais, por exemplo, desmembravam em situações diferentes às vezes esses davam batidas nos meretrícios e em outros momentos eram clientes desses espaços, muitas vezes protegendo e por que não dizer preservando o ambiente contra possíveis fechamentos do recinto. Sobre esta questão o jornal noticia: 46 FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Depoimento de Dona Idalina uma ex- prostituta. 47 FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. Quem pariu e bateu, que balance: mundos femininos, maternidade e pobreza: Salvador: 1980-1940. CEB, 2003. p. 89.
  • 22. 23 Em 13 de Outubro de 1910, através de uma noticia moralista, o Diário de Notícias denunciava a constante presença de policiais nas “casas de mulheres” bebendo, jogando ou mesmo participando, aos sábados, dos “bailes licenciosos” promovidos pelas “pensões alegres48 Essa citação serve para ilustrar a relação de poder que as „mulheres de vida pública‟ tinham para resistir ao preconceito da sociedade burguesa que via na prostituição um mal. Acabar a mesma era o projeto inicial, porém, ao longo do tempo passa-se a tolerá-la, uma vez que as mulheres de vida fácil serviam para manter o prazer do homem fora de casa, pois, diante dos padrões estabelecidos a mulher de família tinha que preservar sua relação conjugal sem tanto fervor, sendo a prostituição um “mal necessário”. Isso era uma cavalaria da peste, muler vinha até dos infernos aqui pra dentro e de noite ninguém dormia só ia dormir quatro hora da madrugada, três horas. Era uma zuada disgraçada era porrada até em muler aí pra dentro. Muler cansou de tomar torpedo49 aqui dentro desse Riachao. Homem brigava por causa de muler e cachaça também e foi uma putaria da peste.50 Vale ressaltar que os freqüentadores dos bordéis e meretrícios eram fazendeiros, autoridade, intelectuais, ou seja, pessoas da alta sociedade que o dia estava com sua família e a partir das dez horas iam saciar seus desejos e fantasias, o que cabe então uma reflexão porque recriminar as trabalhadoras do sexo já que a alta sociedade participava ativamente ou porque não dizer eram eles os responsáveis pela manutenção das casas. O que nos leva a pensar que a aparência era o elemento fundamental dessa ordem social. Quem vem elucidar isso é a ex-prostituta Cherinho: “Os homens da sociedade era quem vinham naquele tempo, mas antigamente era”: Isso prova que os freqüentadores dos bordéis e os principais colaboradores eram de classe abastada. O contexto da festa após Abdias Hoje os festejos Roqueanos apresentam grandes mudanças, após a morte de Abdias em três de Abril de mil novecentos e noventa e sete, a começar pela novena. Antes eram nove dias de festa na Igreja, hoje reduziu-se para três dias (tríduo). Não há mais leilões e sim bingos, o que fez com que a participação dos devotos na arrecadação das prendas tenha 48 Cf. Diário de Noticias.Bahia, 13 Out.1910. 49 Murro de mão fechada 50 FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Depoimento de Seu João ex cafetão.
  • 23. 24 diminuindo muito. A Lavagem não acontece todos os anos e vai dependendo progressivamente do patrocínio da Prefeitura, a participação popular também se reduziu, quer seja por parte das prostitutas quer seja da população no geral. A respeito disso Antonio Cedraz Mascarenhas aponta uma possibilidade da redução do evento em função da Igreja ter tirado a ajuda de custo para a festa, o que diminuiu o orçamento das participantes para preparar suas vestimentas e adereços. Afirma ainda que a postura de Padres levou ao fracasso das festas religiosas tradicionais em Riachão, e dá o exemplo da proibição total, por estes, da participação das prostitutas nas atividades da Igreja católica. O Padre Hélio da Rocha foi um dos que ficou totalmente contra a Lavagem de São Roque, o que explica ele ter tomado a organização da festa das mãos de Abdias, sem dar explicação alguma ao mesmo. Fato que causou grande tristeza a Abdias, afinal ele já tinha uma relação de carinho e devoção com os festejos. Porém mesmo depois da proibição a população jacuipense não aceita essa imposição do Padre e reagi. Contrata-se a bandinha para tocar e alegrar a festa, nesse ano se constata a maior arrecadação feita pela sociedade, a solidariedade marca o evento, pois, a bandinha dos Barbeiros aceitam participar da festa sem receber nem um pagamento. Para elucidar essa questão, Antonio Cedraz Mascarenhas descreve um fato ilustrativo da mentalidade conservadora desse Padre. Ele conta que nesse período, quando chegou a Pé de Serra para assistir a missa de Bom Jesus da Lapa: O padre Hélio da Rocha se aproximou de mime disse: O que veio fazer aqui? Você queria fazer lá o que eu vi aqui de manhã? Prostitutas em frente à Igreja? [...] Eu não admito o senhor padre dizer uma coisa dessa [...] O senhor está me dizendo que prostitutas não pode entrar na igreja. Me diga o senhor quem foi Santa Madalena? [...] A maior prostituta que o mundo já teve e Jesus perdoou. Será que essas mulheres não merecem ser perdoadas? Quem é o senhor pra ta julgando A, B, 51 ou, C? Olhe o passado do senhor. (Eu sabia que ele era gay) Fica claro a relação de conflito social e cultural entre os vários segmentos existente nas festas religiosas, da aceitação e rejeição, de uma questão que perpassa esse período (1930 a 1950) e encontra-se até a atualidade. Analisando os depoimentos e fontes coletadas sobre esse espaço simbólico, constatamos a presença marcante das desigualdades e preconceitos de uma sociedade dominante e hierárquica. Mas também, como afirmam os seus participantes, aquele era o espaço de alianças, alegrias e a diversão era, sobretudo, uma forma de expressão, de auto-afirmação nas brechas daquela estrutura social. 51 MASCARENHAS, Antônio Cedraz. Lavagem de São Roque. Casa do entrevistado: 2010. Riachão do Jacuípe. 07. 07. Jul.20 10. Entrevista concedida a M. N. de Lima.
  • 24. 25 Referências ANDRADE, Ivanise. Prostituição e exploração: comercialização de sexo jovem. Nov. 2003. Disponível em: <www.caminhos.ufms.br/reportagens/view.htm?a....> Acesso em 7 jun. 2010. ABREU, Martha. Carnavais e outras Festas: ensaio de Historia Sociais da Cultura. São Paulo: Unicamp, 2002. ABREU, Waldyr de. O submundo da prostituição, vadiagem e jogo do bicho: aspectos sociais, jurídicos e psicológicos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S. A, 1968 BENEVIDES, Nete. A Louvação das Prostitutas de Riachão do Jacuipe ao Glorioso São Roque. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, FUNCEB, 2006 CAULFIELD, Sueann. O nascimento do mangue: raça, nação, e o controle da prostituição no Rio de Janeiro, 1850-1942. CREMOSO Karine. P. Estudo teórico sobre a prostituição e as casas de prostituição. p.1. Disponível em:<intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1169/1119>. Acesso em: 08 jun.2010 FERREIRA, L.; BRITTO, Kall. Documentário: Rua do fogo: Memórias do baixo meretrício. In: III encontro de cinema Negro Brasil/África Américas. Rio de Janeiro, 2009. Riachão do Jacuípe. 2009. 1 CD FERREIRA, Gisele Gaspar. Prostituição e criminalidade: o cotidiano e os conflitos nos bordéis ponta grossenses nas décadas de 1930-1940. Disponível em: <htpp:/www.fazendogenero8.ufsc.br/sts.> Acesso em: 11de Jul. de 2010. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1981. FERREIRA Filho,Alberto Heráclito. Quem pariu e bateu, que balance: mundos femininos, maternidadee pobreza: Salvador, 1980-1940.CEB, 2003. MOTTA, Candido. Prostituição, polícia de costumes e lenocínio. São Paulo, 1897. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102...script...>. Acesso em: 14 Nov. de 2009 PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRODE PROTEÇÃO Á INFÂNCIA, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: MORAES, Evaristo de. "Prostituição e Infância", 1925. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102...script...>. Acesso em: 14 Nov. 2009 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: Prostituição e códigos da sexualidade em São Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. SILVANIA, Maria Batista. Conflitos e comunhão na festa da padroeira em Feira de Santana (1930- 1950). Feira de Santana: 1997. SOIHET, Raquel. Festa da Penha: resistência e interpretação cultural (1890-1920). In CUNHA,M.C.P.(org.), Carnavais e outras f ( r ) estas, Campinas: Unicamp, 2005. VERGER, Pierre. Lavagem do Bonfim: Tradições e Representações da Fé na Bahia. Disponível em: <www.naya.org.ar/.../ponencias/Luis_Americo.htm>. Acesso em: 11 de jul. 2010.