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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
 DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
           CURSO DE LETRAS VERNÁCULAS




       DEISIANE DE OLIVEIRA SILVA




       METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA:
    literatura, as narrações da história e o “pobre leitor”




             Conceição do Coité
                    2010
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    DEISIANE DE OLIVEIRA SILVA




    METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA:
literatura, as narrações da história e o “pobre leitor”




                Monografia apresentada ao Departamento de Educação,
                campus XIV, Curso de Letras Vernáculas da
                Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como
                instrumento da avaliação final da disciplina TCC para
                obtenção do grau de licenciada.

                Orientadora: Profª Mª de Fátima S. Barros das Chagas.




          Conceição do Coité
                2010
3




                                 AGRADECIMENTOS



A DEUS pelo acolhimento nas horas de alegria e tristeza, por ter guiado meu caninho, unido
minha vida a de pessoas tão deferentes e especiais, pelo privilégio de compartilhar
experiências e crescer ao lado de todos.

À MINHA FAMÍLIA pela paciência em tolerar as minhas falhas e sempre ajudar nas
dificuldades.

À Orientadora Prof.ª FÁTIMA BARROS pelo incentivo e persistência.

Especialmente     aos   Professores    EUGÊNIA     MATEUS,          HENRIQUE   VALENÇA,
JUSSIMARA LOPES E JURÉIA MARIA F. DA SILVA, pelo pronto atendimento de todas
as horas.

Aos colegas de classe pela pronta colaboração na coleta de dados.

Aos muito mais que colegas, aos amigos.
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                                    DEDICATÓRIA




Aos meus amigos:

PATRIANA CHAUÍ pela paciência e os ensinamentos nas horas de desespero;

HAROLD BRUNA pelos bons conselhos de todas as horas e ajuda nas horas de desespero;

EDLANA pela força e confiança na longa caminhada juntas e pela alegria nas horas de
desespero;

GEOMEL pelo carinho e meiguice no trato com todos e pela tranquilidade nas horas de
desespero;

TIA NENÊ pelos puxões de orelha que muito mereci e acima de tudo pela determinação nas
horas de desespero;

E como não poderia esquecer a TIO RAI pela proteção e cuidado de sempre e,
principalmente, pelas caronas nas horas de desespero.

Vivemos no limite por um bom tempo, mas nunca nos faltou espontaneidade, alegria,
demonstrações de amizade e solidariedade, amo cada um de vocês.
5




“Pensar e sentir adotando o ponto de vista de outros,
pessoas reais ou personagens literários, é o único meio
de tender à universalidade e nos permite cumprir nossa
vocação” (TODOROV, 2009, p. 82).



“E repare o leitor como a língua portuguesa é
engenhosa. Um contador de histórias é justamente o
contrário do historiador, não sendo um historiador,
afinal de contas, mais do que contador de histórias. Por
que essa diferença? Simples leitor, nada mais simples.
O historiador foi inventado por ti, homem culto, letrado
humanista, o contador de histórias foi inventado pelo
povo, que nunca leu Tito Lívio, e entende que contar o
que se passou é só fantasiar” (ASSIS, 1959, p.395).
6




                                         RESUMO


O presente trabalho analisou a relação entre ficção e história abordada pela metodologia de
análise literária denominada Metaficção Historiográfica, cujo objetivo é investigar as
características da Metaficção Historiográfica e sua interferência na concepção de História
Oficial dos estudantes do Curso de Letras Vernáculas 2006.1, Departamento de Educação,
Campus XIV-UNEB, Conceição do Coité, BA. Para isso, foi preciso realizar uma observação
participante, através de entrevista com treze estudantes. Além desse método, utilizou-se
pesquisa bibliográfica com autores como: Linda Hutcheon, Terry Eagleton, Leyla Perrone-
Moisés, Stuart Hall, Afrânio Coutinho e outros que, em suas obras retratam o pós-
modernismo, história, ficção e o leitor, além da análise de romance. Com a pesquisa
bibliográfica, nota-se que são muitos os debates sobre a relação ficção e história, porém não
foi detectada uma abordagem específica sobre o papel do leitor na formação do conceito de
história e as estratégias da Metaficção Historiográfica para unir ficção e história de maneira
crítica. Na análise de dados, verificou-se que a leitura de obras literárias com a perspectiva da
Metaficção Historiográfica levou os estudantes a perceber a verdade histórica sob outros
olhares.

Descritores: Metaficção Historiográfica. Pós-modernismo. Leitor.
7



                                         ABSTRACT

This study examined the relationship between fiction and history addressed by the
methodology of literary analysis called meta-fictional historiography, whose aims to
investigate the characteristics of meta-fictional historiography and its interference in the
design of the Official History of the students of the Course of Letras Vernáculas 2006.1,
Department of Education, Campus XIV-UNEB, Conceição do Coité, BA. For this, we need to
perform an observation, through interviews with thirteen students. Besides this method, we
used literature with authors such as Linda Hutcheon, Terry Eagleton, Leyla Perrone-Moisés,
Stuart Hall, Afrânio Coutinho and others who, in his works portray postmodernism, history,
fiction and the reader, beyond analysis of romance. With literature, it is noted that there are
many debates about the relationship drama and history, but was not detected a specific
approach on the role of the reader in forming the concept of history and strategies of meta-
fictional historiography to link fiction and history critically. In data analysis, it was found that
the reading of literary works by the prospect of Metafiction historiographical led students to
realize the truth in other historical sights.

Key words: Meta-fictional, Historiography, Postmodernism, Reader.
8



                                                        SUMÁRIO


INTRODUÇÃO..................................................................................................................10


CAPÍTULO I - FICÇÃO E HISTÓRIA: um princípio, um meio e dois fins na construção
literária................................................................................................................................12
1.1 Pós-modernismo: as contradições dos princípios e dos fins do fazer literário..............14
1.2 Estudos culturais: as possibilidades dos princípios e dos fins no olhar sobre as
 margens..............................................................................................................................20
1.3 O pós-modernismo e a problematização da história.....................................................24
1.4 Usos e abusos da criação literária: um meio de contar as histórias...............................27

CAPÍTULO II - METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA: o lugar do passado histórico e
literário................................................................................................................................31

2.1 O “romance” da Metaficção Historiográfica em “Terra Papagalli” .............................33
2.2 A forma narrativa: narrar... contar... é escolher um ou outro........................................36
2.3 A função da linguagem e as estratégias de representação: narrações do Brasil................39
2.4 A intertextualidade paródica: os usos, abusos do outro e suas verdades......................42



CAPÍTULO III - A PROBLEMÁTICA DA METODOLOGIA........................................48


3.1 A abordagem e o enfoque.............................................................................................48
3.2 O método, não os métodos............................................................................................49
3.3 A técnica: os instrumentos de coleta de dados..............................................................50
3.3 O lócus da pesquisa.......................................................................................................52

CAPÍTULO IV - E O LEITOR: produtor e/ou consumidor? Não, colaborador.................54


4.1 O leitor e a realização dos fins do fazer literário............................................................56


CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS- O que restou de nossas histórias?..................... .61

REFERÊNCAS...................................................................................................................63


ANEXO...............................................................................................................................68
9



                                       INTRODUÇÃO


       A literatura fascina e encanta muitas pessoas com seus múltiplos aspectos literários, o
poder de concretizar em palavras a beleza da arte de viver expressa pela humanidade. Com
essa perspectiva surgiu a necessidade de pesquisar sobre literatura e a área escolhida foi à
relação entre ficção e história. E mais, especificamente, o método de análise literária
Metaficção Hstiriográfica, com o pós-modernismo e suas implicações na literatura de revisão
histórico-literária, além de seus reflexos nos leitores contemporâneos.
       Tendo o objetivo geral de investigar as características da Metaficção Historiográfica e
se ela interfere na concepção de História Oficial dos estudantes do Curso de Letras
Vernáculas 2006.1, Departamento de Educação Campus XIV-UNEB. E como objerivos
específicos: conceituar as características que contribuíram para a Metaficção Historiográfica e
suas especificidades; reconhecer as marcas da Metaficção Historiográfica no romance “Terra
Papagalli” dos autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta e constatar o
posicionamento dos estudantes do curso de Letras Vernáculas acerca do Discurso Oficial,
diante da leitura de obras com características da Metaficção Historiográfica.
       A    Metaficção     Historiográfica   intriga   os   leitores   de   diferentes   maneiras,
principalmente, com esses movimentos que recontam o processo histórico dando ênfase aos
sujeitos excluídos da construção nacional e os colocando no centro das narrativas, como
personagens que têm voz e vez na participação e elaboração da nossa identidade. Por isso, a
escolha da Metaficção Historiográfica como norteadora deste trabalho não foi aleatória.
Surgiu da observação das discussões sobre literatura em sala de aula, quando percebi que os
leitores têm diferentes opiniões sobre o que é literatura, sua função, sua importância e também
as diversas reações diante de textos literários.
       Graças a essas características a hipótese primeira deste trabalho é de que tais estudos
literários pós-modernos influenciam os estudantes, levando-os a refletir sobre a fragilidade
dos conceitos da História Oficial. A Metaficção Historiográfica é uma forma de análise
literária que une em seus debates as contradições pós-modernas dos limites da arte, teoria e
política, abordadas por Linda Hutcheon (1991), observa-e a quebra de todas as formas
tradicionais, reinventa-se a estrutura textual, dissonância do enredo e, principalmente, no uso
e abuso da linguagem.
       Para isso, serão discutidos o pós-modernismo, a história, os Estudos Culturais, a ficção
e o leitor nas perspectivas de Linda Hutcheon, Zygmunt Bauman, Afrânio Coutinho, Jonathan
10



Culler, Terry Eagleton, Walter Benjamin, Jacques Le Goff, Nízia Villaça, Michel de Certeau,
Leyla Perrone-Moisés, Tzvetan Todorov entre outros com o fim de explorar ao máximo as
tórias que fundamentam os estudos literários contemporâneos.
       Para atingir os objetivos propostos a metodologia adotada foi a pesquisa qualitativa
com uma abordagem fenomenológica, incluindo pesquisa bibliográfica, análise literária,
observação e entrevista como fonte de coleta de dados, para fundamentar os objetivos dessa
pesquisa. A monografia está estruturada em quatro capítulos: o primeiro trata das teorias que
influenciaram o nascimento da Metaficção Historiográfica; o segundo é composto por uma
análise do romance “Terra Papagalli”, à luz da Metaficção Historiográfica; o terceiro
corresponde à metodologia e o último a análise de dados da entrevista.
11




                                             CAPÍTULO I


    1 FICÇÃO E HISTÓRIA: um princípio, um meio e dois fins


                                                                       É claro que somos as mesmas pessoas
                                                              Mas pare e perceba como o seu dia-a-dia mudou
                                                                       Mudaram os horários, hábitos, lugares
                                                                                Inclusive as pessoas ao redor

                                                                               São outros rostos, outras vozes
                                                                              Interagindo e modificando você
                                                                                   E aí surgem novos valores,
                                                                                   Vindos de outras vontades,

                                                                                     Alguns caindo por terra,
                                                                                  Pra outros poderem crescer
                                                                                        Caem 1, 2, 3, caem 4,
                                                                           A terra girando não se pode parar1
                                                                                    (...)



          Metamorfose seria o termo mais indicado para tratar sobre o conceito de literatura ao
longo dos tempos. Suas definições são compostas de vários significados, dependendo da
relação com a sociedade que perpassa as épocas e em cada uma delas assume um sentido
diferente sem abandonar os antigos. Ao longo do tempo, a relação da literatura com o mundo
foi afirmada e negada, teve de refletir os valores do “belo”, se separar da ciência, ser usada
como meio de transmissão de ideologias etc. Principalmente, no final do século XX e início
do século XXI, com as convergências das diferentes teorias e concepções de literatura, novas,
antigas e outras re-visitadas, afinal, “A terra girando não se pode parar”.
          Modificar, integrar, surgir, cair, crescer, a música cantada por Pitty, pode servir para
traduzir muito bem o contexto da literatura hoje, seu campo de atuação é tão extenso que não
podemos distinguir o real do imaginado, o científico do censo comum, o hoje do ontem, aliás,
estão em constante processo de mudança. “A literatura não nasce no vazio, mas no centro de
um conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles numerosas características; não é
por acaso que, ao longo da história, suas fronteiras foram inconstantes”, como afirma Todorov
(2009, p. 22).


1
    Anacrônico. Composição de Pitty e Graco. Ano de Lançamento: 2005, Gravadora: Deck Disc.
12



            O conceito de literatura, sua relação com o mundo, com as ciências sofreu e sofre
mudanças, exemplo disso é sua atual relação com a história. Antes, com o humanismo (século
XVI), tínhamos a junção de todos os discursos: história, literatura, ciências etc. Entre os
séculos XVII e XVIII, essa união se esvai, como água por entre os dedos, separa-se a ciência
da humanidade e consequentemente da literatura.
           Como nos lembra Souza (2006, p.16): “Mas a oposição humanidades/ciências é
apenas um primeiro esboço ainda muito geral de especialização dos campos discursivos ou da
atividade cultural, que será objeto de novos arranjos até que se delineie a oposição
ciência/literatura”. O primeiro esboço se intensificou e a literatura passou a indicar ficção,
logo fantasia, e história, a ciência de narrar os fatos “importantes” da humanidade.
           Mas “e ai surgem novos valores, vindos de outras vontades”, atualmente as linhas
divisórias entre literatura e história, com o desenrolar do pós-modernismo, se tornaram muito
frágeis e foram contadas as versões verossímeis na literatura. Verdades omitidas pela História
Oficial, linhas que narram apenas os fatos, foram reveladas na escrita ficcional. Devido à
expansão do interesse por estudos sobre esse tema, fica evidente a fragilidade do poder
argumentativo da história e a evolução dos artifícios adotados pela literatura pós-modernista
para tornar cada vez mais convincente e intrigante as histórias ficcionais.
           Essa é uma das vertentes dos estudos literários e aqui será o foco desse estudo. O jogo
entre ficção e história é muito antigo e até hoje não existe um vencedor. Os escritores têm
consciência das potencialidades da literatura, das possibilidades de seu poder discursivo e usa
seus mecanismos estruturais e estéticos: os simulacros, a paródia, a pastiche, a autobiografia,
a fantasia, a verossimilhança para criar novas narrativas que se aproximam e criticam o fazer
histórico. Essa brincadeira leva não só a refletir sobre os temas tipicamente literários, mas
também, a duvidar das condições de escrita da própria História Oficial.
           As críticas tanto sobre o posicionamento autoritário e unilateral da história quanto
sobre a literatura, por se aproximar da narração oficial da história de forma tão inovadora, tem
contado com a participação assídua do leitor para construir e destruir as oposições, os debates,
os estudos e, principalmente, as leituras da história e da literatura. As convergências entre
ficção e história são acentuadas graças quase que por completo ao contexto sócio/histórico
pós-moderno que mistura as “histórias possíveis” com as “narrativas dos acontecimentos”2.
            O discernimento necessário para não ultrapassar essa linha tênue – ficção e história −
está em saber que ficção é um emaranhado de realidades possíveis. Porém o pós-modernismo


2
    Termo usado por Peter Burk (1992), para caracterizar História tradicional que vai de encontro à Nova História.
13



deixa essa decisão a cargo de cada leitor, já que este tem o papel fundamental na construção
do sentido do texto, pois as obras de arte sejam elas arquitetura, pintura, escrita, dança,
escultura entre outras, só ganham sentido no contato com o exterior (expectador/leitor), e suas
incursões pelos contextos sócio-históricos.

                        [...] Essa coerência – imaginada, fictícia – depende, claro, parcialmente, dos
                        próprios dados, mas também da plausibilidade de sua significação possível,
                        imaginada pelo escritor/historiador de tal maneira que o leitor possa
                        reconstruí-la. Sendo assim, a construção de “mundos reais”, de realidades
                        possíveis, a sua plausibilidade, dependem, também, do contexto histórico
                        real no qual eles são produzidos e reproduzidos pelos leitores. (LEMAIRE,
                        2008, p.10-11, grifos do autor).


       Nesse capítulo pretendo discutir as características contraditórias do fazer literário pós-
modernista, e para isso abordarei primeiro a problemática que envolve a literatura e as marcas
do pós-modernismo com sua carga crítica, seu relacionamento com a história, suas influências
culturais e, principalmente, as abordagens teóricas da Metaficção Historiográfica e seu
relacionamento com o leitor. Tendo em vista que a literatura pós-modernista tem o mesmo
princípio de criação da História Oficial, as histórias passadas da humanidade, um mesmo
método de criação, o discurso narrativo; fins diferentes, pois as duas, tanto a literatura quanto
a História tem objetivos divergentes: a primeira se firma como ficção e a segunda como
verdade.


1.1 Pós-modernismo: as contradições, princípios e fins do fazer literário.



                        [...] Na verdade, não há apenas um pós-modernismo, mas vários, e cada uma
                        dessas construções foi cunhada num contexto distinto para servir a fins
                        diferentes [...] (COUTINHO, 2004, p. 236).


       Toda a proposta de definição está sujeita a contestações, e em se tratando da
problemática do pós-modernismo esse perigo é muito maior, pois esta é muito mais que uma
palavra usada de várias maneiras e por vários seguimentos teóricos. A reflexão de Coutinho
(2004) é a proposta acertada para abrir a discussão do paradoxo contemporâneo.
       Entre os vários pós-modernismos, um é apontado por alguns autores como movimento
literário que nomeia as mudanças ocorridas a partir da década de 60 do século XX, mudanças
tão complexas e com tantos defensores quanto opositores. Em decorrência disso, como afirma
Coutinho (2004), existem vários pós-modernismos, dai a dificuldade em definir esse termo,
14



tendo de aceitar suas indefinição. Não é permitido nomear de forma simples e objetiva suas
indefinições, por ele ser plural, recente e ainda não ter um o afastamento temporal suficiente
para caracterizá-lo (discernimento que só o tempo é capaz de proporcionar).
       Devido as suas especificidades não poderá ser reduzido a um punhado de traços
distintivos e restritos. Refletindo a pluralidade e os paradoxos, não existe uma forma
consensual de referí-lo, porém, existe um termo que parece ser unânime entre os teóricos
atuais, tanto os defensores, quanto àqueles que condenam desde Hutcheon (1991) a Eagleton
(2005); de Nizia Villaça (1996) a Perrone-Moisés (1998); de Bauman (1998) a Coutinho
(2004). Essa parece ser mais que uma palavra, é um termo que abarca de forma muito
genérica as posições teóricas usadas pelos estudiosos citados, mas é o primeiro passo para
entender o pós-modernismo, esse termo é: contradição.
       Em face do emaranhado de definições contraditórias apontadas pelos autores antes
mencionados, faz-se necessário um esclarecimento deste trabalho acerca dos termos pós-
moderno, pós-modernismo e pós-modernidade – lembrando que não existe consenso entre os
teóricos. A preferência pelas definições que seguem parece ser as mais acertadas para o bom
andamento deste trabalho. Como se fez entender Perrone-Moisés (1998 p. 181), pós-moderno
é “considerado como um feixe de posturas filosóficas e traços estilísticos”, esses traços
aparecem em diferentes autores e em períodos também diferentes. Seriam:




                          [...] heterogeneidade, diferença, fragmentação, indeterminação, relativismo,
                          desconfiança dos discursos universais, dos metarrelatos totalizantes
                          (identificados como ‘totalitários’), abandono das utopias artísticas e políticas
                          [...] (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 183, grifos do autor).



       Como também explica Rogério Forasteeri da Silva 2001, o pós-moderno é um tempo,
uma era de incredulidade, em relação às metanarrativas totalitárias como o cristianismo,
marxismo, o iluminismo, pressupostos que tentam unificar todos os campos do conhecimento
em torno de uma doutrina única. O pós-moderno aborda a individualidade e o local, tentando
desvendar as estruturas de poder que existem no comando das metanarrativas, os jogos
ideológicos e de poder.
       O pós-modernismo é o movimento que surge depois das vanguardas artísticas do
início do século XX, um conjunto de ideias. Também a pós-modernidade nasce em
conseqüência do rompimento das múltiplas teorias sociais, históricas e filosóficas fixas do
15



século XIX, um período histórico. Sendo assim, fenômenos que abordam tanto os
mecanismos sociais quanto artísticos, estudar o pós-modernismo implica diretamente escrever
sobre as ebulições sócio-históricas da época expressa pela arte contemporânea3.
       A arte pós-moderna é extremamente inovadora, no sentido de abordar temas
experimentais, e sua principal característica é o poder autoquestionador, com uma carga de
criticidade, muito além das formas apresentadas pelos movimentos artísticos precedentes.
Essa marca delineia os princípios da construção literária com objetivo de situar o pós-
modernismo como cicatriz da escrita das décadas pós 60.
       Na tentativa de uma linha divisória entre o modernismo e o pós-modernismo, os
teóricos, tentam traçar características opositoras, o que os diferencia e o que marca a ruptura
entre um e outro. Mas o primeiro presenciou as rupturas, as quebras de paradigmas que
aprisionavam o homem e a sociedade positivista, o segundo viu essas características se
ampliando, evoluindo e principalmente sendo reelaboradas, logo não existiria o pós-
modernismo sem o modernismo.




                           O modernismo alimentou o pós-modernismo [...] o pós-modernismo se
                           desenvolveu nitidamente a partir de outras estratégias modernistas: sua
                           experimentação, auto-reflexiva, suas ambiguidades irônicas e suas
                           contestações à representação realista clássica (HUTCHEON, 1991, p. 67).



     Uma das contradições do pós-modernismo é a comunhão de traços que caracterizam os
movimentos modernista e pós, com o acréscimo dos efeitos das mudanças sociais do século
XX. Stuat Hall (2006) analisa essas mudanças político-sociais como grandes descentramentos
que fizeram surgir o sujeito moderno e aqui podem ser usados para caracterizar o contexto
pós-moderno.
        A reinterpretação do marxismo, a descoberta do inconsciente, por Freud, a linguagem
(um conjunto de sistemas que ganha sentido nas relações culturais), por Ferdinand Saussure, o
regime de poder moldando o sujeito conforme denunciou Michel Foucaut, e por último,
porém não menos importante, os impactos dos movimentos em defesa do: feminismo,
homossexualismo na sociedade, mudanças sócio-ideológicas do início do século XX que
antecederam e influenciaram as teorias pós-modernistas que, segundo Terry Eagleton (2005,
p. 84) são principalmente:
3
  A palavra “contemporânea” será usada como sinônimo de pós-modernista, não existe consenso entre os
teóricos citados em relação ao fim ou não desse movimento.
16



                         A hermenêutica, como arte de decifrar, ensinou-nos a suspeitar do que é
                         flagrante auto-evidente. O estruturalismo nos ofereceu um itálico sobre os
                         códigos e convenções ocultas [...]. A fenomenologia entregou alta teoria e
                         experiência cotidiana. A teoria de recepção examinou o papel do leitor na
                         literatura [...].


       Teorias que se completam – as do início do século XX e as da segunda metade do
mesmo século, são responsáveis pela mudança no comportamento social de toda uma época e
que, consequentemente, transformou a escrita literária desta época. Conforme os diferentes
posicionamentos sobre o pós-modernismo, irei apresentar as concepções de vários autores
sobre o mesmo objeto (arte e teoria) e como esses apontamentos desenham os princípios e os
fins da literatura nesse contexto.
       Terry Eagleton é um dos críticos opositores do pós-modernismo, mas não é capaz de
negá-lo e afirma que: “Esse é o reino pós-trágico do pós-modernismo. Ele é muito jovem para
se lembrar de uma época na qual existiam [...] verdade, identidade e realidade [...]” (2005, p.
89). Para ele o pós-modernismo prega um mundo livre dos paradoxos, sem diferenças, sem
afirmações unânimes, uma manifestação da liberdade, em toda sua plenitude, ao lado da
ascensão da cultura popular, sendo o preço dessa liberdade e dessa pluralidade a
transformação de todos em mercadorias. Tudo e todos são compráveis. “[...] o pós-
modernismo que aqui marcou a quebra, à medida que tanto teoria quanto arte tornaram-se
patentemente não-elitistas e consumistas”. A nova ordem social “[...] era conhecida como o
shopping center”. (2005, p.103, grifos do autor) .
      Perrone-Moisés (1998) também critica o posicionamento dos pós-modernistas, não
como aponta Eagleton, mas negando a existência desses pressupostos e afirmando que: “Os
traços apontados como pós-modernos são, assim, ora modernos, ora mais antigos”
(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 184). Defende que os argumentos dos defensores do pós-
modernismo não são convincentes devido à constatação de que muitos dos escritores tidos
como pós-modernos o são apenas devido a posicionamentos ideológicos, distintos dos
vigentes em sua época.
       Já Linda Hutcheon (1991) defende o pós-modernismo como um movimento
riquíssimo em seus posicionamentos teóricos, democrático por ser extremamente livre para
discutir todos os temas possíveis e despir-se de todas as amarras formais e tradicionais,
descentralizando os discursos dominantes, além de afirmar que:
17



                         [...] Não seria difícil imaginar que o pós-modernismo contesta e que
                         tentativas de mudança ele oferece: a democratização cultural das distinções
                         entre arte elevada e inferior, e um novo didatismo; um questionamento
                         político potencialmente radical, contextualizando teorias sobre a
                         complexidade discursiva da arte; e uma contestação de todas as visões
                         anistóricas e totalizantes (HUTCHEON, 1991, p. 76).



        A escritora identifica esses traços em todas as formas artísticas, analisando suas
características discursivas. Porém foca seus estudos, principalmente, no romance que ela julga
ser a forma literária que melhor une as características pós-modernas.
        Outra escritora que comunga da opinião acima citada, em defesa do pós-modernismo,
é Nízia Villaça (1996, p.27), principalmente, no que diz respeito à fragmentação e à
descentralização da criação, acrescentando o alto nível de “subjetividades” desse recente
posicionamento sobre a arte contemporânea: “A questão dos sujeitos é esclarecedora, pois é
no surgimento da pluralidade, das subjetividades, que se pode compreender as décadas
posmodernas” 4, a multiplicação dos sujeitos em suas formas mais fragmentadas, presentes
nos romances e sua adequação aos diferentes contextos.
        Os posicionamentos sobre o pós-modernismo aqui apresentados são apenas um
pequeno esboço do emaranhado de contradições que vigora na elaboração da arte,
resumidamente definidos como: quebra de paradigmas, contestação das verdades universais,
pluralidade, contradição, democratização das artes, fragmentação, descentralização, ascensão
das subjetividades, intimismo, foco no leitor. Com base nos autores citados, no geral de seus
posicionamentos, esse é o rascunho do desenho a ser delineado pela arte e escrita desse
momento da história da humanidade.
        Dos muitos posicionamentos abordados nas poucas linhas desse trabalho o que me
parece mais coerente é o de Linda Hutcheon (1991, p. 61). Para ela: “O moderno está
embutido no pós-moderno, mas o relacionamento complexo entre eles é de consequência,
diferença e dependência [...]”. Não se pode negar sua existência, já que se fala, teoriza-se,
contextualiza-se o pós-modernismo e não se pode ser radical, o ideal é estudar as marcas de
sua contradição sem esquecer da própria provisoriedade de nosso tempo.
        A arte pós-modernista compara-se à função primordial da filosofia que é de fazer
perguntas e refutar as respostas, já que as perguntas filosóficas são impossíveis de serem
respondidas humana e universalmente. Assim, o mais importante não são as respostas, e sim


4
  Segundo a autora Nizia Villaça (1996), o uso do termo posmoderno sem hífen visa a acentuar a paradoxo
contido na terminologia escolhida para denominar inúmeros campos do saber contemporâneo.
18



as perguntas e as reflexões que brotam da criação (arte). Na contemporaneidade é difícil
separar arte e teoria, aliás, esse parece ser apenas mais um dos paradoxos do pós-modernismo,
elas estão ligadas por posicionamentos ideológicos e por semelhanças estéticas devido ao alto
teor de liberdade artística.
         A literatura faz suas próprias escolhas e tem que assumir os riscos de sua ousadia, ela
ousa caminhar por diferentes campos do saber para atrair e inquietar o leitor, mas por ser uma
via de mão única com dois sentidos e seu ponto alto está no encontro entre a obra, que vem do
lado esquerdo e o espectador do lado direito. Um depende mutuamente do outro, sem esse
contrato não existiria a arte, nem espectador e sem espectador não existe arte.
         Isso fica evidente em todas as formas de arte, mas tratarei em especial da escrita
literária, que na opinião de Eagleton (2005), traz consigo toda uma aba de especificidades e de
escritores que revolucionaram o pensamento ocidental. Especialmente, o poder destrutivo da
linguagem, ao defender que todas nossas pré-supostas certezas eram discursos construídos
pela linguagem, que podem ser facilmente manipulados para se adequar às necessidades das
sociedades, com o intuito de manter as posições das hierarquias e moldar o pensamento
humano.
         Ao perceber essa trama, explodem os movimentos que reivindicam a atenção para
aqueles sujeitos que foram durante séculos manipulados e excluídos da escrita e da sociedade
como se não existissem ou existissem apenas para servir. O pós-modernismo literário abarca
essa nova concepção de descentralizar as grandes narrativas, por ser um movimento em que
todos os segmentos humanos: político, histórico, social, artes, cultura e religião, ora são
apontados como a intensificação do modernismo, ora como completamente distintos.
         Refletir sobre a escrita pós-moderna é pensar em arte como a possibilidade de várias
realidades alternativas que se imbricam e todas são tanto possíveis quanto à realidade. Uma
das muitas características da pós-modernidade é o “autoquestionamento” que também foi
transposto para a arte, a qual surge no ambiente contemporâneo com o objetivo de questionar
todos os parâmetros positivistas, as narrativas de fundação, as questões ideológicas e de
poder.
      Segundo Barthes (2004, p.05), “[...] já não se vê a literatura como um modo de
circulação social privilegiado, mas como uma linguagem consistente, profunda cheia de
segredos, dado ao mesmo tempo como sonho e como ameaça [...]”. Falar da escrita
contemporânea envolve não apenas relatar os apontamentos do pós-modernismo enquanto
movimento literário, mas e, principalmente, relatar as influências culturais que perpassam
toda a literatura. Estudo que será feito de forma mais profunda na próxima seção deste
19



trabalho, ao abordar principalmente a influência dos Estudos Culturais na literatura, que é o
resultado das descentralizações e das novas abordagens temáticas sobre a cultura e seu papel
na sociedade.

1.2 Estudos culturais: as possibilidades dos princípios e dos fins no olhar sobre as
margens


        O posicionamento dos Estudos Culturais5 lembra o mito Iorubá contado por Eliana
Lourenço de Lima Reis (1999), quando ela analisa a obra literária de Wole Soyinca:




                          Dizem os mitos iorubas que, a principio, os deuses viviam na Terra com os
                          homens, porém uma falta humana fez com que voltassem a seu mundo. O
                          longo isolamento entre deuses e homens deu origem a uma barreira
                          intransponível entre eles, uma espécie de intricada floresta feita de matéria e
                          não-matéria. Angustiados com a sensação de incompletude devido à
                          separação, os deuses sentiram a necessidade de se ligarem novamente aos
                          homens. O único que conseguiu a fachada de destruir a barreira entre os
                          mundos foi Ogum, que, usando o primeiro instrumento feito de ferro, abriu
                          caminho para si e para os outros deuses, restabelecendo o contato entre
                          deuses e homens. Devido a uma falta trágica, contada em outro mito, Ogum
                          é obrigado a repetir essa viagem anualmente em favor dos homens,
                          mantendo sempre aberto um canal de comunicação entre os mundos (REIS,
                          1999, p. 85-6).



        A simbologia desse mito encontra-se na sua relação de circularidade como escreve
Reis (1999), a noção de tempo cíclico, Todo ano “Ogum” faz o mesmo percurso e a imagem
que representa essa ideia é o emblema da “serpente que morde a própria cauda”. A eterna
descrição de criação e destruição, o ciclo termina e logo outro começa. Por essa noção estar
ligada à fatalidade do circulo vicioso, segundo Reis (1999), Soyinka escolhe a “Faixa de
Möbius” para uma interpretação pessoal do mito de “Ogum”.


                          [...] sinal grego de infinito (∞), a Faixa de Möbius indicam uma sequência
                          sem principio nem fim [...], por tanto sem um centro fixo, constituindo uma
                          perfeita imagem de descentramento e das relações não-hierarquizadas. Sendo
                          uma imagem da unidade na diferença [...] (REIS, 1999, p.86).




5
  Segundo Hall (2003, p. 188), “Os estudos culturais abarcam discursos múltiplos como numerosas histórias
distintas. Compreendem um conjunto de formações, com as diferentes conjunturas e momentos do passado”.
20



       Por ser essa faixa um símbolo que representa a ideia de não existência de centro se
assemelha aos Estudos Culturais, rompendo com as dicotomias: branco/preto, bem/mal,
centro/periferia, verdade/ficção. Como foi mostrado, o pós-modernismo estruturou-se ao lado
da escrita literária e as características outrora apontadas, apresentam-se, principalmente, em
relação à interface ficção e história, pois essas abarcam de forma significativa suas marcas.
        O fazer literário pós-moderno apresenta as mesmas características do movimento em
si, além de seu poder “auto-questionador”, desconstrói as narrativas de fundação, abordando
as realidades possíveis graças a seus mecanismos artísticos. A desconstrução das narrativas
perpassa pela exposição dos novos valores. Primordialmente rompe os limites entre ficção e
História, elabora novas realidades, busca o passado para parodiá-lo, substituindo as
construções linguísticas tradicionais, rompendo os paradigmas humanistas, etc.
       Os novos debates teóricos sobre o conceito de cultura são muito divergentes, Hall
(2003) fala de duas concepções de cultura de forma muito simples: “para chegar às
indefinições”. Esse pensador vê a cultura como um conjunto de especificidades que
caracterizam um povo, as práticas sociais, o modo de vida. E vê também a cultura como
domínio de ideias, narrações, histórias pelas quais um povo atribui sentido e refletem sobre as
necessidades, as experiências em comunidade. Assim, define a cultura para os Estudos
Culturais:

                        “[...] o esboço de uma linha significativa de pensamento dos Estudos
                        Culturais: dir-se-ia, o paradigma dominante. Ele se opõe ao papel residual de
                        mero reflexo atribuído ao ‘cultural’. Em suas várias formas, ele conceitua a
                        cultura como algo que se entrelaça a todas as praticas sociais: como práxis
                        sensual humana, como atividade da qual homens e mulheres fazem a
                        história” (HALL, 2003, p. 133, grifos do autor).



       O contexto de desconfiança prepara o surgimento dos Estudos Culturais, nascido no
momento de ruptura entre velhos e novos paradigmas, em que entra em questão a dialética
entre poder e conhecimento, disposto a analisar a produção e apropriação da cultura de massa
e suas estruturas discursivas. Segundo Culler (1999), há duas matrizes básicas: o
estruturalismo francês, que trata a cultura como um conjunto de práticas sociais possíveis de
serem descritas; e a teoria literária, de origem marxista, que analisa a cultura como uma forma
ideológica opressora. Apesar de ter nascido da análise literária, a aplicação de teorias
socioculturais a formas literárias e seus discursos, hoje os Estudos Culturais é um campo de
21



atuação que engloba e amplia o discurso literário, perpassando para os mecanismos de
produção cultural.

                            [...] o projeto dos estudos culturais é compreender o funcionamento da
                            cultura, particularmente no mundo moderno: como as produções culturais
                            operam e como as identidades culturais são construídas e organizadas, para
                            indivíduos e grupos, num mundo de comunidades diversas e misturadas, de
                            poder do Estado, indústria da mídia e corporações multinacionais. Em
                            princípio, então, os estudos culturais incluem e abrangem os estudos
                            literários, examinando a literatura como prática cultural específica
                            (CULLER, 1999, p.49).




        Nessa perspectiva de estudar a cultura em seus múltiplos aspectos como forma de
expressão e de opressão, os Estudos Culturais tangenciam os Estudos Literários. Preocupam-
se tanto com o estabelecimento dos cânones, quanto aos possíveis ângulos de interpretação
desde histórico, psicológico, sociológico, questões de raça, gênero, posições de centro e
margem6. As múltiplas formas de análise literária expressam a contraditoriedade dos estudos
literários tradicionais, observando e estudando as diferenças, como nasceram e porque se
mantêm as oposições que excluem ora um ora outro da colcha de retalhos que forma a
sociedade.
        Aos Estudos Culturais justamente aliam-se “quer por vocação interdisciplinar quer por
interesse em agentes marginalizados ou tipos subalternos” (SOUZA, 2006, p. 145). Por
estudar os grupos minoritários, sua produção cultural7 e as forças ideológicas que as
constroem e controlam, incluindo as produções escritas (literárias), os Estudos Culturais
entram em oposição com a literatura canônica e a forma de estabelecimento dos cânones.
Outro apontamento é o debate entre ficção e História, ao discutir o lugar dos discursos não
oficiais e o papel da literatura como disseminadora de ideologias.
        A literatura é uma forma de expressão que tanto cria, quanto destrói valores sociais,
segundo essa opinião, e por trazer essa qualidade, ela é tão amada e odiada. Assim, a
preocupação com os efeitos (reações) do texto artístico, a ideia de produção artística supõem
um circuito entre o autor e o receptor, isto é, a obra artística só se realiza pelo efeito que ela
causa no receptor.


6
  Essas noções são basicamente definidas por Hutcheon (1991, p. 85): “[...] repensar as margens e as fronteiras e
nitidamente um afastamento em relação a centralização juntamente com seus conceitos associados a de origem e
unidade[...]eterna e universal”. E as margens “[...] local, regional e não totalizante [...]”.
7
  Nesse contexto Hall (2003, p. 128) define cultura como: “[...] todas as práticas sócias e constitui a soma do
inter-relacionamento das mesmas”.
22



       Entendendo essas oposições, principalmente, da relação entre História e ficção, e
como a literatura se comporta diante das evidências de subjetividade da ciência histórica. A
arte é usada para expor os contrastes e quebrá-los, preocupação que existe desde a
antiguidade. Souza (2006) fala da posição de Plantão e sua preocupação com a reação do
espectador, leitor e ouvinte de textos literários. Ele não se preocupa apenas com o artista, mas
com a qualidade da produção, com seu efeito, achava que a poesia poderia fazer danos,
despertar sentimentos prejudiciais não só aos cidadãos, mas também ao estado.Tudo isso por
considerar o poeta um mentiroso, a arte um engano, a poesia uma mimese que levaria o
espectador (leitor) a um “desencaminhamento moral”. Preocupação esta que foi descartada
pela crítica literária tradicional ao afirmar que a obra de arte não tem função social, como cita
Culler (1999, p.118) ao abordar a posição dos críticos:


                        [...] os críticos deveriam se preocupar com a literariedade da literatura: as
                        estratégias verbais que a torna literária, a colocação em primeiro plano da
                        própria linguagem, e o estranhamento da experiência que elas conseguem
                        [...] ‘ o mecanismo é o único herói da literatura’(grifo do autor).



       Essa é a principal oposição entre os Estudos Culturais e os estudos da literatura
tradicional. Sobre essa oposição Culler (1999), no mesmo livro ao expor sua opinião sobre
esse embate, diz que os estudos literários têm que aproveitar cada uma das boas qualidades
das duas posições, pois não se pode abandonar as tradições nem tão pouco recusar as
abordagens dos Estudos Culturais, as histórias das margens.


   1.3 O pós-modernismo e a problematização da história

      Parafraseando Gaarder (1995), o homem só é verdadeiro quando se expressa através da
literatura, pois, despe-se de todo e qualquer preconceito, normas sociais e imposições
culturais, ele é livre para ser ele mesmo, camuflado pela linguagem e pela leve teia da ficção.
Fora do mundo literário o ser humano é hipócrita e dissimulado, está sempre mentindo sobre
seus desejos e vontades, por ter de ser “educado” e seguir padrões sociais culturalmente
impostos, se pretende ser aceito na sociedade.
       O pós-modernismo ensina que não existe verdade e sim “verdades”, seja elas na
literatura ou na história, os Estudos Culturais afirmam que a verdade depende de quem conta
e seu significado depende do contexto cultural. A História, assim como a literatura tradicional
chamam de minimista e ressentida as abordagens desse novo foco teórico e literário, porém,
23



como afirma Reis (1998 p. 246): “[...] se a história nos ajuda a ler a ficção, a ficção também
nos ajuda a pensar a história [...]”.
       Não existe a necessidade de oposição e reducionismo entre ambas as partes, é
importante atentar para o fato de atualmente todas as abordagens se complementarem: os
Estudos Culturais, os discursos pós-modernistas, ambos não querem reverter os valores,
transformar as margens em centro, como afirma Hutcheon (1991). O pós-modernismo quer
apenas expor suas diferenças e discutir seus mecanismos de construção literária, pois: “[...] A
ficção não quer ser história, mas desconfia que o eu social do homem que a produz passa,
direta e indiretamente ao eu do narrador (o que está dentro da obra) toda uma experiência de
vida e de linguagem”. (TELES 1996, p.376, grifos do autor). O narrador na ficção e na
história é carregado de preconceito e isso se reflete em sua escrita.
       Sinônimo de liberdade a ficção (literatura) propõe o rompimento de padrões sociais
culturalmente impostos pelas ideologias dominantes, usando a narrativa como ferramenta de
ação. A ficção não é apenas uma forma de descontração e de liberdade de expressão é também
palco de jogos ideológicos, por isso a discussão sobre o papel da ficção na atualidade é tão
importante.
       Bauman (1998) explora o lugar da ficção no mundo pós-moderno cheio de incertezas e
de descrença nas ciências, perpassando pelo conceito moderno, ele concebe a ficção como
uma forma de crítica e de fuga da instabilidade das noções de verdade do mundo
contemporâneo. A arte é o lugar das certezas que o mundo real não pode mais afirmar:


                         No mundo moderno, a ficção dos romances desnudava a absurda
                         contingência oculta sob a aparência realidade ordenada. No mundo pós-
                         moderno, ela enfileira unidas cadeias coesas e coerentes, “sensatas”, a partir
                         do informe acúmulo de acontecimentos dispersos. Os status da ficção e do
                         “mundo real” foram, no universo pós-moderno, invertidos. Quanto mais o
                         “mundo real” adquire os atributos relegados pela modernidade ao âmbito da
                         arte, mais a ficção artística se converte no refúgio – ou será, antes, na
                         fábrica? – da verdade (BAUMAN, 1998, p.157, grifos do autor).


       As noções de “verdade e ficção” hoje são concebidas como as formas pelas quais
conhecemos o mundo e a História, pois a preocupação não é mais em validar a verdade ou a
mentira e sim em fazer coexistir os diferentes posicionamentos entre os povos e as diferentes
culturas. Consequentemente as verdades foram levadas para o campo da História e hoje ela
não é mais um campo coeso, e sim composto de multiplicidade de posicionamentos.
       Santos (2000), fala de duas primordiais noções da palavra história, a primeira seria
uma continuidade de tempo ao qual estamos sujeitos, o “fluxo dos acontecimentos” e a
24



segunda a escrita dessa história dos acontecimentos, “o relato” ou historiografia. Dessas duas
tradicionais concepções de história ele oferece uma terceira contemporânea, afirmando que a
distinção entre uma e outra não existe mais, devido às mudanças socioculturais. Já que, para a
primeira acontecer é necessário experiência, vivencia e a segunda é o ato de escrever essa
experiência.
       Continuando, Santos afirma que a perda da distinção entre as duas é um fenômeno
social, pois perdemos a capacidade de viver, experimentar, devido à expansão do
individualismo, do isolamento nos grandes centros, as cidades. O movimento de prisão é
semelhante ao que Bauman (1998), chama de mal-estar pós-moderno, o sacrifício de
liberdade em prol da segurança, que levou a uma busca de prazer individual: “[...] Os
esplendores da liberdade estão em seu ponto mais brilhante quando a liberdade é sacrificada
no altar da segurança” (BAUMAN, 1998, p. 10).
       O sacrifício da liberdade na sociedade contemporânea é uma forma de manter-se em
segurança, sem liberdade é necessário buscar formas de prazer com cautela então se tem o
afastamento do convívio em sociedade, o que Santos (2000), chama de “encarceramento” esse
movimento leva a o homem a perceber o mundo através de relatos, observamos a união da
experiência com o relato, porém os relatos são construções discursivas e não importa o quanto
tentemos ser imparciais é impossível uma total correspondência ao fato ocorrido, a
experiência, ao verificável, mesmo assim, passamos a conhecer o mundo pelos relatos
ficcionalizados graças à falta de experiência. Resultado disso é a concepção contemporânea
de história que une ficção e relato (historiografia):




                         [...] os relatos históricos são ficcionais – pensando que a condição da
                         ficcionalidade é suspender a relação de exclusão entre verdade e falsidade,
                         entre acerto e erro, certeza e dúvida. Isso ocorre porque a história tem por
                         objetivo documentos-monumentos: todo documento é verdadeiro – incluindo
                         os deliberadamente falsos – e falso, é, simultaneamente, referencia e
                         construção. O material da história são experiências-relatos, corpos-imagens,
                         realidade-virtualidade, vigílias-sonhos (SANTOS, 2000, p. 51).



       Novas formas de conceber o conceito de história aparecem no cenário social
contemporâneo por diferentes motivos, pode ser que o apontado por Santos (2000) não seja o
mais convincente, mas é uma opção no mínimo intrigante. O pós-modernismo traz a
incredulidade nas narrativas totalitárias e as reflete.
25



         Peter Burk (1992) fala de dois conceitos de história um tradicional e outro
contemporâneo: o primeiro que ele chama de história tradicional é voltado para a política,
para narrativa de acontecimentos, a visão do centro, baseia-se em documentos oficiais e é
objetiva, já o conceito contemporâneo, a nova historia, é voltada para o relativismo cultural,
analisa as estruturas de produção da narrativa, visão das minorias, baseia-se em evidências
visuais, orais etc., refletindo as convenções (subjetividade). Essa nova concepção pode ser
chamada de “História Global”, trazendo para o centro dos debates a versão marginal da
História Oficial e a concepção de que não existe verdade histórica e sim a versão de quem
conta.


                          [...] A compreensão brota da diferença: é preciso, para tanto, que se cruzem
                          múltiplos pontos de vista que revelam do objeto - considerado, dessa vez, a
                          parte de suas margens ou do exterior - múltiplas faces diferentes,
                          reciprocamente ocultas. (SCHMITT, 2005, p.352).



         Segundo Peter Burke (1992, p.10), “A filosofia da nova história é a ideia de que a
realidade é social ou culturalmente construída”. Desse posicionamento e o de Schmitt (2005),
percebemos que ficção e História perderam suas linhas divisórias, os historiadores deveriam
respeitar as posições dos ficcionistas que usam e abusam das Histórias e os escritores de
ficção a dos historiadores que também usam romances históricos como fonte de pesquisa
como afirma Souza (2006).
          A História deixou de ser uma verdade absoluta com os posicionamentos da nova
história, questionando as afirmações imparciais dos relatos dos acontecimentos. Essa
percepção forçou os historiadores a buscar outras formas de narrar, pois, “[...] Em outras
palavras a narrativa não é mais inocente na historiografia do que na ficção [...]” (BURKE,
1992, p. 330). Passaram a usar mecanismos de criação literária para construir personagens
históricos, principalmente, quando os documentos oficiais têm dados insatisfatórios.
         O romance pós-moderno apresenta as características principais da época estudada,
normalmente a narrativa acontece como uma releitura de obras e temas passados recorrendo à
memória ou não. Esse jogo tem o intuito de usar o passado para quebrar as verdades absolutas
e afirmar que a história, assim como a ficção, é uma construção discursiva, além da
fragilidade do sujeito.     A quebra é feita ao dar voz e vez aos excluídos da construção
histórica: homossexuais, mulheres, negros, índios etc, ou seja os marginais das relações
étnicas, gênero e raça.
26



      1.5 Usos e abusos da criação literária: um meio de contar as histórias



                             “Uma coisa é o fato acontecido. Outra coisa é o fato escrito. O acontecido
                             deve ser melhorado no escrito – de forma melhor – para que o povo creia no
                             acontecido”.8


           O contexto pós-modernista e suas contraditórias relações com a ficção e a história,
perpassando pelos Estudos Culturais e pela Nova História, influenciando a escrita literária
contemporânea de forma inovadora e livre de amarras formais e estéticas, uma literatura de
autoconsciência, que não quer resolver os paradoxos pós-modernos, ao contrário, quer
problematizá-los, e levá-los aos diferentes campos do conhecimento, arte, teoria, política. Seu
propósito é fazer conhecer os diferentes posicionamentos sobre temas imutáveis, o ponto de
defesa de cada grupo, etnia, raça, cor, sexualidade, nacionalidade etc.
           A arte pós-moderna subverte os signos e constroem o sentido ao lado do espectador,
para ela não existirem regras, a regra é não ter regra alguma, pode construir simulações tão
reais quanto à própria fantasia da realidade, tão fantásticas quanto à realidade mais crua.
Segundo Bauman (1998, p. 133) “[...] arte pós-moderna é um esforço histórico de dar voz ao
inefável”.
           Linda Hutcheon (1991) defende a existência do pós-modernismo e aponta suas marcas
em seu livro “Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção”, analisando a arquitetura,
o romance, obras fílmicas e teorias. Na primeira parte do livro ela discute os traços que
compõem o pós-moderno, incluindo as influências teóricas e, principalmente, a
“problematização” da relação entre ficção e história, dessa maneira prepara o espírito do leitor
no sentido de apresentar a complexidade das abordagens contemporâneas. Teoriza, molda,
limita, descentra, contextualiza e historiciza o pós-moderno.
           Na segunda parte demonstra e específica o que considera ser o traço mais marcante do
pós-modernismo, a Metaficção Historiográfica e seus recursos intertextuais, aparecendo na
literatura especificamente na forma de romance e é definida como uma abordagem que amplia
e subverte as contribuições estético literárias e sua relação com a história. Segundo Hutcheon
(1991, p. 61): “[...] se minha principal ênfase recai sobre o romance pós-moderno é porque ele
parece ser um fórum privilegiado para a discussão do pós-moderno” (grifo do autor). Essa
estrutura textual melhor abarca o processo plural da contemporaneidade e os apontamentos
Históricos.

8
    Fala extraída da personagem Antonio Bía, do filme Narradores de Javé.
27




        E a Metaficção Historiográfica é uma forma de análise literária que une em seus
debates as contradições pós-modernas dos limites da arte, teoria e política, abordadas por
Linda Hutcheon(1991) como a forma do romance contemporâneo. Esse romance pós-
moderno não é o único gênero textual com a densidade necessária para abarcar todas as
formas inovadoras desse momento, porém ele é um dos mais difundidos nos campos
midiáticos, universitários e de crítica, pois quebra todas as formas tradicionais, reinventa-se
na estrutura textual na disposição das páginas, na dissonância do enredo e principalmente no
uso e abuso da linguagem. Linda Hutcheon (1991) é muito mais ousada ao afirmar que além
de sua preferência pelo romance, a ficção pós-moderna é “essencialmente metaficção
historiográfica”, pois ela abarca todas as rupturas e as novas perspectivas literárias nesse
momento contemporâneo.
        As características pós-modernas mencionadas no decorrer deste trabalho, voltadas para
a relação ficção e História é o que primordialmente Linda Hutcheon (1991) chama de
metaficção historiográfica, mecanismo que ela criou com o intuito de explorar os artifícios
literários que permitem ao mesmo tempo aproximar e questionar ficção e História, pois “A
ficção é historicamente condicionada e a história é discursivamente estruturada [...]”
(HUTCHEON, 1991, p. 158).


                           A metaficção historiográfica refuta os métodos naturais, ou de senso comum,
                           para distinguir entre o fato histórico e a ficção. Ela recusa a versão de que
                           apenas a história tem uma pretensão de verdade, por meio de
                           questionamento da base dessa pretensão na historiografia e por meio da
                           afirmação de que tanto a história como a ficção são discursos, construtos
                           humanos, sistemas de significação, e é a partir dessa identidade que as duas
                           obtêm sua principal pretensão a verdade. (HUTCHEON, 1991, p. 127).



         Não nega o valor da história, mas afirma ironicamente que seu conhecimento não é
transparente, nem verdadeiro. Ao inserir os ex-cêntricos9 nas paródias intertextuais revela a
relação de interdependência entre a margem e o centro, e uma necessidade de criar uma
identidade fora da eurocêntrica, incorpora todas as práticas textuais: quadrinhos, artes, visuais,
biografia, teoria, filosofia, psicanálise, contos de fadas etc, todos esses elementos compõem o
sistema de significação do pós- modernismo.



9
 Segundo Hutcheon (1991), o ex-cêntrico é “o que está fora do centro”, ou seja, os que ficaram fora da
construção histórica como sujeitos: negros, mulheres, índios, gays etc. (os marginais).
28



          Para discutir tais aspectos Linda Hutcheon (1991) aponta alguns aspectos formais;
subvertendo com a ironia, intertextualidade, as estratégias de representação, a função da
linguagem, a relação entre fato histórico, acontecimento e o debate sobre as verdades
instituídas. O lugar dessa união é o romance e o uso da paródia como forma de unir passado
histórico no presente textualizado.
          Esses usos mostram como somos construídos e condicionados pela cultura, pela
ideologia e o quanto o poder discursivo pode manipular as lacunas da História. Apresentação
que choca e só terá importância e significado se envolver o leitor, fazendo-o refletir sobre seu
meio de tal maneira que este ganhe significado fora do mundo da ficção, sobre essa dinâmica
Iser, em “Os atos de fingir: ou o que é fictício no texto ficcional”, (1983, p.397) afirma que:
Assim o sinal de ficção não designa nem mais a ficção, mas o “contrato” entre autor e leitor,
cuja regulamentação o texto comprova não como o discurso, mas sim como “discurso
encenado” (grifo do autor).
          Para a Metaficção Historiográfica o papel do leitor não é só identificar as marcas
textuais da história no romance. Para Hutcheon (1991, p. 167): “[...] O leitor é obrigado a
reconhecer a inevitável textualidade de nosso conhecimento sobre o passado, mas também o
valor e a imitação da forma inevitavelmente discursiva desse conhecimento”. Assim o leitor
deixa de ser passivo e torna-se atuante no processo de criação de sentido da obra literária.
          O romance pós-modernista é o lugar da quebra de paradigmas, da inserção do “outro”
como fonte de conhecimento, da união entre os Estudos Culturais, a Nova História e dos
novos estudos sobre o leitor. Dessa mistura de teorias, de ficção, história e literatura, nasce a
Metaficção Historiográfica que será estudada com maior ênfase no próximo capítulo, tendo
como exemplo o romance “Terra Papagalli”(2000), uma narrativa sobre o descobrimento do
Brasil.
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                                             CAPÍTULO II




2 METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA o lugar do passado histórico e
literário

                           Passam os séculos, os homens, as repúblicas, as paixões, a história faz-se
                          dia por dia, folha por folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se,
                          modificam-se, transformam-se. Toda a superfície da terra é um vasto
                          renascer de idéias. (ASSIS, 1959, p. 369).



       A constatação das ebulições sócio-históricas pós-modernas levou muitos estudiosos a
procuram caracterizar a arte contemporânea influenciada pelos novos paradigmas históricos,
teóricos, sociais. Linda Hutcheon (1991) planeja traçar uma poética pós-modernista,
discutindo teoria, história e ficção. O pós-modernismo traz consigo uma gama de estudos que
procuram romper com as propostas ideológicas fixas de verdade, centro, imparcialidade,
bem, etc. prioridades do positivismo eurocêntrico, machista, patriarcalista e burguês.
       As problemáticas do rompimento de tais pressupostos não são nada simples, pois o
pós-modernismo não pretende evocar novos centros, novas verdades, unicidade, etc. Segundo
Hutcheon (1991), ele quer apenas discutir os discursos ideológicos que regem a sociedade.
Desvelar os binarismos: centro/margem, certo/errado, único/múltiplo, fixo/móvel entre outros,
propondo as quebras de oposições, evocando o descentramento do sujeito, da história, da
ficção e da teoria. Problematizar, nunca propor soluções, é a contradição do pós-modernismo.
O lugar desse debate é:


                          [...] A metaficção historiográfica sempre afirma que seu mundo é
                          deliberadamente fictício e, apesar disso, ao mesmo tempo inegavelmente
                          histórico, e que aquilo que os dois domínios têm em comum é sua
                          construção no discurso e como discurso (HUTCHEON, 1991, p. 184).


       Ao revelar a natureza discursiva da Metaficção Historiográfica, existe a necessidade
de especificar como ela ocorre na narrativa ao reportar-se ao paradoxo da relação entre ficção,
história e o enquadramento do leitor, além de uma rápida abordagem sobre a nomenclatura.
       Para começar, o termo metaficção não é muito debatido no decorrer do livro. Por isso,
segue duas definições prévias. Podemos entender a metaficção como sendo uma tentativa de
30



superar a construção literária tradicional, com o objetivo de subverter os elementos narrativos,
tendo como estratégia a elaboração de um jogo intelectual entre a linguagem e as formas
literárias, assim desafia o leitor e suas concepções sobre história e ficção.


                        [...] A menudo se suele entender por «metaficción» los comentários del
                        narrador sobre o proceso de creación. Conviene aclaras qué puede entendrse
                        por metaficción. És uma forma específica de la metatextualidade, es decir, la
                        serie de condiciones que constituyen la lectura y la produccón de um texto
                        em El contexto de uma cultura o período histórico determinado (PASERO,
                        2000, p. 165, grifos do autor).

                        Nestas estruturas incluir-se-iam [...] quer intromissões ou manipulações de
                        índole mais sub-reptícia mas que, de qualquer modo, e na medida em que
                        também elas interrompem a linearidade do fluxo narrativo, chamam a
                        atenção para o facto de que, efectivamente, se trata de ficção (ARNAUT,
                        2002, p. 239-40).



        A metaficção abre espaço para a contestação do caráter subjetivo da escrita literária e,
consequentemente, da história como narrativa. Um recurso muito usado na ficção
contemporânea, tendo como objetivo demonstrar e revelar as estratégias narrativas para o
leitor perceber os artifícios tradicionais de estruturação da escrita, de modo a refletir sobre a
natureza discursiva e ficcional dos relatos.E por historiografia, simplesmente tida como a
escrita da história, contemporaneamente não é só isso, inclui também, o confronto de várias
escritas como define Silva (2001, p. 279): “Os estudos historiográficos gerais [...] pela
natureza própria do trabalho estabelecem uma periodização específica e por força dessa
mesma periodização tratam de opor ou contrastar escolas históricas ou autores entre si”.
       Se pensarmos no termo Metaficção Historiográfica ele tem um duplo poder de
reflexão: primeiro o papel auto-reflexivo do poder narrativo jogando com a linguagem, a
ficção e a memória; em segundo, com o confronto da escrita da história, com vozes diferentes,
que não se excluem, Hutcheon (1991) une complexamente as problemáticas da
autoconsciência da metaficção e as versões da história.
       Como o termo metaficção está associado á criação literária, o termo historiografia,
logicamente, remete a escrita da história. A crise no mundo dos historiadores tradicionais e o
nascimento das incertezas sobre verdade, as diferentes concepções de documento e a falha em
objetivar o discurso da história fizeram nascer o novo conceito de historiografia. Le Goff
(2003, p. 28) escreve que a nova: “[...] historiografia surge como consequência de novas
leituras do passado, plena de perdas e ressurreições, falhas de memória e revisão”. Ganha uma
31



dupla identidade, pois, mesmo as contestações de caráter objetivo não nega seu papel na
sociedade, hoje caminha por estradas que se cruzam simultaneamente.
       Inicialmente a historiografia servia para separar na escrita o passado e o presente,
dividir os períodos históricos, na contemporaneidade foi levada a considerar e refletir seu
processo de escrita como determinado por ideologias. Sobre esse movimento Certau (2007, p.
22) comenta: “[...] a historiografia envolve as condições de possibilidades de uma mesma
produção, e o próprio assunto sobre o qual não cessa de discorrer”, já que o historiador está
inserido em um contexto com debates acalorados sobre as condições do real e a construção
das narrativas.
       Como o próprio nome deixa evidente a Metaficção Historiográfica evidencia o
processo narrativo e por isso incorpora textos literários e históricos. Embora tenha algumas
características semelhantes não é um romance histórico, não trata a relação entre ficção e
história de forma simples (ficção é mentira e história é verdade). As especificidades entre
literatura e história não é uma característica exclusiva da contemporaneidade, com o decorrer
do tempo, porém, se tornaram problemáticas, ora distanciadas, ora aproximadas.


2.1 O “romance” da Metaficção Historiográfica: em “Terra Papagalli”


                       “[...]contudo, repito, se a arte padece, a intenção merece respeito” (ASSIS,
                       1959).


       Para exemplificar como as questões da Metaficção Historiográfica são tratadas em um
romance pós-moderno, farei uso de “Terra Papagalli” (2000), dos autores José Roberto Torero
e Marcus Aurelius Pimenta, partindo do princípio de que não é possível apontar em um único
romance todas as características mencionadas por Hutcheon (1991). Aqui será feito um breve
levantamento das marcas do pós-modernismo à luz da Metaficção Historiográfica, com o
intuito de atender ao segundo objetivo deste trabalho.
       Devido às especificidades metodológicas do romance pós-moderno faz-se necessário
uma distinção entre romance histórico, romance pós-modernista e Novo Romance. No século
XIX com o nascimento do romantismo histórico, caracterizado por usar um período ou
personagens históricos como pano de fundo para criar, inventar histórias. O enredo do
romance histórico tem caráter educativo como afirma Soares (2000, p. 204):


                       O romance histórico surge no contexto da série de transformações sociais e
                       econômicas da Europa que repercutem na afirmação e popularização do
32



                        nacionalismo, passando a integrar o “elenco das grandes narrativas de
                        consolidação do sentimento nacional e de legitimação do impulso
                        universalizante do Ocidente” (grifos do autor).



       Para Hutcheon (1991), a atual relação entre ficção e história na literatura diferencia-se
do que conhecemos por romance histórico. Pois, a mútua relação de inclusão e negação do
fato histórico na narrativa literária é uma das maneiras pós-modernistas de reelaborar o
passado e atribuir sentido ao real. Ela firma que tradicionalmente “ficção histórica” é uma
forma clássica de interrelacionar história a literatura, definida: “[...] como aquela que segue o
modelo da historiografia até o ponto em que é motivada e posta em funcionamento com uma
noção de história como força modeladora (na narrativa e no destino humano)”
(HUTECHEON, 1991, p. 1551 grifos do autor).
       A questão da distinção entre romance histórico e Metaficção Historiográfica não é
esgotada pela autora, ela toma as abordagens de (LUKACS, 1962 apud HUTHCEON 1991, p.
151): “[...] o romance histórico poderia encenar o processo histórico por meio                da
apresentação de um microcosmo que generaliza e concentra”. Portanto, a personagem
principal deve representar tanto o todo quanto o particular de uma sociedade, se históricos,
são jogados para o plano secundário na tentativa de “autenticar” o mundo ficcional. Os
detalhes são usados apenas para proporcionar a veracidade (verificabilidade) histórica.
       Na Metaficção Historiográfica os personagens principais são sempre ex-cêntricos, até
mesmo quando o protagonista da narração da história assume uma dimensão diferente,
irônica, sem pretensão à universalização. Incorpora os detalhes, não na tentativa de obter
verificabilidade, mas usando os detalhes para contestar as falhas na narração da história,
mostrando o não reconhecimento do: “[...] paradoxo da realidade do passado, mas sua
acessibilidade textualizada para nós atualmente” (HUTCHEON, 1991, p. 152, grifos do autor)
As personagens são usadas como meio para questionar as versões da História com sua
pretensão à verdade universal.
       Além das Metaficções Historiográficas existem outros tipos de romances como o
romance “não-ficional” ou “Novo Jornalismo” nascido na década de 60: trata-se de: “[...] uma
forma narrativa documentária que utiliza deliberadamente técnicas de ficção de maneira
declarada e não costuma aspirar à objetividade na apresentação” (HUTCHEON, 1991, p.
153). Esse tipo de romance assemelha-se a Metaficção Historiográfica por sua
provisioriedade, metaficionalidade, forma e, às vezes, conteúdo. Mas, difere por sua volta ao
33



passado recente, criticando quem define a verdade, a subjetividade, no sentido de impor a
opinião, o ponto de vista do autor sobre os fatos.
        A Metaficção Historiográfica ao enfatizar momentos e personagens históricos
específicos na composição de romances aborda toda uma gama de marcas da escrita
contemporânea como: a crítica a versão oficial da história, questiona as centralizações, as
hierarquias, os sistemas fechados, os limites entre ficção e história. Duvida de toda e qualquer
demonstração única de verdade e sentido universal, afinal, a ficção pós- modernista não tem o
papel de refletir ou copiar a realidade e sim de propor novas leituras do real que não anula ou
exclui as existentes, só acrescenta outras possibilidades ao real.
       Em Terra Papagalli (2000), obra em que a problemática entre ficção e história é muito
presente, pois   se trata de uma “Narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada,
soberba, invejável, cobiçosa e gulosa história do primeiro rei do Brasil ou Terra Papagalli”
(TORERO & PIMENTA, 2000). Conta a história de Cosme Fernandes, O Bacharel da
Cananéia, com muitas informações sobre a “descoberta” do Brasil aos primeiros contatos com
os gentios e os primeiros colonizadores.
       A estrutura do romance Terra Papagalli (2000) conta com a inserção de um dicionário
em que se encontram reunidas algumas das palavras da língua tupiniquim; um bestiário, em
que são relatados alguns animais estranhos encontrados no Brasil; e um diário de bordo,
escrito pelo próprio Cosme, durante a viagem. Embora os capítulos sejam organizados,
mesclando carta e diário, a narrativa é uma carta que Cosme Fernandes escreveu ao Conde de
Ourique sobre quem ficamos sabendo, ao final da narrativa, ser seu filho.
       Uma releitura crítica da “descoberta do Brasil”, o protagonista é Cosme Fernandes, um
degredado português, apelidado de Bacharel, que assume, no romance, o papel de descobridor
das terras brasileiras: a “Terra dos Papagaios”. Cosme Fernandes, juntamente com mais seis
degredados, são deixados na nova terra para aprenderem a língua dos gentios, assegurando
assim, os interesses da Coroa Portuguesa. Após alguns dias na ilha, e a superação de muitas
dificuldades os sete são capturados pelos índios e por eles conduzidos à tribo Tupiniquim
onde passam a constituir família com as gentias.
        Com o tempo, conquistam a confiança de toda a tribo, inclusive do chefe Piquerobi,
Cosme Fernandes, que por meio de estratégias de guerra leva a tribo dos Tupiniquins a
sucessivas vitórias sobre outras tribos inimigas, começa a construir um porto batizado de
“Paraíso”, no qual ele dá início à prática da comercialização de índios prisioneiros, sendo,
depois de alguns percalços, conhecido como o Bacharel da Cananéia por fundar um porto
ainda maior na vila de Cananéia que ele próprio construiu.
34



2.2 A forma narrativa: narrar, contar é escolher um ou outro


       No romance “Terra Papagalli” (2000) a personagem Cosme Fernandes conta sua
versão para o “achamento” do Brasil, adotando como estrutura uma carta para fazer conhecer
a si e a sua história ao receptor. A narração é feita mesclando as formas de um diário e uma
carta, contada em primeira pessoa, com um narrador autodiegético, ou seja “o personagem-
narrador é o protagonista da história”, segundo D’Onofrio (1999, p. 64). Este acumula o papel
de sujeito da enunciação e do enunciado, narra sob a ótica pessoal os fatos, as personagens, as
brigas e as representações do tempo e do espaço. O tempo da narrativa é diegético,
cronológico, o herói conta sua trajetória de vida desde a infância.
        Linda Hutcheon (1991), fala de duas formas narrativas principais na Metaficção
Historiográfica que caracterizam a idéia de subjetividade nos romances: a primeira é a
abordagem dos múltiplos postos de vista, e a segunda a do narrador onipotente. No caso do
texto em estudo não existe a perspectiva dos múltiplos pontos de vista, pois o narrador-
personagem e protagonista exibe sua opinião sobre os acontecimentos, ele escolhe o que deve
ser contado, o que é ou não importante. Afirma sempre a veracidade dos fatos e essa
preocupação é um indicativo de subjetividade e fragilidade da narrativa.


                        Digníssimo senhor conde, durante a viagem que fiz pelo mar Oceano pude
                        dispor de algum papel de palha e um resto de tinta, com o que escrevi um
                        pequeno diário de bordo. Tomarei a liberdade de acrescentar tais páginas a
                        esta carta, pois acredito serem a mais eficaz e eloqüente descrição daquelas
                        dias. Talvez falte um pouco de estilo na escrita, mas em troca tereis o frescor
                        dos sentimentos in petto e das observações in loco (TORERO & PIMENTA,
                        2000, p.22, grifos do autor).



       A subjetividade é marcada pelo narrador que pode tudo desde a inserção de um diário
para atribuir veracidade a narrativa, deixando o leitor desconfiado de suas intenções, de seu
verdadeiro propósito. Mesmo admitindo conhecer tudo que conta pela experiência, seu tom
irônico prepara o espírito do leitor para as contradições que seguirão, entre o dito no romance
e o conhecimento prévio da História.
       Na forma narrativa da Metaficção Historiográfica não se tem um sujeito capaz de
conhecer o passado com certeza. Uma opção para não atribuir verificabilidade é o uso da
memória, que é subjetiva, fragmentária e manipulável ideologicamente, a exemplo da
memória coletiva. Para Marilena Chauí (2003) o processo de memorização é objetivo e
35



subjetivo. Objetivas são as atitudes-físico-fisiológicas, e subjetivas a importância do fato para
nós. Essa seleção natural afirma que a memória é uma representação do passado, como pontos
em comum, porém nunca será a mesma para todos, pois cada ser atribui valor a fatos de forma
pessoal. No romance, a memória tem a função de organizar os fatos históricos e pessoais do
narrador:


                        Continuo então a narrar minha história naquelas distantes terras, mas
                        servindo-me agora apenas da memória. Garanto-vos que tudo será verdade,
                        apesar de muitas páginas parecerem copiadas desses livros de aventuras que
                        se vendem pelas feiras (TORERO & PIMENTA, 2000, p.43).



       Cosme Fernandes usa a memória para recriar fatos vividos, logo a rememoração entra
em cena como afirma Gagnneb (2001, p. 91): “[...] pois não se trata somente de não esquecer
do passado, mas também de agir sobre o presente, não sendo um fim em si, visa à
transformação do presente”. A memória é usada para dar sentido ao passado e fazer se
conhecer para a posteridade, dessa forma, fica evidente o caráter subjetivo desse
conhecimento. Ao recriar fatos, inevitavelmente, fazemos uso de nossas funções imaginativas
para preencher os detalhes que não tiveram importância para nós. Quando se trata de literatura
e história o uso imaginativo permeia a preocupação de vários teóricos:


                        Se retornarmos então ao debate teórico entre história e literatura, é preciso
                        admitir que a produção na linguagem da verossimilhança, a colocação
                        estratégia do ‘efeito de crença’ buscando o apoio sobre a vontade de fazer
                        crê que as coisas ‘se passaram realmente assim’, esta produção deve-se
                        menos a uma suposta exatidão dos fatos que a ‘função imaginária’ que
                        preenche o verossímil na construção da consciência individual e social
                        (LEENHARD, 1998, P.42-3, grifos do autor).


       A imaginação adentra a história e a ficção, faz parte do convívio social do ser humano,
com a descrença nas grandes narrativas como forma de explicar o mundo. Fomos levados a
unir os pequenos fragmentos das histórias e ficções dos marginais para atribuir sentido ao que
antes era explicado por uma ideologia centralizadora e binarista. O sujeito que reconstrói sua
história em “Terra Papagalli” (2000) é um degredado, participou do descobrimento por acaso,
um ex-cêntrico. Assim como Hutcheon (1991) afirma acontecer na Metaficção
Historiográfica, o protagonista recria de forma irônica uma história com seu ponto de vista,
usando fatos históricos como fonte. Ao narrar sua vida, narra a si mesmo e a história, fazendo
inferências e preenchendo lacunas.
36



       Hall (2006) também debate sobre o sujeito e a identidade cultural, ou melhor, sobre
sua fragmentação, descentralização, problematização. Para ele, os processos de mudança na
sociedade provocaram a provisoriedade da identidade cultural, o sujeito não é mais visto
como sendo unificada o e estável: “[...] assume identidades diferentes em diferentes
momentos, identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções de tal modo que
nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (HALL, 2006, p. 13).
       O sujeito cartesiano (branco, homem e europeu) em “Terra Papagalli” (2000) é
ironizado, o colonizador não tem as características dos heróis românticos: bom, belo,
corajoso. Ora assume posição de líder, por imposição do destino, ora é medroso e se faz de
vítima, segundo a narrativa, quando estabiliza seu poder econômico e social, seu rival (Lopo
de Pina), consegue uma forma de usurpar o “pobre do Cosme”. O “Bacharel” é manipulador:
“Minha história é muito desventurada e dói-me o peito a cada vez que nela penso, mas, como
sei que queres ouvi-la, vou contá-la para ti” (TORERO & PIMENTA, 2000, p. 14), em toda a
narrativa atribui aos seus colegas a má sorte, a culpa de suas desventuras, além de apresentar,
desde o início, aquele que irá se tornar seu carrasco sempre como homem corrupto.



                        Esse Lopo de Pina, de quem ainda muito falarei, parecia conhecer todas as
                        cantigas desonestas que há no mundo e era dado a zombarias (TORERO &
                        PIMENTA, 2000, p.21).

                         Sobre este já falei um tanto e acrescento apenas que tinha por defeito nunca
                        conformar-se com seu estado. Se lhe dessem pão, agasalho e vida honesta,
                        não lhe davam nada. Queria ser rico, vestir gibões de Castela, ter mulher
                        fidalga e escravos. Dava ordens com gosto e as ouvia com azedume.Também
                        tinha inveja da sorte alheia, tanto que se visse um outro com roupa melhor
                        ou mulher mais bela, logo as desejava para si. (TORERO & PIMENTA,
                        2000,p.49).



       O narrador-personagem faz-nos sentir com piedade, conversa com seu interlocutor e
deixa sempre claro que se trata de uma narrativa verídica: “[...] essas são, senhor, as palavras
tais como ela disse [...]” (TORERO & PIMENTA, 2000, p.14). Uma voz envolvida no que
narra, usa da estrutura em primeira pessoa para movimentar suas emoções e sentimentos, além
de diminuir a distância entre o fato narrado e o leitor.


2.3 A função da linguagem e as estratégias de representação: narrações do Brasil


                                                           “O tempo temperou”. (ROSA, 1988, p. 107).
37




       Segundo Hutcheon (1991) as questões ligadas à identidade e subjetividade entram pela
representação, pela referência e pela linguagem, pois a relação entre literatura, história e
realidade na literatura pós-modernista usa um modelo teórico modernista (auto-
representação), que separa a linguagem literária da referência, – a literatura se refere ao
mundo ficcional. Porém esse modelo é transposto ao incluir textos históricos em romances,
quebra-se a auto-representação, sendo que o texto histórico se refere ao real, instala-se o
paradoxo pós-moderno. Ao incluir a problemática da linguagem na referência:


                       “[...] a ‘realidade’ a que se refere à linguagem da metaficção historiográfica é
                      sempre, basicamente, a realidade do próprio ato discursivo (daí sua designação
                      como metaficcional), mas também a realidade de outros atos discursivos do
                      passado (historiografia)” (HUTCHEON, 1991, p. 194).


       A problematização da referência e da representação ligada à história pelo pressuposto
de que “as palavras se referem a signos pré-fabricados”, por isso a Metaficção Historiográfica
contesta toda a concepção simplista de representação. Já que a história como discurso não
representa o real, no processo de criação usa a natureza imaginativa para atribuir sentido ao
passado e presente.


                        O historiador também só pode escrever conjugando, nesta prática o ‘outro’
                        que o faz caminhar é o real que ele não representa senão por ficções. Ele é
                        historiógrafo. Endividado pela experiência que tenho disto gostaria de
                        homenagear está escrita da história (CERTEAU, 2007, p. 26, grifos do
                        autor).



       As teorias que estudam a arte pós-moderna e as constatações dos pressupostos do
humanismo têm a preocupação com a representação, a relação de subjetividade e como o
sujeito é representado na cultura e na literatura. O tratamento dado ao indivíduo como um ser
descentrado que constrói a si mesmo e ao mundo, usando referências textuais e contextuais,
tornando-se eminentemente social como representante de minorias diversas. “[...] eles
ensinam, por exemplo, que a representação não pode ser evitada, mas pode ser estudada a fim
de demonstrar como legitimiza certos tipos de conhecimento e, portanto, certos tipos de
poder” (HUTCHEON, 1991, p. 298).
       Com o caráter social e político na representação dos sujeitos a problemática é
ampliada, se na literatura modernista existe uma separação: “aquilo a que a história se refere é
38



o mundo real; aquilo a que a ficção se refere é um universo fictício” (HUTCHEON, 1991, p.
198). No pós-modernismo a história é vista como um intertexto, compartilhando com alguns
teóricos que a literatura não passa de uma referência do texto para o texto. A Metaficção
Historiográfica como super discursiva problematiza uma relação de referência com o mundo
histórico, ela insere a referência ao abrir as portas para a história e a nega ao atribuir
ficcionalidade aos dois mundos (o real e o fictício).
       Na representação feita por Torero e Pimenta (2000), os índios são comumente tratados
como diferentes dos portugueses por terem costumes e uma organização social peculiar, sua
língua é um símbolo da estrutura cultural tupiniquin. Mas nem por isso os autores os tratam
como os livros de História, ou a Carta de Caminha (1999, p. 58-9): “Mas, o melhor fruto que
nela se pode fazer, me parece, que será salvar esta gente, e deva ser principal semente que
Vossa Alteza nela deve lançar”.


                        Relendo a ultima linha da folha anterior, percebi que aprender alguma coisa
                        desta língua dos tupiniquins pode ser de muita valia caso o senhor cometa
                        um dia o desatino de vir um dia a essas terras da gentilidade. Primeiramente,
                        devo dizer que este idioma não possui os sons de “F”, “L” e “R” forte, pelo
                        que há quem diga que ao tupiniquins não têm nem fé, nem lei, nem rei, o que
                        é grande truanice, pois em Portugal temos o “F” e há mulheres que não são
                        fiéis, temos o “L” e há súditos que não são leais, e temos o “R” forte mas são
                        poucos os que agem pela razão (TORERO & PIMENTA, 2000, p.67, grifos
                        do autor).


       Se na Carta de Pero Vaz de Caminha os índios precisam ser salvos, simplesmente por
terem uma crença religiosa diferente, em “Terra Papagalli” existe uma inversão dos valores e
uma crítica à hipocrisia da sociedade portuguesa. Como discurso, a linguagem não pode
escapar a apresentação de uma ideologia tanto na Carta quanto no romance, porém com
perspectivas distintas, diferentes sentimentos em relação ao índio. Na ficção “as
representações não possuem um conteúdo intrisecamente ideológico, mas executam uma
função ideológica na determinação do sentido” (WALLIS apud HUTCHEON, 1991, p. 298).
       Sobre o problema da referência pós-moderna e sua atribuição da não referencialidade
entra em contradição, principalmente nas produções metaficcionais, devido a suas estratégias
de escrita englobando os textos históricos.


                        [...] percorrida por malabarismos sintáticos-formais [...]. Essas práticas
                        redundariam não apenas uma estilização extrema mas, pela aliança com
                        comentários metaficcionais, que de modos diversos chamam a atenção do/e
                        para a sua própria construção, seriam, também, as grandes responsáveis pela
39



                        desestabilização, senão pelo curto curto-circuito da relação texto-mundo
                        (ARNALT, 2002, p. 220).


       Para ela a realidade passa, principalmente, pela realidade do processo criativo,
permeado de estratégias que aproximam e ao mesmo tempo afastam a relação mundo texto. A
tentativa ingênua de reflexo, de mimese deve ser entendida como uma “metáfora de fronteiras
fluidas”, já que toda tentativa de reproduzir a realidade passa pela subjetividade do criador.
       Linda Hutcheon (1991), aponta diferentes conceitos de referência: primeiro, o que
difere o mundo histórico do mundo fictício é a intencionalidade do historiador e do
romancista, pois na ficção há a sobreposição da verdade e falsidade; segundo, não nega
referencia à ficção, mas atribui a ela um referencial distinto; terceiro, não nega um referente à
linguagem, mas só é acessível pelo texto, questiona a redação da história e separa fato de
acontecimento, para dizer que:


                        O que a metaficção historiográfica faz é restabelecer o significado por meio
                        de sua auto-reflexividade metaficcional em relação à função e o processo de
                        geração de sentido enquanto, ao mesmo tempo, não deixa desaparecer o
                        referente. No entanto, esse tipo de ficção pós-moderna também se recusa a
                        permitir que o referente assuma qualquer função original, qualquer função de
                        alicerce ou de controle (HUTCHEON, 1991, p. 193).



       A auto-refelexividade da ficção pós-moderna não se encaixa nem nega nenhuma
definição de referente, apenas problematiza. Nas Metaficções Historiográficas são múltiplos
os tipos de referências, por isso, Hutcheon (1991), fala de “rotas de referências” que é a união
de diferentes teorias de referência.
       Para Linda (1991) a linguagem tem o poder de construir e não só de descrever o que é
representado, tanto na história quanto na literatura. As duas são construções linguísticas, mais
simples em relação à narração e aos mecanismos de composição dos discursos históricos e
literários. Recai sobre a Metaficção Historiográfica o papel de demonstrar através dos jogos
de linguagem que só inseridos em um contexto, perceptível pelo leitor, os sentidos são
construídos e desconstruídos no interior de uma obra.

2.4 A intertextualidade paródica: os usos, abusos do outro e suas verdades


       Os romances pós-modernistas ou as Metaficções Historiográficas problematizam em
suas   estruturas   narrativas    questões   de    identidade,    subjetividade,    representação,
Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.
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Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

  • 1. 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV CURSO DE LETRAS VERNÁCULAS DEISIANE DE OLIVEIRA SILVA METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA: literatura, as narrações da história e o “pobre leitor” Conceição do Coité 2010
  • 2. 2 DEISIANE DE OLIVEIRA SILVA METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA: literatura, as narrações da história e o “pobre leitor” Monografia apresentada ao Departamento de Educação, campus XIV, Curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como instrumento da avaliação final da disciplina TCC para obtenção do grau de licenciada. Orientadora: Profª Mª de Fátima S. Barros das Chagas. Conceição do Coité 2010
  • 3. 3 AGRADECIMENTOS A DEUS pelo acolhimento nas horas de alegria e tristeza, por ter guiado meu caninho, unido minha vida a de pessoas tão deferentes e especiais, pelo privilégio de compartilhar experiências e crescer ao lado de todos. À MINHA FAMÍLIA pela paciência em tolerar as minhas falhas e sempre ajudar nas dificuldades. À Orientadora Prof.ª FÁTIMA BARROS pelo incentivo e persistência. Especialmente aos Professores EUGÊNIA MATEUS, HENRIQUE VALENÇA, JUSSIMARA LOPES E JURÉIA MARIA F. DA SILVA, pelo pronto atendimento de todas as horas. Aos colegas de classe pela pronta colaboração na coleta de dados. Aos muito mais que colegas, aos amigos.
  • 4. 4 DEDICATÓRIA Aos meus amigos: PATRIANA CHAUÍ pela paciência e os ensinamentos nas horas de desespero; HAROLD BRUNA pelos bons conselhos de todas as horas e ajuda nas horas de desespero; EDLANA pela força e confiança na longa caminhada juntas e pela alegria nas horas de desespero; GEOMEL pelo carinho e meiguice no trato com todos e pela tranquilidade nas horas de desespero; TIA NENÊ pelos puxões de orelha que muito mereci e acima de tudo pela determinação nas horas de desespero; E como não poderia esquecer a TIO RAI pela proteção e cuidado de sempre e, principalmente, pelas caronas nas horas de desespero. Vivemos no limite por um bom tempo, mas nunca nos faltou espontaneidade, alegria, demonstrações de amizade e solidariedade, amo cada um de vocês.
  • 5. 5 “Pensar e sentir adotando o ponto de vista de outros, pessoas reais ou personagens literários, é o único meio de tender à universalidade e nos permite cumprir nossa vocação” (TODOROV, 2009, p. 82). “E repare o leitor como a língua portuguesa é engenhosa. Um contador de histórias é justamente o contrário do historiador, não sendo um historiador, afinal de contas, mais do que contador de histórias. Por que essa diferença? Simples leitor, nada mais simples. O historiador foi inventado por ti, homem culto, letrado humanista, o contador de histórias foi inventado pelo povo, que nunca leu Tito Lívio, e entende que contar o que se passou é só fantasiar” (ASSIS, 1959, p.395).
  • 6. 6 RESUMO O presente trabalho analisou a relação entre ficção e história abordada pela metodologia de análise literária denominada Metaficção Historiográfica, cujo objetivo é investigar as características da Metaficção Historiográfica e sua interferência na concepção de História Oficial dos estudantes do Curso de Letras Vernáculas 2006.1, Departamento de Educação, Campus XIV-UNEB, Conceição do Coité, BA. Para isso, foi preciso realizar uma observação participante, através de entrevista com treze estudantes. Além desse método, utilizou-se pesquisa bibliográfica com autores como: Linda Hutcheon, Terry Eagleton, Leyla Perrone- Moisés, Stuart Hall, Afrânio Coutinho e outros que, em suas obras retratam o pós- modernismo, história, ficção e o leitor, além da análise de romance. Com a pesquisa bibliográfica, nota-se que são muitos os debates sobre a relação ficção e história, porém não foi detectada uma abordagem específica sobre o papel do leitor na formação do conceito de história e as estratégias da Metaficção Historiográfica para unir ficção e história de maneira crítica. Na análise de dados, verificou-se que a leitura de obras literárias com a perspectiva da Metaficção Historiográfica levou os estudantes a perceber a verdade histórica sob outros olhares. Descritores: Metaficção Historiográfica. Pós-modernismo. Leitor.
  • 7. 7 ABSTRACT This study examined the relationship between fiction and history addressed by the methodology of literary analysis called meta-fictional historiography, whose aims to investigate the characteristics of meta-fictional historiography and its interference in the design of the Official History of the students of the Course of Letras Vernáculas 2006.1, Department of Education, Campus XIV-UNEB, Conceição do Coité, BA. For this, we need to perform an observation, through interviews with thirteen students. Besides this method, we used literature with authors such as Linda Hutcheon, Terry Eagleton, Leyla Perrone-Moisés, Stuart Hall, Afrânio Coutinho and others who, in his works portray postmodernism, history, fiction and the reader, beyond analysis of romance. With literature, it is noted that there are many debates about the relationship drama and history, but was not detected a specific approach on the role of the reader in forming the concept of history and strategies of meta- fictional historiography to link fiction and history critically. In data analysis, it was found that the reading of literary works by the prospect of Metafiction historiographical led students to realize the truth in other historical sights. Key words: Meta-fictional, Historiography, Postmodernism, Reader.
  • 8. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................10 CAPÍTULO I - FICÇÃO E HISTÓRIA: um princípio, um meio e dois fins na construção literária................................................................................................................................12 1.1 Pós-modernismo: as contradições dos princípios e dos fins do fazer literário..............14 1.2 Estudos culturais: as possibilidades dos princípios e dos fins no olhar sobre as margens..............................................................................................................................20 1.3 O pós-modernismo e a problematização da história.....................................................24 1.4 Usos e abusos da criação literária: um meio de contar as histórias...............................27 CAPÍTULO II - METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA: o lugar do passado histórico e literário................................................................................................................................31 2.1 O “romance” da Metaficção Historiográfica em “Terra Papagalli” .............................33 2.2 A forma narrativa: narrar... contar... é escolher um ou outro........................................36 2.3 A função da linguagem e as estratégias de representação: narrações do Brasil................39 2.4 A intertextualidade paródica: os usos, abusos do outro e suas verdades......................42 CAPÍTULO III - A PROBLEMÁTICA DA METODOLOGIA........................................48 3.1 A abordagem e o enfoque.............................................................................................48 3.2 O método, não os métodos............................................................................................49 3.3 A técnica: os instrumentos de coleta de dados..............................................................50 3.3 O lócus da pesquisa.......................................................................................................52 CAPÍTULO IV - E O LEITOR: produtor e/ou consumidor? Não, colaborador.................54 4.1 O leitor e a realização dos fins do fazer literário............................................................56 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS- O que restou de nossas histórias?..................... .61 REFERÊNCAS...................................................................................................................63 ANEXO...............................................................................................................................68
  • 9. 9 INTRODUÇÃO A literatura fascina e encanta muitas pessoas com seus múltiplos aspectos literários, o poder de concretizar em palavras a beleza da arte de viver expressa pela humanidade. Com essa perspectiva surgiu a necessidade de pesquisar sobre literatura e a área escolhida foi à relação entre ficção e história. E mais, especificamente, o método de análise literária Metaficção Hstiriográfica, com o pós-modernismo e suas implicações na literatura de revisão histórico-literária, além de seus reflexos nos leitores contemporâneos. Tendo o objetivo geral de investigar as características da Metaficção Historiográfica e se ela interfere na concepção de História Oficial dos estudantes do Curso de Letras Vernáculas 2006.1, Departamento de Educação Campus XIV-UNEB. E como objerivos específicos: conceituar as características que contribuíram para a Metaficção Historiográfica e suas especificidades; reconhecer as marcas da Metaficção Historiográfica no romance “Terra Papagalli” dos autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta e constatar o posicionamento dos estudantes do curso de Letras Vernáculas acerca do Discurso Oficial, diante da leitura de obras com características da Metaficção Historiográfica. A Metaficção Historiográfica intriga os leitores de diferentes maneiras, principalmente, com esses movimentos que recontam o processo histórico dando ênfase aos sujeitos excluídos da construção nacional e os colocando no centro das narrativas, como personagens que têm voz e vez na participação e elaboração da nossa identidade. Por isso, a escolha da Metaficção Historiográfica como norteadora deste trabalho não foi aleatória. Surgiu da observação das discussões sobre literatura em sala de aula, quando percebi que os leitores têm diferentes opiniões sobre o que é literatura, sua função, sua importância e também as diversas reações diante de textos literários. Graças a essas características a hipótese primeira deste trabalho é de que tais estudos literários pós-modernos influenciam os estudantes, levando-os a refletir sobre a fragilidade dos conceitos da História Oficial. A Metaficção Historiográfica é uma forma de análise literária que une em seus debates as contradições pós-modernas dos limites da arte, teoria e política, abordadas por Linda Hutcheon (1991), observa-e a quebra de todas as formas tradicionais, reinventa-se a estrutura textual, dissonância do enredo e, principalmente, no uso e abuso da linguagem. Para isso, serão discutidos o pós-modernismo, a história, os Estudos Culturais, a ficção e o leitor nas perspectivas de Linda Hutcheon, Zygmunt Bauman, Afrânio Coutinho, Jonathan
  • 10. 10 Culler, Terry Eagleton, Walter Benjamin, Jacques Le Goff, Nízia Villaça, Michel de Certeau, Leyla Perrone-Moisés, Tzvetan Todorov entre outros com o fim de explorar ao máximo as tórias que fundamentam os estudos literários contemporâneos. Para atingir os objetivos propostos a metodologia adotada foi a pesquisa qualitativa com uma abordagem fenomenológica, incluindo pesquisa bibliográfica, análise literária, observação e entrevista como fonte de coleta de dados, para fundamentar os objetivos dessa pesquisa. A monografia está estruturada em quatro capítulos: o primeiro trata das teorias que influenciaram o nascimento da Metaficção Historiográfica; o segundo é composto por uma análise do romance “Terra Papagalli”, à luz da Metaficção Historiográfica; o terceiro corresponde à metodologia e o último a análise de dados da entrevista.
  • 11. 11 CAPÍTULO I 1 FICÇÃO E HISTÓRIA: um princípio, um meio e dois fins É claro que somos as mesmas pessoas Mas pare e perceba como o seu dia-a-dia mudou Mudaram os horários, hábitos, lugares Inclusive as pessoas ao redor São outros rostos, outras vozes Interagindo e modificando você E aí surgem novos valores, Vindos de outras vontades, Alguns caindo por terra, Pra outros poderem crescer Caem 1, 2, 3, caem 4, A terra girando não se pode parar1 (...) Metamorfose seria o termo mais indicado para tratar sobre o conceito de literatura ao longo dos tempos. Suas definições são compostas de vários significados, dependendo da relação com a sociedade que perpassa as épocas e em cada uma delas assume um sentido diferente sem abandonar os antigos. Ao longo do tempo, a relação da literatura com o mundo foi afirmada e negada, teve de refletir os valores do “belo”, se separar da ciência, ser usada como meio de transmissão de ideologias etc. Principalmente, no final do século XX e início do século XXI, com as convergências das diferentes teorias e concepções de literatura, novas, antigas e outras re-visitadas, afinal, “A terra girando não se pode parar”. Modificar, integrar, surgir, cair, crescer, a música cantada por Pitty, pode servir para traduzir muito bem o contexto da literatura hoje, seu campo de atuação é tão extenso que não podemos distinguir o real do imaginado, o científico do censo comum, o hoje do ontem, aliás, estão em constante processo de mudança. “A literatura não nasce no vazio, mas no centro de um conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles numerosas características; não é por acaso que, ao longo da história, suas fronteiras foram inconstantes”, como afirma Todorov (2009, p. 22). 1 Anacrônico. Composição de Pitty e Graco. Ano de Lançamento: 2005, Gravadora: Deck Disc.
  • 12. 12 O conceito de literatura, sua relação com o mundo, com as ciências sofreu e sofre mudanças, exemplo disso é sua atual relação com a história. Antes, com o humanismo (século XVI), tínhamos a junção de todos os discursos: história, literatura, ciências etc. Entre os séculos XVII e XVIII, essa união se esvai, como água por entre os dedos, separa-se a ciência da humanidade e consequentemente da literatura. Como nos lembra Souza (2006, p.16): “Mas a oposição humanidades/ciências é apenas um primeiro esboço ainda muito geral de especialização dos campos discursivos ou da atividade cultural, que será objeto de novos arranjos até que se delineie a oposição ciência/literatura”. O primeiro esboço se intensificou e a literatura passou a indicar ficção, logo fantasia, e história, a ciência de narrar os fatos “importantes” da humanidade. Mas “e ai surgem novos valores, vindos de outras vontades”, atualmente as linhas divisórias entre literatura e história, com o desenrolar do pós-modernismo, se tornaram muito frágeis e foram contadas as versões verossímeis na literatura. Verdades omitidas pela História Oficial, linhas que narram apenas os fatos, foram reveladas na escrita ficcional. Devido à expansão do interesse por estudos sobre esse tema, fica evidente a fragilidade do poder argumentativo da história e a evolução dos artifícios adotados pela literatura pós-modernista para tornar cada vez mais convincente e intrigante as histórias ficcionais. Essa é uma das vertentes dos estudos literários e aqui será o foco desse estudo. O jogo entre ficção e história é muito antigo e até hoje não existe um vencedor. Os escritores têm consciência das potencialidades da literatura, das possibilidades de seu poder discursivo e usa seus mecanismos estruturais e estéticos: os simulacros, a paródia, a pastiche, a autobiografia, a fantasia, a verossimilhança para criar novas narrativas que se aproximam e criticam o fazer histórico. Essa brincadeira leva não só a refletir sobre os temas tipicamente literários, mas também, a duvidar das condições de escrita da própria História Oficial. As críticas tanto sobre o posicionamento autoritário e unilateral da história quanto sobre a literatura, por se aproximar da narração oficial da história de forma tão inovadora, tem contado com a participação assídua do leitor para construir e destruir as oposições, os debates, os estudos e, principalmente, as leituras da história e da literatura. As convergências entre ficção e história são acentuadas graças quase que por completo ao contexto sócio/histórico pós-moderno que mistura as “histórias possíveis” com as “narrativas dos acontecimentos”2. O discernimento necessário para não ultrapassar essa linha tênue – ficção e história − está em saber que ficção é um emaranhado de realidades possíveis. Porém o pós-modernismo 2 Termo usado por Peter Burk (1992), para caracterizar História tradicional que vai de encontro à Nova História.
  • 13. 13 deixa essa decisão a cargo de cada leitor, já que este tem o papel fundamental na construção do sentido do texto, pois as obras de arte sejam elas arquitetura, pintura, escrita, dança, escultura entre outras, só ganham sentido no contato com o exterior (expectador/leitor), e suas incursões pelos contextos sócio-históricos. [...] Essa coerência – imaginada, fictícia – depende, claro, parcialmente, dos próprios dados, mas também da plausibilidade de sua significação possível, imaginada pelo escritor/historiador de tal maneira que o leitor possa reconstruí-la. Sendo assim, a construção de “mundos reais”, de realidades possíveis, a sua plausibilidade, dependem, também, do contexto histórico real no qual eles são produzidos e reproduzidos pelos leitores. (LEMAIRE, 2008, p.10-11, grifos do autor). Nesse capítulo pretendo discutir as características contraditórias do fazer literário pós- modernista, e para isso abordarei primeiro a problemática que envolve a literatura e as marcas do pós-modernismo com sua carga crítica, seu relacionamento com a história, suas influências culturais e, principalmente, as abordagens teóricas da Metaficção Historiográfica e seu relacionamento com o leitor. Tendo em vista que a literatura pós-modernista tem o mesmo princípio de criação da História Oficial, as histórias passadas da humanidade, um mesmo método de criação, o discurso narrativo; fins diferentes, pois as duas, tanto a literatura quanto a História tem objetivos divergentes: a primeira se firma como ficção e a segunda como verdade. 1.1 Pós-modernismo: as contradições, princípios e fins do fazer literário. [...] Na verdade, não há apenas um pós-modernismo, mas vários, e cada uma dessas construções foi cunhada num contexto distinto para servir a fins diferentes [...] (COUTINHO, 2004, p. 236). Toda a proposta de definição está sujeita a contestações, e em se tratando da problemática do pós-modernismo esse perigo é muito maior, pois esta é muito mais que uma palavra usada de várias maneiras e por vários seguimentos teóricos. A reflexão de Coutinho (2004) é a proposta acertada para abrir a discussão do paradoxo contemporâneo. Entre os vários pós-modernismos, um é apontado por alguns autores como movimento literário que nomeia as mudanças ocorridas a partir da década de 60 do século XX, mudanças tão complexas e com tantos defensores quanto opositores. Em decorrência disso, como afirma Coutinho (2004), existem vários pós-modernismos, dai a dificuldade em definir esse termo,
  • 14. 14 tendo de aceitar suas indefinição. Não é permitido nomear de forma simples e objetiva suas indefinições, por ele ser plural, recente e ainda não ter um o afastamento temporal suficiente para caracterizá-lo (discernimento que só o tempo é capaz de proporcionar). Devido as suas especificidades não poderá ser reduzido a um punhado de traços distintivos e restritos. Refletindo a pluralidade e os paradoxos, não existe uma forma consensual de referí-lo, porém, existe um termo que parece ser unânime entre os teóricos atuais, tanto os defensores, quanto àqueles que condenam desde Hutcheon (1991) a Eagleton (2005); de Nizia Villaça (1996) a Perrone-Moisés (1998); de Bauman (1998) a Coutinho (2004). Essa parece ser mais que uma palavra, é um termo que abarca de forma muito genérica as posições teóricas usadas pelos estudiosos citados, mas é o primeiro passo para entender o pós-modernismo, esse termo é: contradição. Em face do emaranhado de definições contraditórias apontadas pelos autores antes mencionados, faz-se necessário um esclarecimento deste trabalho acerca dos termos pós- moderno, pós-modernismo e pós-modernidade – lembrando que não existe consenso entre os teóricos. A preferência pelas definições que seguem parece ser as mais acertadas para o bom andamento deste trabalho. Como se fez entender Perrone-Moisés (1998 p. 181), pós-moderno é “considerado como um feixe de posturas filosóficas e traços estilísticos”, esses traços aparecem em diferentes autores e em períodos também diferentes. Seriam: [...] heterogeneidade, diferença, fragmentação, indeterminação, relativismo, desconfiança dos discursos universais, dos metarrelatos totalizantes (identificados como ‘totalitários’), abandono das utopias artísticas e políticas [...] (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 183, grifos do autor). Como também explica Rogério Forasteeri da Silva 2001, o pós-moderno é um tempo, uma era de incredulidade, em relação às metanarrativas totalitárias como o cristianismo, marxismo, o iluminismo, pressupostos que tentam unificar todos os campos do conhecimento em torno de uma doutrina única. O pós-moderno aborda a individualidade e o local, tentando desvendar as estruturas de poder que existem no comando das metanarrativas, os jogos ideológicos e de poder. O pós-modernismo é o movimento que surge depois das vanguardas artísticas do início do século XX, um conjunto de ideias. Também a pós-modernidade nasce em conseqüência do rompimento das múltiplas teorias sociais, históricas e filosóficas fixas do
  • 15. 15 século XIX, um período histórico. Sendo assim, fenômenos que abordam tanto os mecanismos sociais quanto artísticos, estudar o pós-modernismo implica diretamente escrever sobre as ebulições sócio-históricas da época expressa pela arte contemporânea3. A arte pós-moderna é extremamente inovadora, no sentido de abordar temas experimentais, e sua principal característica é o poder autoquestionador, com uma carga de criticidade, muito além das formas apresentadas pelos movimentos artísticos precedentes. Essa marca delineia os princípios da construção literária com objetivo de situar o pós- modernismo como cicatriz da escrita das décadas pós 60. Na tentativa de uma linha divisória entre o modernismo e o pós-modernismo, os teóricos, tentam traçar características opositoras, o que os diferencia e o que marca a ruptura entre um e outro. Mas o primeiro presenciou as rupturas, as quebras de paradigmas que aprisionavam o homem e a sociedade positivista, o segundo viu essas características se ampliando, evoluindo e principalmente sendo reelaboradas, logo não existiria o pós- modernismo sem o modernismo. O modernismo alimentou o pós-modernismo [...] o pós-modernismo se desenvolveu nitidamente a partir de outras estratégias modernistas: sua experimentação, auto-reflexiva, suas ambiguidades irônicas e suas contestações à representação realista clássica (HUTCHEON, 1991, p. 67). Uma das contradições do pós-modernismo é a comunhão de traços que caracterizam os movimentos modernista e pós, com o acréscimo dos efeitos das mudanças sociais do século XX. Stuat Hall (2006) analisa essas mudanças político-sociais como grandes descentramentos que fizeram surgir o sujeito moderno e aqui podem ser usados para caracterizar o contexto pós-moderno. A reinterpretação do marxismo, a descoberta do inconsciente, por Freud, a linguagem (um conjunto de sistemas que ganha sentido nas relações culturais), por Ferdinand Saussure, o regime de poder moldando o sujeito conforme denunciou Michel Foucaut, e por último, porém não menos importante, os impactos dos movimentos em defesa do: feminismo, homossexualismo na sociedade, mudanças sócio-ideológicas do início do século XX que antecederam e influenciaram as teorias pós-modernistas que, segundo Terry Eagleton (2005, p. 84) são principalmente: 3 A palavra “contemporânea” será usada como sinônimo de pós-modernista, não existe consenso entre os teóricos citados em relação ao fim ou não desse movimento.
  • 16. 16 A hermenêutica, como arte de decifrar, ensinou-nos a suspeitar do que é flagrante auto-evidente. O estruturalismo nos ofereceu um itálico sobre os códigos e convenções ocultas [...]. A fenomenologia entregou alta teoria e experiência cotidiana. A teoria de recepção examinou o papel do leitor na literatura [...]. Teorias que se completam – as do início do século XX e as da segunda metade do mesmo século, são responsáveis pela mudança no comportamento social de toda uma época e que, consequentemente, transformou a escrita literária desta época. Conforme os diferentes posicionamentos sobre o pós-modernismo, irei apresentar as concepções de vários autores sobre o mesmo objeto (arte e teoria) e como esses apontamentos desenham os princípios e os fins da literatura nesse contexto. Terry Eagleton é um dos críticos opositores do pós-modernismo, mas não é capaz de negá-lo e afirma que: “Esse é o reino pós-trágico do pós-modernismo. Ele é muito jovem para se lembrar de uma época na qual existiam [...] verdade, identidade e realidade [...]” (2005, p. 89). Para ele o pós-modernismo prega um mundo livre dos paradoxos, sem diferenças, sem afirmações unânimes, uma manifestação da liberdade, em toda sua plenitude, ao lado da ascensão da cultura popular, sendo o preço dessa liberdade e dessa pluralidade a transformação de todos em mercadorias. Tudo e todos são compráveis. “[...] o pós- modernismo que aqui marcou a quebra, à medida que tanto teoria quanto arte tornaram-se patentemente não-elitistas e consumistas”. A nova ordem social “[...] era conhecida como o shopping center”. (2005, p.103, grifos do autor) . Perrone-Moisés (1998) também critica o posicionamento dos pós-modernistas, não como aponta Eagleton, mas negando a existência desses pressupostos e afirmando que: “Os traços apontados como pós-modernos são, assim, ora modernos, ora mais antigos” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 184). Defende que os argumentos dos defensores do pós- modernismo não são convincentes devido à constatação de que muitos dos escritores tidos como pós-modernos o são apenas devido a posicionamentos ideológicos, distintos dos vigentes em sua época. Já Linda Hutcheon (1991) defende o pós-modernismo como um movimento riquíssimo em seus posicionamentos teóricos, democrático por ser extremamente livre para discutir todos os temas possíveis e despir-se de todas as amarras formais e tradicionais, descentralizando os discursos dominantes, além de afirmar que:
  • 17. 17 [...] Não seria difícil imaginar que o pós-modernismo contesta e que tentativas de mudança ele oferece: a democratização cultural das distinções entre arte elevada e inferior, e um novo didatismo; um questionamento político potencialmente radical, contextualizando teorias sobre a complexidade discursiva da arte; e uma contestação de todas as visões anistóricas e totalizantes (HUTCHEON, 1991, p. 76). A escritora identifica esses traços em todas as formas artísticas, analisando suas características discursivas. Porém foca seus estudos, principalmente, no romance que ela julga ser a forma literária que melhor une as características pós-modernas. Outra escritora que comunga da opinião acima citada, em defesa do pós-modernismo, é Nízia Villaça (1996, p.27), principalmente, no que diz respeito à fragmentação e à descentralização da criação, acrescentando o alto nível de “subjetividades” desse recente posicionamento sobre a arte contemporânea: “A questão dos sujeitos é esclarecedora, pois é no surgimento da pluralidade, das subjetividades, que se pode compreender as décadas posmodernas” 4, a multiplicação dos sujeitos em suas formas mais fragmentadas, presentes nos romances e sua adequação aos diferentes contextos. Os posicionamentos sobre o pós-modernismo aqui apresentados são apenas um pequeno esboço do emaranhado de contradições que vigora na elaboração da arte, resumidamente definidos como: quebra de paradigmas, contestação das verdades universais, pluralidade, contradição, democratização das artes, fragmentação, descentralização, ascensão das subjetividades, intimismo, foco no leitor. Com base nos autores citados, no geral de seus posicionamentos, esse é o rascunho do desenho a ser delineado pela arte e escrita desse momento da história da humanidade. Dos muitos posicionamentos abordados nas poucas linhas desse trabalho o que me parece mais coerente é o de Linda Hutcheon (1991, p. 61). Para ela: “O moderno está embutido no pós-moderno, mas o relacionamento complexo entre eles é de consequência, diferença e dependência [...]”. Não se pode negar sua existência, já que se fala, teoriza-se, contextualiza-se o pós-modernismo e não se pode ser radical, o ideal é estudar as marcas de sua contradição sem esquecer da própria provisoriedade de nosso tempo. A arte pós-modernista compara-se à função primordial da filosofia que é de fazer perguntas e refutar as respostas, já que as perguntas filosóficas são impossíveis de serem respondidas humana e universalmente. Assim, o mais importante não são as respostas, e sim 4 Segundo a autora Nizia Villaça (1996), o uso do termo posmoderno sem hífen visa a acentuar a paradoxo contido na terminologia escolhida para denominar inúmeros campos do saber contemporâneo.
  • 18. 18 as perguntas e as reflexões que brotam da criação (arte). Na contemporaneidade é difícil separar arte e teoria, aliás, esse parece ser apenas mais um dos paradoxos do pós-modernismo, elas estão ligadas por posicionamentos ideológicos e por semelhanças estéticas devido ao alto teor de liberdade artística. A literatura faz suas próprias escolhas e tem que assumir os riscos de sua ousadia, ela ousa caminhar por diferentes campos do saber para atrair e inquietar o leitor, mas por ser uma via de mão única com dois sentidos e seu ponto alto está no encontro entre a obra, que vem do lado esquerdo e o espectador do lado direito. Um depende mutuamente do outro, sem esse contrato não existiria a arte, nem espectador e sem espectador não existe arte. Isso fica evidente em todas as formas de arte, mas tratarei em especial da escrita literária, que na opinião de Eagleton (2005), traz consigo toda uma aba de especificidades e de escritores que revolucionaram o pensamento ocidental. Especialmente, o poder destrutivo da linguagem, ao defender que todas nossas pré-supostas certezas eram discursos construídos pela linguagem, que podem ser facilmente manipulados para se adequar às necessidades das sociedades, com o intuito de manter as posições das hierarquias e moldar o pensamento humano. Ao perceber essa trama, explodem os movimentos que reivindicam a atenção para aqueles sujeitos que foram durante séculos manipulados e excluídos da escrita e da sociedade como se não existissem ou existissem apenas para servir. O pós-modernismo literário abarca essa nova concepção de descentralizar as grandes narrativas, por ser um movimento em que todos os segmentos humanos: político, histórico, social, artes, cultura e religião, ora são apontados como a intensificação do modernismo, ora como completamente distintos. Refletir sobre a escrita pós-moderna é pensar em arte como a possibilidade de várias realidades alternativas que se imbricam e todas são tanto possíveis quanto à realidade. Uma das muitas características da pós-modernidade é o “autoquestionamento” que também foi transposto para a arte, a qual surge no ambiente contemporâneo com o objetivo de questionar todos os parâmetros positivistas, as narrativas de fundação, as questões ideológicas e de poder. Segundo Barthes (2004, p.05), “[...] já não se vê a literatura como um modo de circulação social privilegiado, mas como uma linguagem consistente, profunda cheia de segredos, dado ao mesmo tempo como sonho e como ameaça [...]”. Falar da escrita contemporânea envolve não apenas relatar os apontamentos do pós-modernismo enquanto movimento literário, mas e, principalmente, relatar as influências culturais que perpassam toda a literatura. Estudo que será feito de forma mais profunda na próxima seção deste
  • 19. 19 trabalho, ao abordar principalmente a influência dos Estudos Culturais na literatura, que é o resultado das descentralizações e das novas abordagens temáticas sobre a cultura e seu papel na sociedade. 1.2 Estudos culturais: as possibilidades dos princípios e dos fins no olhar sobre as margens O posicionamento dos Estudos Culturais5 lembra o mito Iorubá contado por Eliana Lourenço de Lima Reis (1999), quando ela analisa a obra literária de Wole Soyinca: Dizem os mitos iorubas que, a principio, os deuses viviam na Terra com os homens, porém uma falta humana fez com que voltassem a seu mundo. O longo isolamento entre deuses e homens deu origem a uma barreira intransponível entre eles, uma espécie de intricada floresta feita de matéria e não-matéria. Angustiados com a sensação de incompletude devido à separação, os deuses sentiram a necessidade de se ligarem novamente aos homens. O único que conseguiu a fachada de destruir a barreira entre os mundos foi Ogum, que, usando o primeiro instrumento feito de ferro, abriu caminho para si e para os outros deuses, restabelecendo o contato entre deuses e homens. Devido a uma falta trágica, contada em outro mito, Ogum é obrigado a repetir essa viagem anualmente em favor dos homens, mantendo sempre aberto um canal de comunicação entre os mundos (REIS, 1999, p. 85-6). A simbologia desse mito encontra-se na sua relação de circularidade como escreve Reis (1999), a noção de tempo cíclico, Todo ano “Ogum” faz o mesmo percurso e a imagem que representa essa ideia é o emblema da “serpente que morde a própria cauda”. A eterna descrição de criação e destruição, o ciclo termina e logo outro começa. Por essa noção estar ligada à fatalidade do circulo vicioso, segundo Reis (1999), Soyinka escolhe a “Faixa de Möbius” para uma interpretação pessoal do mito de “Ogum”. [...] sinal grego de infinito (∞), a Faixa de Möbius indicam uma sequência sem principio nem fim [...], por tanto sem um centro fixo, constituindo uma perfeita imagem de descentramento e das relações não-hierarquizadas. Sendo uma imagem da unidade na diferença [...] (REIS, 1999, p.86). 5 Segundo Hall (2003, p. 188), “Os estudos culturais abarcam discursos múltiplos como numerosas histórias distintas. Compreendem um conjunto de formações, com as diferentes conjunturas e momentos do passado”.
  • 20. 20 Por ser essa faixa um símbolo que representa a ideia de não existência de centro se assemelha aos Estudos Culturais, rompendo com as dicotomias: branco/preto, bem/mal, centro/periferia, verdade/ficção. Como foi mostrado, o pós-modernismo estruturou-se ao lado da escrita literária e as características outrora apontadas, apresentam-se, principalmente, em relação à interface ficção e história, pois essas abarcam de forma significativa suas marcas. O fazer literário pós-moderno apresenta as mesmas características do movimento em si, além de seu poder “auto-questionador”, desconstrói as narrativas de fundação, abordando as realidades possíveis graças a seus mecanismos artísticos. A desconstrução das narrativas perpassa pela exposição dos novos valores. Primordialmente rompe os limites entre ficção e História, elabora novas realidades, busca o passado para parodiá-lo, substituindo as construções linguísticas tradicionais, rompendo os paradigmas humanistas, etc. Os novos debates teóricos sobre o conceito de cultura são muito divergentes, Hall (2003) fala de duas concepções de cultura de forma muito simples: “para chegar às indefinições”. Esse pensador vê a cultura como um conjunto de especificidades que caracterizam um povo, as práticas sociais, o modo de vida. E vê também a cultura como domínio de ideias, narrações, histórias pelas quais um povo atribui sentido e refletem sobre as necessidades, as experiências em comunidade. Assim, define a cultura para os Estudos Culturais: “[...] o esboço de uma linha significativa de pensamento dos Estudos Culturais: dir-se-ia, o paradigma dominante. Ele se opõe ao papel residual de mero reflexo atribuído ao ‘cultural’. Em suas várias formas, ele conceitua a cultura como algo que se entrelaça a todas as praticas sociais: como práxis sensual humana, como atividade da qual homens e mulheres fazem a história” (HALL, 2003, p. 133, grifos do autor). O contexto de desconfiança prepara o surgimento dos Estudos Culturais, nascido no momento de ruptura entre velhos e novos paradigmas, em que entra em questão a dialética entre poder e conhecimento, disposto a analisar a produção e apropriação da cultura de massa e suas estruturas discursivas. Segundo Culler (1999), há duas matrizes básicas: o estruturalismo francês, que trata a cultura como um conjunto de práticas sociais possíveis de serem descritas; e a teoria literária, de origem marxista, que analisa a cultura como uma forma ideológica opressora. Apesar de ter nascido da análise literária, a aplicação de teorias socioculturais a formas literárias e seus discursos, hoje os Estudos Culturais é um campo de
  • 21. 21 atuação que engloba e amplia o discurso literário, perpassando para os mecanismos de produção cultural. [...] o projeto dos estudos culturais é compreender o funcionamento da cultura, particularmente no mundo moderno: como as produções culturais operam e como as identidades culturais são construídas e organizadas, para indivíduos e grupos, num mundo de comunidades diversas e misturadas, de poder do Estado, indústria da mídia e corporações multinacionais. Em princípio, então, os estudos culturais incluem e abrangem os estudos literários, examinando a literatura como prática cultural específica (CULLER, 1999, p.49). Nessa perspectiva de estudar a cultura em seus múltiplos aspectos como forma de expressão e de opressão, os Estudos Culturais tangenciam os Estudos Literários. Preocupam- se tanto com o estabelecimento dos cânones, quanto aos possíveis ângulos de interpretação desde histórico, psicológico, sociológico, questões de raça, gênero, posições de centro e margem6. As múltiplas formas de análise literária expressam a contraditoriedade dos estudos literários tradicionais, observando e estudando as diferenças, como nasceram e porque se mantêm as oposições que excluem ora um ora outro da colcha de retalhos que forma a sociedade. Aos Estudos Culturais justamente aliam-se “quer por vocação interdisciplinar quer por interesse em agentes marginalizados ou tipos subalternos” (SOUZA, 2006, p. 145). Por estudar os grupos minoritários, sua produção cultural7 e as forças ideológicas que as constroem e controlam, incluindo as produções escritas (literárias), os Estudos Culturais entram em oposição com a literatura canônica e a forma de estabelecimento dos cânones. Outro apontamento é o debate entre ficção e História, ao discutir o lugar dos discursos não oficiais e o papel da literatura como disseminadora de ideologias. A literatura é uma forma de expressão que tanto cria, quanto destrói valores sociais, segundo essa opinião, e por trazer essa qualidade, ela é tão amada e odiada. Assim, a preocupação com os efeitos (reações) do texto artístico, a ideia de produção artística supõem um circuito entre o autor e o receptor, isto é, a obra artística só se realiza pelo efeito que ela causa no receptor. 6 Essas noções são basicamente definidas por Hutcheon (1991, p. 85): “[...] repensar as margens e as fronteiras e nitidamente um afastamento em relação a centralização juntamente com seus conceitos associados a de origem e unidade[...]eterna e universal”. E as margens “[...] local, regional e não totalizante [...]”. 7 Nesse contexto Hall (2003, p. 128) define cultura como: “[...] todas as práticas sócias e constitui a soma do inter-relacionamento das mesmas”.
  • 22. 22 Entendendo essas oposições, principalmente, da relação entre História e ficção, e como a literatura se comporta diante das evidências de subjetividade da ciência histórica. A arte é usada para expor os contrastes e quebrá-los, preocupação que existe desde a antiguidade. Souza (2006) fala da posição de Plantão e sua preocupação com a reação do espectador, leitor e ouvinte de textos literários. Ele não se preocupa apenas com o artista, mas com a qualidade da produção, com seu efeito, achava que a poesia poderia fazer danos, despertar sentimentos prejudiciais não só aos cidadãos, mas também ao estado.Tudo isso por considerar o poeta um mentiroso, a arte um engano, a poesia uma mimese que levaria o espectador (leitor) a um “desencaminhamento moral”. Preocupação esta que foi descartada pela crítica literária tradicional ao afirmar que a obra de arte não tem função social, como cita Culler (1999, p.118) ao abordar a posição dos críticos: [...] os críticos deveriam se preocupar com a literariedade da literatura: as estratégias verbais que a torna literária, a colocação em primeiro plano da própria linguagem, e o estranhamento da experiência que elas conseguem [...] ‘ o mecanismo é o único herói da literatura’(grifo do autor). Essa é a principal oposição entre os Estudos Culturais e os estudos da literatura tradicional. Sobre essa oposição Culler (1999), no mesmo livro ao expor sua opinião sobre esse embate, diz que os estudos literários têm que aproveitar cada uma das boas qualidades das duas posições, pois não se pode abandonar as tradições nem tão pouco recusar as abordagens dos Estudos Culturais, as histórias das margens. 1.3 O pós-modernismo e a problematização da história Parafraseando Gaarder (1995), o homem só é verdadeiro quando se expressa através da literatura, pois, despe-se de todo e qualquer preconceito, normas sociais e imposições culturais, ele é livre para ser ele mesmo, camuflado pela linguagem e pela leve teia da ficção. Fora do mundo literário o ser humano é hipócrita e dissimulado, está sempre mentindo sobre seus desejos e vontades, por ter de ser “educado” e seguir padrões sociais culturalmente impostos, se pretende ser aceito na sociedade. O pós-modernismo ensina que não existe verdade e sim “verdades”, seja elas na literatura ou na história, os Estudos Culturais afirmam que a verdade depende de quem conta e seu significado depende do contexto cultural. A História, assim como a literatura tradicional chamam de minimista e ressentida as abordagens desse novo foco teórico e literário, porém,
  • 23. 23 como afirma Reis (1998 p. 246): “[...] se a história nos ajuda a ler a ficção, a ficção também nos ajuda a pensar a história [...]”. Não existe a necessidade de oposição e reducionismo entre ambas as partes, é importante atentar para o fato de atualmente todas as abordagens se complementarem: os Estudos Culturais, os discursos pós-modernistas, ambos não querem reverter os valores, transformar as margens em centro, como afirma Hutcheon (1991). O pós-modernismo quer apenas expor suas diferenças e discutir seus mecanismos de construção literária, pois: “[...] A ficção não quer ser história, mas desconfia que o eu social do homem que a produz passa, direta e indiretamente ao eu do narrador (o que está dentro da obra) toda uma experiência de vida e de linguagem”. (TELES 1996, p.376, grifos do autor). O narrador na ficção e na história é carregado de preconceito e isso se reflete em sua escrita. Sinônimo de liberdade a ficção (literatura) propõe o rompimento de padrões sociais culturalmente impostos pelas ideologias dominantes, usando a narrativa como ferramenta de ação. A ficção não é apenas uma forma de descontração e de liberdade de expressão é também palco de jogos ideológicos, por isso a discussão sobre o papel da ficção na atualidade é tão importante. Bauman (1998) explora o lugar da ficção no mundo pós-moderno cheio de incertezas e de descrença nas ciências, perpassando pelo conceito moderno, ele concebe a ficção como uma forma de crítica e de fuga da instabilidade das noções de verdade do mundo contemporâneo. A arte é o lugar das certezas que o mundo real não pode mais afirmar: No mundo moderno, a ficção dos romances desnudava a absurda contingência oculta sob a aparência realidade ordenada. No mundo pós- moderno, ela enfileira unidas cadeias coesas e coerentes, “sensatas”, a partir do informe acúmulo de acontecimentos dispersos. Os status da ficção e do “mundo real” foram, no universo pós-moderno, invertidos. Quanto mais o “mundo real” adquire os atributos relegados pela modernidade ao âmbito da arte, mais a ficção artística se converte no refúgio – ou será, antes, na fábrica? – da verdade (BAUMAN, 1998, p.157, grifos do autor). As noções de “verdade e ficção” hoje são concebidas como as formas pelas quais conhecemos o mundo e a História, pois a preocupação não é mais em validar a verdade ou a mentira e sim em fazer coexistir os diferentes posicionamentos entre os povos e as diferentes culturas. Consequentemente as verdades foram levadas para o campo da História e hoje ela não é mais um campo coeso, e sim composto de multiplicidade de posicionamentos. Santos (2000), fala de duas primordiais noções da palavra história, a primeira seria uma continuidade de tempo ao qual estamos sujeitos, o “fluxo dos acontecimentos” e a
  • 24. 24 segunda a escrita dessa história dos acontecimentos, “o relato” ou historiografia. Dessas duas tradicionais concepções de história ele oferece uma terceira contemporânea, afirmando que a distinção entre uma e outra não existe mais, devido às mudanças socioculturais. Já que, para a primeira acontecer é necessário experiência, vivencia e a segunda é o ato de escrever essa experiência. Continuando, Santos afirma que a perda da distinção entre as duas é um fenômeno social, pois perdemos a capacidade de viver, experimentar, devido à expansão do individualismo, do isolamento nos grandes centros, as cidades. O movimento de prisão é semelhante ao que Bauman (1998), chama de mal-estar pós-moderno, o sacrifício de liberdade em prol da segurança, que levou a uma busca de prazer individual: “[...] Os esplendores da liberdade estão em seu ponto mais brilhante quando a liberdade é sacrificada no altar da segurança” (BAUMAN, 1998, p. 10). O sacrifício da liberdade na sociedade contemporânea é uma forma de manter-se em segurança, sem liberdade é necessário buscar formas de prazer com cautela então se tem o afastamento do convívio em sociedade, o que Santos (2000), chama de “encarceramento” esse movimento leva a o homem a perceber o mundo através de relatos, observamos a união da experiência com o relato, porém os relatos são construções discursivas e não importa o quanto tentemos ser imparciais é impossível uma total correspondência ao fato ocorrido, a experiência, ao verificável, mesmo assim, passamos a conhecer o mundo pelos relatos ficcionalizados graças à falta de experiência. Resultado disso é a concepção contemporânea de história que une ficção e relato (historiografia): [...] os relatos históricos são ficcionais – pensando que a condição da ficcionalidade é suspender a relação de exclusão entre verdade e falsidade, entre acerto e erro, certeza e dúvida. Isso ocorre porque a história tem por objetivo documentos-monumentos: todo documento é verdadeiro – incluindo os deliberadamente falsos – e falso, é, simultaneamente, referencia e construção. O material da história são experiências-relatos, corpos-imagens, realidade-virtualidade, vigílias-sonhos (SANTOS, 2000, p. 51). Novas formas de conceber o conceito de história aparecem no cenário social contemporâneo por diferentes motivos, pode ser que o apontado por Santos (2000) não seja o mais convincente, mas é uma opção no mínimo intrigante. O pós-modernismo traz a incredulidade nas narrativas totalitárias e as reflete.
  • 25. 25 Peter Burk (1992) fala de dois conceitos de história um tradicional e outro contemporâneo: o primeiro que ele chama de história tradicional é voltado para a política, para narrativa de acontecimentos, a visão do centro, baseia-se em documentos oficiais e é objetiva, já o conceito contemporâneo, a nova historia, é voltada para o relativismo cultural, analisa as estruturas de produção da narrativa, visão das minorias, baseia-se em evidências visuais, orais etc., refletindo as convenções (subjetividade). Essa nova concepção pode ser chamada de “História Global”, trazendo para o centro dos debates a versão marginal da História Oficial e a concepção de que não existe verdade histórica e sim a versão de quem conta. [...] A compreensão brota da diferença: é preciso, para tanto, que se cruzem múltiplos pontos de vista que revelam do objeto - considerado, dessa vez, a parte de suas margens ou do exterior - múltiplas faces diferentes, reciprocamente ocultas. (SCHMITT, 2005, p.352). Segundo Peter Burke (1992, p.10), “A filosofia da nova história é a ideia de que a realidade é social ou culturalmente construída”. Desse posicionamento e o de Schmitt (2005), percebemos que ficção e História perderam suas linhas divisórias, os historiadores deveriam respeitar as posições dos ficcionistas que usam e abusam das Histórias e os escritores de ficção a dos historiadores que também usam romances históricos como fonte de pesquisa como afirma Souza (2006). A História deixou de ser uma verdade absoluta com os posicionamentos da nova história, questionando as afirmações imparciais dos relatos dos acontecimentos. Essa percepção forçou os historiadores a buscar outras formas de narrar, pois, “[...] Em outras palavras a narrativa não é mais inocente na historiografia do que na ficção [...]” (BURKE, 1992, p. 330). Passaram a usar mecanismos de criação literária para construir personagens históricos, principalmente, quando os documentos oficiais têm dados insatisfatórios. O romance pós-moderno apresenta as características principais da época estudada, normalmente a narrativa acontece como uma releitura de obras e temas passados recorrendo à memória ou não. Esse jogo tem o intuito de usar o passado para quebrar as verdades absolutas e afirmar que a história, assim como a ficção, é uma construção discursiva, além da fragilidade do sujeito. A quebra é feita ao dar voz e vez aos excluídos da construção histórica: homossexuais, mulheres, negros, índios etc, ou seja os marginais das relações étnicas, gênero e raça.
  • 26. 26 1.5 Usos e abusos da criação literária: um meio de contar as histórias “Uma coisa é o fato acontecido. Outra coisa é o fato escrito. O acontecido deve ser melhorado no escrito – de forma melhor – para que o povo creia no acontecido”.8 O contexto pós-modernista e suas contraditórias relações com a ficção e a história, perpassando pelos Estudos Culturais e pela Nova História, influenciando a escrita literária contemporânea de forma inovadora e livre de amarras formais e estéticas, uma literatura de autoconsciência, que não quer resolver os paradoxos pós-modernos, ao contrário, quer problematizá-los, e levá-los aos diferentes campos do conhecimento, arte, teoria, política. Seu propósito é fazer conhecer os diferentes posicionamentos sobre temas imutáveis, o ponto de defesa de cada grupo, etnia, raça, cor, sexualidade, nacionalidade etc. A arte pós-moderna subverte os signos e constroem o sentido ao lado do espectador, para ela não existirem regras, a regra é não ter regra alguma, pode construir simulações tão reais quanto à própria fantasia da realidade, tão fantásticas quanto à realidade mais crua. Segundo Bauman (1998, p. 133) “[...] arte pós-moderna é um esforço histórico de dar voz ao inefável”. Linda Hutcheon (1991) defende a existência do pós-modernismo e aponta suas marcas em seu livro “Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção”, analisando a arquitetura, o romance, obras fílmicas e teorias. Na primeira parte do livro ela discute os traços que compõem o pós-moderno, incluindo as influências teóricas e, principalmente, a “problematização” da relação entre ficção e história, dessa maneira prepara o espírito do leitor no sentido de apresentar a complexidade das abordagens contemporâneas. Teoriza, molda, limita, descentra, contextualiza e historiciza o pós-moderno. Na segunda parte demonstra e específica o que considera ser o traço mais marcante do pós-modernismo, a Metaficção Historiográfica e seus recursos intertextuais, aparecendo na literatura especificamente na forma de romance e é definida como uma abordagem que amplia e subverte as contribuições estético literárias e sua relação com a história. Segundo Hutcheon (1991, p. 61): “[...] se minha principal ênfase recai sobre o romance pós-moderno é porque ele parece ser um fórum privilegiado para a discussão do pós-moderno” (grifo do autor). Essa estrutura textual melhor abarca o processo plural da contemporaneidade e os apontamentos Históricos. 8 Fala extraída da personagem Antonio Bía, do filme Narradores de Javé.
  • 27. 27 E a Metaficção Historiográfica é uma forma de análise literária que une em seus debates as contradições pós-modernas dos limites da arte, teoria e política, abordadas por Linda Hutcheon(1991) como a forma do romance contemporâneo. Esse romance pós- moderno não é o único gênero textual com a densidade necessária para abarcar todas as formas inovadoras desse momento, porém ele é um dos mais difundidos nos campos midiáticos, universitários e de crítica, pois quebra todas as formas tradicionais, reinventa-se na estrutura textual na disposição das páginas, na dissonância do enredo e principalmente no uso e abuso da linguagem. Linda Hutcheon (1991) é muito mais ousada ao afirmar que além de sua preferência pelo romance, a ficção pós-moderna é “essencialmente metaficção historiográfica”, pois ela abarca todas as rupturas e as novas perspectivas literárias nesse momento contemporâneo. As características pós-modernas mencionadas no decorrer deste trabalho, voltadas para a relação ficção e História é o que primordialmente Linda Hutcheon (1991) chama de metaficção historiográfica, mecanismo que ela criou com o intuito de explorar os artifícios literários que permitem ao mesmo tempo aproximar e questionar ficção e História, pois “A ficção é historicamente condicionada e a história é discursivamente estruturada [...]” (HUTCHEON, 1991, p. 158). A metaficção historiográfica refuta os métodos naturais, ou de senso comum, para distinguir entre o fato histórico e a ficção. Ela recusa a versão de que apenas a história tem uma pretensão de verdade, por meio de questionamento da base dessa pretensão na historiografia e por meio da afirmação de que tanto a história como a ficção são discursos, construtos humanos, sistemas de significação, e é a partir dessa identidade que as duas obtêm sua principal pretensão a verdade. (HUTCHEON, 1991, p. 127). Não nega o valor da história, mas afirma ironicamente que seu conhecimento não é transparente, nem verdadeiro. Ao inserir os ex-cêntricos9 nas paródias intertextuais revela a relação de interdependência entre a margem e o centro, e uma necessidade de criar uma identidade fora da eurocêntrica, incorpora todas as práticas textuais: quadrinhos, artes, visuais, biografia, teoria, filosofia, psicanálise, contos de fadas etc, todos esses elementos compõem o sistema de significação do pós- modernismo. 9 Segundo Hutcheon (1991), o ex-cêntrico é “o que está fora do centro”, ou seja, os que ficaram fora da construção histórica como sujeitos: negros, mulheres, índios, gays etc. (os marginais).
  • 28. 28 Para discutir tais aspectos Linda Hutcheon (1991) aponta alguns aspectos formais; subvertendo com a ironia, intertextualidade, as estratégias de representação, a função da linguagem, a relação entre fato histórico, acontecimento e o debate sobre as verdades instituídas. O lugar dessa união é o romance e o uso da paródia como forma de unir passado histórico no presente textualizado. Esses usos mostram como somos construídos e condicionados pela cultura, pela ideologia e o quanto o poder discursivo pode manipular as lacunas da História. Apresentação que choca e só terá importância e significado se envolver o leitor, fazendo-o refletir sobre seu meio de tal maneira que este ganhe significado fora do mundo da ficção, sobre essa dinâmica Iser, em “Os atos de fingir: ou o que é fictício no texto ficcional”, (1983, p.397) afirma que: Assim o sinal de ficção não designa nem mais a ficção, mas o “contrato” entre autor e leitor, cuja regulamentação o texto comprova não como o discurso, mas sim como “discurso encenado” (grifo do autor). Para a Metaficção Historiográfica o papel do leitor não é só identificar as marcas textuais da história no romance. Para Hutcheon (1991, p. 167): “[...] O leitor é obrigado a reconhecer a inevitável textualidade de nosso conhecimento sobre o passado, mas também o valor e a imitação da forma inevitavelmente discursiva desse conhecimento”. Assim o leitor deixa de ser passivo e torna-se atuante no processo de criação de sentido da obra literária. O romance pós-modernista é o lugar da quebra de paradigmas, da inserção do “outro” como fonte de conhecimento, da união entre os Estudos Culturais, a Nova História e dos novos estudos sobre o leitor. Dessa mistura de teorias, de ficção, história e literatura, nasce a Metaficção Historiográfica que será estudada com maior ênfase no próximo capítulo, tendo como exemplo o romance “Terra Papagalli”(2000), uma narrativa sobre o descobrimento do Brasil.
  • 29. 29 CAPÍTULO II 2 METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA o lugar do passado histórico e literário Passam os séculos, os homens, as repúblicas, as paixões, a história faz-se dia por dia, folha por folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se, modificam-se, transformam-se. Toda a superfície da terra é um vasto renascer de idéias. (ASSIS, 1959, p. 369). A constatação das ebulições sócio-históricas pós-modernas levou muitos estudiosos a procuram caracterizar a arte contemporânea influenciada pelos novos paradigmas históricos, teóricos, sociais. Linda Hutcheon (1991) planeja traçar uma poética pós-modernista, discutindo teoria, história e ficção. O pós-modernismo traz consigo uma gama de estudos que procuram romper com as propostas ideológicas fixas de verdade, centro, imparcialidade, bem, etc. prioridades do positivismo eurocêntrico, machista, patriarcalista e burguês. As problemáticas do rompimento de tais pressupostos não são nada simples, pois o pós-modernismo não pretende evocar novos centros, novas verdades, unicidade, etc. Segundo Hutcheon (1991), ele quer apenas discutir os discursos ideológicos que regem a sociedade. Desvelar os binarismos: centro/margem, certo/errado, único/múltiplo, fixo/móvel entre outros, propondo as quebras de oposições, evocando o descentramento do sujeito, da história, da ficção e da teoria. Problematizar, nunca propor soluções, é a contradição do pós-modernismo. O lugar desse debate é: [...] A metaficção historiográfica sempre afirma que seu mundo é deliberadamente fictício e, apesar disso, ao mesmo tempo inegavelmente histórico, e que aquilo que os dois domínios têm em comum é sua construção no discurso e como discurso (HUTCHEON, 1991, p. 184). Ao revelar a natureza discursiva da Metaficção Historiográfica, existe a necessidade de especificar como ela ocorre na narrativa ao reportar-se ao paradoxo da relação entre ficção, história e o enquadramento do leitor, além de uma rápida abordagem sobre a nomenclatura. Para começar, o termo metaficção não é muito debatido no decorrer do livro. Por isso, segue duas definições prévias. Podemos entender a metaficção como sendo uma tentativa de
  • 30. 30 superar a construção literária tradicional, com o objetivo de subverter os elementos narrativos, tendo como estratégia a elaboração de um jogo intelectual entre a linguagem e as formas literárias, assim desafia o leitor e suas concepções sobre história e ficção. [...] A menudo se suele entender por «metaficción» los comentários del narrador sobre o proceso de creación. Conviene aclaras qué puede entendrse por metaficción. És uma forma específica de la metatextualidade, es decir, la serie de condiciones que constituyen la lectura y la produccón de um texto em El contexto de uma cultura o período histórico determinado (PASERO, 2000, p. 165, grifos do autor). Nestas estruturas incluir-se-iam [...] quer intromissões ou manipulações de índole mais sub-reptícia mas que, de qualquer modo, e na medida em que também elas interrompem a linearidade do fluxo narrativo, chamam a atenção para o facto de que, efectivamente, se trata de ficção (ARNAUT, 2002, p. 239-40). A metaficção abre espaço para a contestação do caráter subjetivo da escrita literária e, consequentemente, da história como narrativa. Um recurso muito usado na ficção contemporânea, tendo como objetivo demonstrar e revelar as estratégias narrativas para o leitor perceber os artifícios tradicionais de estruturação da escrita, de modo a refletir sobre a natureza discursiva e ficcional dos relatos.E por historiografia, simplesmente tida como a escrita da história, contemporaneamente não é só isso, inclui também, o confronto de várias escritas como define Silva (2001, p. 279): “Os estudos historiográficos gerais [...] pela natureza própria do trabalho estabelecem uma periodização específica e por força dessa mesma periodização tratam de opor ou contrastar escolas históricas ou autores entre si”. Se pensarmos no termo Metaficção Historiográfica ele tem um duplo poder de reflexão: primeiro o papel auto-reflexivo do poder narrativo jogando com a linguagem, a ficção e a memória; em segundo, com o confronto da escrita da história, com vozes diferentes, que não se excluem, Hutcheon (1991) une complexamente as problemáticas da autoconsciência da metaficção e as versões da história. Como o termo metaficção está associado á criação literária, o termo historiografia, logicamente, remete a escrita da história. A crise no mundo dos historiadores tradicionais e o nascimento das incertezas sobre verdade, as diferentes concepções de documento e a falha em objetivar o discurso da história fizeram nascer o novo conceito de historiografia. Le Goff (2003, p. 28) escreve que a nova: “[...] historiografia surge como consequência de novas leituras do passado, plena de perdas e ressurreições, falhas de memória e revisão”. Ganha uma
  • 31. 31 dupla identidade, pois, mesmo as contestações de caráter objetivo não nega seu papel na sociedade, hoje caminha por estradas que se cruzam simultaneamente. Inicialmente a historiografia servia para separar na escrita o passado e o presente, dividir os períodos históricos, na contemporaneidade foi levada a considerar e refletir seu processo de escrita como determinado por ideologias. Sobre esse movimento Certau (2007, p. 22) comenta: “[...] a historiografia envolve as condições de possibilidades de uma mesma produção, e o próprio assunto sobre o qual não cessa de discorrer”, já que o historiador está inserido em um contexto com debates acalorados sobre as condições do real e a construção das narrativas. Como o próprio nome deixa evidente a Metaficção Historiográfica evidencia o processo narrativo e por isso incorpora textos literários e históricos. Embora tenha algumas características semelhantes não é um romance histórico, não trata a relação entre ficção e história de forma simples (ficção é mentira e história é verdade). As especificidades entre literatura e história não é uma característica exclusiva da contemporaneidade, com o decorrer do tempo, porém, se tornaram problemáticas, ora distanciadas, ora aproximadas. 2.1 O “romance” da Metaficção Historiográfica: em “Terra Papagalli” “[...]contudo, repito, se a arte padece, a intenção merece respeito” (ASSIS, 1959). Para exemplificar como as questões da Metaficção Historiográfica são tratadas em um romance pós-moderno, farei uso de “Terra Papagalli” (2000), dos autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, partindo do princípio de que não é possível apontar em um único romance todas as características mencionadas por Hutcheon (1991). Aqui será feito um breve levantamento das marcas do pós-modernismo à luz da Metaficção Historiográfica, com o intuito de atender ao segundo objetivo deste trabalho. Devido às especificidades metodológicas do romance pós-moderno faz-se necessário uma distinção entre romance histórico, romance pós-modernista e Novo Romance. No século XIX com o nascimento do romantismo histórico, caracterizado por usar um período ou personagens históricos como pano de fundo para criar, inventar histórias. O enredo do romance histórico tem caráter educativo como afirma Soares (2000, p. 204): O romance histórico surge no contexto da série de transformações sociais e econômicas da Europa que repercutem na afirmação e popularização do
  • 32. 32 nacionalismo, passando a integrar o “elenco das grandes narrativas de consolidação do sentimento nacional e de legitimação do impulso universalizante do Ocidente” (grifos do autor). Para Hutcheon (1991), a atual relação entre ficção e história na literatura diferencia-se do que conhecemos por romance histórico. Pois, a mútua relação de inclusão e negação do fato histórico na narrativa literária é uma das maneiras pós-modernistas de reelaborar o passado e atribuir sentido ao real. Ela firma que tradicionalmente “ficção histórica” é uma forma clássica de interrelacionar história a literatura, definida: “[...] como aquela que segue o modelo da historiografia até o ponto em que é motivada e posta em funcionamento com uma noção de história como força modeladora (na narrativa e no destino humano)” (HUTECHEON, 1991, p. 1551 grifos do autor). A questão da distinção entre romance histórico e Metaficção Historiográfica não é esgotada pela autora, ela toma as abordagens de (LUKACS, 1962 apud HUTHCEON 1991, p. 151): “[...] o romance histórico poderia encenar o processo histórico por meio da apresentação de um microcosmo que generaliza e concentra”. Portanto, a personagem principal deve representar tanto o todo quanto o particular de uma sociedade, se históricos, são jogados para o plano secundário na tentativa de “autenticar” o mundo ficcional. Os detalhes são usados apenas para proporcionar a veracidade (verificabilidade) histórica. Na Metaficção Historiográfica os personagens principais são sempre ex-cêntricos, até mesmo quando o protagonista da narração da história assume uma dimensão diferente, irônica, sem pretensão à universalização. Incorpora os detalhes, não na tentativa de obter verificabilidade, mas usando os detalhes para contestar as falhas na narração da história, mostrando o não reconhecimento do: “[...] paradoxo da realidade do passado, mas sua acessibilidade textualizada para nós atualmente” (HUTCHEON, 1991, p. 152, grifos do autor) As personagens são usadas como meio para questionar as versões da História com sua pretensão à verdade universal. Além das Metaficções Historiográficas existem outros tipos de romances como o romance “não-ficional” ou “Novo Jornalismo” nascido na década de 60: trata-se de: “[...] uma forma narrativa documentária que utiliza deliberadamente técnicas de ficção de maneira declarada e não costuma aspirar à objetividade na apresentação” (HUTCHEON, 1991, p. 153). Esse tipo de romance assemelha-se a Metaficção Historiográfica por sua provisioriedade, metaficionalidade, forma e, às vezes, conteúdo. Mas, difere por sua volta ao
  • 33. 33 passado recente, criticando quem define a verdade, a subjetividade, no sentido de impor a opinião, o ponto de vista do autor sobre os fatos. A Metaficção Historiográfica ao enfatizar momentos e personagens históricos específicos na composição de romances aborda toda uma gama de marcas da escrita contemporânea como: a crítica a versão oficial da história, questiona as centralizações, as hierarquias, os sistemas fechados, os limites entre ficção e história. Duvida de toda e qualquer demonstração única de verdade e sentido universal, afinal, a ficção pós- modernista não tem o papel de refletir ou copiar a realidade e sim de propor novas leituras do real que não anula ou exclui as existentes, só acrescenta outras possibilidades ao real. Em Terra Papagalli (2000), obra em que a problemática entre ficção e história é muito presente, pois se trata de uma “Narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada, soberba, invejável, cobiçosa e gulosa história do primeiro rei do Brasil ou Terra Papagalli” (TORERO & PIMENTA, 2000). Conta a história de Cosme Fernandes, O Bacharel da Cananéia, com muitas informações sobre a “descoberta” do Brasil aos primeiros contatos com os gentios e os primeiros colonizadores. A estrutura do romance Terra Papagalli (2000) conta com a inserção de um dicionário em que se encontram reunidas algumas das palavras da língua tupiniquim; um bestiário, em que são relatados alguns animais estranhos encontrados no Brasil; e um diário de bordo, escrito pelo próprio Cosme, durante a viagem. Embora os capítulos sejam organizados, mesclando carta e diário, a narrativa é uma carta que Cosme Fernandes escreveu ao Conde de Ourique sobre quem ficamos sabendo, ao final da narrativa, ser seu filho. Uma releitura crítica da “descoberta do Brasil”, o protagonista é Cosme Fernandes, um degredado português, apelidado de Bacharel, que assume, no romance, o papel de descobridor das terras brasileiras: a “Terra dos Papagaios”. Cosme Fernandes, juntamente com mais seis degredados, são deixados na nova terra para aprenderem a língua dos gentios, assegurando assim, os interesses da Coroa Portuguesa. Após alguns dias na ilha, e a superação de muitas dificuldades os sete são capturados pelos índios e por eles conduzidos à tribo Tupiniquim onde passam a constituir família com as gentias. Com o tempo, conquistam a confiança de toda a tribo, inclusive do chefe Piquerobi, Cosme Fernandes, que por meio de estratégias de guerra leva a tribo dos Tupiniquins a sucessivas vitórias sobre outras tribos inimigas, começa a construir um porto batizado de “Paraíso”, no qual ele dá início à prática da comercialização de índios prisioneiros, sendo, depois de alguns percalços, conhecido como o Bacharel da Cananéia por fundar um porto ainda maior na vila de Cananéia que ele próprio construiu.
  • 34. 34 2.2 A forma narrativa: narrar, contar é escolher um ou outro No romance “Terra Papagalli” (2000) a personagem Cosme Fernandes conta sua versão para o “achamento” do Brasil, adotando como estrutura uma carta para fazer conhecer a si e a sua história ao receptor. A narração é feita mesclando as formas de um diário e uma carta, contada em primeira pessoa, com um narrador autodiegético, ou seja “o personagem- narrador é o protagonista da história”, segundo D’Onofrio (1999, p. 64). Este acumula o papel de sujeito da enunciação e do enunciado, narra sob a ótica pessoal os fatos, as personagens, as brigas e as representações do tempo e do espaço. O tempo da narrativa é diegético, cronológico, o herói conta sua trajetória de vida desde a infância. Linda Hutcheon (1991), fala de duas formas narrativas principais na Metaficção Historiográfica que caracterizam a idéia de subjetividade nos romances: a primeira é a abordagem dos múltiplos postos de vista, e a segunda a do narrador onipotente. No caso do texto em estudo não existe a perspectiva dos múltiplos pontos de vista, pois o narrador- personagem e protagonista exibe sua opinião sobre os acontecimentos, ele escolhe o que deve ser contado, o que é ou não importante. Afirma sempre a veracidade dos fatos e essa preocupação é um indicativo de subjetividade e fragilidade da narrativa. Digníssimo senhor conde, durante a viagem que fiz pelo mar Oceano pude dispor de algum papel de palha e um resto de tinta, com o que escrevi um pequeno diário de bordo. Tomarei a liberdade de acrescentar tais páginas a esta carta, pois acredito serem a mais eficaz e eloqüente descrição daquelas dias. Talvez falte um pouco de estilo na escrita, mas em troca tereis o frescor dos sentimentos in petto e das observações in loco (TORERO & PIMENTA, 2000, p.22, grifos do autor). A subjetividade é marcada pelo narrador que pode tudo desde a inserção de um diário para atribuir veracidade a narrativa, deixando o leitor desconfiado de suas intenções, de seu verdadeiro propósito. Mesmo admitindo conhecer tudo que conta pela experiência, seu tom irônico prepara o espírito do leitor para as contradições que seguirão, entre o dito no romance e o conhecimento prévio da História. Na forma narrativa da Metaficção Historiográfica não se tem um sujeito capaz de conhecer o passado com certeza. Uma opção para não atribuir verificabilidade é o uso da memória, que é subjetiva, fragmentária e manipulável ideologicamente, a exemplo da memória coletiva. Para Marilena Chauí (2003) o processo de memorização é objetivo e
  • 35. 35 subjetivo. Objetivas são as atitudes-físico-fisiológicas, e subjetivas a importância do fato para nós. Essa seleção natural afirma que a memória é uma representação do passado, como pontos em comum, porém nunca será a mesma para todos, pois cada ser atribui valor a fatos de forma pessoal. No romance, a memória tem a função de organizar os fatos históricos e pessoais do narrador: Continuo então a narrar minha história naquelas distantes terras, mas servindo-me agora apenas da memória. Garanto-vos que tudo será verdade, apesar de muitas páginas parecerem copiadas desses livros de aventuras que se vendem pelas feiras (TORERO & PIMENTA, 2000, p.43). Cosme Fernandes usa a memória para recriar fatos vividos, logo a rememoração entra em cena como afirma Gagnneb (2001, p. 91): “[...] pois não se trata somente de não esquecer do passado, mas também de agir sobre o presente, não sendo um fim em si, visa à transformação do presente”. A memória é usada para dar sentido ao passado e fazer se conhecer para a posteridade, dessa forma, fica evidente o caráter subjetivo desse conhecimento. Ao recriar fatos, inevitavelmente, fazemos uso de nossas funções imaginativas para preencher os detalhes que não tiveram importância para nós. Quando se trata de literatura e história o uso imaginativo permeia a preocupação de vários teóricos: Se retornarmos então ao debate teórico entre história e literatura, é preciso admitir que a produção na linguagem da verossimilhança, a colocação estratégia do ‘efeito de crença’ buscando o apoio sobre a vontade de fazer crê que as coisas ‘se passaram realmente assim’, esta produção deve-se menos a uma suposta exatidão dos fatos que a ‘função imaginária’ que preenche o verossímil na construção da consciência individual e social (LEENHARD, 1998, P.42-3, grifos do autor). A imaginação adentra a história e a ficção, faz parte do convívio social do ser humano, com a descrença nas grandes narrativas como forma de explicar o mundo. Fomos levados a unir os pequenos fragmentos das histórias e ficções dos marginais para atribuir sentido ao que antes era explicado por uma ideologia centralizadora e binarista. O sujeito que reconstrói sua história em “Terra Papagalli” (2000) é um degredado, participou do descobrimento por acaso, um ex-cêntrico. Assim como Hutcheon (1991) afirma acontecer na Metaficção Historiográfica, o protagonista recria de forma irônica uma história com seu ponto de vista, usando fatos históricos como fonte. Ao narrar sua vida, narra a si mesmo e a história, fazendo inferências e preenchendo lacunas.
  • 36. 36 Hall (2006) também debate sobre o sujeito e a identidade cultural, ou melhor, sobre sua fragmentação, descentralização, problematização. Para ele, os processos de mudança na sociedade provocaram a provisoriedade da identidade cultural, o sujeito não é mais visto como sendo unificada o e estável: “[...] assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (HALL, 2006, p. 13). O sujeito cartesiano (branco, homem e europeu) em “Terra Papagalli” (2000) é ironizado, o colonizador não tem as características dos heróis românticos: bom, belo, corajoso. Ora assume posição de líder, por imposição do destino, ora é medroso e se faz de vítima, segundo a narrativa, quando estabiliza seu poder econômico e social, seu rival (Lopo de Pina), consegue uma forma de usurpar o “pobre do Cosme”. O “Bacharel” é manipulador: “Minha história é muito desventurada e dói-me o peito a cada vez que nela penso, mas, como sei que queres ouvi-la, vou contá-la para ti” (TORERO & PIMENTA, 2000, p. 14), em toda a narrativa atribui aos seus colegas a má sorte, a culpa de suas desventuras, além de apresentar, desde o início, aquele que irá se tornar seu carrasco sempre como homem corrupto. Esse Lopo de Pina, de quem ainda muito falarei, parecia conhecer todas as cantigas desonestas que há no mundo e era dado a zombarias (TORERO & PIMENTA, 2000, p.21). Sobre este já falei um tanto e acrescento apenas que tinha por defeito nunca conformar-se com seu estado. Se lhe dessem pão, agasalho e vida honesta, não lhe davam nada. Queria ser rico, vestir gibões de Castela, ter mulher fidalga e escravos. Dava ordens com gosto e as ouvia com azedume.Também tinha inveja da sorte alheia, tanto que se visse um outro com roupa melhor ou mulher mais bela, logo as desejava para si. (TORERO & PIMENTA, 2000,p.49). O narrador-personagem faz-nos sentir com piedade, conversa com seu interlocutor e deixa sempre claro que se trata de uma narrativa verídica: “[...] essas são, senhor, as palavras tais como ela disse [...]” (TORERO & PIMENTA, 2000, p.14). Uma voz envolvida no que narra, usa da estrutura em primeira pessoa para movimentar suas emoções e sentimentos, além de diminuir a distância entre o fato narrado e o leitor. 2.3 A função da linguagem e as estratégias de representação: narrações do Brasil “O tempo temperou”. (ROSA, 1988, p. 107).
  • 37. 37 Segundo Hutcheon (1991) as questões ligadas à identidade e subjetividade entram pela representação, pela referência e pela linguagem, pois a relação entre literatura, história e realidade na literatura pós-modernista usa um modelo teórico modernista (auto- representação), que separa a linguagem literária da referência, – a literatura se refere ao mundo ficcional. Porém esse modelo é transposto ao incluir textos históricos em romances, quebra-se a auto-representação, sendo que o texto histórico se refere ao real, instala-se o paradoxo pós-moderno. Ao incluir a problemática da linguagem na referência: “[...] a ‘realidade’ a que se refere à linguagem da metaficção historiográfica é sempre, basicamente, a realidade do próprio ato discursivo (daí sua designação como metaficcional), mas também a realidade de outros atos discursivos do passado (historiografia)” (HUTCHEON, 1991, p. 194). A problematização da referência e da representação ligada à história pelo pressuposto de que “as palavras se referem a signos pré-fabricados”, por isso a Metaficção Historiográfica contesta toda a concepção simplista de representação. Já que a história como discurso não representa o real, no processo de criação usa a natureza imaginativa para atribuir sentido ao passado e presente. O historiador também só pode escrever conjugando, nesta prática o ‘outro’ que o faz caminhar é o real que ele não representa senão por ficções. Ele é historiógrafo. Endividado pela experiência que tenho disto gostaria de homenagear está escrita da história (CERTEAU, 2007, p. 26, grifos do autor). As teorias que estudam a arte pós-moderna e as constatações dos pressupostos do humanismo têm a preocupação com a representação, a relação de subjetividade e como o sujeito é representado na cultura e na literatura. O tratamento dado ao indivíduo como um ser descentrado que constrói a si mesmo e ao mundo, usando referências textuais e contextuais, tornando-se eminentemente social como representante de minorias diversas. “[...] eles ensinam, por exemplo, que a representação não pode ser evitada, mas pode ser estudada a fim de demonstrar como legitimiza certos tipos de conhecimento e, portanto, certos tipos de poder” (HUTCHEON, 1991, p. 298). Com o caráter social e político na representação dos sujeitos a problemática é ampliada, se na literatura modernista existe uma separação: “aquilo a que a história se refere é
  • 38. 38 o mundo real; aquilo a que a ficção se refere é um universo fictício” (HUTCHEON, 1991, p. 198). No pós-modernismo a história é vista como um intertexto, compartilhando com alguns teóricos que a literatura não passa de uma referência do texto para o texto. A Metaficção Historiográfica como super discursiva problematiza uma relação de referência com o mundo histórico, ela insere a referência ao abrir as portas para a história e a nega ao atribuir ficcionalidade aos dois mundos (o real e o fictício). Na representação feita por Torero e Pimenta (2000), os índios são comumente tratados como diferentes dos portugueses por terem costumes e uma organização social peculiar, sua língua é um símbolo da estrutura cultural tupiniquin. Mas nem por isso os autores os tratam como os livros de História, ou a Carta de Caminha (1999, p. 58-9): “Mas, o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece, que será salvar esta gente, e deva ser principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar”. Relendo a ultima linha da folha anterior, percebi que aprender alguma coisa desta língua dos tupiniquins pode ser de muita valia caso o senhor cometa um dia o desatino de vir um dia a essas terras da gentilidade. Primeiramente, devo dizer que este idioma não possui os sons de “F”, “L” e “R” forte, pelo que há quem diga que ao tupiniquins não têm nem fé, nem lei, nem rei, o que é grande truanice, pois em Portugal temos o “F” e há mulheres que não são fiéis, temos o “L” e há súditos que não são leais, e temos o “R” forte mas são poucos os que agem pela razão (TORERO & PIMENTA, 2000, p.67, grifos do autor). Se na Carta de Pero Vaz de Caminha os índios precisam ser salvos, simplesmente por terem uma crença religiosa diferente, em “Terra Papagalli” existe uma inversão dos valores e uma crítica à hipocrisia da sociedade portuguesa. Como discurso, a linguagem não pode escapar a apresentação de uma ideologia tanto na Carta quanto no romance, porém com perspectivas distintas, diferentes sentimentos em relação ao índio. Na ficção “as representações não possuem um conteúdo intrisecamente ideológico, mas executam uma função ideológica na determinação do sentido” (WALLIS apud HUTCHEON, 1991, p. 298). Sobre o problema da referência pós-moderna e sua atribuição da não referencialidade entra em contradição, principalmente nas produções metaficcionais, devido a suas estratégias de escrita englobando os textos históricos. [...] percorrida por malabarismos sintáticos-formais [...]. Essas práticas redundariam não apenas uma estilização extrema mas, pela aliança com comentários metaficcionais, que de modos diversos chamam a atenção do/e para a sua própria construção, seriam, também, as grandes responsáveis pela
  • 39. 39 desestabilização, senão pelo curto curto-circuito da relação texto-mundo (ARNALT, 2002, p. 220). Para ela a realidade passa, principalmente, pela realidade do processo criativo, permeado de estratégias que aproximam e ao mesmo tempo afastam a relação mundo texto. A tentativa ingênua de reflexo, de mimese deve ser entendida como uma “metáfora de fronteiras fluidas”, já que toda tentativa de reproduzir a realidade passa pela subjetividade do criador. Linda Hutcheon (1991), aponta diferentes conceitos de referência: primeiro, o que difere o mundo histórico do mundo fictício é a intencionalidade do historiador e do romancista, pois na ficção há a sobreposição da verdade e falsidade; segundo, não nega referencia à ficção, mas atribui a ela um referencial distinto; terceiro, não nega um referente à linguagem, mas só é acessível pelo texto, questiona a redação da história e separa fato de acontecimento, para dizer que: O que a metaficção historiográfica faz é restabelecer o significado por meio de sua auto-reflexividade metaficcional em relação à função e o processo de geração de sentido enquanto, ao mesmo tempo, não deixa desaparecer o referente. No entanto, esse tipo de ficção pós-moderna também se recusa a permitir que o referente assuma qualquer função original, qualquer função de alicerce ou de controle (HUTCHEON, 1991, p. 193). A auto-refelexividade da ficção pós-moderna não se encaixa nem nega nenhuma definição de referente, apenas problematiza. Nas Metaficções Historiográficas são múltiplos os tipos de referências, por isso, Hutcheon (1991), fala de “rotas de referências” que é a união de diferentes teorias de referência. Para Linda (1991) a linguagem tem o poder de construir e não só de descrever o que é representado, tanto na história quanto na literatura. As duas são construções linguísticas, mais simples em relação à narração e aos mecanismos de composição dos discursos históricos e literários. Recai sobre a Metaficção Historiográfica o papel de demonstrar através dos jogos de linguagem que só inseridos em um contexto, perceptível pelo leitor, os sentidos são construídos e desconstruídos no interior de uma obra. 2.4 A intertextualidade paródica: os usos, abusos do outro e suas verdades Os romances pós-modernistas ou as Metaficções Historiográficas problematizam em suas estruturas narrativas questões de identidade, subjetividade, representação,