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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
        DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS – LICENCIATURA, HABILITAÇÃO EM
        LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA BRASILEIRA




                  O ENTRE-LUGAR FEMININO:
a metáfora da identidade da mulher no espaço bélico entre o público e o
    privado em Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado




                           Conceição do Coité
                                 2012
                                                                          1
RIGOMÁRIA DA SILVA LOPES




                  O ENTRE-LUGAR FEMININO:
a metáfora da identidade da mulher no espaço bélico entre o público e o
    privado em Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado



                          Monografia apresentada ao Departamento de Educação,
                          da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),Campus
                          XIV, como parte do processo avaliativo para obtenção do
                          grau de Licenciada em Letras com habilitação em Língua
                          Portuguesa e Literaturas – Licenciatura.
                          Orientadora: Prof.ª Eugênia Mateus de Souza




                           Conceição do Coité
                                 2012

                                                                               2
MULHER
Antes do homem, a mulher, a mãe, durante o
homem, a mulher, a esposa, depois do homem, a
mulher, a sombra. Sombra do homem, claridade do
homem, trabalhadora, dura em seus trabalhos,
amorosa, estrelada como o céu em um ciclo tenaz
de ternura, mulher corajosa das profissões, operária
das fábricas cruéis, doutora luminosa junto à
criança, lavadeira das roupas alheias, escritora que
segura uma pequena pena como espada, mulher do
morto que partiu na mina sepultado pelo carvão
sangrento, solitária mulher do navegante,
companheira do preso e do soldado, mulher doce
que rega seus rosais, mulher sagrada que da
miséria multiplica seu pão com pranto e luta,
mulher, título de ouro e nome da terra, flor
palpitante da primavera e fermento santo da vida,
chegou a hora da aurora, a hora das pétalas de pão,
a hora da luz organizada, a hora de todas mulheres
juntas defendendo a paz, a terra, o filho.
                                       Pablo Neruda



                        MULHER GUERREIRA

                   Não se molda às circunstâncias

                          E se lhe privam o prazer,
                                      Vira guerreira
                            Não aceita imposições

                         Vai em busca, indo à luta
                        Para não se deixar morrer!

                                  Menina guerreira

                            Quer viver plenamente,
                                buscando, amando,
                             desejando, sonhando,
                       e sentindo o prazer de viver.

                                  Moiro do Barlavento

                                                   3
À minha mãe Terezinha,
a pessoa mais especial da minha vida.




                                   4
AGRADECIMENTOS


         A melhor maneira de registrar a gratidão é mergulhar na profundeza interior e
perceber momentos atemporais e pessoas que se tornaram significativamente essenciais no
nosso processo vital. Quero aqui mencionar momentos e pessoas que, de uma forma especial,
marcaram parte da minha história acadêmica.
         Agradeço primordialmente ao meu Deus por estar comigo em todas as
circunstâncias, auxiliando-me a seguir confiante sem desanimar em meio aos obstáculos. Por
me acompanhar por espaços polissêmicos. Por me presentear com uma mãe admirável, que
esteve comigo, correndo em meu auxílio para reerguer-me quando aparecia o cansaço. À
minha mãe devo a formação do meu caráter.
         Com ele (caráter) pude conhecer e conviver com pessoas esplêndidas e desfrutar de
momentos singulares. Dentre eles as pessoas do meu “lar” acadêmico. Minha permanência
essa instituição deve-se muito a um grupo de colegas, professores, funcionários que
contribuíram de maneira incalculável para o meu desenvolvimento e crescimento pessoal e
profissional.
         Aos funcionários Décio, Roberto, Margarete, agradeço o apoio quando necessário;
aos zeladores em geral, obrigada pelo sorriso e palavras revigorantes. Tenho prazer em
reconhecer o compromisso ao trabalho docente que todos os professores desta instituição
desempenhaste no decorrer do curso:        Edite, Antonilma, Bulcão, Celina Bastos, Fátima
Barros, Itana Nunes, Saionara, Plínio. Em particular, a influência da minha orientadora
Eugênia Mateus de Souza que, com todo carinho, respeito, atenção e compromisso me aceitou
como orientanda e por acreditar que este trabalho se materializasse; agradeço ao professor
Deijair Ferreira pela paciência e incentivo.
         Desfrutei de uma relação de cumplicidade, companheirismo ao lado da turma de
Letras Vernáculas, 2008.1. A vocês agradeço pelos momentos alegres, tristes, divertidos,
tensos, prazerosos e fortalecedores. Em particular fui privilegiada por poder conhecer um
grupo de amigas que impulsionaram minha permanência nessa instituição no decorrer do
curso: Camila Silva, Camila Mascarenhas, Soelha Aleluia, Rosieli Silva, Luciana Lago e Any
Tarcila. Muito obrigada pela compreensão, pelo incentivo, pelos carinhos, por estarem ao meu
lado.
         Embora nossas vidas agora sigam rumos diferentes, a certeza que temos é de levar
um pouco de tudo e de todos. A semente de informação, criticidade e amizade sincera foram

                                                                                          5
plantadas, e o motor para uma trajetória significativa pautada em princípios éticos perspicazes
foi impulsionado.
        Hoje acredito que os sonhos podem se tornar realidade desde que acreditemos
firmemente; acreditei e conquistei, em unidade. Os percalços não foram maiores que minha
fé, mais degraus para meu crescimento. Agradeço à vida, as dores, as alegrias... Enfim, a tudo
que me permitiu chegar a meu mais novo caminho.




                                                                                             6
RESUMO
A representação da mulher na sociedade, nos espaços público e privado, e seus passos em
busca de uma identidade no romance Tereza Batista Cansada de Guerra dialogam com os
estudos de pesquisadores, como Almeida (2010); Araújo (2003); Bahktin (2008); Bhabha
(1998); Beauvoir (1980); Belline (2003); Brait (2008); Castells (1999); Chaves (2006);
Chalhoub (1998) Duarte (2004); Ferreira e Nascimento (2002); Giddens (2002); Lévinas
(1997); Lopes (1987); Motta, Sardenberb e Gomes (2000); e Pereira (2004), os quais
sedimentam as hipóteses de uma problemática insistente, todavia, indignada com a falta de
resultados fotografados nos ideiais de mulher. Num jogo bélico estampado de lutas, cansaços
e desafios, analisa-se as posições intersticiais de Indivíduos restrito à esfera privada e, ainda,
desprovidos de liberdade e aceitação social, suas armas defensivas contra as imposições estão
fortemente marcada pela determinação de caráter modelada em Tereza Batista para comandar
este exército com as demais mulheres sociais. Por meio de uma linguagem clara e objetiva,
busca-se, pois, demonstrar os avanços da personagem em busca da sua liberdade, e a quebra
com os padrões tradicionalistas para por um fim numa luta identitária sem méritos imediatos,
mas sequencializada pelos (des)caminhos agora impostos pelo discurso feminino direcionado
ao seu lugar e às próprias escolhas.

PALAVRAS-CHAVE: Mulher. Literatura. Representação. Ruptura. Espaços públicos e
privados.




                                                                                                7
ABSTRACT

The woman’s representation in the society, in the public and private spheres, and her steps
towards an identity within the novel Tereza Batista Cansada de Guerra dialogue with the
students of researchers like Almeida (2010); Araújo (2003); Bahktim (2008); Bhabha (1998);
Beauvoir (1980); Belline (2003). Brait (2008); Castells (1999); Chaves (2006); Chalhoub
(1998); Duarte (2004); Ferreira e Nascimento (2002); Giddens (2002); Lévinas (1997); Lopes
(1987); Motta, Sardenberb e Gomes (2000); e Pereira (2004), who dig hypothesis of an
insistent issue, anyway, indignant about the lack of results taken on the woman’s ideals. In a
warlike game printed of battles, tiring and challenging, it is analyzed the interstitials positions
of individuals restricted to the private sphere and, yet, lacking of freedom and social
acceptance, their defensive guns against the impositions are strongly marked by the
determination of character modeled in Tereza Batista to command this army with the other
social women. By the means of a clear and objective language, it aims to demonstrate the
character’s advances towards its freedom, and the rupture with the traditionalist standards in
order to put an end in an identity fight without immediate merits, but sequenced by the
(anti)ways now imposed by the feminine discourse directed to its place and own choices.


KEYWORDS: Woman. Literature. Representation. Rupture. Public and private spheres.




                                                                                                 8
SUMÁRIO


INTRODUÇÃO AO JOGO BÉLICO DE TEREZA ................................................... 10


1      ENTRELUGARES: espaços imaginados entre público e privado .................... 14
1.1    Entrelugar: configuração fronteiriça e literária ........................................................ 17
1.2    Jorge Mulher Amado: o interstício literário dialético .............................................                          21
1.3    Entrelugar feminino? Uma questão de ótica ............................................................ 25


2      IDENTIDADE, MULHER E METÁFORA: a dialética imagem
       jorgeamadiana ........................................................................................................ 29
2.1    Identidade plural e coletiva: desenhos imagético-imaginários ou construção
       cultural? ................................................................................................................... 31
2.2    Mulher objeto ou objeto mulher: de um extremo a outro na escrita jorgeamadiana                                               34
2.3    Metáfora e carnavalização à revelia de uma construção literária de mulher .........                                          38


3      TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA: interstício bélico do anti-
       herói ........................................................................................................................ 43
3.1    Mulher cansada + jogo bélico = a busca de espaço ................................................. 44
3.2    Nem público nem privado, apenas Tereza Batista e a concretização do eu ............                                          48
3.3    Simplesmente Amado Tereza: “Da terceira vez não vi mais nada”........................                                        51


AINDA CANSADA... MAS SEM CONCLUSÕES ABSOLUTAS ............................                                                          56


REFERÈNCIAS .............................................................................................................. 59




                                                                                                                                           9
INTRODUÇÃO AO JOGO BÉLICO DE TEREZA



                                    Tendo dito e não sendo contestado, agora pergunto eu: que lhe
                                    interessa, seu mano, saber das mal aventuras de Tereza Batista?
                                    Por acaso pode remediar acontecidos passados?Tereza carregou
                                    fardo penoso, poucos machos agüentariam (sic) com o peso; ela
                                    aguentou (sic) e foi em frente, ninguém a viu se queixando,
                                    pedindo piedade; se houve quem rara vez a ajudasse assim agiu
                                    por dever da amizade; jamais por frouxidão da moça atrevida;
                                    onde estivesse afugentava a tristeza. Da desgraça fez pouco
                                    caso, meu irmão, para Tereza só alegria tinha valor
                                    (AMADO, 1972, p. 8).


         A literatura arte com poder de recriar, ressignificar o real, revive o que já passou
presentifica o passado e provoca fruição no leitor, ou seja, comove. A fantástica linguagem
literária possibilita para um novo olhar, uma nova forma de perceber o mundo, uma vez que a
velocidade dos fatos da vida ao serem descritos não permitem uma pausa para absorção dos
acontecimentos, pela simultaneidade e falta de relação existente entre si.
         Na ficção contemporânea existe um abandono da descrição dos episódios de forma
linear, isso decorre, pois o sujeito está envolto diante de uma realidade social e cultural que
não o completa, o mundo do fragmento e do múltiplo é o caminho natural e inevitável para o
uno e o todo. Segundo Maia (2009), falar de contemporaneidade é falar de todos nós,
enxergando o movimento histórico; é o espaço de uma nova ordem estabelecida, advinda
principalmente dos grupos minoritários que reivindicam participação e visibilidade igualitária
socialmente.
            Seguindo essa linha de pensamento, a temática analisada –As marcas identitárias
de uma guerra entre o público e o privado na formação metafórica do feminino, em Tereza
Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado – estrutura-se numa monografia intitulada O
ENTRE-LUGAR FEMININO: a metáfora da identidade da mulher no espaço bélico entre o
público e o privado em Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. Sob o olhar de
gênero, temática por se exaurir, e da narrativa Jorgeamadina tenta-se com esse trabalho
averiguar as marcas de uma guerra entre o público e o privado na formação do feminino, e na
busca por um espaço na sociedade, em Tereza Batista Cansada de Guerra, definindo o
Público e Privado e as práticas opressoras do domínio público e seus reflexos na formação
identitária feminina.



                                                                                                10
Busca-se revisitar o processo de carnavalização como recurso metafórico de
construção de mulher transgressora a partir dos princípios religiosos sincréticos, identificando
as atitudes femininas, plurais e contestadoras, no processo de emancipação, na figura de
Tereza Batista em comparação às demais figuras femininas do romance, como integração
entre literatura e cultura na escrita jorgeamadiana. Analisam-se os papéis sociais atuados por
Tereza Batista Cansada de Guerra e a demarcação da dicotomia entre a mulher do espaço
público e a mulher do espaço privado.
        Na narrativa estudada, o autor Jorge Amado traz a imagem da mulher do séc. XX,
vítima da falta de sanções sociais e marcada por uma carga de erotismo e, juntamente, com
ela força e audácia. O autor enfoca a mulher que rompe modelos pré-estabelecidos para
alcançar a liberdade; afirma um sujeito feminino arrebatador que luta para alcançar uma
visibilidade social. O universo polêmico marca-se pela presença da forte e complexa
personagem que chocou a sociedade e, rompeu convenções sociais usando o poder de
sedução, sensualidade, acompanhada com atrativos valorativos, afirmando a força da mulher e
respondendo ao mundo que lhe excluía.
        O guia para as leituras e estruturação do trabalho partiu primeiro do objetivo geral –
Averiguar as marcas de uma guerra entre o público e o privado na formação do feminino, e na
busca por um espaço na sociedade, em Tereza Batista Cansada de Guerra – direção para os
passos da pesquisa:

a. Definir Público e Privado no contexto em questão;

b. Elencar as práticas opressoras do domínio público e seus reflexos na formação identitária
  feminina;

c. Revisitar o processo de carnavalização como recurso metafórico de construção de mulher
  transgressora a partir dos princípios religiosos sincréticos.

d. Identificar atitudes plurais contestadoras femininas no processo de emancipação, na figura
  de Tereza Batista em comparação às demais figuras femininas da obra, como integração
  entre literatura e cultura na escrita jorgeamadiana.

e. Analisar os papéis sociais atuados por Tereza Batista Cansada de Guerra e a demarcação
  da dicotomia entre a mulher do espaço público e a mulher do espaço privado.
        De início, a preocupação voltou-se para a leitura e análise do romance em questão,
por conseguinte, novas leituras de fundamentação teórica, como Almeida (1998); Bhabha

                                                                                             11
(1998); Beauvoir (1980); Castells (1942); Chaves (2011); Chalhoub (1998); Duarte (2004);
Ferreira (2002); Mota (2000)fomentaram o texto, com o objetivo de relacioná-las a narrativa
em análise e seu autor. Enfim, uma pesquisa de caráter bibliográfico.O trabalho está
estruturado em três capítulos, cada um com três sessões e as considerações finais.
         No primeiro capítulo intitulado Entrelugares: espaços imaginados entre público e
privado, foi feita uma análise do anúncio feminino no espaço público; retratou-se a
ultrapassagem de fronteiras/limites nos interstícios dialéticos, os entraves vitais são
substanciados nesse processo de ruptura. A imagem feminina é descrita por uma nova ótica
interpretativa, o escritor Jorge Amado apresenta uma mulher amada, que ultrapassa as belezas
estéticas; simultâneo aos arquétipos de fragilidade, doçura, atribuídos à mulher, retrata-se a
mulher guerreira, que crítica as mazelas sociais por meio das suas ações. A mulher
desvincula-se do discurso ideológico horizontal, firma-se em plurais espaços e assume-se
enquanto sujeito mobilizador.
         No segundo capítulo Identidade, mulher e metáfora: a dialética imagem
jorgeamadiana, busca-se mapear o processo de formação identitárias, de mulheres no espaço
social, em concomitância com a mulher analisada no corpus do trabalho, Tereza Batista. As
articulações femininas metaforizam-se revestem a mulher de atrativos reestruturados e
ressignificantes. A mulher Amadiana é descrita como objeto de crítica e ruptura social,
entremeia nos espaços ainda inatingíveis e modifica o discurso articulado. A mulher
carnavaliza-se, transforma-se em uma nova mulher, reveste-se com armas defensivas contra
toda forma de imposição e marginalização social.
         No terceiro capítulo designado Tereza Batista Cansada de Guerra: interstício bélico
do anti-herói possibilita-se uma abordagem centrada especificamente na obra Tereza Batista
Cansada de Guerra, nos entrelugares percorridos por Tereza e que congruem para a formação
do seu caráter. Nesse ponto, retrata-se a personagem quando se assume enquanto mulher
objeto, dançarina, prostituta, professora, amásia, altruísta, enfermeira e militante. A narrativa
permite uma íntima aproximação da personagem com demais figuras sociais que
compartilham dos mesmos conflitos femininos. A imagem da mulher amadiana emerge nos
espaços públicos e privados, transita nas variadas esferas sociais e mostra a possibilidade do
ser humano de “ir além”.
         A partir da contestação que Tereza vivenciou diante de metralhadas guerras
existenciais, finaliza-se com Ainda cansada... Mas sem conclusões absolutas. Neste tópico
finalizador apresentam-se os amores, dissabores vivenciados pela personagem; configurando-


                                                                                              12
a no plano obscuro e indecifrável mistério, depara-se com uma Tereza inacabada, em contínuo
processo de construção identitária.
         Jorge amado conduz o leitor à imaginação, sua linguagem transporta o indivíduo a
abarcar o irreal para real no imaginário. Há uma dialética entre imaginário e ficção que só a
ficção pode separar. Unindo aspectos reais ficcional, Amado mapeia a vida da mulher e
enxerga-a em patamares polissêmicos. Configura-a sob ótica libertária, e apresenta mulheres
que, enfrentando o jogo bélico opressor, constituem-se enquanto indivíduo de ação,
conduzindo os leitos às novas óticas interpretativas.




                                                                                          13
1 ENTRELUGARES: espaços imaginados entre público e privado


         Na literatura, a representação feminina sempre esteve em foco, haja vista por ela
ocupar um espaço preponderante na formação da cultura ocidental. Novos enfoques, novas
leituras, novos recortes, à figura feminina fora eternizada por poetas, esquecidas por
sociedades patriarcalistas, escondida por seus próprios desejos, esquecidas como objeto de
prazer ou de luxo, amada por apaixonados amantes, traída pela indiferença de seus
companheiros.
         A   figura   ora    fiel,   apaixonada   amorosa,    sonhadora,     heroína,   lutadora,
introspecta,protetora... A mulher chega ao século XXI seja anunciada por sua voz ou pela voz
masculina.As formas controladoras impostas continuaram evidentes.
         Dentre a persistência em abrir espaços públicos apenas para o lado social masculino,
movimentos feministas acentuados buscaram uma forma de quebrar fronteiras. “A construção
de imagens femininas na literatura tem sido um meio pelo qual valores culturais têm sido
mantidos de geração a geração (BELLINE, 2003, p.96).
         O olhar masculino sobrepõe-se aos direitos femininos, neutraliza os direitos da
mulher, desmandos que favorecem a criação de movimentos de identidades fragmentadas,
cujas discussões sobre a posse de seu lugar reiterou-se nos escritos literários, os quais
documentam séculos quando os homens impunham suas demandas e as mulheres,
consideradas inferiores, física e mentalmente, sujeitavam-se às constantes guerras entre
permanências e desejos.
         O entrelugar das mulheres submissas consiste em conservação sem ação. Encontram-
se, os indivíduos femininos, vive-o, filtrando-se nas ideologias, sem, contudo, adequar-se.
Dividem-se entre o almejar e o possuir. Trajetórias de lutas contra o silêncio evidenciam-se na
literatura, onde o outro (o patriarca) impõe o que lhes é permitido fazer.
         Articula-se a duplicação de identidades. Firma-se a suposição do “eu”, que poderia
“ser” em substituição do “eu” vivido pela submissão e subserviência. Esse contexto sofreu
poucas alterações; com o transcorrer do tempo, porém, as metamorfoses de papéis sucederam,
em decorrência das lutas. Modificar a posição da mulher de passiva, subserviente e objeto em
mulher “transformadora” intercala a passagem do privado para o público.
         O deslocamento consiste no desconstruir uma história, ressignificando-a. Desse
modo, o entrecruzar de posições, articula um mutável desenvolvimento de características.


                                                                                              14
Desestabilizadas, no processo de significação identitária, as mulheres vivem na disjunção
comportamental. Os espaços intermediários emergem, figuram-se novos sujeitos.
        A formação do sujeito fragmenta-se. Figuram-se nos entrelugares. O passado reflete
no presente e afeta o futuro. A mulher assume caracteres plurais. A ideologia feminina,
incrustada no pensamento social, reconstrói-se. Esta atitude, vista por muitos como afronta,
proporcionou um jogo bélico entre o público e o privado.
        Os ininterruptos conflitos estabeleceram-se mediante a passagem da mulher do
privado lar, esposa obediente, ou seja, objeto fixo de prazer às demandas patriarcais, para
“protagonista” do seu próprio destino, pertencentes ao mesmo espaço público até então
predeterminado e centrado exclusivamente ao homem.
        O escritor Jorge Amado, em sua narrativa, problematiza questões nascentes nas
relações sociais e se utiliza de uma linguagem crítica, embora popular, inserida na segunda
fase modernista.
        Nesta fase, escritores abordam questões sociais bastante graves: a desigualdade
social, a vida cruel dos retirantes, os resquícios de escravidão, o coronelismo, apoiado na
posse das terras - todos os problemas sociopolíticos retratados nas várias regiões. Jorge
Amado extraplola o debate, transpondo as fronteiras paternalistas que entravam na passagem
feminina para espaços onde as vozes fossem ouvidas.
        Os estereótipos femininos criados não só transgridem como chocam o convencional.
Entra em cena a mulher no contexto social em ação.Na obra Tereza Batista Cansada de
Guerra, Jorge Amado desenha a imagem de Tereza Batista, mulher revolucionária e contrária
às imposições socioculturais, que luta com toda bravura, força e audácia no firme propósito de
subtrair as desigualdades.
        A personagem faz a travessia nas guerras impostas pelo público e luta,
incansavelmente, contra o destino que lhe tentam impor. Não tivera ilusões na vida. Ainda
criança, seus pais morreram em um acidente de marinete, seus tios a criaram e moldaram-na
para ser uma boa dona de casa e submeter-se às demandas do público, porém, em suas
brincadeiras com os “meninos”, aprendera que guerreiro não chora. Vendida por seus tios,
vive com o capitão Justo, quem lhe estupra; homem sem caráter, ou seja, inescrupuloso,
oprime-a, aprisiona e escraviza.
        Refletem-lhe características masculinas: corajosa, não chora ou desanima, amadurece
mediante sofrimento, age valentemente. Tereza se manteve firme, foi submissa quando, em
meio às guerras com o público, suas forças cessaram, contudo, logo desconstrói essa ideia.


                                                                                           15
Apresenta sua bravura, ao matar o capitão. Embora “Cansada de guerra”, cria trincheiras de
resistência contra a idealização masculina de mulher.
        Relaciona-se, pois, a obra ao povo brasileiro, que em meio às formas de dominação,
opressão e múltiplos sofrimentos, desenvolveram defesas em prol de sua existência. Na obra,
Tereza não só representa o feminino, o jogo verossímil da literatura, simboliza dois blocos de
opressão – a margem e o feminino. No espaço público, nega-se enquanto mulher de sujeição
ao privado, e é-lhe negado domínio para além do lar. Incansável nesse percurso bélico
estabelecido nas relações sociais sobrevive de forma crítica e contestadora contra toda e
qualquer forma de dominação.
        Por este viés, Tereza desloca-se do entrelugar como sugestão dos interstícios para
onde foram empurrados os povos marginalizados, os “ressentidos”. Jorge Amado
(des)constrói este espaço feminino com a criação de uma personagem que transita um e outro
lugar. A universalidade desenhada num perfil feminino (particular) amplia os sentidos. A
máscara burguesa queda e decrépita mediante a imagem transfigurada de um antagonismo ao
centro da discussão.
        O comportamento humano sempre foco das ilustrações reticentes de uma sociedade
masculina em seus valores. Reconfigura-se esteticamente entre jogos e segredos literários no
vértice de uma questão antiga e recondicionada. Com o propósito de desenhar mais um
mosaico, as metáforas linguísticas entrecruzam dentro de um jogo bélico entre público e
privado para estabelecer os limites dicotômicos entre a mulher do espaço público e a mulher
do espaço privado.
        A abertura das fronteiras da literatura de Jorge Amado cria novos conceitos de lugar.
Qual o limite? Qual a fronteira? A transposição local internalizada no imaginário conhecido
como entrelugar e o sujeito feminino simbolizam a escrita de Jorge Amado que, ao mapear
estes espaços e personagens, determina o interstício literário dialético aonde perambulou para
criar matrizes tradicionais revisitadas por ângulos que só olhares transgressores enxergam.
Portanto, o entrelugar feminino pode referendar uma questão de ótica.
        A fronteira imaginária e a literatura associada configuram os interstícios alimentados
social e historicamente. A arte pode refinar olhares, revisitar conceitos e levantar novas
versões como espelho social.




                                                                                           16
1.1 Entrelugar: configuração fronteiriça e literária



                                          A arquitetura do novo sujeito histórico emerge nos próprios
                                          limites da representação. (BHABHA, 1998)


          Fronteira e limite são aspectos distintos. Enquanto o segundo delimita, separa, o
primeiro abrange a área em derredor, um espaço privilegiado de encontro ligado à alteridade1.
A fronteira pode ser encarada como barreira ou como ponto de comunicação, isto é, limite e
ponte. O termo pode até ter sido ressignificado ao longo da história, mas segundo Chaves
(2006), na literatura e no imaginário, o conceito permaneceu e autores e leitores continuam
transeuntes nesse espaço “polissêmico da linguagem”.
          O processo diacrônico contra a opressão é recorrente na sociedade. Os limites que se
estabelecem no processo vital, são demasiadamente adquiridos mediante uma exploração
decorrente desde o processo de colonização. Uma vez que o indivíduo não se reconhece no
contexto vigente, adquirem comportamentos plurais, o ser não se fixa em espaços
determinados, atribuem-se caracteres inexistentes à sua razão, são usurpados do seu próprio
“ser”. Existir consiste em habituarem-se às demandas pré-estabelecidas. Com o avanço
sociocultural, as configurações identitárias modificam-se. Fronteiras estabelecem-se entre o
espaço aspirado e/ou ocupado. Não obstante, o conceito de público refere-se às possibilidades
dos indivíduos de impor suas opiniões. Bhabha (1998, p.301) enuncia:



                            O que está em questão é a natureza performativa das identidades
                            diferenciais: a regulação e negociação daqueles espaços que estão
                            continuamente, contingencialmente, se abrindo, retraçando as fronteiras,
                            expondo os limites de qualquer alegação de um signo singular ou autônomo
                            de diferença – seja ele de classe, gênero ou raça. Tais atribuições de
                            diferenças sociais– onde a diferença não é nem um nem outro, mas algo
                            além intervalar – encontram sua agencia em uma forma de um futuro em que


1
 A alteridade enquanto estado de ser outro, contrário à identidade, presente nos estudos culturais, é tratado por
Bakhtin quando da teoria do dialogismo.“A questão da alteridade (ing. otherness; fr. alterité; al. Anderssein)
corre o risco de se tornar simplisticamente universal, no caso de considerarmos o Outro como uma categoria
onipresente, porque tudo está em oposição em relação a alguma coisa ou a alguém. É necessário delimitar a
aplicação do conceito e, de preferência, pelo menos no que toca à literatura, considerá-lo apenas nas relações
poéticas, dramáticas e nas que se abrem nos textos literários” (CEIA,2010). Segundo Bahktin, o eu só existe
quando em diálogo com o outro. Alteridade, pois, poderia ser definida como percepção e aceitação do valor do
outro. A inteira relação entre identidade e diferença, uma interação de difícil comunicação. (Disponível em:
<http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=541&Itemid=2>.                 Acessado
em: 23 de abril de 20110

                                                                                                             17
o passado não é originário, em que o presente não é simplesmente
                       transitório. Trata-se de um futuro intersticial, que emerge no entre-meio.


        Ocupação e/ou aspiração surgem muito sobre o lugar de certas identidades. As
diferenças asseguram a multipluralidade cultural/identitária. Nessas contrações intersticiais de
espaço e fronteiras evidenciam-se cristalizações. Na obra, a personagem Tereza Batista,
rasura o conceito de identidade feminino contrapondo-se às convenções e ordens lineares pré-
estabelecidas. A prisão social, do espaço restrito a tal identidade criou ora estágios de
resignação, ora estágios de indignação. Nesse entremeio, Tereza flutua. Livra-se do cárcere do
lar e reconfigura-se no espaço social indiferente à identidade cravada à revelia do ser
feminino. Segundo Simone de Beauvoir (1980, p. 9), “Ninguém nasce mulher, torna-se
mulher”. Qualquer restrição a esta idéia descaracteriza a imagem construída internamente.
Jorge Amado estabelece espaços transgredidos congruentes às suas personagens e o faz
mediante comportamentos que abalam o pertencimento social pré-moldado.
        As mulheres, em Tereza Batista Cansada de Guerra, adentram na fronteira/limite.
Tereza, a personagem, vive o processo de descontínua escala temporal: ora amásia, dona de
casa, ora prostituta. O entrelugar marca-se como impotência identitária, não se firma nos
papéis desempenhados. O estado performativo, ou seja, mulher do espaço privado, e/ou
mulher do espaço público permeia a narrativa, desencadeia-se um estado bélico, sucumbe aos
desejos e adéqua-se aos contextos sociais. O domínio público neutraliza Tereza Batista. O
entrecruzar de identidades caracteriza-se de modo a representar novos outros perfis contrários
à modalidade inerente ao ser. O lugar feminino consiste em estar entre as demandas
opressoras, mesmo sem aceitá-las.
        Em Silviano Santiago (2000), verifica-se o processo de colonização, em diálogo
sobre os discursos construídos mediante as condições subjacentes que os latino-americanos
vivenciaram em face das imposições norte-americanas. Os colonizados, no encontro com
esses dois mundos, não se encontram em seu próprio lugar de origem. Assim, apresentam-se
como subservientes às imposições do colonizador.
        As fronteiras entre o lugar e a cultura primitiva são (re)estabelecidas; as formas de se
comportar, vestir e pensar baseiam-se nas demandas dos colonizadores e senhores. “Pelo
extermínio constante dos traços originais, pelo esquecimento da origem, o fenômeno de
duplicação se estabelece como a única regra válida de civilização” (SANTIAGO, 2000, p.14).
        A diversidade cultural estabelecida entre etnias e variados grupos sociais conduz à
miscigenação, mistura de raças e valores. Nessa união estabelece-se a mudança. Poder-se-ia

                                                                                              18
dizer que o entrelugar consiste no seu lugar. A nova ordem de fronteiras, o “perambular” por
espaços, públicos e privados, que Tereza Batista experimentou, representa genuinamente a
mulher guerreira, com características peculiares. O entrecruzar de barreiras/limites, a
diversidade de aparatos centrados no sujeito deslocado e os plurais espaços vivenciados
resultam na penetração da mulher no entrelugar. Não se marca em um unívoco papel.
         Desde pequena, ao ser vendida por seus tios ao capitão Justiniano Duarte da Costa,
Tereza não mais se centrou em um ponto definitivo. Os variados comportamentos advinham
da sua condição. Indivíduo desprovido de carinho, amor, família, sozinha no mundo. Uma
vida de subtração. Torna-se mulher, símbolo dos recortes vividos.        As personagens do
romance assumem-se no desencontro de espaços, o entrelugar evidencia as guerras e o
cansaço. Os resquícios culturais no processo de formação da identidade tornaram-se marcas
constantes destes autores sociais nas trincheiras de resistência.
         A infiltração cultural assegura caminhos distintos dos vividos pelo sujeito. O pensar
e comportar-se são produzidos descontinuamente; abolida a unificação dos papéis, invertem-
se as regras contextuais, agora heterogêneas. O código linguístico passa por metamorfoses.
Novas aquisições enriquecem-no. O desvio das normas transfigura os elementos até então
imutáveis. Os indivíduos perambulam por espaços desconhecidos e contrários ao habitual.
Configuram-se, perdidos e confusos no seu próprio eu, e acatam as ideias imperiais. Tal
reflexo mostra-se em Tereza Batista Cansada de Guerra.
         A personagem ao romper com o sistema opressor e privado assume-se enquanto
prostituta. Ligada a uma classe marginalizada, marca-se com estereótipos excludentes. Sua
imagem deturpa-se, entre o sonho e o dever. O passado difícil, de lutas, obstáculos e prisão
que Tereza enfrentou quando criança circunscreve-se no decorrer da narrativa. Tereza rompe
com as fronteiras patriarcais, ao desvincular-se do sistema opressor de Justiniano, mas se
aprisiona na esfera social. A prostituição, assumida como válvula de escape por Tereza,
caracteriza-se como novos outros cárceres, uma vez que os homens têm acesso livre e
impositivo ao seu corpo.
         Os limites impostos às mulheres eram restritos. Romper com a configuração
predeterminada significava aprisionar-se. O entrelugar feminino personificado em Tereza
Batista caracteriza a mulher emaranhada em espaços enclausurados. O lar, espaço privado,
representa-se pela vida esvaecida e privação de desejos nos espaços sociais. Seu
comportamento transpõe-se para outra ordem, adere diferentes condutas. A mulher, cujo
comportamento é repudiado enquadra-se à convenção, mesmo parcialmente. Bhabha (1998,
p.71) ratifica: “[...] a luta contra a opressão colonial não apenas muda a direção da história
                                                                                           19
ocidental, mas também contesta sua idéia (sic) historicista de tempo como um todo
progressivo e ordenado”. A condição alienante imposta pelo grupo imperial emerge como
estereótipo estruturador, mas o marginalizado recusa tal posicionamento, desloca-se do papel
de subserviência, seu quadro de referência é transgredido, e seu campo de visão perturbado.
Figura-se em um campo de visão contrário ao estabelecido.



                         A figura representativa dessa perversão é a imagem do homem pós-
                         iluminista amarrado a, e não confrontado por, seu reflexo escuro, a sombra
                         do homem colonizado, que fende sua presença, distorce seu contorno, rompe
                         suas fronteiras, repete sua ação à distância, perturba e divide o próprio tempo
                         de seu ser (BHABHA, 1998, p. 75).


           Desde o início, a cultura ocidental apresenta os caminhos tortuosos dicotômicos entre
colonizador e colonizado, senhor e escravos, patriarca e servos. Estabelece-se uma cultura
guerreira e, desencadeia-se a sede de poder. Submissão e marginalização se fazem presentes
em decorrência do medo que impera em uma sociedade masculina, centrada numa política
econômica e social baseada nas necessidades das elites. Todavia, Dijk (2008, p. 47) afirma
que a ideologia dominante de um determinado período costuma ser a ideologia
especificamente da classe elitizada.
           A relação entre público e privado apresenta formas controversas nas demarcações
sociais. O agrupamento social no espaço público oferece caracteres individuais marcados por
melhores possibilidades de impor suas opiniões, com fácil difusão. Os excluídos, porém,
contestam a situação e entram em uma guerra contra o poder público. Rompem com o sistema
opressor e objetivam a formação de sujeitos construtores de sua própria identidade,
desvinculada, das estruturas de dominação patriarcal. É a representação dos desafios.
           Lima (apud COSTA e SARDENBERG, 2002, p. 52) salienta que na sociedade
contemporânea muitos têm sido os desafios enfrentados pelas mulheres quando de sua
inserção nos espaços públicos. Tais desafios conduzem essas mulheres a assumirem “posições
de sujeitos” ativos e com identidades plurais. As identidades permeadas de oscilações
fragmentam-se constantemente com o avanço do status social. Ferreira e Nascimento (2002,
p. 59) postulam que gênero não representa um “estado interior” fixo, trata-se, outrossim, mais
de uma performance que cada sujeito desempenha, diariamente, ou seja, submete-se
determinadas funções rotineiras, para o reconhecimento da mulher, segundo os padrões
sociais.


                                                                                                     20
As práticas excludentes, permeadas nas relações sociais, ao serem transgredidas,
como mecanismo de superação coletiva, transpondo-se para um papel contrário ao que de fato
se exige pelo domínio público. O espaço imaginário entre público e privado decorre das
interações sociais que, uma vez estabelecidas, o discurso dominante prevalece. O “ser”
desloca-se por fronteiras, que o faz sentir-se estrangeiro dentro do seu próprio mundo. Assim,
o sujeito estilhaça-se, o mundo intermediário é demarcação nos plurais espaços coexistentes.
         A força e coragem de Tereza lhe permitem autonomia e autodeterminação para
permear diferentes contextos. Seu caminhar firma-se enquanto sujeito crítico; como os índios
colonizados transgridem as normas estabelecidas. Logo, apresenta-se contrárias as normas e
regras constituídas pela elite vigente.



1.2 Jorge Mulher Amado: o interstício literário dialético



                                          As mulheres “valentes como homens” de Jorge Amado
                                          são exceções e consideradas heroínas. (CHALHOUB;
                                          PEREIRA, 1998, p.353)


         A literatura, representação do real, apresenta-se como forma de expressão artística de
autores, para enfocar questões sociais, e/ou criticá-las, seguindo uma linha análoga, direta ou
indiretamente, à realidade social. Jorge Amado permeia sua escrita com descrição nascente
nas relações sociais condizentes à sua realidade. A mulher, personagem que ocupou e ocupa
papel de fundamental importância na escrita amadiana, protagoniza papéis plurais,
especificamente no que se refere à crítica às desigualdades sociais e fatores socioeconômicos.
Chalhoub e Pereira (1998) dizem que Jorge Amado tenta conscientizar o povo por meio dos
seus personagens.
         O populismo literário conferido pela carga de humor, linguagem exótica, capacidade
de aproximar sua linguagem com a realidade humana, personagens que condizem com a
imagem de uma época onde tudo seria possível, substitui a utopia marxista pela utopia da
miscigenação, refletida nas personagens mulatas que exercem papel de prostitutas muito em
voga no Brasil. O eixo norteador de suas obras privilegia uma população ficcional de origem
marginal. Seu texto converge para o sabor dos contadores de história, marcando por espaços
marítimos, paisagem urbana, bares, bordéis etc. Lugares que aproximam personagens e
universo. A verossimilhança, característica do verossímil, do que convence, do que parece

                                                                                            21
verdadeiro, permite uma interação leitor/escritor de forma a inseri-los na escrita ficcional,
transpondo-os para as realidades cotidianas. Olivieri-Godet; Penjon (apud GUMÉRY-
EMERY, 2004, p. 183) profere: “Amado, se dedica ao ato simultâneo de criar uma
personagem e uma sociedade, situando o romance numa época e num lugar”.
        A consagração de Jorge Amado como escritor, ao longo da história literária, deve-se,
principalmente, à paixão pela classe feminina.       As mulheres amadianas, mulatas belas,
sensuais, com uma carga de erotismo enaltecido, distorcem o discurso hegemônico social e o
qualificam como escritor de putas e mulheres sem caráter. Contudo, tais atributos e
características femininas, desvinculam-se do preconceito referente ao papel feminino na sua
obra. O autor se fundamenta na literatura do universo feminino para exprimir outros anseios,
preocupações e para denunciar as injustiças sociais como um todo.
        A sua linguagem ganha sentido estereotipado por não seguir uma linha da gramática
normativa, comum à liberdade artística. Nas suas obras, é constante a presença da mulher do
“povo”, pobre, prostituta, amásia, pertencente às classes menos favorecidas. As palavras do
cotidiano desenham esses perfis femininos desconstrutores de ideais. Jorge mulher Amado
apresenta-as e descreve as histórias de sofrimento, humilhação, preconceito, perseguição e
exclusão social, que circunscrevem a formação da identidade da mulher. Tereza, uma das
mulheres aparece humanizada, encara a prostituição como forma de sobrevivência, sem,
contudo, dissociar-se dos atributos valorativos. A propriedade com que Amado escrevia sobre
estas personagens prostitutas e excluídas advêm da permanência em casas de prostituição.
Suas experiências são refletidas no texto. A mulher prostituta, figurativamente, referencia
características eróticas, mas com seus valores reforçados.
        A voz de Tereza é um subterfúgio à crítica social, uma referência a ele atribuída,
porque desse posicionamento, direciona o olhar para a margem e focaliza outro grupo silente
da história. A personagem, em análise, ressignifica e esclarece: a mulher Amado é, acima de
tudo, um ser social em busca de espaço. A sociedade masculina é criticada, sob uma
linguagem “descuidada”, a que representa a péssima situação dos pobres, e, sobretudo, o
descaso político diante de reais dificuldades, sem ao menos, comprometer-se com a realidade.
Verdades ou mentiras não importam. A narrativa faz abrir focos de luz sobre sujeitos plenos
de histórias e construções de um lugar.
        As marcas de JorgemulherAmado estão impregnadas no decorrer da sua história
literária.Visíveis estão os sinais do amor de Amado por personagens femininas, um amor que
ultrapassa questões estéticas e reflete a formação de sujeitos protagonistas impassíveis em


                                                                                          22
relação às imposições patriarcais, mas que travam luta constante e progressiva contra as
amarras sociais.
         O atrativo físico associa-se metaforicamente à beleza interior. A mulher,
personagem de Amado, manifesta uma mobilização social. A mulher apática, submissa, passa
à subvertida, transgressora. A NÃO aceitação aos modelos vigentes permeia a narrativa do
romance Tereza Batista Cansada de Guerra.



                          Personagens femininas que realizam as mesmas atividades que os homens,
                          são consideradas “valentes” como homens. Divididas em um mundo
                          masculino, e outro feminino, os romances de Jorge Amado, aceitam que
                          algumas mulheres transgridem essa divisão, entram para um mundo
                          tipicamente masculino (CHALHOUB; PEREIRA, 1998, p. 353).




        A denúncia envolve suas personagens, como a quebra das máscaras das classes
média e alta. Contrária a ideia de mulher apática e passiva diante da problemática social, o
feminino amadiano firma-se com força, suficientemente eficaz para encarar desafios. Adentra
campos de “batalha”, vivifica experiências massacrantes, frente à superioridade masculina.
Entretanto, os paradigmas estabelecidos são quebrados, constitui-se como “chefe”, construtor
do seu próprio destino.
        A mulher, na literatura de Jorge Amado, personagem principal, protagoniza fatos
corriqueiros, descriminados socialmente, apropria-se da sensualidade, erotismo, específicos à
mulher brasileira, particularmente, à baiana e retoma a vida degradante, face às críticas
sociais. Neste sentido, Olivieri-Godet; Penjon (apud DUARTE, 2004, p. 173) afirma que:



                          O romance de Amado realiza, portanto, uma íntima associação entre
                          desenvolvimento econômico, social e relações de gênero, através de suas
                          mulheres ficcionais. Ele trabalha sempre com figuras estereotipadas,
                          presente no imaginário masculino, mas o mecanismo de relacionamento que
                          estabelece entre elas consegue quebrar a fixidez dos estereótipos.


        A mulher vulgarizada apresenta-se como técnica narrativa que exprime força,
coragem e audácia em face dos conflitos sociais vigentes. A forma de expressão evidenciada
pela metáfora de “vulgaridade” apresenta o mundo áspero, conflituoso e de fortes
sofrimentos, mas que nunca desiste de ”ser” e “viver” com autonomia, audácia, perseverança.
A referência estereotipada de Jorge Amado à mulher denota a necessidade de “mudança”, no

                                                                                              23
que tangem os discursos marginalizantes e discriminatórios. O autor configura personagens
em espaços amplos e significativos e permanecem no interstício, não se fixam em um único e
exclusivo olhar de interpretação, perambulam nos variados espaços imaginários. O erotismo
apresentado como carga de “inquietação”, marca a luta contra a pluralidade opressora por que
perpassa o sujeito feminino na sociedade. Abre-se um espaço à leitura de um mundo onde ele
sobreponha à imagem da mulher sedutora, pecadora, vulgar e infiel com uma mulher forte,
corajosa, altruísta e guerreira.
         Desse modo, na obra Tereza Batista Cansada de Guerra, o escritor apresenta a
personagem principal como uma mulher que desde criança sente na pele o dissabor da dor
física e psicológica; o sofrimento lhe “seria” inerente á vida, mas não o foi. Mulher de força,
coragem e garra driblou todos os obstáculos, sem se queixar nem tão pouco pensar em
desistir. Marcada com ferro e brasa, viveu-os e sobreviveu.



                         Tereza carregou fardo penoso, poucos machos aguentariam (sic) com o peso
                         que ela aguentou (sic) e foi em frente, ninguém a viu se queixando, pedindo
                         piedade [...] Posso lhe confiar irmãozinho para começo de vida a de Tereza
                         Batista foi começo e tanto; as penas que em menina penou bem poucos no
                         inferno penaram; órfã de pai e mãe, sozinha no mundo - sozinha contra Deus
                         e o diabo, dela nem mesmo Deus teve lástima. Pois a danada da menina
                         assim sozinha atravessou o pior pedaço, o mais ruim dos ruins, e saiu sã e
                         salva do outro lado, um riso na boca (AMADO, 1972, p. 8-9).




          Tereza não se encontra no seu lugar de origem, o interstício, coexiste. Ora, o lugar
entre “dever ser” e “querer ser” estão imbricados. No processo de formação, constantes
formas opressoras impedem-na de assumir características próprias. Deve-se reagir as
demandas impostas, sem, contudo aceitá-las. Jorge mulher amado, descreve uma Tereza
MULHER, com características singulares. O sofrimento inerente ao seu nascimento
apresenta-a como a mulher que não amortece em face de sofrimentos e obstáculos vitais.
Constrói-se, a mulher Amado: mulher militante.
         Ações bélicas projetam-se em consequência dessas constantes formas opressivas.
Uma vez estabelecidas as “prisões”, a mulher de Jorge Amado, condicionada a uma vida de
sofrimento, converte-as. Enraizadas na audácia, na força efervescente. Transpõe o estereótipo
de mulher “dependente, dócil, flexível” para a perspicácia de uma heroína. Os costumes, tipos
sociais, normas são rompidos e o interstício envolve-as na busca por seus próprios sentidos
identitários.

                                                                                                 24
1.3 Entrelugar feminino? Uma questão de ótica



                                          Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. (SIMONE DE
                                          BEAUVOIR, 1980, p.9)


        A estrutura social está em contínuo processo de mudança e a mulher se envolve
nessa diacrônica transformação social. O sujeito feminino se identifica enquanto indivíduo
coadjuvante e/ou protagonista, em variadas circunstâncias contextuais que exprimem e
caracterizam o “jeito mulher de ser”. A mulher se inseriu de forma significativa na formação
da cultura ocidental, suas lutas, suas conquistas decorrem da coragem de se adentrarem nos
entrelugares descontínuos aos recomendados pela coletividade. Assim, no processo de
formação, apresenta-se fragmentada, mediante as constantes barreiras e obstáculos
transpostos.
        O discurso falocêntrico midiatizou suas experiências, triunfaram assim seus
objetivos, moldando comportamentos, segundo suas necessidades individuais. A mulher,
portanto, priva-se de autonomia e vive restrita diante dos padrões estabelecidos como
“verdadeiros” e fundamentais neste jogo de soberania do homem.



                       Ser homem e ser mulher é uma construção engendrada a partir da história de
                       cada um e de seus condicionantes sociais, isto é, o processo de construção e
                       reprodução de estereótipos a que esteve submetido ou circunstanciado nas
                       principais etapas de formação (ALMEIDA, 2010, p. 22).


        No Romance Tereza Batista Cansada de Guerra, o processo de formação identitária
da personagem Tereza Batista centra-se em maus tratos, sofrimento, humilhação e
inicialmente, a consequente obediência. Tereza rompe não aceita as imposições e violências
patriarcais, enfrenta o sistema opressor, mas suas forças esvaírem-se.


                       Mas porque essa filha-da-puta não chora?
                       [...]
                       Tereza apóia a mão no piso, se levanta num salto de moleque, novamente
                       erguida no canto da parede. O capitão perde a cabeça, vou te ensinar,
                       cachorra! Dá um passo, recebe o pé de Tereza nos ovos, dor mais sem jeito.
                       [...]
                       Tereza rola semimorta, o vestido empapado de sangue, o capitão continua a
                       bater, com o capitão justo ninguém se atreve, quem se atreve apanha.[...]
                       Justo mete a mão, rasga-lhe o vestido de alto a baixo, sangue no vestido,
                       sangue na carne dura, tensa.Toca o bico dos peitos, ainda não são peitos, são
                                                                                                  25
formas nascentes, menina por demais verde, ao gosto do capitão. Mas a
                        demônia cruza as pernas, tranca as coxas, onde encontra idéia e decisão?
                        [...]
                        Surra de criar bicho, de arriar os quartos, só faltou mesmo matar, filha da
                        puta rebelde [...] (AMADO, 1972, p. 93-95).


        A mulher aparece na história pelo olhar masculino, seu comportamento submetido à
vigilância de toda a sociedade, a qual centrada no poder masculino sempre fez reverência ao
homem. Por meio das suas práticas, moldaram comportamentos, segundo suas necessidades
individuais. A mulher priva-se de autonomia, pois, vive restrita aos padrões estabelecidos
como “corretos” e fundamentais, ditados pela soberania do homem.



                        [...] o triunfo do patriarcado não foi nem é um acaso, nem resultado de uma
                        revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico
                        permitiu aos homens afirmarem-se como sujeitos soberanos. Condenada a
                        desempenhar o papel de outro, a mulher estava também condenada a possuir
                        apenas uma força precária: ídolo ou serva (MOTA, SARDENBERG,
                        GOMES, 2000, p. 67).


        A serva Tereza Batista, assim considerada, pelo papel desempenado ao longo da
narrativa, ainda no poderio de Justiniano, vive momentos de escravidão, humilhação e
desespero. Todo e qualquer pensamento/ação, deveria está sob controle do patriarca. A força e
a coragem de Tereza distanciavam-se das suas vontades. Priva-se de autonomia vive
submissa. Obediência forçada foi à palavra que aprendeu a praticar no seu processo de
formação identitária.



                        Nem uma palavra de carinho, uma sombra de ternura, um agrado, uma
                        carícia-apenas maior assiduidade, furor de posse. Acontecia-lhe, nas horas
                        mais extravagantes, fazer um sinal a Tereza, para cama, depressa!
                        Suspender-lhe a saia, despejar-se, inadiável necessidade, manda-lá de volta
                        ao trabalho.
                        [...]
                        Submissa, sim, de total obediência, correndo para servi-lo, executando
                        ordens e caprichos sem um pio; assim agindo para não apanhar, para evitar
                        castigo, a palmatória, o cinto, a taca de couro cru. Ele ordenava, ela cumpria
                        (AMADO, 1972, p. 101-107).



        As mulheres são submetidas a uma reprodução de comportamentos centrados
primordialmente na obediência. Reproduz desde pequenas, valores culturalmente permeados,

                                                                                                   26
nos contextos sociais vigentes, desempenhando papéis exclusivamente centrados na posição
de mulher, voltada para o casamento, para a vida doméstica e familiar e, para melhor educar
os filhos, ou seja, para serem perfeitas procriadoras. Seleção estreita de possibilidades, suas
atividades se reduzem às ocupações técnicas apropriadas à sua condição.
         Maria AtelaOrsini (apud LUCENA-GHILARDI, 2003, p. 83) postula: “a mulher só
deveria sair de casa três vezes: a batizar, a casar e a enterrar”. A dura realidade permeada na
formação cultural e pessoal das mulheres prolongada por muito tempo determina as formas de
prisão estabelecidas que as limitasse de participar da esfera pública.
         A vida das mulheres resumia-se ao silêncio e ausência de ação. Socialmente, eram
vistas como inferiores, subalternas, não passando de seres insignificantes, tudo lhes eram
proibido. Pela ótica patriarcal social, a mulher representava castidade e resignação. As
convenções condenavam-na a novos horizontes. O avanço tecnológico ocorrido nas décadas
de 30 e 40 propiciou-lhes o contato com aparelhos eletrônicos informativos. Assim, a
participação da mulher na sociedade começa a surgir. Os setores conservadores já não detêm
poder absoluto, a mulher participa da sua própria construção identitária. Lucena-ghilardi,
(2003, p. 53) afirma sobre a necessidade de romper barreiras. Para tanto, é preciso refletir
sobre a condição feminina para acelerar o processo de autoconhecimento e descoberta. Ainda
acrescenta que:



                      O sexo frágil, em qualquer profissão, rompe com o papel de somente
                      procriadora e reproduz, transformando, sendo capaz de possuir vontade,
                      empreendimento e ação. Cumpre missão de sujeito e cidadã, emergindo da
                      invisibilidade para o reconhecimento da área pública. Vence barreiras de
                      preconceitos, pressões e resistências, construindo um novo papel sociocultural
                      (2001, p. 580).


         Tereza Batista, mulher de força inigualável, apresenta-se como reprodutora do
sistema dominador patriarcal em momentos de guerra, mas, desvincula-se das normas e regras
predeterminadas. Transgride a ordem até então silenciada e rompe com os padrões horizontais
de obediência. Configura-se com uma contraopinião às ideologias, a vários fatores de ordem
androcêntrica. Cansada de obedecer às demandas de Justiniano, desafia-o mais uma vez,
rompe a barreira de “medo”, imposta, o trai com o personagem Daniel. Posteriormente, ao ser
surpreendida ao lado do amante, em sua defesa, mata-o. A coragem, inerente à personagem,
adormecida, se desperta ressurge a força, audácia e bravura da mulher face à opressão.



                                                                                                 27
Veio mais a frente Justiniano na intenção de agarrar a maldita, sujeitá-la na
                       cama, romper o eterno cabaço, penetrar a estreita fenda, rasgar-lhe as
                       entranhas, com este ferro marcá-la lá dentro, apertar-lhe o pescoço, na hora
                       do gozo matá-la; para fazer-se curvou-se. Mergulhando por baixo, Tereza
                       Batista sangrou o capitão com a faca de cortar carne-seca (AMADO, 1972,
                       p. 159).



        Os desafios, enfrentados pelas mulheres, exemplifica a aquisição de uma nova
imagem feminina. Os modelos identitários apresentados no passado transpõem-se. Os
indivíduos se deslocam constantemente, desempenham papéis sociais plurais. A mulher sobre
a ótica feminina representa força política, determinação e coragem. Lima (apud COSTA e
SARDENBERG, 2002, p. 61) elucida que: “Diante do conflito entre o público e privado:
Todo esse quadro, pois, implica o deslocamento de identidades não mais representativas
daqueles modelos tradicionais”.
        Os modelos e posturas anteriormente oferecidos deslocam-se. Os lugares entre
espaços plurais exemplificam a oposição à imagem unívoca que lhes foi oferecida e atribuída:
“obediente mulher do lar”. Simoneti (1998, p. 52apud LUCENA-GHILARDI, 2003, p. 123)
sintetiza proferindo: “A mulher está destruindo silenciosamente, o mito de desigualdade, sem
que ninguém precise puxá-la pelo braço. Ela já sabe andar sozinha”.




                                                                                                 28
2 IDENTIDADE, MULHER E METÁFORA: a dialética imagem jorgeamadiana


                                    A identidade de uma pessoa não se encontra no comportamento
                                    nem por mais importante que seja nas reações dos outros, mas
                                    na capacidade de manter em andamento uma narrativa
                                    particular (GIDDENS, 2002, p. 55).


           O perfil feminino de identidade marcara-se ideologicamente pelo desejo masculino
de complemento, isto é, tudo aquilo que não lhe cabia atribuía-se à mulher como um ser que
vivia socialmente para facilitar a vida do homem. Essa visão estereotipada de mulher criara
sérios inconformismos na classe, porque papéis e funções sociais são definidos
historicamente, mas biologicamente, entende uma questão de força e de sentimentos, não
necessariamente de competência. A identidade organiza-se pelo contato entre os atores
sociais.
           O processo identitário feminino constitui-se ao longo da história, por caracteres
subjacentes à submissão e à subserviência. A exploração, fator diacrônico no espaço
feminino, sobrecarregou-se de guerras patriarcais.
           A narrativa Tereza Batista Cansada de Guerra articula-se no eixo ou mesmo entre
polos do entrelugar: opressor e oprimido, patriarcal e transgressor. A identidade da
personagem principal articula-se no movimento pendular que, de um lado para outro, recorta
posições, desloca-se ideologicamente e transmuta-se nos espaços bélicos, negando e
revertendo ideologicamente os propósitos de mulher parasita.
           Os deslocamentos e pluralidade de representações e papéis sociais femininos
retratam uma herança nada honrosa à história. O discurso ideológico condiz com
características peculiares à identidade reservada à mulher. Se fatores sociais determinam e
caracterizam o indivíduo, a construção imagético-imaginária, engendrada pelo ideológico
humanitário patriarcalista, fotografou uma imagem de mulher sem movimento.
           A mulher era admirada como objetos de prazer, pelos códigos de domínio. O
comportamento da mulher desenhava-se, pois, segundo o discurso masculino, cuja demanda
imperava sobre elas; “o ser e agir” pautava-se em obedecer ao que lhes fora determinado. O
movimento automatizado repetia-se às conveniências, um dia desequilibradas por identidades
redefinidas.
           A identidade é constantemente narrada em obras literárias; focos de discussões
polissêmicas e ambíguas permeiam a trajetória de imagens femininas com marcas do olhar
dominante masculino. O jogo imagético imaginário do discurso hegemônico opressor a
                                                                                             29
posiciona como subservientes, portanto, impossibilitadas de lutar pela aquisição de uma
identidade livre de arquétipos modeladores. A mulher metaforiza-se de artifícios defensivos,
e outras visões se estabelecem em decorrência da ruptura de pensamentos e de sua
materialização de atitudes.
        Nesse contexto, novas identidades surgem. A mulher assume-se enquanto ator
principal na reelaboração comportamental. Absorve as ideologias masculinas, por vezes
impostas, porém, motivadas a mudar o quadro de dominação, não se privam em posições
indicadas, mas regem sua própria história, marcada por constantes lutas, desafios e cansaços.
        A identidade coletiva assumida por mulheres “masculinizadas”, ou seja, mulheres
com atitudes diversificadas que lutam com bravura, resistência, audácia contra as demandas
impostas pelo domínio opressor, permite-lhes exercer funções outrora vistas como próprias ao
universo masculino. Essa prática não torna a mulher um sujeito pertencente a outro gênero,
porque não se trata de gênero as práticas sociais; o ser mulher está impregnado na essência e
não nas funções desempenhadas socialmente.
        Não são nem agem “como homens”, nem tampouco praticam exclusivamente as
demandas masculinas, mas, se sabe que na ideologia hegemônica social o sexo masculino
assume papel de bravo, forte, resistente, dominador e batalhador, a mulher se apodera desses
atrativos e reinventa a construção identitária. Um choque às convenções.
        Nesta perspectiva, o escritor Jorge Amado utiliza uma linguagem metaforizada e
representa a força inerente à personagem Tereza Batista. A narrativa desencadeia uma análise
de mulher como objeto transformador, ativa, militante e, acima de tudo, revolucionária.
Lutadora, guerreira rompe os padrões lineares. Constitui-se como mulher de fibra que resiste
às nuanças e injustiças sociais. O processo metafórico fortifica a personalidade de Tereza.
        Os valores sincréticos religiosos, considerados reflexos de fortaleza na obra,
reivindica a personagem sua força e destemor desenha-se a imagem de mulher ativa, guerreira
e revolucionária. Tereza Batista apresenta uma metamorfose de papéis atribuídos e rompidos
nos quais a mulher esteve e está substanciada. A metáfora de mulher entremeia por espaços
coletivos, dialoga com o discurso hegemônico centrado no poder masculino absoluto e
obsoleto e contrapõe as ideias, reveste-se de força, coragem e audácia, e luta por uma
identidade metafórica onde uma nova ordem e/ou forma de perceber as relações identitárias
são estabelecidas. Tereza rompe o discurso linear. Metaforiza-se com força para transpor a
ideia de mulher obediente e passiva e construir-se mulher com sua identidade.



                                                                                              30
2.1 Identidade plural e coletiva: desenhos imagético-imaginários ou construção cultural?


                                   Identidade é o processo de construção de significado com base
                                   em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos
                                   culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras
                                   fontes de significados (CASTELLS, 1999, p. 22).




        A formação de gênero deve-se a fatores históricos. O homem, um subterfúgio
supremo na sociedade, impõe regras, reprime as mulheres de se situarem livremente no
espaço público, fora do lar. Podadas de ações outras, algumas mulheres acatam as doutrinas
familiares. Reproduzem as múltiplas influências e instâncias moldadoras.
        Os patriarcas detinham o poder supremo e exclusivo por excelência. As mulheres
ocupavam lugar secundário, marginalizado. Respeito e obediência lhes eram impostos. Suas
oportunidades eram restritas, toda e qualquer forma de não aceitação, e/ou recusa ás
imposições marcavam-se sob violentas repressões e prisão. Bauer (2001, p. 12) afirma que a
mulher banida, ideologicamente, da história e pela força silenciada no cotidiano social,
sempre teve que lutar por seus mais elementares direitos; e quando isto ocorria, por exemplo,
na Idade Média, era excluída do convívio social ou até mesmo perseguida e queimada viva
como bruxa.
        Subtraída dos seus direitos, privada de autonomia, coloca-se na mira do poder
patriarcal. Atitude contrária às estabelecidos engendrava-as enfadadas por cumprir obrigações
não debatidas, mas impostas à sua revelia, sem ao menos a chance de manifestar-se. As
mulheres, submetidas a um modelo de comportamentos centrados primordialmente na
subordinação, enredam-se em tais ideologias e reproduzem, desde pequenas, valores
culturalmente definidos nos contextos sociais vigentes. Formada sob o olhar do outro, a
mulher nega-se enquanto mulher de ação. Não obstante, o processo de andamento identitário,
assume várias posições de sujeito. Surgem significativas articulações. Os estágios de fixidez
comportamental são      característicos,   contudo, nova ordem          moldadora     é formada
estrategicamente. Hall (2006, p. 12-13) profere que:



                       A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada
                       continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
                       interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). O sujeito
                       assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não
                       são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades

                                                                                                31
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas
                        identificações estão sendo continuamente deslocadas.


         Nesse sentido, no romance corpus do trabalho, as personagens femininas
apresentam-se sob óticas distintas. Dóris, uma jovem recatada, com arquétipos de mulher
frágil, dócil e submissa,casa-se com Justiniano Duarte da Costa, homem patriarcalista. A
mulher submissa da sociedade feudal, ganha destaque. Nesse período, a mulher visualizava o
homem (rei) como representante de Deus, o poder absoluto concentrava exclusivamente em
suas mãos. Dóris enfrentou as críticas sociais decorrente da diferença de idade e assume-se
enquanto serva para satisfazer as demandas do patriarca. A mulher submissa, fiel e escrava
ganha enfoque. Esta deveria reverenciá-lo. Seu papel social restringia-se a seu “senhor”.
Espancada, humilhada, aceita a condição imposta sem, hesitar. “Dóris esposa apaixonada e
humilde aos pés do marido uma escrava. Não houve antes, não haverá depois, esposa mais
devotada e ardente” (AMADO, 1972, p. 87).
          Os ideários culturalmente construídos devem-se, principalmente, à personalidade e
às relações contextuais, nas quais o indivíduo esteve/está substanciado. Castells (1942 p. 169)
afirma que os relacionamentos interpessoais e, consequentemente, a personalidade, também
são marcados pela dominação e violência que tem sua origem na cultura e instituições do
patriarcalismo. Por volta do século XIV, a mulher foi excluída de atividades na esfera pública,
isso se deve ao fato de o poder masculino difundir suas ideologias e consolidar-se
socialmente.
         Em decorrência da modificação na esfera social, o poder supremo veiculado ao
homem começou a enfraquecer. A mulher sepultada de direitos, restritas a um único espaço
segmenta-se em atividades de cunho diferenciado, luta por transformação. Sua inserção em
lutas e movimentos deve-se ao desejo de ajustarem-se à vida pública e se adentrarem nas
diferentes áreas contextuais.
         Movimentos começam a surgir, dentre eles o feminismo que visa uma igualdade
entre os sexos. A mulher que outrora se apresentava submissa reverte-se. Vive um processo
de grandes alterações comportamentais. Criam trincheiras de resistência. Adentram no
mercado de trabalho, ganham autonomias, transformam a realidade vigente. No jogo bélico
conquistam o direito do voto e, mesmo considerada desigual, menor, insere-se nas variadas
esferas sociais.
         Tereza, ao assumir-se enquanto sujeito construtor de sua própria identidade, vivifica
as mazelas sociais e sofre degradantes consequências. Os “eus” identitários construídos por

                                                                                              32
Tereza fragmentam-se. Porém, congruem para dimensões semelhantes. Ao abraçar os espaços
públicos, abre-se para a contestação.Pode-se afirmar que Tereza Batista, ao se submeter às
constantes batalhas e guerras, contra o poder autoritário patriarcal, torna-a consciente do
aniquilamento pela qual esteve envolta. E com isso, reformula suas experiências. Diverge do
comportamento submisso e subserviente assumido por Dóris. Manifesta-se culturalmente
como mulher, abolindo a dicotomia homem/mulher. Opõe-se a padronização de dominação
linear imposta. Castells (1942, p.232) confirma:



                        O objetivo da mulher é conquistar autonomia cultural como base para
                        resistência, inspirando assim reivindicações femininas fundamentadas em
                        valores alternativos, tais como a não competição, a não-violência, a
                        cooperação e a multidimensionalidade da experiência humana, conduzindo à
                        nova identidade e cultura femininas capazes de induzir a transformação
                        cultural da sociedade humana.


         Tereza, aversa às injustiças – especificamente, quando envolvia a força falocêntrica
sobre os menos favorecidos, mulheres que eram espancadas por homens, ou financeira (os
pobres em geral) –não tinha medo. Determinada, utilizava sua força altruísta em prol de
outrem. Firmou-se como professora para ajudar Joana das Folhas a recuperar o sítio das mãos
de um mau caráter. Apanhou ao defender mulher espancada pelo esposo; engajou-se na luta
contra uma epidemia denominada peste negra que avassalou Buquim; militou na greve dos
balaios, a qual consistia em determinar o fechamento dos prostíbulos, como resposta ao
descaso social à classe das prostitutas.
         A quebra de tabus é ponto de partida para novas oportunidades sociais. Tereza vive
um processo metamórfico. Os contextos formadores de cultura com que a personagem esteve
substanciada confluíram para uma formação feminina ainda mais fragmentada. O ser
feminino caracteriza-se enquanto protagonista militante e construtor da sua própria
identidade, e o homem, visto e aceito como principal provedor da prole, sente-se ameaçado
com a inserção da mulher em espaços até então únicos e exclusivos aos seus interesses.
         Fazer parte da categoria feminina transgressora significava romper com os códigos
preestabelecidos. Ser e viver segundo as próprias ideologias trouxe constantes consequências
para as mulheres. A busca por igualdade tentativa de inserção no espaço público as
diferenciava do modelo previamente articulado pela sociedade.
         Ser igual, possuir direitos semelhantes aos da classe masculina era e é o principal
objetivo das feministas no decorrer da história. Atitudes que antes representava afronta aos

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poderes vigentes tornaram-se as principais “armas” no jogo bélico. A mulher que viveu por
muito tempo sob o viés marginalizado, relegada a segundo plano, estereótipo consolidado ao
longo do tempo, esforça-se para se manter forte nas lutas e imposições masculinas
sedimentadas como protagonista da história.
        Assim, a identidade, imagem e imaginário de Tereza Batista consolidam-se. Sem
identidade estável e unificada, torna-se composta de inquietações que se multiplicam no
confronto bélico. Nesse contexto de lutas no qual se coloca Tereza Batista, novas identidades
pluralizam-se, reflexões e ações estabelecem-se. A imagem desenhada e tatuada de Tereza
incrustou-se no imaginário social.
        Da Tereza Amadiana, constroem-se várias outras Terezas sociais que, desprezam as
convenções culturais e conquistam dignamente sua identidade e passam de mulher objeto a
objeto mulher.



2.2 Mulher objeto ou objeto mulher: de um extremo a outro na escrita jorgeamadiana



                                     Ao “fazer” a vida cotidiana, todos os seres humanos
                                     “respondem” a questão do ser – e o fazem pela natureza das
                                     atividades a que o eu se dedica (GIDDENS, 2002, p. 50).


        Jorge Amado, escritor baiano nascido em 10 de agosto de 1912, em uma fazenda
situada no sul do estado da Bahia, falecido na cidade de salvador, a 07 de agosto de 2001,
ingressou na história literária ainda jovem, aos 19 anos, com o romance O país do Carnaval.
A participação na política o colocou no centro dos acontecimentos históricos mais
determinantes de grande parte do mundo.
        Com uma história de empreendimento e realizações, o sucesso das suas obras é
incontestável, trata-se do escritor mais lido do país, aborda temáticas diversas. Somados 31
livros publicados, centra-se no meio o telúrico, o cais de salvador, os amores dissabores de
uma população à margem da sociedade. Debruça-sesobre a realidade de mestiços, pobres,
negros e também imagens femininas.
        Respalda-se nos costumes da sociedade baiana, em épocas distintas, com uma
linguagem popular. Escreve com habilidade e transita as diversas camadas sociais; seus
personagens exemplificam o tom crítico expresso por emoções intensas. Acompanhado pela
criticidade, Amado traz em suas obras um tom irônico com uma dose elevada de humor. Seu

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objetivo no decorrer da sua trajetória de literato não foi a aceitação social, mas a demarcação
de uma escrita profunda, significativa; uma correspondência biunívoca entre fatos reais e
fictícios. Jorge Amado, dessa forma, mantém um diálogo entre autor, obra (personagens),
leitor. Sua linguagem rompe fronteiras de um extremo a outro, atravessa os limites temporais
e se atualiza a cada leitura.
         Com estilo telúrico, Amado aborda, nos seus textos, problemas regionais com um
largo fundamento no povo, propriamente no povo baiano. Sua literatura deveria mergulhar no
contexto e na vida de todos os dias, está respaldada, exclusivamente, na realidade do povo,
não com uma criação puramente estético-abstrata. Suas produções servem de marco para o
manifesto de temáticas ainda ocultas. Na sua escrita não circunscreve caminhos e ambientes
fixos, seus personagens circulam uma variedade de espaços e realizam saltos
comportamentais. Neste sentido, Pereira (apud OLIVIERI-GODET; PENJON, 2004, p. 146)
afirma que: “Jorge Amado é, antes de tudo, um escritor comprometido com o burburinho da
existência, com o vai-e-vem das pessoas simples no contato carnal com a vida”. Em Tereza
Batista Cansada de Guerra, os acontecimentos cotidianos são retratados e as estratégias de
resistências asseguradas pela protagonista Tereza ampliam, pois, a ideia de bravura de uma
classe social marginalizada socialmente. Duarte (apud OLIVIERI-GODET; PENJON, 2004,
p. 167) diz que “no romance de Jorge Amado, temos, portanto, com muita competência, uma
amostra de como a mulher passa de objeto a sujeição da própria história, e também do
processo cultural da construção do conceito gênero”. Emery-Guméry (apud OLIVIERI-
GODET; PENJON, 2004, p. 177) confirma:



                         Para Jorge Amado elas são o início de uma cultura nova e original. Nelas o
                         Brasil terá que se firmar para construir sua sociedade. E o romancista dá-lhes
                         todas as qualidades: todas são belíssimas e possuem uma extraordinária
                         força de vida que fez com que sobrevivessem num mundo ideologicamente
                         branco e judaico-cristão. Todas têm uma generosidade, uma bondade e até
                         um altruísmo que às vezes as leva até a abnegação.


         Jorge Amado prescinde à mulher caracteres únicos, reveste-a de uma significação
orientada para situações diversas. A imagem feminina bifurcada ao longo da história desloca-
se, ganha ênfase a mulher com representativos de força, autonomia, perspicácia e ousadia.
Representada como objeto de satisfação, ser mulher condizia em ser e viver para o outro. A
visão que Jorge Amado atribui à mulher funda-a em contextos significativos. Ela rompe,



                                                                                                    35
quebra e transgride com o ditado socialmente, sem, portanto, desvincular-se das
características femininas valorativas.
         Assumir nova postura amedrontou o público do cenário opressor. Ameaçados, com
atitudes revolucionárias, os homens principiam a presenciar novos comportamentos; as
cortinas sociais estavam abrindo-se para a classe privada de ser/agir e viver segundo seus
próprios conceitos. Configura-se a passagem do privado para o público, nos jogos bélicos
marcados por cansaços e desafios.
         A questão fundante da luta feminista consiste no retirar-se das visões atribuídas à sua
identidade. Viver sobre o fundamento masculino, estar diante das suas decisões sem, contudo,
criticar, debater, contradizer, oprimia-as. A mulher se fundamenta em suas próprias ideias.
Incluir-se na produção social modifica o seu mundo individual e o social como um todo.
Avaliando as lutas e conquistas femininas, o escritor Jorge Amado, circunscreve a história
feminina marcada pela passagem da mulher enquanto simples objeto de descarte para mulher
transgressora.
         A beleza exuberante de Tereza direciona-a aos estereótipos de mulher sem valor,
para uma pobre bonita para quem lhe cabia simplesmente a posição de amásia. Contudo,
Tereza não se submete às demandas exigidas e, mesmo em face de desafios constantes e luta,
consegue desmistificar essa ideia.Emery-Guméry(apud OLIVIERI-GODET; PENJON, 2004,
p. 177) afirma que “Jorge Amado tenta dar um papel à mulher de cor na sociedade brasileira,
pois ele acha que ela é o motor dessa sociedade”
         Assinala, portanto, a personagem Tereza Batista. Os discursos hegemônicos
masculinos imperam e controlam as ações femininas. A imagem da mulher ofusca-se diante
dos esquemas tradicionais patriarcalistas. Porém, Jorge Amado personifica em Tereza Batista,
uma figura de mulher diferente capaz de mover-se em rumos contrários aos delimitados.
         Essa mulher, enquanto personagem descrita como objeto de satisfação masculina –
“Fêmea é para ser possuída e acabou-se” (AMADO, 1972, p. 106) –, reconstitui-se. Ele
apresenta e reúne atrativos superiores aos simples aspectos físicos. Por vezes, os desejos
femininos são desvalorizados e elas permanecem no entrelugar: desejam aquisição
diferenciada socialmente e, não possuindo, adéqua-se ao cárcere.
         No romance, o personagem Justiniano, detentor de poder aquisitivo, patriarca e
“senhor” controlava as decisões e ações femininas. À mulher cabia a obediência. Tereza
vivenciara situações semelhantes, sem opção de escolha, torna-se vulnerável às demandas
dominantes; sua identidade se produz como um processo de mercadoria.


                                                                                             36
É preciso lhe ensinar a temer, a respeitar o amo e senhor que a comprou a
                         quem de direito, é seu dono. Precisa ensiná-la o medo, educá-la [...].
                         Aprenda a me respeitar desgraçada, aprenda a me obedecer, quando digo
                         abra a perna é para abrir com honra e satisfação (AMADO, 1972, p. 93).


        A mulher restrita a objeto de desejo e satisfação sexual sofre constantes desafios.
Desenhos imaginários mapeiam as explorações femininas. Apresentada como escrava, serva,
advém dos contextos que produziam e reproduziam as condições que lhe relegavam uma vida
servil. As bases hierárquicas sobrepostas às suas demandas constituem as identidades
femininas a cada realidade aplicada. O homem como produtor de bens aquisitivos poderia
inferir às mulheres atividades que lhes convinham e que “melhor” se adequavam ao perfil
feminino, isso de acordo com suas próprias ideologias. Domésticas, balconistas, professoras...
Enfim, atividades que se distanciavam da realidade masculina.
        A mulher que desenvolvia apenas atividades do lar arca com estas e demais tarefas
apresentadas e circunstanciadas no contexto social, à medida que as mulheres adentravam no
espaço público antes inimaginável. As mutações sociais modificavam concomitantemente o
pensamento humano. Com certas restrições à mulher “objeto” como estereótipo de passiva,
escrava deixariam, pois, de existir. Insere-se neste ínterim, a mulher retratada por Jorge
Amado, com descrição de lutadora revolucionária. Tereza Batista representa maciçamente a
luta contra os maus tratos e humilhações. Penetra mundos polissêmicos de dissabores vitais;
contudo, a audácia e coragem inerentes à sua vida sobrepõem-se aos mandos, desmandos de
toda ordem patriarcal.



                         Em vez de chorar, Tereza Batista responde com um pontapé: treinada a
                         brigas de moleques, atinge o osso no meio da perna nua, a unha de dedo
                         grande arranha a pele; foi Tereza quem tirou sangue primeiro [...]. Em lugar
                         de obedecer a desinfeliz tenta atingí-lo outra vez. Tereza rodopia, escapa,
                         mete as unhas na cara gorda em sua frente, ah! Por pouco não cega o bravo
                         capitão. Quem está com medo capitão? Nos olhos de Tereza apenas ódio,
                         mais nada (AMADO, 1972, p. 92).


        A personagem age conforme suas próprias ideologias. Desvia-se do discurso
opressor. A mulher ativa reestrutura-se e adquire o significado de “mulher”. Uma mulher não
mais objeto descartável, inútil ou de pouco valor moral, mas uma pessoa crítica, atriz de sua
própria imagem e atitudes, Tereza desarticula o esperado. Luta contra tudo e todos, para
inserir as classes injustiçadas, especificamente, a mulher, em espaços de respeito e igualdade.
De objeto maleável, descartável, a mulher transpõe-se para o objeto agente de luta, ação,
                                                                                                  37
reivindicação e busca por solução. Por sua fortaleza inerente ao processo vital, Tereza não
aceita ser objeto sexual, nem tampouco objeto de identidade descartável socialmente.
          O combustível abastecedor de força e coragem na luta contra o privado, imerge da
vida sofrida, tatuada de preconceitos e restrições. Como reflexo da intensa mobilidade nos
entrelugares, articula-se. Autêntica, desenvolve uma alternância comportamental que permite
uma contínua luta com sucessão de valores. “Prefiro ser mulher direita de palavra. Embora até
hoje tenha sido apenas escrava, mulher-dama, amásia” (AMADO, 1972, p.254).
          Ser mulher condiz um ser de “ação”. De posse dessa consciência, Jorge Amado
apropria-se da personagem principal para apresentar uma nova face de mulher. A mulher
jorgemadiana, objeto que visa crítica às desigualdades, humilhações e diferenças sociais, por
conseguinte, instaura-se como mulher pública, desmitifica-se, então, a mulher da ordem
privada. “Tereza fez caso omisso às advertências, com ela perto, podendo intervir, mulher
nenhuma, menos ainda menina seria comida a pulso” (AMADO, 1972, p. 299).
          Tereza insere-se nessa luta contra toda e qualquer desigualdade social,
especificamente no que tange a desvalorização feminina. A mulher desenhada por Jorge
Amado é objeto de luta por melhoria social. O escritor se universaliza com temáticas
politizantes e uma linguagem fruidora. A mulher por ele retratada é uma ativista,
revolucionária, substancialmente, apoiada na mudança contextual. Sua inserção nos plurais
contextos contribui para a construção do novo ser mulher, que, de um extremo a outro,
inclina-se em busca de mudança e dedica-se ao fazer/ser e agir diferente. Declina-se para uma
vida pautada em princípios solidários, numa narrativa que o escritor baiano fez nascer por
uma metáfora carnavalizada uma nova visão de mulher. A mulher objeto de crítica e ação
social.



2.3 Metáfora e carnavalização à revelia de uma construção literária de mulher.



                                   O sentido e a forma de um elemento não são propriedades suas,
                                   são, isso sim, propriedades estruturais de relação (LOPES,
                                   1987, p. 20).


          A metáfora constitui o processo de transmutação de sentidos. A ordem significativa
da linguagem original converte-se em sentidos diferenciados. Nessa cadeia de metamorfoses
interpretativas ideias se consolidam. Lopes (1987, p. 30) pronuncia:

                                                                                             38
A metáfora é um saber dissimulado, que é saber, ainda que não pareça – um
                       conhecimento da ordem do segredo e do mistério, pois que, por isso mesmo,
                       tem de ser postulado e em razão disso vem sobremodalizado pelo crer: Os
                       mistérios só são verdades quando cremos neles.


        A linguagem metaforizada utilizada por Jorge Amado no decorrer da narrativa
Tereza Batista Cansada de Guerra congrue para um saber dito no interdito, ou seja, as
constantes lutas que a personagem Tereza Batista vive, na obra literária, poderiam ser
relacionadas e transpostas às realidades sociais; metaforizar representa inverter, relacionar e
modificar o dito.
        O leitor constrói o interdito. Os recursos alegóricos, metafóricospossibilitam ao leitor
um processo de permutação; substituir, atribuir significados no interdito. As verdades
literárias ressignificadas metaforizam-se, ganham novas óticas interpretativas. Verdades
ficcionais tornam-se verdades reais desde que o sentido seja transposta a linguagem
conotativa para a denotativa, e o imaginário torna-se real dentro da verdade imaginária.
        O cenário de guerra entre o público e o privado descrito na narrativapermeia-se de
recursos alegóricos, os quais materializam e constroem verdades sobre a identidade da
personagem. Araújo (2003, p. 16-20) diz que um dos objetivos da arte é educar os sentidos
para enxergar o mais belo, comover-se integralmente com ele. A personagem se enquadra no
espaço privado e, com sua força incansável, é carnavalizada de artifícios alegóricos,
configurados por identidades pluralizadas que se modificam constantemente. Tereza constrói-
se mulher de expressão, luta e ação ao carnavalizar-se. Vestida com arma de proteção,
modifica os contextos e se corporifica de coragem em vista aos problemas sociais.
         À revelia dos acontecimentos, engloba-se na abstração de passagem por elos
mediadores. Bakhtin (2008, p. 99) afirma que “o método histórico-alegórico esforça-se por
ver cada um dos detalhes do romance uma alusão a fatos precisos”. A alegoria é uma forma
de narrativa simbólica, que não sugere apenas algo além de seu sentido literal, mas insiste em
ser decodificada em outro sentido. É pertinente ressaltar que a imagem de Tereza Batista
vinculada a forças sincrético-religiosas representa uma diáspora de comportamentos e
assunção de uma consciência problemática do mundo.
        A mulher carnavaliza-se para representar a transposição de fronteiras. Tereza
apresenta-se como uma protegida dos orixás, tanto no seu caráter como nacoragem. Em
momentos de guerra, o Santo Onofre, padroeiro das cafetinas, protege-a e a livra de perigos;
sua força revitaliza-se e, em momentos de cansaços, seus inimigos são destruídos e desviados
do seu caminho. A crença nos valores sincréticos religiosos a corporifica de força e coragem.
                                                                                             39
Tereza deve ser filha de Yansã, sendo as duas iguais na coragem, na
                          disposição: apesar de mulher, Yansã é santo valente, ao lado de seu marido
                          Xangô empunhou as armas de guerra, não teme sequer os eguns, os mortos,
                          é ela quem os espera e saúda com seu grito de guerra: Eparrei (AMADO,
                          1972, p. 161).


         Os arquétipos de bravura, resistência, audácia e luta, envoltos na personalidade de
Tereza Batista, foram figuras marcantes no romance e representaram uma ferramenta de luta
contra os poderes opressores vigentes. Apresentam-se, pois, sob recursos alegóricos que
marcam     sua   força,     audácia,    coragem,     mesmo     em     circunstâncias    degradantes.
Metaforicamente, os entrelugares em que as mulheres estiveram imersas “costuram” o jeito
mulher de ser, sua face real é construída no processo de rompimento, em conjunto, na esfera
social e no espaço público adquire artefatos para mudança.
         Os elementos carnavalescos distorcem a visão que lhes são embutidas. Brait (2008),
segundo leitura da teoria Bakhtiniana, distorce a visão de inferno por meio da linguagem
carnavalesca. O inferno considerado lugar de acerto de contas, imagem do fim do acabamento
das vidas, apresenta a ideia do inferno invertido configura-o como local alegre e divertido, no
qual o medo é vencido pelo riso. Poder-se-ia, dizer, portanto, que a ideia de carnavalizar
relaciona-se a modificar, transformar, reverter; apresentar uma imagem invertida, segue a
lógica das permutações. Brait (2008, p. 75) ainda reforça:



                          Para a carnavalização, valem ainda as reviravoltas, dadas num espaço do
                          limiar, o do cassino com seus salões e mesas de apostas, onde se oferecem
                          fortuna e misérias simultaneamente. Essas reviravoltas também compõem o
                          tempo do limiar, correspondente tanto àquele de abertura rumo às apostas
                          como àquele próprio ato de jogar. O tempo representado no limiar das
                          transformações vitais apresenta-se como realidade (des)construída, à revelia
                          das indicações com precisão.


         Tereza Batista, imersa em conflitos e constantes sofrimentos desde a fase da infância,
dribla a ideia de mulher oprimida, subalterna, subserviente e passiva. Uma revolucionária
incansável. Para Brait (2008, p. 84), a carnavalização registra-se como um movimento de
desestabilização, subversão e ruptura em relação ao mundo oficial. A personagem encabeça
em uma luta contra a exploração especificamente feminina. Os mecanismos carnavalescos
referem-se à recriação identitária na qual Tereza está circunstanciada, senão consubstanciada.
Os lugares, as pessoas são metamorfoseadas com a passagem de Tereza Batista do espaço

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  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS – LICENCIATURA, HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA BRASILEIRA O ENTRE-LUGAR FEMININO: a metáfora da identidade da mulher no espaço bélico entre o público e o privado em Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado Conceição do Coité 2012 1
  • 2. RIGOMÁRIA DA SILVA LOPES O ENTRE-LUGAR FEMININO: a metáfora da identidade da mulher no espaço bélico entre o público e o privado em Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado Monografia apresentada ao Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),Campus XIV, como parte do processo avaliativo para obtenção do grau de Licenciada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas – Licenciatura. Orientadora: Prof.ª Eugênia Mateus de Souza Conceição do Coité 2012 2
  • 3. MULHER Antes do homem, a mulher, a mãe, durante o homem, a mulher, a esposa, depois do homem, a mulher, a sombra. Sombra do homem, claridade do homem, trabalhadora, dura em seus trabalhos, amorosa, estrelada como o céu em um ciclo tenaz de ternura, mulher corajosa das profissões, operária das fábricas cruéis, doutora luminosa junto à criança, lavadeira das roupas alheias, escritora que segura uma pequena pena como espada, mulher do morto que partiu na mina sepultado pelo carvão sangrento, solitária mulher do navegante, companheira do preso e do soldado, mulher doce que rega seus rosais, mulher sagrada que da miséria multiplica seu pão com pranto e luta, mulher, título de ouro e nome da terra, flor palpitante da primavera e fermento santo da vida, chegou a hora da aurora, a hora das pétalas de pão, a hora da luz organizada, a hora de todas mulheres juntas defendendo a paz, a terra, o filho. Pablo Neruda MULHER GUERREIRA Não se molda às circunstâncias E se lhe privam o prazer, Vira guerreira Não aceita imposições Vai em busca, indo à luta Para não se deixar morrer! Menina guerreira Quer viver plenamente, buscando, amando, desejando, sonhando, e sentindo o prazer de viver. Moiro do Barlavento 3
  • 4. À minha mãe Terezinha, a pessoa mais especial da minha vida. 4
  • 5. AGRADECIMENTOS A melhor maneira de registrar a gratidão é mergulhar na profundeza interior e perceber momentos atemporais e pessoas que se tornaram significativamente essenciais no nosso processo vital. Quero aqui mencionar momentos e pessoas que, de uma forma especial, marcaram parte da minha história acadêmica. Agradeço primordialmente ao meu Deus por estar comigo em todas as circunstâncias, auxiliando-me a seguir confiante sem desanimar em meio aos obstáculos. Por me acompanhar por espaços polissêmicos. Por me presentear com uma mãe admirável, que esteve comigo, correndo em meu auxílio para reerguer-me quando aparecia o cansaço. À minha mãe devo a formação do meu caráter. Com ele (caráter) pude conhecer e conviver com pessoas esplêndidas e desfrutar de momentos singulares. Dentre eles as pessoas do meu “lar” acadêmico. Minha permanência essa instituição deve-se muito a um grupo de colegas, professores, funcionários que contribuíram de maneira incalculável para o meu desenvolvimento e crescimento pessoal e profissional. Aos funcionários Décio, Roberto, Margarete, agradeço o apoio quando necessário; aos zeladores em geral, obrigada pelo sorriso e palavras revigorantes. Tenho prazer em reconhecer o compromisso ao trabalho docente que todos os professores desta instituição desempenhaste no decorrer do curso: Edite, Antonilma, Bulcão, Celina Bastos, Fátima Barros, Itana Nunes, Saionara, Plínio. Em particular, a influência da minha orientadora Eugênia Mateus de Souza que, com todo carinho, respeito, atenção e compromisso me aceitou como orientanda e por acreditar que este trabalho se materializasse; agradeço ao professor Deijair Ferreira pela paciência e incentivo. Desfrutei de uma relação de cumplicidade, companheirismo ao lado da turma de Letras Vernáculas, 2008.1. A vocês agradeço pelos momentos alegres, tristes, divertidos, tensos, prazerosos e fortalecedores. Em particular fui privilegiada por poder conhecer um grupo de amigas que impulsionaram minha permanência nessa instituição no decorrer do curso: Camila Silva, Camila Mascarenhas, Soelha Aleluia, Rosieli Silva, Luciana Lago e Any Tarcila. Muito obrigada pela compreensão, pelo incentivo, pelos carinhos, por estarem ao meu lado. Embora nossas vidas agora sigam rumos diferentes, a certeza que temos é de levar um pouco de tudo e de todos. A semente de informação, criticidade e amizade sincera foram 5
  • 6. plantadas, e o motor para uma trajetória significativa pautada em princípios éticos perspicazes foi impulsionado. Hoje acredito que os sonhos podem se tornar realidade desde que acreditemos firmemente; acreditei e conquistei, em unidade. Os percalços não foram maiores que minha fé, mais degraus para meu crescimento. Agradeço à vida, as dores, as alegrias... Enfim, a tudo que me permitiu chegar a meu mais novo caminho. 6
  • 7. RESUMO A representação da mulher na sociedade, nos espaços público e privado, e seus passos em busca de uma identidade no romance Tereza Batista Cansada de Guerra dialogam com os estudos de pesquisadores, como Almeida (2010); Araújo (2003); Bahktin (2008); Bhabha (1998); Beauvoir (1980); Belline (2003); Brait (2008); Castells (1999); Chaves (2006); Chalhoub (1998) Duarte (2004); Ferreira e Nascimento (2002); Giddens (2002); Lévinas (1997); Lopes (1987); Motta, Sardenberb e Gomes (2000); e Pereira (2004), os quais sedimentam as hipóteses de uma problemática insistente, todavia, indignada com a falta de resultados fotografados nos ideiais de mulher. Num jogo bélico estampado de lutas, cansaços e desafios, analisa-se as posições intersticiais de Indivíduos restrito à esfera privada e, ainda, desprovidos de liberdade e aceitação social, suas armas defensivas contra as imposições estão fortemente marcada pela determinação de caráter modelada em Tereza Batista para comandar este exército com as demais mulheres sociais. Por meio de uma linguagem clara e objetiva, busca-se, pois, demonstrar os avanços da personagem em busca da sua liberdade, e a quebra com os padrões tradicionalistas para por um fim numa luta identitária sem méritos imediatos, mas sequencializada pelos (des)caminhos agora impostos pelo discurso feminino direcionado ao seu lugar e às próprias escolhas. PALAVRAS-CHAVE: Mulher. Literatura. Representação. Ruptura. Espaços públicos e privados. 7
  • 8. ABSTRACT The woman’s representation in the society, in the public and private spheres, and her steps towards an identity within the novel Tereza Batista Cansada de Guerra dialogue with the students of researchers like Almeida (2010); Araújo (2003); Bahktim (2008); Bhabha (1998); Beauvoir (1980); Belline (2003). Brait (2008); Castells (1999); Chaves (2006); Chalhoub (1998); Duarte (2004); Ferreira e Nascimento (2002); Giddens (2002); Lévinas (1997); Lopes (1987); Motta, Sardenberb e Gomes (2000); e Pereira (2004), who dig hypothesis of an insistent issue, anyway, indignant about the lack of results taken on the woman’s ideals. In a warlike game printed of battles, tiring and challenging, it is analyzed the interstitials positions of individuals restricted to the private sphere and, yet, lacking of freedom and social acceptance, their defensive guns against the impositions are strongly marked by the determination of character modeled in Tereza Batista to command this army with the other social women. By the means of a clear and objective language, it aims to demonstrate the character’s advances towards its freedom, and the rupture with the traditionalist standards in order to put an end in an identity fight without immediate merits, but sequenced by the (anti)ways now imposed by the feminine discourse directed to its place and own choices. KEYWORDS: Woman. Literature. Representation. Rupture. Public and private spheres. 8
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO AO JOGO BÉLICO DE TEREZA ................................................... 10 1 ENTRELUGARES: espaços imaginados entre público e privado .................... 14 1.1 Entrelugar: configuração fronteiriça e literária ........................................................ 17 1.2 Jorge Mulher Amado: o interstício literário dialético ............................................. 21 1.3 Entrelugar feminino? Uma questão de ótica ............................................................ 25 2 IDENTIDADE, MULHER E METÁFORA: a dialética imagem jorgeamadiana ........................................................................................................ 29 2.1 Identidade plural e coletiva: desenhos imagético-imaginários ou construção cultural? ................................................................................................................... 31 2.2 Mulher objeto ou objeto mulher: de um extremo a outro na escrita jorgeamadiana 34 2.3 Metáfora e carnavalização à revelia de uma construção literária de mulher ......... 38 3 TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA: interstício bélico do anti- herói ........................................................................................................................ 43 3.1 Mulher cansada + jogo bélico = a busca de espaço ................................................. 44 3.2 Nem público nem privado, apenas Tereza Batista e a concretização do eu ............ 48 3.3 Simplesmente Amado Tereza: “Da terceira vez não vi mais nada”........................ 51 AINDA CANSADA... MAS SEM CONCLUSÕES ABSOLUTAS ............................ 56 REFERÈNCIAS .............................................................................................................. 59 9
  • 10. INTRODUÇÃO AO JOGO BÉLICO DE TEREZA Tendo dito e não sendo contestado, agora pergunto eu: que lhe interessa, seu mano, saber das mal aventuras de Tereza Batista? Por acaso pode remediar acontecidos passados?Tereza carregou fardo penoso, poucos machos agüentariam (sic) com o peso; ela aguentou (sic) e foi em frente, ninguém a viu se queixando, pedindo piedade; se houve quem rara vez a ajudasse assim agiu por dever da amizade; jamais por frouxidão da moça atrevida; onde estivesse afugentava a tristeza. Da desgraça fez pouco caso, meu irmão, para Tereza só alegria tinha valor (AMADO, 1972, p. 8). A literatura arte com poder de recriar, ressignificar o real, revive o que já passou presentifica o passado e provoca fruição no leitor, ou seja, comove. A fantástica linguagem literária possibilita para um novo olhar, uma nova forma de perceber o mundo, uma vez que a velocidade dos fatos da vida ao serem descritos não permitem uma pausa para absorção dos acontecimentos, pela simultaneidade e falta de relação existente entre si. Na ficção contemporânea existe um abandono da descrição dos episódios de forma linear, isso decorre, pois o sujeito está envolto diante de uma realidade social e cultural que não o completa, o mundo do fragmento e do múltiplo é o caminho natural e inevitável para o uno e o todo. Segundo Maia (2009), falar de contemporaneidade é falar de todos nós, enxergando o movimento histórico; é o espaço de uma nova ordem estabelecida, advinda principalmente dos grupos minoritários que reivindicam participação e visibilidade igualitária socialmente. Seguindo essa linha de pensamento, a temática analisada –As marcas identitárias de uma guerra entre o público e o privado na formação metafórica do feminino, em Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado – estrutura-se numa monografia intitulada O ENTRE-LUGAR FEMININO: a metáfora da identidade da mulher no espaço bélico entre o público e o privado em Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. Sob o olhar de gênero, temática por se exaurir, e da narrativa Jorgeamadina tenta-se com esse trabalho averiguar as marcas de uma guerra entre o público e o privado na formação do feminino, e na busca por um espaço na sociedade, em Tereza Batista Cansada de Guerra, definindo o Público e Privado e as práticas opressoras do domínio público e seus reflexos na formação identitária feminina. 10
  • 11. Busca-se revisitar o processo de carnavalização como recurso metafórico de construção de mulher transgressora a partir dos princípios religiosos sincréticos, identificando as atitudes femininas, plurais e contestadoras, no processo de emancipação, na figura de Tereza Batista em comparação às demais figuras femininas do romance, como integração entre literatura e cultura na escrita jorgeamadiana. Analisam-se os papéis sociais atuados por Tereza Batista Cansada de Guerra e a demarcação da dicotomia entre a mulher do espaço público e a mulher do espaço privado. Na narrativa estudada, o autor Jorge Amado traz a imagem da mulher do séc. XX, vítima da falta de sanções sociais e marcada por uma carga de erotismo e, juntamente, com ela força e audácia. O autor enfoca a mulher que rompe modelos pré-estabelecidos para alcançar a liberdade; afirma um sujeito feminino arrebatador que luta para alcançar uma visibilidade social. O universo polêmico marca-se pela presença da forte e complexa personagem que chocou a sociedade e, rompeu convenções sociais usando o poder de sedução, sensualidade, acompanhada com atrativos valorativos, afirmando a força da mulher e respondendo ao mundo que lhe excluía. O guia para as leituras e estruturação do trabalho partiu primeiro do objetivo geral – Averiguar as marcas de uma guerra entre o público e o privado na formação do feminino, e na busca por um espaço na sociedade, em Tereza Batista Cansada de Guerra – direção para os passos da pesquisa: a. Definir Público e Privado no contexto em questão; b. Elencar as práticas opressoras do domínio público e seus reflexos na formação identitária feminina; c. Revisitar o processo de carnavalização como recurso metafórico de construção de mulher transgressora a partir dos princípios religiosos sincréticos. d. Identificar atitudes plurais contestadoras femininas no processo de emancipação, na figura de Tereza Batista em comparação às demais figuras femininas da obra, como integração entre literatura e cultura na escrita jorgeamadiana. e. Analisar os papéis sociais atuados por Tereza Batista Cansada de Guerra e a demarcação da dicotomia entre a mulher do espaço público e a mulher do espaço privado. De início, a preocupação voltou-se para a leitura e análise do romance em questão, por conseguinte, novas leituras de fundamentação teórica, como Almeida (1998); Bhabha 11
  • 12. (1998); Beauvoir (1980); Castells (1942); Chaves (2011); Chalhoub (1998); Duarte (2004); Ferreira (2002); Mota (2000)fomentaram o texto, com o objetivo de relacioná-las a narrativa em análise e seu autor. Enfim, uma pesquisa de caráter bibliográfico.O trabalho está estruturado em três capítulos, cada um com três sessões e as considerações finais. No primeiro capítulo intitulado Entrelugares: espaços imaginados entre público e privado, foi feita uma análise do anúncio feminino no espaço público; retratou-se a ultrapassagem de fronteiras/limites nos interstícios dialéticos, os entraves vitais são substanciados nesse processo de ruptura. A imagem feminina é descrita por uma nova ótica interpretativa, o escritor Jorge Amado apresenta uma mulher amada, que ultrapassa as belezas estéticas; simultâneo aos arquétipos de fragilidade, doçura, atribuídos à mulher, retrata-se a mulher guerreira, que crítica as mazelas sociais por meio das suas ações. A mulher desvincula-se do discurso ideológico horizontal, firma-se em plurais espaços e assume-se enquanto sujeito mobilizador. No segundo capítulo Identidade, mulher e metáfora: a dialética imagem jorgeamadiana, busca-se mapear o processo de formação identitárias, de mulheres no espaço social, em concomitância com a mulher analisada no corpus do trabalho, Tereza Batista. As articulações femininas metaforizam-se revestem a mulher de atrativos reestruturados e ressignificantes. A mulher Amadiana é descrita como objeto de crítica e ruptura social, entremeia nos espaços ainda inatingíveis e modifica o discurso articulado. A mulher carnavaliza-se, transforma-se em uma nova mulher, reveste-se com armas defensivas contra toda forma de imposição e marginalização social. No terceiro capítulo designado Tereza Batista Cansada de Guerra: interstício bélico do anti-herói possibilita-se uma abordagem centrada especificamente na obra Tereza Batista Cansada de Guerra, nos entrelugares percorridos por Tereza e que congruem para a formação do seu caráter. Nesse ponto, retrata-se a personagem quando se assume enquanto mulher objeto, dançarina, prostituta, professora, amásia, altruísta, enfermeira e militante. A narrativa permite uma íntima aproximação da personagem com demais figuras sociais que compartilham dos mesmos conflitos femininos. A imagem da mulher amadiana emerge nos espaços públicos e privados, transita nas variadas esferas sociais e mostra a possibilidade do ser humano de “ir além”. A partir da contestação que Tereza vivenciou diante de metralhadas guerras existenciais, finaliza-se com Ainda cansada... Mas sem conclusões absolutas. Neste tópico finalizador apresentam-se os amores, dissabores vivenciados pela personagem; configurando- 12
  • 13. a no plano obscuro e indecifrável mistério, depara-se com uma Tereza inacabada, em contínuo processo de construção identitária. Jorge amado conduz o leitor à imaginação, sua linguagem transporta o indivíduo a abarcar o irreal para real no imaginário. Há uma dialética entre imaginário e ficção que só a ficção pode separar. Unindo aspectos reais ficcional, Amado mapeia a vida da mulher e enxerga-a em patamares polissêmicos. Configura-a sob ótica libertária, e apresenta mulheres que, enfrentando o jogo bélico opressor, constituem-se enquanto indivíduo de ação, conduzindo os leitos às novas óticas interpretativas. 13
  • 14. 1 ENTRELUGARES: espaços imaginados entre público e privado Na literatura, a representação feminina sempre esteve em foco, haja vista por ela ocupar um espaço preponderante na formação da cultura ocidental. Novos enfoques, novas leituras, novos recortes, à figura feminina fora eternizada por poetas, esquecidas por sociedades patriarcalistas, escondida por seus próprios desejos, esquecidas como objeto de prazer ou de luxo, amada por apaixonados amantes, traída pela indiferença de seus companheiros. A figura ora fiel, apaixonada amorosa, sonhadora, heroína, lutadora, introspecta,protetora... A mulher chega ao século XXI seja anunciada por sua voz ou pela voz masculina.As formas controladoras impostas continuaram evidentes. Dentre a persistência em abrir espaços públicos apenas para o lado social masculino, movimentos feministas acentuados buscaram uma forma de quebrar fronteiras. “A construção de imagens femininas na literatura tem sido um meio pelo qual valores culturais têm sido mantidos de geração a geração (BELLINE, 2003, p.96). O olhar masculino sobrepõe-se aos direitos femininos, neutraliza os direitos da mulher, desmandos que favorecem a criação de movimentos de identidades fragmentadas, cujas discussões sobre a posse de seu lugar reiterou-se nos escritos literários, os quais documentam séculos quando os homens impunham suas demandas e as mulheres, consideradas inferiores, física e mentalmente, sujeitavam-se às constantes guerras entre permanências e desejos. O entrelugar das mulheres submissas consiste em conservação sem ação. Encontram- se, os indivíduos femininos, vive-o, filtrando-se nas ideologias, sem, contudo, adequar-se. Dividem-se entre o almejar e o possuir. Trajetórias de lutas contra o silêncio evidenciam-se na literatura, onde o outro (o patriarca) impõe o que lhes é permitido fazer. Articula-se a duplicação de identidades. Firma-se a suposição do “eu”, que poderia “ser” em substituição do “eu” vivido pela submissão e subserviência. Esse contexto sofreu poucas alterações; com o transcorrer do tempo, porém, as metamorfoses de papéis sucederam, em decorrência das lutas. Modificar a posição da mulher de passiva, subserviente e objeto em mulher “transformadora” intercala a passagem do privado para o público. O deslocamento consiste no desconstruir uma história, ressignificando-a. Desse modo, o entrecruzar de posições, articula um mutável desenvolvimento de características. 14
  • 15. Desestabilizadas, no processo de significação identitária, as mulheres vivem na disjunção comportamental. Os espaços intermediários emergem, figuram-se novos sujeitos. A formação do sujeito fragmenta-se. Figuram-se nos entrelugares. O passado reflete no presente e afeta o futuro. A mulher assume caracteres plurais. A ideologia feminina, incrustada no pensamento social, reconstrói-se. Esta atitude, vista por muitos como afronta, proporcionou um jogo bélico entre o público e o privado. Os ininterruptos conflitos estabeleceram-se mediante a passagem da mulher do privado lar, esposa obediente, ou seja, objeto fixo de prazer às demandas patriarcais, para “protagonista” do seu próprio destino, pertencentes ao mesmo espaço público até então predeterminado e centrado exclusivamente ao homem. O escritor Jorge Amado, em sua narrativa, problematiza questões nascentes nas relações sociais e se utiliza de uma linguagem crítica, embora popular, inserida na segunda fase modernista. Nesta fase, escritores abordam questões sociais bastante graves: a desigualdade social, a vida cruel dos retirantes, os resquícios de escravidão, o coronelismo, apoiado na posse das terras - todos os problemas sociopolíticos retratados nas várias regiões. Jorge Amado extraplola o debate, transpondo as fronteiras paternalistas que entravam na passagem feminina para espaços onde as vozes fossem ouvidas. Os estereótipos femininos criados não só transgridem como chocam o convencional. Entra em cena a mulher no contexto social em ação.Na obra Tereza Batista Cansada de Guerra, Jorge Amado desenha a imagem de Tereza Batista, mulher revolucionária e contrária às imposições socioculturais, que luta com toda bravura, força e audácia no firme propósito de subtrair as desigualdades. A personagem faz a travessia nas guerras impostas pelo público e luta, incansavelmente, contra o destino que lhe tentam impor. Não tivera ilusões na vida. Ainda criança, seus pais morreram em um acidente de marinete, seus tios a criaram e moldaram-na para ser uma boa dona de casa e submeter-se às demandas do público, porém, em suas brincadeiras com os “meninos”, aprendera que guerreiro não chora. Vendida por seus tios, vive com o capitão Justo, quem lhe estupra; homem sem caráter, ou seja, inescrupuloso, oprime-a, aprisiona e escraviza. Refletem-lhe características masculinas: corajosa, não chora ou desanima, amadurece mediante sofrimento, age valentemente. Tereza se manteve firme, foi submissa quando, em meio às guerras com o público, suas forças cessaram, contudo, logo desconstrói essa ideia. 15
  • 16. Apresenta sua bravura, ao matar o capitão. Embora “Cansada de guerra”, cria trincheiras de resistência contra a idealização masculina de mulher. Relaciona-se, pois, a obra ao povo brasileiro, que em meio às formas de dominação, opressão e múltiplos sofrimentos, desenvolveram defesas em prol de sua existência. Na obra, Tereza não só representa o feminino, o jogo verossímil da literatura, simboliza dois blocos de opressão – a margem e o feminino. No espaço público, nega-se enquanto mulher de sujeição ao privado, e é-lhe negado domínio para além do lar. Incansável nesse percurso bélico estabelecido nas relações sociais sobrevive de forma crítica e contestadora contra toda e qualquer forma de dominação. Por este viés, Tereza desloca-se do entrelugar como sugestão dos interstícios para onde foram empurrados os povos marginalizados, os “ressentidos”. Jorge Amado (des)constrói este espaço feminino com a criação de uma personagem que transita um e outro lugar. A universalidade desenhada num perfil feminino (particular) amplia os sentidos. A máscara burguesa queda e decrépita mediante a imagem transfigurada de um antagonismo ao centro da discussão. O comportamento humano sempre foco das ilustrações reticentes de uma sociedade masculina em seus valores. Reconfigura-se esteticamente entre jogos e segredos literários no vértice de uma questão antiga e recondicionada. Com o propósito de desenhar mais um mosaico, as metáforas linguísticas entrecruzam dentro de um jogo bélico entre público e privado para estabelecer os limites dicotômicos entre a mulher do espaço público e a mulher do espaço privado. A abertura das fronteiras da literatura de Jorge Amado cria novos conceitos de lugar. Qual o limite? Qual a fronteira? A transposição local internalizada no imaginário conhecido como entrelugar e o sujeito feminino simbolizam a escrita de Jorge Amado que, ao mapear estes espaços e personagens, determina o interstício literário dialético aonde perambulou para criar matrizes tradicionais revisitadas por ângulos que só olhares transgressores enxergam. Portanto, o entrelugar feminino pode referendar uma questão de ótica. A fronteira imaginária e a literatura associada configuram os interstícios alimentados social e historicamente. A arte pode refinar olhares, revisitar conceitos e levantar novas versões como espelho social. 16
  • 17. 1.1 Entrelugar: configuração fronteiriça e literária A arquitetura do novo sujeito histórico emerge nos próprios limites da representação. (BHABHA, 1998) Fronteira e limite são aspectos distintos. Enquanto o segundo delimita, separa, o primeiro abrange a área em derredor, um espaço privilegiado de encontro ligado à alteridade1. A fronteira pode ser encarada como barreira ou como ponto de comunicação, isto é, limite e ponte. O termo pode até ter sido ressignificado ao longo da história, mas segundo Chaves (2006), na literatura e no imaginário, o conceito permaneceu e autores e leitores continuam transeuntes nesse espaço “polissêmico da linguagem”. O processo diacrônico contra a opressão é recorrente na sociedade. Os limites que se estabelecem no processo vital, são demasiadamente adquiridos mediante uma exploração decorrente desde o processo de colonização. Uma vez que o indivíduo não se reconhece no contexto vigente, adquirem comportamentos plurais, o ser não se fixa em espaços determinados, atribuem-se caracteres inexistentes à sua razão, são usurpados do seu próprio “ser”. Existir consiste em habituarem-se às demandas pré-estabelecidas. Com o avanço sociocultural, as configurações identitárias modificam-se. Fronteiras estabelecem-se entre o espaço aspirado e/ou ocupado. Não obstante, o conceito de público refere-se às possibilidades dos indivíduos de impor suas opiniões. Bhabha (1998, p.301) enuncia: O que está em questão é a natureza performativa das identidades diferenciais: a regulação e negociação daqueles espaços que estão continuamente, contingencialmente, se abrindo, retraçando as fronteiras, expondo os limites de qualquer alegação de um signo singular ou autônomo de diferença – seja ele de classe, gênero ou raça. Tais atribuições de diferenças sociais– onde a diferença não é nem um nem outro, mas algo além intervalar – encontram sua agencia em uma forma de um futuro em que 1 A alteridade enquanto estado de ser outro, contrário à identidade, presente nos estudos culturais, é tratado por Bakhtin quando da teoria do dialogismo.“A questão da alteridade (ing. otherness; fr. alterité; al. Anderssein) corre o risco de se tornar simplisticamente universal, no caso de considerarmos o Outro como uma categoria onipresente, porque tudo está em oposição em relação a alguma coisa ou a alguém. É necessário delimitar a aplicação do conceito e, de preferência, pelo menos no que toca à literatura, considerá-lo apenas nas relações poéticas, dramáticas e nas que se abrem nos textos literários” (CEIA,2010). Segundo Bahktin, o eu só existe quando em diálogo com o outro. Alteridade, pois, poderia ser definida como percepção e aceitação do valor do outro. A inteira relação entre identidade e diferença, uma interação de difícil comunicação. (Disponível em: <http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=541&Itemid=2>. Acessado em: 23 de abril de 20110 17
  • 18. o passado não é originário, em que o presente não é simplesmente transitório. Trata-se de um futuro intersticial, que emerge no entre-meio. Ocupação e/ou aspiração surgem muito sobre o lugar de certas identidades. As diferenças asseguram a multipluralidade cultural/identitária. Nessas contrações intersticiais de espaço e fronteiras evidenciam-se cristalizações. Na obra, a personagem Tereza Batista, rasura o conceito de identidade feminino contrapondo-se às convenções e ordens lineares pré- estabelecidas. A prisão social, do espaço restrito a tal identidade criou ora estágios de resignação, ora estágios de indignação. Nesse entremeio, Tereza flutua. Livra-se do cárcere do lar e reconfigura-se no espaço social indiferente à identidade cravada à revelia do ser feminino. Segundo Simone de Beauvoir (1980, p. 9), “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Qualquer restrição a esta idéia descaracteriza a imagem construída internamente. Jorge Amado estabelece espaços transgredidos congruentes às suas personagens e o faz mediante comportamentos que abalam o pertencimento social pré-moldado. As mulheres, em Tereza Batista Cansada de Guerra, adentram na fronteira/limite. Tereza, a personagem, vive o processo de descontínua escala temporal: ora amásia, dona de casa, ora prostituta. O entrelugar marca-se como impotência identitária, não se firma nos papéis desempenhados. O estado performativo, ou seja, mulher do espaço privado, e/ou mulher do espaço público permeia a narrativa, desencadeia-se um estado bélico, sucumbe aos desejos e adéqua-se aos contextos sociais. O domínio público neutraliza Tereza Batista. O entrecruzar de identidades caracteriza-se de modo a representar novos outros perfis contrários à modalidade inerente ao ser. O lugar feminino consiste em estar entre as demandas opressoras, mesmo sem aceitá-las. Em Silviano Santiago (2000), verifica-se o processo de colonização, em diálogo sobre os discursos construídos mediante as condições subjacentes que os latino-americanos vivenciaram em face das imposições norte-americanas. Os colonizados, no encontro com esses dois mundos, não se encontram em seu próprio lugar de origem. Assim, apresentam-se como subservientes às imposições do colonizador. As fronteiras entre o lugar e a cultura primitiva são (re)estabelecidas; as formas de se comportar, vestir e pensar baseiam-se nas demandas dos colonizadores e senhores. “Pelo extermínio constante dos traços originais, pelo esquecimento da origem, o fenômeno de duplicação se estabelece como a única regra válida de civilização” (SANTIAGO, 2000, p.14). A diversidade cultural estabelecida entre etnias e variados grupos sociais conduz à miscigenação, mistura de raças e valores. Nessa união estabelece-se a mudança. Poder-se-ia 18
  • 19. dizer que o entrelugar consiste no seu lugar. A nova ordem de fronteiras, o “perambular” por espaços, públicos e privados, que Tereza Batista experimentou, representa genuinamente a mulher guerreira, com características peculiares. O entrecruzar de barreiras/limites, a diversidade de aparatos centrados no sujeito deslocado e os plurais espaços vivenciados resultam na penetração da mulher no entrelugar. Não se marca em um unívoco papel. Desde pequena, ao ser vendida por seus tios ao capitão Justiniano Duarte da Costa, Tereza não mais se centrou em um ponto definitivo. Os variados comportamentos advinham da sua condição. Indivíduo desprovido de carinho, amor, família, sozinha no mundo. Uma vida de subtração. Torna-se mulher, símbolo dos recortes vividos. As personagens do romance assumem-se no desencontro de espaços, o entrelugar evidencia as guerras e o cansaço. Os resquícios culturais no processo de formação da identidade tornaram-se marcas constantes destes autores sociais nas trincheiras de resistência. A infiltração cultural assegura caminhos distintos dos vividos pelo sujeito. O pensar e comportar-se são produzidos descontinuamente; abolida a unificação dos papéis, invertem- se as regras contextuais, agora heterogêneas. O código linguístico passa por metamorfoses. Novas aquisições enriquecem-no. O desvio das normas transfigura os elementos até então imutáveis. Os indivíduos perambulam por espaços desconhecidos e contrários ao habitual. Configuram-se, perdidos e confusos no seu próprio eu, e acatam as ideias imperiais. Tal reflexo mostra-se em Tereza Batista Cansada de Guerra. A personagem ao romper com o sistema opressor e privado assume-se enquanto prostituta. Ligada a uma classe marginalizada, marca-se com estereótipos excludentes. Sua imagem deturpa-se, entre o sonho e o dever. O passado difícil, de lutas, obstáculos e prisão que Tereza enfrentou quando criança circunscreve-se no decorrer da narrativa. Tereza rompe com as fronteiras patriarcais, ao desvincular-se do sistema opressor de Justiniano, mas se aprisiona na esfera social. A prostituição, assumida como válvula de escape por Tereza, caracteriza-se como novos outros cárceres, uma vez que os homens têm acesso livre e impositivo ao seu corpo. Os limites impostos às mulheres eram restritos. Romper com a configuração predeterminada significava aprisionar-se. O entrelugar feminino personificado em Tereza Batista caracteriza a mulher emaranhada em espaços enclausurados. O lar, espaço privado, representa-se pela vida esvaecida e privação de desejos nos espaços sociais. Seu comportamento transpõe-se para outra ordem, adere diferentes condutas. A mulher, cujo comportamento é repudiado enquadra-se à convenção, mesmo parcialmente. Bhabha (1998, p.71) ratifica: “[...] a luta contra a opressão colonial não apenas muda a direção da história 19
  • 20. ocidental, mas também contesta sua idéia (sic) historicista de tempo como um todo progressivo e ordenado”. A condição alienante imposta pelo grupo imperial emerge como estereótipo estruturador, mas o marginalizado recusa tal posicionamento, desloca-se do papel de subserviência, seu quadro de referência é transgredido, e seu campo de visão perturbado. Figura-se em um campo de visão contrário ao estabelecido. A figura representativa dessa perversão é a imagem do homem pós- iluminista amarrado a, e não confrontado por, seu reflexo escuro, a sombra do homem colonizado, que fende sua presença, distorce seu contorno, rompe suas fronteiras, repete sua ação à distância, perturba e divide o próprio tempo de seu ser (BHABHA, 1998, p. 75). Desde o início, a cultura ocidental apresenta os caminhos tortuosos dicotômicos entre colonizador e colonizado, senhor e escravos, patriarca e servos. Estabelece-se uma cultura guerreira e, desencadeia-se a sede de poder. Submissão e marginalização se fazem presentes em decorrência do medo que impera em uma sociedade masculina, centrada numa política econômica e social baseada nas necessidades das elites. Todavia, Dijk (2008, p. 47) afirma que a ideologia dominante de um determinado período costuma ser a ideologia especificamente da classe elitizada. A relação entre público e privado apresenta formas controversas nas demarcações sociais. O agrupamento social no espaço público oferece caracteres individuais marcados por melhores possibilidades de impor suas opiniões, com fácil difusão. Os excluídos, porém, contestam a situação e entram em uma guerra contra o poder público. Rompem com o sistema opressor e objetivam a formação de sujeitos construtores de sua própria identidade, desvinculada, das estruturas de dominação patriarcal. É a representação dos desafios. Lima (apud COSTA e SARDENBERG, 2002, p. 52) salienta que na sociedade contemporânea muitos têm sido os desafios enfrentados pelas mulheres quando de sua inserção nos espaços públicos. Tais desafios conduzem essas mulheres a assumirem “posições de sujeitos” ativos e com identidades plurais. As identidades permeadas de oscilações fragmentam-se constantemente com o avanço do status social. Ferreira e Nascimento (2002, p. 59) postulam que gênero não representa um “estado interior” fixo, trata-se, outrossim, mais de uma performance que cada sujeito desempenha, diariamente, ou seja, submete-se determinadas funções rotineiras, para o reconhecimento da mulher, segundo os padrões sociais. 20
  • 21. As práticas excludentes, permeadas nas relações sociais, ao serem transgredidas, como mecanismo de superação coletiva, transpondo-se para um papel contrário ao que de fato se exige pelo domínio público. O espaço imaginário entre público e privado decorre das interações sociais que, uma vez estabelecidas, o discurso dominante prevalece. O “ser” desloca-se por fronteiras, que o faz sentir-se estrangeiro dentro do seu próprio mundo. Assim, o sujeito estilhaça-se, o mundo intermediário é demarcação nos plurais espaços coexistentes. A força e coragem de Tereza lhe permitem autonomia e autodeterminação para permear diferentes contextos. Seu caminhar firma-se enquanto sujeito crítico; como os índios colonizados transgridem as normas estabelecidas. Logo, apresenta-se contrárias as normas e regras constituídas pela elite vigente. 1.2 Jorge Mulher Amado: o interstício literário dialético As mulheres “valentes como homens” de Jorge Amado são exceções e consideradas heroínas. (CHALHOUB; PEREIRA, 1998, p.353) A literatura, representação do real, apresenta-se como forma de expressão artística de autores, para enfocar questões sociais, e/ou criticá-las, seguindo uma linha análoga, direta ou indiretamente, à realidade social. Jorge Amado permeia sua escrita com descrição nascente nas relações sociais condizentes à sua realidade. A mulher, personagem que ocupou e ocupa papel de fundamental importância na escrita amadiana, protagoniza papéis plurais, especificamente no que se refere à crítica às desigualdades sociais e fatores socioeconômicos. Chalhoub e Pereira (1998) dizem que Jorge Amado tenta conscientizar o povo por meio dos seus personagens. O populismo literário conferido pela carga de humor, linguagem exótica, capacidade de aproximar sua linguagem com a realidade humana, personagens que condizem com a imagem de uma época onde tudo seria possível, substitui a utopia marxista pela utopia da miscigenação, refletida nas personagens mulatas que exercem papel de prostitutas muito em voga no Brasil. O eixo norteador de suas obras privilegia uma população ficcional de origem marginal. Seu texto converge para o sabor dos contadores de história, marcando por espaços marítimos, paisagem urbana, bares, bordéis etc. Lugares que aproximam personagens e universo. A verossimilhança, característica do verossímil, do que convence, do que parece 21
  • 22. verdadeiro, permite uma interação leitor/escritor de forma a inseri-los na escrita ficcional, transpondo-os para as realidades cotidianas. Olivieri-Godet; Penjon (apud GUMÉRY- EMERY, 2004, p. 183) profere: “Amado, se dedica ao ato simultâneo de criar uma personagem e uma sociedade, situando o romance numa época e num lugar”. A consagração de Jorge Amado como escritor, ao longo da história literária, deve-se, principalmente, à paixão pela classe feminina. As mulheres amadianas, mulatas belas, sensuais, com uma carga de erotismo enaltecido, distorcem o discurso hegemônico social e o qualificam como escritor de putas e mulheres sem caráter. Contudo, tais atributos e características femininas, desvinculam-se do preconceito referente ao papel feminino na sua obra. O autor se fundamenta na literatura do universo feminino para exprimir outros anseios, preocupações e para denunciar as injustiças sociais como um todo. A sua linguagem ganha sentido estereotipado por não seguir uma linha da gramática normativa, comum à liberdade artística. Nas suas obras, é constante a presença da mulher do “povo”, pobre, prostituta, amásia, pertencente às classes menos favorecidas. As palavras do cotidiano desenham esses perfis femininos desconstrutores de ideais. Jorge mulher Amado apresenta-as e descreve as histórias de sofrimento, humilhação, preconceito, perseguição e exclusão social, que circunscrevem a formação da identidade da mulher. Tereza, uma das mulheres aparece humanizada, encara a prostituição como forma de sobrevivência, sem, contudo, dissociar-se dos atributos valorativos. A propriedade com que Amado escrevia sobre estas personagens prostitutas e excluídas advêm da permanência em casas de prostituição. Suas experiências são refletidas no texto. A mulher prostituta, figurativamente, referencia características eróticas, mas com seus valores reforçados. A voz de Tereza é um subterfúgio à crítica social, uma referência a ele atribuída, porque desse posicionamento, direciona o olhar para a margem e focaliza outro grupo silente da história. A personagem, em análise, ressignifica e esclarece: a mulher Amado é, acima de tudo, um ser social em busca de espaço. A sociedade masculina é criticada, sob uma linguagem “descuidada”, a que representa a péssima situação dos pobres, e, sobretudo, o descaso político diante de reais dificuldades, sem ao menos, comprometer-se com a realidade. Verdades ou mentiras não importam. A narrativa faz abrir focos de luz sobre sujeitos plenos de histórias e construções de um lugar. As marcas de JorgemulherAmado estão impregnadas no decorrer da sua história literária.Visíveis estão os sinais do amor de Amado por personagens femininas, um amor que ultrapassa questões estéticas e reflete a formação de sujeitos protagonistas impassíveis em 22
  • 23. relação às imposições patriarcais, mas que travam luta constante e progressiva contra as amarras sociais. O atrativo físico associa-se metaforicamente à beleza interior. A mulher, personagem de Amado, manifesta uma mobilização social. A mulher apática, submissa, passa à subvertida, transgressora. A NÃO aceitação aos modelos vigentes permeia a narrativa do romance Tereza Batista Cansada de Guerra. Personagens femininas que realizam as mesmas atividades que os homens, são consideradas “valentes” como homens. Divididas em um mundo masculino, e outro feminino, os romances de Jorge Amado, aceitam que algumas mulheres transgridem essa divisão, entram para um mundo tipicamente masculino (CHALHOUB; PEREIRA, 1998, p. 353). A denúncia envolve suas personagens, como a quebra das máscaras das classes média e alta. Contrária a ideia de mulher apática e passiva diante da problemática social, o feminino amadiano firma-se com força, suficientemente eficaz para encarar desafios. Adentra campos de “batalha”, vivifica experiências massacrantes, frente à superioridade masculina. Entretanto, os paradigmas estabelecidos são quebrados, constitui-se como “chefe”, construtor do seu próprio destino. A mulher, na literatura de Jorge Amado, personagem principal, protagoniza fatos corriqueiros, descriminados socialmente, apropria-se da sensualidade, erotismo, específicos à mulher brasileira, particularmente, à baiana e retoma a vida degradante, face às críticas sociais. Neste sentido, Olivieri-Godet; Penjon (apud DUARTE, 2004, p. 173) afirma que: O romance de Amado realiza, portanto, uma íntima associação entre desenvolvimento econômico, social e relações de gênero, através de suas mulheres ficcionais. Ele trabalha sempre com figuras estereotipadas, presente no imaginário masculino, mas o mecanismo de relacionamento que estabelece entre elas consegue quebrar a fixidez dos estereótipos. A mulher vulgarizada apresenta-se como técnica narrativa que exprime força, coragem e audácia em face dos conflitos sociais vigentes. A forma de expressão evidenciada pela metáfora de “vulgaridade” apresenta o mundo áspero, conflituoso e de fortes sofrimentos, mas que nunca desiste de ”ser” e “viver” com autonomia, audácia, perseverança. A referência estereotipada de Jorge Amado à mulher denota a necessidade de “mudança”, no 23
  • 24. que tangem os discursos marginalizantes e discriminatórios. O autor configura personagens em espaços amplos e significativos e permanecem no interstício, não se fixam em um único e exclusivo olhar de interpretação, perambulam nos variados espaços imaginários. O erotismo apresentado como carga de “inquietação”, marca a luta contra a pluralidade opressora por que perpassa o sujeito feminino na sociedade. Abre-se um espaço à leitura de um mundo onde ele sobreponha à imagem da mulher sedutora, pecadora, vulgar e infiel com uma mulher forte, corajosa, altruísta e guerreira. Desse modo, na obra Tereza Batista Cansada de Guerra, o escritor apresenta a personagem principal como uma mulher que desde criança sente na pele o dissabor da dor física e psicológica; o sofrimento lhe “seria” inerente á vida, mas não o foi. Mulher de força, coragem e garra driblou todos os obstáculos, sem se queixar nem tão pouco pensar em desistir. Marcada com ferro e brasa, viveu-os e sobreviveu. Tereza carregou fardo penoso, poucos machos aguentariam (sic) com o peso que ela aguentou (sic) e foi em frente, ninguém a viu se queixando, pedindo piedade [...] Posso lhe confiar irmãozinho para começo de vida a de Tereza Batista foi começo e tanto; as penas que em menina penou bem poucos no inferno penaram; órfã de pai e mãe, sozinha no mundo - sozinha contra Deus e o diabo, dela nem mesmo Deus teve lástima. Pois a danada da menina assim sozinha atravessou o pior pedaço, o mais ruim dos ruins, e saiu sã e salva do outro lado, um riso na boca (AMADO, 1972, p. 8-9). Tereza não se encontra no seu lugar de origem, o interstício, coexiste. Ora, o lugar entre “dever ser” e “querer ser” estão imbricados. No processo de formação, constantes formas opressoras impedem-na de assumir características próprias. Deve-se reagir as demandas impostas, sem, contudo aceitá-las. Jorge mulher amado, descreve uma Tereza MULHER, com características singulares. O sofrimento inerente ao seu nascimento apresenta-a como a mulher que não amortece em face de sofrimentos e obstáculos vitais. Constrói-se, a mulher Amado: mulher militante. Ações bélicas projetam-se em consequência dessas constantes formas opressivas. Uma vez estabelecidas as “prisões”, a mulher de Jorge Amado, condicionada a uma vida de sofrimento, converte-as. Enraizadas na audácia, na força efervescente. Transpõe o estereótipo de mulher “dependente, dócil, flexível” para a perspicácia de uma heroína. Os costumes, tipos sociais, normas são rompidos e o interstício envolve-as na busca por seus próprios sentidos identitários. 24
  • 25. 1.3 Entrelugar feminino? Uma questão de ótica Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. (SIMONE DE BEAUVOIR, 1980, p.9) A estrutura social está em contínuo processo de mudança e a mulher se envolve nessa diacrônica transformação social. O sujeito feminino se identifica enquanto indivíduo coadjuvante e/ou protagonista, em variadas circunstâncias contextuais que exprimem e caracterizam o “jeito mulher de ser”. A mulher se inseriu de forma significativa na formação da cultura ocidental, suas lutas, suas conquistas decorrem da coragem de se adentrarem nos entrelugares descontínuos aos recomendados pela coletividade. Assim, no processo de formação, apresenta-se fragmentada, mediante as constantes barreiras e obstáculos transpostos. O discurso falocêntrico midiatizou suas experiências, triunfaram assim seus objetivos, moldando comportamentos, segundo suas necessidades individuais. A mulher, portanto, priva-se de autonomia e vive restrita diante dos padrões estabelecidos como “verdadeiros” e fundamentais neste jogo de soberania do homem. Ser homem e ser mulher é uma construção engendrada a partir da história de cada um e de seus condicionantes sociais, isto é, o processo de construção e reprodução de estereótipos a que esteve submetido ou circunstanciado nas principais etapas de formação (ALMEIDA, 2010, p. 22). No Romance Tereza Batista Cansada de Guerra, o processo de formação identitária da personagem Tereza Batista centra-se em maus tratos, sofrimento, humilhação e inicialmente, a consequente obediência. Tereza rompe não aceita as imposições e violências patriarcais, enfrenta o sistema opressor, mas suas forças esvaírem-se. Mas porque essa filha-da-puta não chora? [...] Tereza apóia a mão no piso, se levanta num salto de moleque, novamente erguida no canto da parede. O capitão perde a cabeça, vou te ensinar, cachorra! Dá um passo, recebe o pé de Tereza nos ovos, dor mais sem jeito. [...] Tereza rola semimorta, o vestido empapado de sangue, o capitão continua a bater, com o capitão justo ninguém se atreve, quem se atreve apanha.[...] Justo mete a mão, rasga-lhe o vestido de alto a baixo, sangue no vestido, sangue na carne dura, tensa.Toca o bico dos peitos, ainda não são peitos, são 25
  • 26. formas nascentes, menina por demais verde, ao gosto do capitão. Mas a demônia cruza as pernas, tranca as coxas, onde encontra idéia e decisão? [...] Surra de criar bicho, de arriar os quartos, só faltou mesmo matar, filha da puta rebelde [...] (AMADO, 1972, p. 93-95). A mulher aparece na história pelo olhar masculino, seu comportamento submetido à vigilância de toda a sociedade, a qual centrada no poder masculino sempre fez reverência ao homem. Por meio das suas práticas, moldaram comportamentos, segundo suas necessidades individuais. A mulher priva-se de autonomia, pois, vive restrita aos padrões estabelecidos como “corretos” e fundamentais, ditados pela soberania do homem. [...] o triunfo do patriarcado não foi nem é um acaso, nem resultado de uma revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-se como sujeitos soberanos. Condenada a desempenhar o papel de outro, a mulher estava também condenada a possuir apenas uma força precária: ídolo ou serva (MOTA, SARDENBERG, GOMES, 2000, p. 67). A serva Tereza Batista, assim considerada, pelo papel desempenado ao longo da narrativa, ainda no poderio de Justiniano, vive momentos de escravidão, humilhação e desespero. Todo e qualquer pensamento/ação, deveria está sob controle do patriarca. A força e a coragem de Tereza distanciavam-se das suas vontades. Priva-se de autonomia vive submissa. Obediência forçada foi à palavra que aprendeu a praticar no seu processo de formação identitária. Nem uma palavra de carinho, uma sombra de ternura, um agrado, uma carícia-apenas maior assiduidade, furor de posse. Acontecia-lhe, nas horas mais extravagantes, fazer um sinal a Tereza, para cama, depressa! Suspender-lhe a saia, despejar-se, inadiável necessidade, manda-lá de volta ao trabalho. [...] Submissa, sim, de total obediência, correndo para servi-lo, executando ordens e caprichos sem um pio; assim agindo para não apanhar, para evitar castigo, a palmatória, o cinto, a taca de couro cru. Ele ordenava, ela cumpria (AMADO, 1972, p. 101-107). As mulheres são submetidas a uma reprodução de comportamentos centrados primordialmente na obediência. Reproduz desde pequenas, valores culturalmente permeados, 26
  • 27. nos contextos sociais vigentes, desempenhando papéis exclusivamente centrados na posição de mulher, voltada para o casamento, para a vida doméstica e familiar e, para melhor educar os filhos, ou seja, para serem perfeitas procriadoras. Seleção estreita de possibilidades, suas atividades se reduzem às ocupações técnicas apropriadas à sua condição. Maria AtelaOrsini (apud LUCENA-GHILARDI, 2003, p. 83) postula: “a mulher só deveria sair de casa três vezes: a batizar, a casar e a enterrar”. A dura realidade permeada na formação cultural e pessoal das mulheres prolongada por muito tempo determina as formas de prisão estabelecidas que as limitasse de participar da esfera pública. A vida das mulheres resumia-se ao silêncio e ausência de ação. Socialmente, eram vistas como inferiores, subalternas, não passando de seres insignificantes, tudo lhes eram proibido. Pela ótica patriarcal social, a mulher representava castidade e resignação. As convenções condenavam-na a novos horizontes. O avanço tecnológico ocorrido nas décadas de 30 e 40 propiciou-lhes o contato com aparelhos eletrônicos informativos. Assim, a participação da mulher na sociedade começa a surgir. Os setores conservadores já não detêm poder absoluto, a mulher participa da sua própria construção identitária. Lucena-ghilardi, (2003, p. 53) afirma sobre a necessidade de romper barreiras. Para tanto, é preciso refletir sobre a condição feminina para acelerar o processo de autoconhecimento e descoberta. Ainda acrescenta que: O sexo frágil, em qualquer profissão, rompe com o papel de somente procriadora e reproduz, transformando, sendo capaz de possuir vontade, empreendimento e ação. Cumpre missão de sujeito e cidadã, emergindo da invisibilidade para o reconhecimento da área pública. Vence barreiras de preconceitos, pressões e resistências, construindo um novo papel sociocultural (2001, p. 580). Tereza Batista, mulher de força inigualável, apresenta-se como reprodutora do sistema dominador patriarcal em momentos de guerra, mas, desvincula-se das normas e regras predeterminadas. Transgride a ordem até então silenciada e rompe com os padrões horizontais de obediência. Configura-se com uma contraopinião às ideologias, a vários fatores de ordem androcêntrica. Cansada de obedecer às demandas de Justiniano, desafia-o mais uma vez, rompe a barreira de “medo”, imposta, o trai com o personagem Daniel. Posteriormente, ao ser surpreendida ao lado do amante, em sua defesa, mata-o. A coragem, inerente à personagem, adormecida, se desperta ressurge a força, audácia e bravura da mulher face à opressão. 27
  • 28. Veio mais a frente Justiniano na intenção de agarrar a maldita, sujeitá-la na cama, romper o eterno cabaço, penetrar a estreita fenda, rasgar-lhe as entranhas, com este ferro marcá-la lá dentro, apertar-lhe o pescoço, na hora do gozo matá-la; para fazer-se curvou-se. Mergulhando por baixo, Tereza Batista sangrou o capitão com a faca de cortar carne-seca (AMADO, 1972, p. 159). Os desafios, enfrentados pelas mulheres, exemplifica a aquisição de uma nova imagem feminina. Os modelos identitários apresentados no passado transpõem-se. Os indivíduos se deslocam constantemente, desempenham papéis sociais plurais. A mulher sobre a ótica feminina representa força política, determinação e coragem. Lima (apud COSTA e SARDENBERG, 2002, p. 61) elucida que: “Diante do conflito entre o público e privado: Todo esse quadro, pois, implica o deslocamento de identidades não mais representativas daqueles modelos tradicionais”. Os modelos e posturas anteriormente oferecidos deslocam-se. Os lugares entre espaços plurais exemplificam a oposição à imagem unívoca que lhes foi oferecida e atribuída: “obediente mulher do lar”. Simoneti (1998, p. 52apud LUCENA-GHILARDI, 2003, p. 123) sintetiza proferindo: “A mulher está destruindo silenciosamente, o mito de desigualdade, sem que ninguém precise puxá-la pelo braço. Ela já sabe andar sozinha”. 28
  • 29. 2 IDENTIDADE, MULHER E METÁFORA: a dialética imagem jorgeamadiana A identidade de uma pessoa não se encontra no comportamento nem por mais importante que seja nas reações dos outros, mas na capacidade de manter em andamento uma narrativa particular (GIDDENS, 2002, p. 55). O perfil feminino de identidade marcara-se ideologicamente pelo desejo masculino de complemento, isto é, tudo aquilo que não lhe cabia atribuía-se à mulher como um ser que vivia socialmente para facilitar a vida do homem. Essa visão estereotipada de mulher criara sérios inconformismos na classe, porque papéis e funções sociais são definidos historicamente, mas biologicamente, entende uma questão de força e de sentimentos, não necessariamente de competência. A identidade organiza-se pelo contato entre os atores sociais. O processo identitário feminino constitui-se ao longo da história, por caracteres subjacentes à submissão e à subserviência. A exploração, fator diacrônico no espaço feminino, sobrecarregou-se de guerras patriarcais. A narrativa Tereza Batista Cansada de Guerra articula-se no eixo ou mesmo entre polos do entrelugar: opressor e oprimido, patriarcal e transgressor. A identidade da personagem principal articula-se no movimento pendular que, de um lado para outro, recorta posições, desloca-se ideologicamente e transmuta-se nos espaços bélicos, negando e revertendo ideologicamente os propósitos de mulher parasita. Os deslocamentos e pluralidade de representações e papéis sociais femininos retratam uma herança nada honrosa à história. O discurso ideológico condiz com características peculiares à identidade reservada à mulher. Se fatores sociais determinam e caracterizam o indivíduo, a construção imagético-imaginária, engendrada pelo ideológico humanitário patriarcalista, fotografou uma imagem de mulher sem movimento. A mulher era admirada como objetos de prazer, pelos códigos de domínio. O comportamento da mulher desenhava-se, pois, segundo o discurso masculino, cuja demanda imperava sobre elas; “o ser e agir” pautava-se em obedecer ao que lhes fora determinado. O movimento automatizado repetia-se às conveniências, um dia desequilibradas por identidades redefinidas. A identidade é constantemente narrada em obras literárias; focos de discussões polissêmicas e ambíguas permeiam a trajetória de imagens femininas com marcas do olhar dominante masculino. O jogo imagético imaginário do discurso hegemônico opressor a 29
  • 30. posiciona como subservientes, portanto, impossibilitadas de lutar pela aquisição de uma identidade livre de arquétipos modeladores. A mulher metaforiza-se de artifícios defensivos, e outras visões se estabelecem em decorrência da ruptura de pensamentos e de sua materialização de atitudes. Nesse contexto, novas identidades surgem. A mulher assume-se enquanto ator principal na reelaboração comportamental. Absorve as ideologias masculinas, por vezes impostas, porém, motivadas a mudar o quadro de dominação, não se privam em posições indicadas, mas regem sua própria história, marcada por constantes lutas, desafios e cansaços. A identidade coletiva assumida por mulheres “masculinizadas”, ou seja, mulheres com atitudes diversificadas que lutam com bravura, resistência, audácia contra as demandas impostas pelo domínio opressor, permite-lhes exercer funções outrora vistas como próprias ao universo masculino. Essa prática não torna a mulher um sujeito pertencente a outro gênero, porque não se trata de gênero as práticas sociais; o ser mulher está impregnado na essência e não nas funções desempenhadas socialmente. Não são nem agem “como homens”, nem tampouco praticam exclusivamente as demandas masculinas, mas, se sabe que na ideologia hegemônica social o sexo masculino assume papel de bravo, forte, resistente, dominador e batalhador, a mulher se apodera desses atrativos e reinventa a construção identitária. Um choque às convenções. Nesta perspectiva, o escritor Jorge Amado utiliza uma linguagem metaforizada e representa a força inerente à personagem Tereza Batista. A narrativa desencadeia uma análise de mulher como objeto transformador, ativa, militante e, acima de tudo, revolucionária. Lutadora, guerreira rompe os padrões lineares. Constitui-se como mulher de fibra que resiste às nuanças e injustiças sociais. O processo metafórico fortifica a personalidade de Tereza. Os valores sincréticos religiosos, considerados reflexos de fortaleza na obra, reivindica a personagem sua força e destemor desenha-se a imagem de mulher ativa, guerreira e revolucionária. Tereza Batista apresenta uma metamorfose de papéis atribuídos e rompidos nos quais a mulher esteve e está substanciada. A metáfora de mulher entremeia por espaços coletivos, dialoga com o discurso hegemônico centrado no poder masculino absoluto e obsoleto e contrapõe as ideias, reveste-se de força, coragem e audácia, e luta por uma identidade metafórica onde uma nova ordem e/ou forma de perceber as relações identitárias são estabelecidas. Tereza rompe o discurso linear. Metaforiza-se com força para transpor a ideia de mulher obediente e passiva e construir-se mulher com sua identidade. 30
  • 31. 2.1 Identidade plural e coletiva: desenhos imagético-imaginários ou construção cultural? Identidade é o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significados (CASTELLS, 1999, p. 22). A formação de gênero deve-se a fatores históricos. O homem, um subterfúgio supremo na sociedade, impõe regras, reprime as mulheres de se situarem livremente no espaço público, fora do lar. Podadas de ações outras, algumas mulheres acatam as doutrinas familiares. Reproduzem as múltiplas influências e instâncias moldadoras. Os patriarcas detinham o poder supremo e exclusivo por excelência. As mulheres ocupavam lugar secundário, marginalizado. Respeito e obediência lhes eram impostos. Suas oportunidades eram restritas, toda e qualquer forma de não aceitação, e/ou recusa ás imposições marcavam-se sob violentas repressões e prisão. Bauer (2001, p. 12) afirma que a mulher banida, ideologicamente, da história e pela força silenciada no cotidiano social, sempre teve que lutar por seus mais elementares direitos; e quando isto ocorria, por exemplo, na Idade Média, era excluída do convívio social ou até mesmo perseguida e queimada viva como bruxa. Subtraída dos seus direitos, privada de autonomia, coloca-se na mira do poder patriarcal. Atitude contrária às estabelecidos engendrava-as enfadadas por cumprir obrigações não debatidas, mas impostas à sua revelia, sem ao menos a chance de manifestar-se. As mulheres, submetidas a um modelo de comportamentos centrados primordialmente na subordinação, enredam-se em tais ideologias e reproduzem, desde pequenas, valores culturalmente definidos nos contextos sociais vigentes. Formada sob o olhar do outro, a mulher nega-se enquanto mulher de ação. Não obstante, o processo de andamento identitário, assume várias posições de sujeito. Surgem significativas articulações. Os estágios de fixidez comportamental são característicos, contudo, nova ordem moldadora é formada estrategicamente. Hall (2006, p. 12-13) profere que: A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades 31
  • 32. contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Nesse sentido, no romance corpus do trabalho, as personagens femininas apresentam-se sob óticas distintas. Dóris, uma jovem recatada, com arquétipos de mulher frágil, dócil e submissa,casa-se com Justiniano Duarte da Costa, homem patriarcalista. A mulher submissa da sociedade feudal, ganha destaque. Nesse período, a mulher visualizava o homem (rei) como representante de Deus, o poder absoluto concentrava exclusivamente em suas mãos. Dóris enfrentou as críticas sociais decorrente da diferença de idade e assume-se enquanto serva para satisfazer as demandas do patriarca. A mulher submissa, fiel e escrava ganha enfoque. Esta deveria reverenciá-lo. Seu papel social restringia-se a seu “senhor”. Espancada, humilhada, aceita a condição imposta sem, hesitar. “Dóris esposa apaixonada e humilde aos pés do marido uma escrava. Não houve antes, não haverá depois, esposa mais devotada e ardente” (AMADO, 1972, p. 87). Os ideários culturalmente construídos devem-se, principalmente, à personalidade e às relações contextuais, nas quais o indivíduo esteve/está substanciado. Castells (1942 p. 169) afirma que os relacionamentos interpessoais e, consequentemente, a personalidade, também são marcados pela dominação e violência que tem sua origem na cultura e instituições do patriarcalismo. Por volta do século XIV, a mulher foi excluída de atividades na esfera pública, isso se deve ao fato de o poder masculino difundir suas ideologias e consolidar-se socialmente. Em decorrência da modificação na esfera social, o poder supremo veiculado ao homem começou a enfraquecer. A mulher sepultada de direitos, restritas a um único espaço segmenta-se em atividades de cunho diferenciado, luta por transformação. Sua inserção em lutas e movimentos deve-se ao desejo de ajustarem-se à vida pública e se adentrarem nas diferentes áreas contextuais. Movimentos começam a surgir, dentre eles o feminismo que visa uma igualdade entre os sexos. A mulher que outrora se apresentava submissa reverte-se. Vive um processo de grandes alterações comportamentais. Criam trincheiras de resistência. Adentram no mercado de trabalho, ganham autonomias, transformam a realidade vigente. No jogo bélico conquistam o direito do voto e, mesmo considerada desigual, menor, insere-se nas variadas esferas sociais. Tereza, ao assumir-se enquanto sujeito construtor de sua própria identidade, vivifica as mazelas sociais e sofre degradantes consequências. Os “eus” identitários construídos por 32
  • 33. Tereza fragmentam-se. Porém, congruem para dimensões semelhantes. Ao abraçar os espaços públicos, abre-se para a contestação.Pode-se afirmar que Tereza Batista, ao se submeter às constantes batalhas e guerras, contra o poder autoritário patriarcal, torna-a consciente do aniquilamento pela qual esteve envolta. E com isso, reformula suas experiências. Diverge do comportamento submisso e subserviente assumido por Dóris. Manifesta-se culturalmente como mulher, abolindo a dicotomia homem/mulher. Opõe-se a padronização de dominação linear imposta. Castells (1942, p.232) confirma: O objetivo da mulher é conquistar autonomia cultural como base para resistência, inspirando assim reivindicações femininas fundamentadas em valores alternativos, tais como a não competição, a não-violência, a cooperação e a multidimensionalidade da experiência humana, conduzindo à nova identidade e cultura femininas capazes de induzir a transformação cultural da sociedade humana. Tereza, aversa às injustiças – especificamente, quando envolvia a força falocêntrica sobre os menos favorecidos, mulheres que eram espancadas por homens, ou financeira (os pobres em geral) –não tinha medo. Determinada, utilizava sua força altruísta em prol de outrem. Firmou-se como professora para ajudar Joana das Folhas a recuperar o sítio das mãos de um mau caráter. Apanhou ao defender mulher espancada pelo esposo; engajou-se na luta contra uma epidemia denominada peste negra que avassalou Buquim; militou na greve dos balaios, a qual consistia em determinar o fechamento dos prostíbulos, como resposta ao descaso social à classe das prostitutas. A quebra de tabus é ponto de partida para novas oportunidades sociais. Tereza vive um processo metamórfico. Os contextos formadores de cultura com que a personagem esteve substanciada confluíram para uma formação feminina ainda mais fragmentada. O ser feminino caracteriza-se enquanto protagonista militante e construtor da sua própria identidade, e o homem, visto e aceito como principal provedor da prole, sente-se ameaçado com a inserção da mulher em espaços até então únicos e exclusivos aos seus interesses. Fazer parte da categoria feminina transgressora significava romper com os códigos preestabelecidos. Ser e viver segundo as próprias ideologias trouxe constantes consequências para as mulheres. A busca por igualdade tentativa de inserção no espaço público as diferenciava do modelo previamente articulado pela sociedade. Ser igual, possuir direitos semelhantes aos da classe masculina era e é o principal objetivo das feministas no decorrer da história. Atitudes que antes representava afronta aos 33
  • 34. poderes vigentes tornaram-se as principais “armas” no jogo bélico. A mulher que viveu por muito tempo sob o viés marginalizado, relegada a segundo plano, estereótipo consolidado ao longo do tempo, esforça-se para se manter forte nas lutas e imposições masculinas sedimentadas como protagonista da história. Assim, a identidade, imagem e imaginário de Tereza Batista consolidam-se. Sem identidade estável e unificada, torna-se composta de inquietações que se multiplicam no confronto bélico. Nesse contexto de lutas no qual se coloca Tereza Batista, novas identidades pluralizam-se, reflexões e ações estabelecem-se. A imagem desenhada e tatuada de Tereza incrustou-se no imaginário social. Da Tereza Amadiana, constroem-se várias outras Terezas sociais que, desprezam as convenções culturais e conquistam dignamente sua identidade e passam de mulher objeto a objeto mulher. 2.2 Mulher objeto ou objeto mulher: de um extremo a outro na escrita jorgeamadiana Ao “fazer” a vida cotidiana, todos os seres humanos “respondem” a questão do ser – e o fazem pela natureza das atividades a que o eu se dedica (GIDDENS, 2002, p. 50). Jorge Amado, escritor baiano nascido em 10 de agosto de 1912, em uma fazenda situada no sul do estado da Bahia, falecido na cidade de salvador, a 07 de agosto de 2001, ingressou na história literária ainda jovem, aos 19 anos, com o romance O país do Carnaval. A participação na política o colocou no centro dos acontecimentos históricos mais determinantes de grande parte do mundo. Com uma história de empreendimento e realizações, o sucesso das suas obras é incontestável, trata-se do escritor mais lido do país, aborda temáticas diversas. Somados 31 livros publicados, centra-se no meio o telúrico, o cais de salvador, os amores dissabores de uma população à margem da sociedade. Debruça-sesobre a realidade de mestiços, pobres, negros e também imagens femininas. Respalda-se nos costumes da sociedade baiana, em épocas distintas, com uma linguagem popular. Escreve com habilidade e transita as diversas camadas sociais; seus personagens exemplificam o tom crítico expresso por emoções intensas. Acompanhado pela criticidade, Amado traz em suas obras um tom irônico com uma dose elevada de humor. Seu 34
  • 35. objetivo no decorrer da sua trajetória de literato não foi a aceitação social, mas a demarcação de uma escrita profunda, significativa; uma correspondência biunívoca entre fatos reais e fictícios. Jorge Amado, dessa forma, mantém um diálogo entre autor, obra (personagens), leitor. Sua linguagem rompe fronteiras de um extremo a outro, atravessa os limites temporais e se atualiza a cada leitura. Com estilo telúrico, Amado aborda, nos seus textos, problemas regionais com um largo fundamento no povo, propriamente no povo baiano. Sua literatura deveria mergulhar no contexto e na vida de todos os dias, está respaldada, exclusivamente, na realidade do povo, não com uma criação puramente estético-abstrata. Suas produções servem de marco para o manifesto de temáticas ainda ocultas. Na sua escrita não circunscreve caminhos e ambientes fixos, seus personagens circulam uma variedade de espaços e realizam saltos comportamentais. Neste sentido, Pereira (apud OLIVIERI-GODET; PENJON, 2004, p. 146) afirma que: “Jorge Amado é, antes de tudo, um escritor comprometido com o burburinho da existência, com o vai-e-vem das pessoas simples no contato carnal com a vida”. Em Tereza Batista Cansada de Guerra, os acontecimentos cotidianos são retratados e as estratégias de resistências asseguradas pela protagonista Tereza ampliam, pois, a ideia de bravura de uma classe social marginalizada socialmente. Duarte (apud OLIVIERI-GODET; PENJON, 2004, p. 167) diz que “no romance de Jorge Amado, temos, portanto, com muita competência, uma amostra de como a mulher passa de objeto a sujeição da própria história, e também do processo cultural da construção do conceito gênero”. Emery-Guméry (apud OLIVIERI- GODET; PENJON, 2004, p. 177) confirma: Para Jorge Amado elas são o início de uma cultura nova e original. Nelas o Brasil terá que se firmar para construir sua sociedade. E o romancista dá-lhes todas as qualidades: todas são belíssimas e possuem uma extraordinária força de vida que fez com que sobrevivessem num mundo ideologicamente branco e judaico-cristão. Todas têm uma generosidade, uma bondade e até um altruísmo que às vezes as leva até a abnegação. Jorge Amado prescinde à mulher caracteres únicos, reveste-a de uma significação orientada para situações diversas. A imagem feminina bifurcada ao longo da história desloca- se, ganha ênfase a mulher com representativos de força, autonomia, perspicácia e ousadia. Representada como objeto de satisfação, ser mulher condizia em ser e viver para o outro. A visão que Jorge Amado atribui à mulher funda-a em contextos significativos. Ela rompe, 35
  • 36. quebra e transgride com o ditado socialmente, sem, portanto, desvincular-se das características femininas valorativas. Assumir nova postura amedrontou o público do cenário opressor. Ameaçados, com atitudes revolucionárias, os homens principiam a presenciar novos comportamentos; as cortinas sociais estavam abrindo-se para a classe privada de ser/agir e viver segundo seus próprios conceitos. Configura-se a passagem do privado para o público, nos jogos bélicos marcados por cansaços e desafios. A questão fundante da luta feminista consiste no retirar-se das visões atribuídas à sua identidade. Viver sobre o fundamento masculino, estar diante das suas decisões sem, contudo, criticar, debater, contradizer, oprimia-as. A mulher se fundamenta em suas próprias ideias. Incluir-se na produção social modifica o seu mundo individual e o social como um todo. Avaliando as lutas e conquistas femininas, o escritor Jorge Amado, circunscreve a história feminina marcada pela passagem da mulher enquanto simples objeto de descarte para mulher transgressora. A beleza exuberante de Tereza direciona-a aos estereótipos de mulher sem valor, para uma pobre bonita para quem lhe cabia simplesmente a posição de amásia. Contudo, Tereza não se submete às demandas exigidas e, mesmo em face de desafios constantes e luta, consegue desmistificar essa ideia.Emery-Guméry(apud OLIVIERI-GODET; PENJON, 2004, p. 177) afirma que “Jorge Amado tenta dar um papel à mulher de cor na sociedade brasileira, pois ele acha que ela é o motor dessa sociedade” Assinala, portanto, a personagem Tereza Batista. Os discursos hegemônicos masculinos imperam e controlam as ações femininas. A imagem da mulher ofusca-se diante dos esquemas tradicionais patriarcalistas. Porém, Jorge Amado personifica em Tereza Batista, uma figura de mulher diferente capaz de mover-se em rumos contrários aos delimitados. Essa mulher, enquanto personagem descrita como objeto de satisfação masculina – “Fêmea é para ser possuída e acabou-se” (AMADO, 1972, p. 106) –, reconstitui-se. Ele apresenta e reúne atrativos superiores aos simples aspectos físicos. Por vezes, os desejos femininos são desvalorizados e elas permanecem no entrelugar: desejam aquisição diferenciada socialmente e, não possuindo, adéqua-se ao cárcere. No romance, o personagem Justiniano, detentor de poder aquisitivo, patriarca e “senhor” controlava as decisões e ações femininas. À mulher cabia a obediência. Tereza vivenciara situações semelhantes, sem opção de escolha, torna-se vulnerável às demandas dominantes; sua identidade se produz como um processo de mercadoria. 36
  • 37. É preciso lhe ensinar a temer, a respeitar o amo e senhor que a comprou a quem de direito, é seu dono. Precisa ensiná-la o medo, educá-la [...]. Aprenda a me respeitar desgraçada, aprenda a me obedecer, quando digo abra a perna é para abrir com honra e satisfação (AMADO, 1972, p. 93). A mulher restrita a objeto de desejo e satisfação sexual sofre constantes desafios. Desenhos imaginários mapeiam as explorações femininas. Apresentada como escrava, serva, advém dos contextos que produziam e reproduziam as condições que lhe relegavam uma vida servil. As bases hierárquicas sobrepostas às suas demandas constituem as identidades femininas a cada realidade aplicada. O homem como produtor de bens aquisitivos poderia inferir às mulheres atividades que lhes convinham e que “melhor” se adequavam ao perfil feminino, isso de acordo com suas próprias ideologias. Domésticas, balconistas, professoras... Enfim, atividades que se distanciavam da realidade masculina. A mulher que desenvolvia apenas atividades do lar arca com estas e demais tarefas apresentadas e circunstanciadas no contexto social, à medida que as mulheres adentravam no espaço público antes inimaginável. As mutações sociais modificavam concomitantemente o pensamento humano. Com certas restrições à mulher “objeto” como estereótipo de passiva, escrava deixariam, pois, de existir. Insere-se neste ínterim, a mulher retratada por Jorge Amado, com descrição de lutadora revolucionária. Tereza Batista representa maciçamente a luta contra os maus tratos e humilhações. Penetra mundos polissêmicos de dissabores vitais; contudo, a audácia e coragem inerentes à sua vida sobrepõem-se aos mandos, desmandos de toda ordem patriarcal. Em vez de chorar, Tereza Batista responde com um pontapé: treinada a brigas de moleques, atinge o osso no meio da perna nua, a unha de dedo grande arranha a pele; foi Tereza quem tirou sangue primeiro [...]. Em lugar de obedecer a desinfeliz tenta atingí-lo outra vez. Tereza rodopia, escapa, mete as unhas na cara gorda em sua frente, ah! Por pouco não cega o bravo capitão. Quem está com medo capitão? Nos olhos de Tereza apenas ódio, mais nada (AMADO, 1972, p. 92). A personagem age conforme suas próprias ideologias. Desvia-se do discurso opressor. A mulher ativa reestrutura-se e adquire o significado de “mulher”. Uma mulher não mais objeto descartável, inútil ou de pouco valor moral, mas uma pessoa crítica, atriz de sua própria imagem e atitudes, Tereza desarticula o esperado. Luta contra tudo e todos, para inserir as classes injustiçadas, especificamente, a mulher, em espaços de respeito e igualdade. De objeto maleável, descartável, a mulher transpõe-se para o objeto agente de luta, ação, 37
  • 38. reivindicação e busca por solução. Por sua fortaleza inerente ao processo vital, Tereza não aceita ser objeto sexual, nem tampouco objeto de identidade descartável socialmente. O combustível abastecedor de força e coragem na luta contra o privado, imerge da vida sofrida, tatuada de preconceitos e restrições. Como reflexo da intensa mobilidade nos entrelugares, articula-se. Autêntica, desenvolve uma alternância comportamental que permite uma contínua luta com sucessão de valores. “Prefiro ser mulher direita de palavra. Embora até hoje tenha sido apenas escrava, mulher-dama, amásia” (AMADO, 1972, p.254). Ser mulher condiz um ser de “ação”. De posse dessa consciência, Jorge Amado apropria-se da personagem principal para apresentar uma nova face de mulher. A mulher jorgemadiana, objeto que visa crítica às desigualdades, humilhações e diferenças sociais, por conseguinte, instaura-se como mulher pública, desmitifica-se, então, a mulher da ordem privada. “Tereza fez caso omisso às advertências, com ela perto, podendo intervir, mulher nenhuma, menos ainda menina seria comida a pulso” (AMADO, 1972, p. 299). Tereza insere-se nessa luta contra toda e qualquer desigualdade social, especificamente no que tange a desvalorização feminina. A mulher desenhada por Jorge Amado é objeto de luta por melhoria social. O escritor se universaliza com temáticas politizantes e uma linguagem fruidora. A mulher por ele retratada é uma ativista, revolucionária, substancialmente, apoiada na mudança contextual. Sua inserção nos plurais contextos contribui para a construção do novo ser mulher, que, de um extremo a outro, inclina-se em busca de mudança e dedica-se ao fazer/ser e agir diferente. Declina-se para uma vida pautada em princípios solidários, numa narrativa que o escritor baiano fez nascer por uma metáfora carnavalizada uma nova visão de mulher. A mulher objeto de crítica e ação social. 2.3 Metáfora e carnavalização à revelia de uma construção literária de mulher. O sentido e a forma de um elemento não são propriedades suas, são, isso sim, propriedades estruturais de relação (LOPES, 1987, p. 20). A metáfora constitui o processo de transmutação de sentidos. A ordem significativa da linguagem original converte-se em sentidos diferenciados. Nessa cadeia de metamorfoses interpretativas ideias se consolidam. Lopes (1987, p. 30) pronuncia: 38
  • 39. A metáfora é um saber dissimulado, que é saber, ainda que não pareça – um conhecimento da ordem do segredo e do mistério, pois que, por isso mesmo, tem de ser postulado e em razão disso vem sobremodalizado pelo crer: Os mistérios só são verdades quando cremos neles. A linguagem metaforizada utilizada por Jorge Amado no decorrer da narrativa Tereza Batista Cansada de Guerra congrue para um saber dito no interdito, ou seja, as constantes lutas que a personagem Tereza Batista vive, na obra literária, poderiam ser relacionadas e transpostas às realidades sociais; metaforizar representa inverter, relacionar e modificar o dito. O leitor constrói o interdito. Os recursos alegóricos, metafóricospossibilitam ao leitor um processo de permutação; substituir, atribuir significados no interdito. As verdades literárias ressignificadas metaforizam-se, ganham novas óticas interpretativas. Verdades ficcionais tornam-se verdades reais desde que o sentido seja transposta a linguagem conotativa para a denotativa, e o imaginário torna-se real dentro da verdade imaginária. O cenário de guerra entre o público e o privado descrito na narrativapermeia-se de recursos alegóricos, os quais materializam e constroem verdades sobre a identidade da personagem. Araújo (2003, p. 16-20) diz que um dos objetivos da arte é educar os sentidos para enxergar o mais belo, comover-se integralmente com ele. A personagem se enquadra no espaço privado e, com sua força incansável, é carnavalizada de artifícios alegóricos, configurados por identidades pluralizadas que se modificam constantemente. Tereza constrói- se mulher de expressão, luta e ação ao carnavalizar-se. Vestida com arma de proteção, modifica os contextos e se corporifica de coragem em vista aos problemas sociais. À revelia dos acontecimentos, engloba-se na abstração de passagem por elos mediadores. Bakhtin (2008, p. 99) afirma que “o método histórico-alegórico esforça-se por ver cada um dos detalhes do romance uma alusão a fatos precisos”. A alegoria é uma forma de narrativa simbólica, que não sugere apenas algo além de seu sentido literal, mas insiste em ser decodificada em outro sentido. É pertinente ressaltar que a imagem de Tereza Batista vinculada a forças sincrético-religiosas representa uma diáspora de comportamentos e assunção de uma consciência problemática do mundo. A mulher carnavaliza-se para representar a transposição de fronteiras. Tereza apresenta-se como uma protegida dos orixás, tanto no seu caráter como nacoragem. Em momentos de guerra, o Santo Onofre, padroeiro das cafetinas, protege-a e a livra de perigos; sua força revitaliza-se e, em momentos de cansaços, seus inimigos são destruídos e desviados do seu caminho. A crença nos valores sincréticos religiosos a corporifica de força e coragem. 39
  • 40. Tereza deve ser filha de Yansã, sendo as duas iguais na coragem, na disposição: apesar de mulher, Yansã é santo valente, ao lado de seu marido Xangô empunhou as armas de guerra, não teme sequer os eguns, os mortos, é ela quem os espera e saúda com seu grito de guerra: Eparrei (AMADO, 1972, p. 161). Os arquétipos de bravura, resistência, audácia e luta, envoltos na personalidade de Tereza Batista, foram figuras marcantes no romance e representaram uma ferramenta de luta contra os poderes opressores vigentes. Apresentam-se, pois, sob recursos alegóricos que marcam sua força, audácia, coragem, mesmo em circunstâncias degradantes. Metaforicamente, os entrelugares em que as mulheres estiveram imersas “costuram” o jeito mulher de ser, sua face real é construída no processo de rompimento, em conjunto, na esfera social e no espaço público adquire artefatos para mudança. Os elementos carnavalescos distorcem a visão que lhes são embutidas. Brait (2008), segundo leitura da teoria Bakhtiniana, distorce a visão de inferno por meio da linguagem carnavalesca. O inferno considerado lugar de acerto de contas, imagem do fim do acabamento das vidas, apresenta a ideia do inferno invertido configura-o como local alegre e divertido, no qual o medo é vencido pelo riso. Poder-se-ia, dizer, portanto, que a ideia de carnavalizar relaciona-se a modificar, transformar, reverter; apresentar uma imagem invertida, segue a lógica das permutações. Brait (2008, p. 75) ainda reforça: Para a carnavalização, valem ainda as reviravoltas, dadas num espaço do limiar, o do cassino com seus salões e mesas de apostas, onde se oferecem fortuna e misérias simultaneamente. Essas reviravoltas também compõem o tempo do limiar, correspondente tanto àquele de abertura rumo às apostas como àquele próprio ato de jogar. O tempo representado no limiar das transformações vitais apresenta-se como realidade (des)construída, à revelia das indicações com precisão. Tereza Batista, imersa em conflitos e constantes sofrimentos desde a fase da infância, dribla a ideia de mulher oprimida, subalterna, subserviente e passiva. Uma revolucionária incansável. Para Brait (2008, p. 84), a carnavalização registra-se como um movimento de desestabilização, subversão e ruptura em relação ao mundo oficial. A personagem encabeça em uma luta contra a exploração especificamente feminina. Os mecanismos carnavalescos referem-se à recriação identitária na qual Tereza está circunstanciada, senão consubstanciada. Os lugares, as pessoas são metamorfoseadas com a passagem de Tereza Batista do espaço 40