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Clube Literário do Porto
                “Quartas Mal Ditas”, de 22/02/10, sessão dedicada à
                                BIODIVERSIDADE


                                              PARTE I – ANIMAIS
      LEMBRANÇA ALADA, Mia Couto                    POST-CARD (OS VELHOS, OS POMBOS, OS GATOS), Inês Lourenço

      Em alguma vida fui ave.                       Alguns habitantes queixam-se dos pombos. Do mal
      Guardo memória                                que fazem às fachadas, às estátuas, à pintura
      de paisagens espraiadas                       dos automóveis. Os pombos não voam a gasolina
      e de escarpas em voo rasante.                 e têm humaníssimos hábitos como a gula, as
      E sinto em meus pés                           rivalidades do cio, a sede e a urgência
      o consolo de um pouso soberano                de defecar. Não entendem coleiras, gaiolas, servidões
      na mais alta copa da floresta.                de casota, falta de jardins e adornos
      Liga-me à terra                               de penas alheias. E por esta divina ignorância
      uma nuvem e seu desleixo de brancura.         recebem, às vezes, algum milho displicente
      Vivo a golpes                                 dádiva de crianças para a fotografia ou de benignos
      com coração de asa                            velhos reformados. Algumas mulheres continuam a
      e tombo como um relâmpago                     socorrer os antiquíssimos (e terrestres) gatos
      faminto de terra.                             vadios. Gatos da nossa infância. Das traseiras,
      Guardo a pluma                                dos muros, dos quintais – o Sindbad, a Pardoca – com
      Que resta dentro do peito                     restos de arroz em papéis engordurados. Carinhosas
      Como um homem guarda o seu nome               velhas, atentas à famélica e materna condição
      No travesseiro do tempo.                      das ninhadas, enquanto os pombos e os velhos
                                                    debicam espaços onde levavam asas. Por instantes
      Em alguma ave fui vida                        retomam uma destronada simbologia:
                                                    Eles no Céu, elas na Terra.



SONETO DO GATO MORTO, Vinicius de Moraes

Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade                            ANTES O VOO DA AVE... , Alberto Caeiro
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade                              Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
                                                           Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
De ter sido feroz. À sua vinda                             A ave passa e esquece, e assim deve ser.
Altas correntes de eletricidade                            O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Rompem do ar as lâminas em cinza                           Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
Numa silenciosa tempestade.
                                                           A recordação é uma traição à Natureza.
Por isso ele está sempre a rir de cada                     Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
Um de nós, e ao morrer perde o veludo                      O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto.
                                                           Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.




                                                       1
O NOME DO CÃO, Manuel António Pina

O cão tinha um nome
por que o chamávamos
e por que respondia.,
 mas qual seria
o seu nome
só o cão obscuramente sabia.                       O LOBO DAS ESTEPES, Herman Hesse

Olhava-nos com uns olhos que havia                 Eu, lobo das estepes, corro, corro,
nos seus olhos                                     a neve cobre o mundo,
mas não se via o que ele via,                      da bétula levanta voo o corvo,
nem se nos via e nos reconhecia                    mas nunca aparece uma lebre, nunca aparece um cervo.
de algum modo essencial                            E como eu amo os cervos!
que nos escapa                                     Se acaso encontrasse algum,
                                                   prendia-o com garras e dentes:
ou se via o que de nós passava                     é a coisa mais bela em que penso.
e não o que permanecia,                            Com os sensíveis seria também sensível,
o mistério que nos esclarecia.                     Devorava-os todos de extremo a extremo,
 Onde nós não alcançávamos                         bebia-lhes até ao fundo o sangue púrpura e espesso,
dentro de nós                                      e solitariamente uivava pela noite dentro.
O cão ia.                                          Contentava-me com uma lebre.
                                                   É tão doce à noite o sabor da sua carne quente.
                                                   Porventura foi-me negado tudo quanto possa, um pouco,
E aí adormecia                                     alegrar a vida, um pouco apenas?
dum sono sem remorsos                              A minha companheira, há muito que a não tenho,
e sem melancolia.                                  o pêlo da minha cauda começa a ficar cor de cinza,
 Então sonhava                                     e só quando há bastante luz é que vejo.
o sonho sólido em que existia.                     Agora corro e sonho com cervos,
E não compreendia.                                 ouço o vento soprar nas grandes noites do Inverno,
                                                   e a minha alma dolorosa, entrego-a eu ao demónio.
Uma dia chamávamos pelo cão e ele não estava
onde sempre estivera
na sua exclusiva vida.
Alguém o chamara por outro nome,
um absoluto nome,
e muito longe.

E o cão partira
ao encontro desse nome
como chegara: só.
 E a mão enterrou-o
sob a buganvília
dizendo: "É a vida".


  A GAZELA QUE TU FERISTE, Tuaregues (N. de África)

  A gazela que tu feriste
  veio morrer debaixo dos tamarindos                 os seus longos olhos tristes.
  perto do redil onde as minhas escravas             No pau da lança
  lavam as suas roupas.                              cravada no seu flanco
  Encontrámo-la ao entardecer                        reconheci tua marca.
  de regresso às nossas tendas.                      Serei eu como a gazela?
  Ainda estavam tépidos os seus membros,             Por amor de Deus, responde-me, ó tu, cujo
  e as suas pálpebras                                olhar
  não cobriam totalmente                             feriu o meu coração.

                                               2
LEVIATHAN ou a IDENTIFICAÇÃO da BALEIA , Emanuel Félix

                Quem ousará pescá-lo com anzol
                Ou atar-lhe uma corda na garganta?

                O medo habita em volta dos seus dentes.
                Soberbas são as linhas do seu corpo
                Blindado, com as barbas que se apertam;
                E uma à outra unidas de tal sorte
                Que nem o vento entre elas passaria.
                Um fumo espesso sai-lhe das narinas
                Como duma caldeira fumegante.
                Há força enorme atrás do seu pescoço
                E em seu redor há só devastação.
                E o músculos do corpo tão unidos,
                Fundidos entre si, inamovíveis.
                Seu coração é duro como a pedra,
                Duro como a bigorna do ferreiro.

                Ferve o fundo do mar quando mergulha
                E volta como um vaso de perfume.
                Atrás dele há um rasto rutilante
                E o abismo das águas se constrói.




                              PARTE II – ANIMAIS (cont.)



SIGAMOS O CHERNE, Alexandre O’Neill

Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria...

Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...

Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando, mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa...




                                                 3
A ANÉMONA DOS DIAS,
             Sophia de Mello B. Andresen
                                                              CANÇÃO MÍNIMA, Cecília Meireles
       Aquele que profanou o mar
       E que traiu o arco azul do tempo
                                                              No mistério do Sem-Fim,
       Falou da sua vitória
                                                              equilibra-se um planeta.
                                                              E, no planeta, um jardim,
       Disse que tinha ultrapassado a lei
                                                              e, no jardim, um canteiro;
       Falou da sua liberdade
                                                              no canteiro, uma violeta,
       Falou de si próprio como de um Messias
                                                              e, sobre ela, o dia inteiro,
                                                              entre o planeta e o Sem-Fim,
       Porém eu vi no chão suja e calcada
                                                              a asa de uma borboleta.
       A transparente anémona dos dias




       SOBRE A PULGA, Iehudá Al-Harizi (Espanha)

       Detesto a pulga; ela profanou minha cama
       bebendo meu sangue à saciedade.
       Enquanto ela não sofrer o castigo, não sossegarei;
       hoje mesmo, fá-la-ei morrer por seu crime.
       Nem festa, nem sábado me impedirão de converter
       sua solenidade e sua neoménia em dia de luto.
       Meus colegas hão-de bradar então: «Os sábios
       proibiram matar no dia do Sabá.»
       E eu irei responder: «Mas antes disseram.
       quem te mata, apressa-te em matá-lo.»

                                                                   OS PIRILAMPOS, António Osório

                                                                             Em Junho
                                                                             chegada a noite
                                                                             acendem no ventre
                                                                             o seu farol.
                                                                             Não tem mistério:
                                                                             bolsa solar,
                                                                             a deles, amáveis
                                                                             guardas-nocturnos.

                                          PARTE III - PLANTAS
       HINO À NOSSA MÃE FERTILIDADE, Aztecas (América)
O meu coração é uma flor com a corola aberta            o dia vai resplandecer.
no centro da noite.                                     A Árvore Florida está de pé no centro da terra,
No jardim original nasceu o Um-Flor,                    está cercada de pássaros.
deus do milho,                                          Levo comigo a flor púrpura como a nossa carne,
da vossa fértil mãe nasceu o deus do milho.             a flor branca e perfumada, a flor
Lá onde se engendram os filhos dos homens,              de onde se erguem todas as flores da terra,
na região das flores e dos peixes de esmeralda,         na sagrada cerca redonda como um anel de jade.
nasceu o Um-Flor,                                       E trazem o deus-criança vestido de plumas amarelas
e vai agora levantar-se a aurora,                       para as mansões da noite, as mansões profundas e negras.


                                                        4
A VOZ DA TÍLIA, Florbela Espanca

              Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera,
              Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
              Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
              Este ar escultural de bayadera...

              E de manhã o sol é uma cratera,
              Uma serpente de oiro que me enlaça...
              Trago nas mãos as mãos da Primavera...
              E é para mim que em noites de desgraça

              Toca o vento Mozart, triste e solene,
              E à minha alma vibrante, posta a nu,
              Diz a chuva sonetos de Verlaine..."

              E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
              "Já fui um dia poeta como tu...
              Ainda hás-de ser tília como eu sou..."




                 BUCÓLICA, Miguel Torga

A vida é feita de nadas:                de ninhos que outrora havia
De grandes serras paradas               nos beirais.
à espera de movimento;
de searas onduladas                     De poeira;
pelo vento;                             de sombra duma figueira.
                                        De ver esta maravilha:
de casas de moradia                     meu pai a erguer uma videira
caiadas e com sinais                    como uma mãe que faz a trança à filha.




              AS AMORAS, Eugénio de Andrade

              O meu país sabe a amoras bravas
              no verão.
              Ninguém ignora que não é grande,
              nem inteligente, nem elegante o meu país,
              mas tem esta voz doce
              de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
              Raramente falei do meu país, talvez
              nem goste dele, mas quando um amigo
              me traz amoras bravas
              os seus muros parecem-me brancos,
              reparo que também no meu país o céu é azul.




                                         5
CANÇÃO DO MOÇO JARDINEIRO (Excerto), José Régio

O moço jardineiro
Ergueu-se de manhã.
Faz florir as mimosas, Fevereiro!
Cheirava a terra na atmosfera sã.

Ergueu-se de manhã, nascia o Sol,
Desceu ao seu jardim.
Porque já te calaste, ó rouxinol?
E deu sol nas folhinhas do alecrim.

Desceu ao seu jardim a ver as flores,
Mas nem junquilhos; só violetas.
"Bons dias, meus amores!"
Disse ele àquelas pretas.

Sim, nem junquilhos. Mas de sangue, ou leite,
Já botões de camélia entumesciam.
E o moço jardineiro, em seu deleite,
Nem viu que as horas lhe fugiam.

Já botões de camélias se mirraram;
Já os cravos se murcharam da invernia.
Só para o moço, os anos que não param
Não eram nem um dia.(…)

                                                    GLICÍNIA, Anthero Monteiro

                                                    É um rosto fechado a tua casa
                                                    Nem os lábios da porta se entreabrem
                                                    Nem sorriem seu olhos hialinos

                                                    Por mais que eu use o pó do teu
                                                    caminho
                                                    Por mais que eu aprofunde essa
                                                    vereda
                                                    E dela faça o álveo desta mágoa
                                                    A tua casa é concha de refúgio
                                                    Calcificou o caracol da espera

                                                    Mal deflagrou o pólen nos espaços
                                                    Emaranhou-se ao muro uma glicínia
                                                    Marinhou pelo mês de Março fora
                                                    E em minha vez foi ver-te na janela

                                                    Na tua vez floriu em mil sorrisos
                                                    E sempre que aí passo lá me acena
                                                    A desdobrar-se em ânsias de infinito
                                                    Línguas de fogo a rescender a azul

                                                    Queria eternizar a primavera
                                                    E ser a tua rua para sempre

                                                6
CHORAMOS A MORTE DA ÁRVORE CENTENÁRIA, Ricardo Senna Guimarães

                       Choramos a morte
                       da árvore centenária
                       personagem central
                       da nossa infância
                       gigantismo surreal
                       frente à pequena riqueza
                       da nossa infância.

                       (Catástrofe ecológica em nossos corações enraizados)

                       Choramos a morte
                       da árvore centenária
                       as raízes expostas
                       longos, pétreos, calosos cordões rumo ao infinito
                       penosamente expõem
                       quão profunda a relação
                       da nossa juventude com sua temperança.

                       (Resta-nos agora chorar a morte
                       da nossa velha árvore centenária)

                       Choramos a morte
                       da árvore centenária
                       esperávamos um dia
                       mostrar aos nossos filhos
                       nomes troncamente escritos
                       velhos sonhos
                       que acabaram por tombar.

                       (Que nossas lágrimas reguem a terra
                       e que as sementes da árvore centenária
                       façam surgir uma nova companheira
                       para a infância dos nossos netos)




O LÓDÃO, Eugénio de Andrade
(...) Se falei de árvores com ácida melancolia é porque me derrubaram uma das que mais amei na vida,
o velho lódão que me entrava pela varanda e dava notícia das estações. O móbil foi, naturalmente,
atravancar a rua com mais automóveis (...). Levei anos e anos a lamentar-me, até que, não há muito
ainda, numa cerimónia em que, surpreendentemente, me fizeram cidadão honorário do Porto, disse
ao Presidente da Câmara que preferia uma árvore à porta do que a medalha de ouro da cidade, com
que me distinguia e honrava toda a vereação. Ele prometeu-me outro lódão e cumpriu a promessa,
deus seja louvado. Agora a casa onde moro é fácil de descobrir: tem um troncozito despido que
lembra um poema meu, exíguo e desamparado.




                                                  7
PARTE IV – O HOMEM / A NATUREZA
                            POEMA DO HOMEM-RÃ, António Gedeão

                            Sou feliz por ter nascido
                            no tempo dos homens-rãs
                            que descem ao mar perdido
                            na doçura das manhãs.
                            Mergulham, imponderáveis,
                            por entre as águas tranquilas,
                            enquanto singram, em filas,
                            peixinhos de cores amáveis.
                            Vão e vêm, serpenteiam,
                            em compassos de ballet.
                            Seus lentos gestos penteiam
                            madeixas que ninguém vê.

                            Com barbatanas calçadas
                            e pulmões a tiracolo,
                            roçam-se os homens no solo
                            sob um céu de águas paradas.

                            Sob o luminoso feixe
                            correm de um lado para outro,
                            montam no lombo de um peixe
                            como no dorso de um potro.

                            Onde as sereias de espuma?
                            Tritões escorrendo babugem?
                            E os monstros cor de ferrugem
                            rolando trovões na bruma?

                            Eu sou o homem. O Homem.
                            Desço ao mar e subo ao céu.
                            Não há temores que me domem
                            É tudo meu, tudo meu.


A GRANDE INTELIGENCIA É SOBREVIVER, Gonçalo M. Tavares

      A grande Inteligência é sobreviver.
      As tartarugas portanto não são teimosas nem lentas, dominam;
      SIM, a ciência.
      Toda a tecnologia é quase inútil e estúpida,
      porque a artesanal tartaruga,
      a espontânea TARTARUGA,
      permanece sobre a terra mais anos que o homem.
      Portanto,
      como a grande inteligência é sobreviver,
      a tartaruga é Filósofa e Laboratório,
      e o Homem que já foi Rei da criação
      não passa, afinal, de um crustáceo FALSO,
      um lavagante pedante;
      um animal de cabeça dura. Ponto.



                                              8
COMO O RUMOR DO MAR, Sophia de Mello B. Andresen

                                                                      Como o rumor do mar dentro de um búzio
                                                                      O divino sussurra no universo
A FORMA JUSTA, Sophia de Mello B. Andresen                            Algo emerge: primordial projecto.

Sei que seria possível construir o mundo justo                        Há muito que deixei aquela praia
As cidades poderiam ser claras e lavadas                              De grandes areais e grandes vagas
Pelo canto dos espaços e das fontes                                   Mas sou eu ainda quem na brisa respira
O céu o mar e a terra estão prontos                                   E é por mim que espera cintilando a maré vasa
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia              Quando eu morrer voltarei para buscar
Cada dia a cada um a liberdade e o reino                              Os instantes que não vivi junto do mar
— Na concha na flor no homem e no fruto                               De todos os cantos do mundo
Se nada adoecer a própria forma é justa                               Amo com um amor mais forte e mais profundo
E no todo se integra como palavra em verso                            Aquela praia extasiada e nua
Sei que seria possível construir a forma justa                        Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo.                                         Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim.
                                                                      A tua beleza aumenta quando estamos sós.
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco             E tão fundo intimamente a tua voz
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo             Segue o mais secreto bailar do meu sonho
                                                                      Que momentos há em que eu suponho
                                                                      Seres um milagre criado só para mim.




         ESPÉCIE VIVA, António Ramos Rosa

         seremos a espécie viva sobre as membranas da terra.
         ouvir-se-á uma aterradora melodia e será uma noite de obeliscos e cavalos.
         sobre a lama avermelhada sob a lua viva caminharemos contra as sinistras armas.
         que importa que a sabedoria do terror se estenda? nós somos a pedra piramidal
         no obscuro construiremos os pássaros inexactos e eficazes como tímbales.
         no obscuro viveremos para libertar os astros dos signos e as palavras do ventre obscuro.
         com a sabedoria das obras estrangularemos os dispositivos da hecatombe.
         estamos na terra. a terra é a nossa sede. o nosso teatro de árvores.
         onde estão os barcos que vencem a voracidade das águas purulentas
         o futuro é uma criança esfarrapada e luminosa no ombro do horizonte
         e são estas mãos desgarradas do muro com que aprisionaram uma boca.
         nós amamos estas paredes de ocre e de caliça com desenhos e cores
         onde se mostra o alfabeto da nossa pobreza e do nosso amor.
         o sinal de alerta já foi lançado no turbilhão das notícias roxas e vermelhas
         contra as nuvens incendiárias contra os mestres da catástrofe
         nós somos labaredas de consciência e de aurora nós somos pela vida
         e a nossa frente libertará da implacável ameaça o futuro vivo.




                                                            9
VIVAM APENAS, José Gomes Ferreira

                                                     Vivam, apenas.

                                                     Sejam bons como o sol.
                                                     Livres como o vento.
ELEGIA SEGUNDA, Sebastião da Gama                    Naturais como as fontes.

Todos os pássaros, todos os pássaros                 Imitem as árvores dos caminhos
Asas abriam, erguiam cantos,                         que dão flores e frutos
De Amor cantavam.                                    sem complicações.
Todos os homens, todos os homens,
De almas abertas, de olhos erguidos,
De Amor cantavam.                                    Mas não queiram convencer os cardos
De Amor cantavam todos os rios,                      a transformar os espinhos
Todas as serras, todas as flores,                    em rosas e canções.
Todos os bichos, todas as árvores,
Todo os pássaros, todos os pássaros,                 E principalmente não pensem na Morte.
Todos os homens, todos os homens.                    Não sofram por causa dos cadáveres
De Amor cantavam...                                  que só são belos
                                                     quando se desenham na terra em flores.

                                                     Vivam, apenas.
                                                     A Morte é para os mortos!




                                       EPÍLOGO, Jorge de Sousa Braga

      Estas páginas foram escritas a caminhar sobre a água, E só assim se podem ler.
      Não procurei nada, Não retive nada.
      Limitei-me a acusar o choque – brutal, por vezes – de um grão de pólen ou de uma
      brisa inesperada.

      Não conheço outro ritmo que não seja o das estações.
      Outra música que não a das gotas de chuva nos limoeiros.
      Outra fuga que não a de um pássaro assustado com a sua própria sombra.

      No fundo, o que me recuso a acreditar é que estejamos condenados.
      Apesar dos prados envenenados, da lenta agonia dos rios e do mar.
      Da atmosfera cada vez mais carregada das cidades.
      Contanto que a poesia seja – continue a ser –
      um lugar
      onde ainda se pode
      respirar



                                                 (selecção de poemas do Dizeur José Rafael Tormenta)
                                                      10

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  • 1. Clube Literário do Porto “Quartas Mal Ditas”, de 22/02/10, sessão dedicada à BIODIVERSIDADE PARTE I – ANIMAIS LEMBRANÇA ALADA, Mia Couto POST-CARD (OS VELHOS, OS POMBOS, OS GATOS), Inês Lourenço Em alguma vida fui ave. Alguns habitantes queixam-se dos pombos. Do mal Guardo memória que fazem às fachadas, às estátuas, à pintura de paisagens espraiadas dos automóveis. Os pombos não voam a gasolina e de escarpas em voo rasante. e têm humaníssimos hábitos como a gula, as E sinto em meus pés rivalidades do cio, a sede e a urgência o consolo de um pouso soberano de defecar. Não entendem coleiras, gaiolas, servidões na mais alta copa da floresta. de casota, falta de jardins e adornos Liga-me à terra de penas alheias. E por esta divina ignorância uma nuvem e seu desleixo de brancura. recebem, às vezes, algum milho displicente Vivo a golpes dádiva de crianças para a fotografia ou de benignos com coração de asa velhos reformados. Algumas mulheres continuam a e tombo como um relâmpago socorrer os antiquíssimos (e terrestres) gatos faminto de terra. vadios. Gatos da nossa infância. Das traseiras, Guardo a pluma dos muros, dos quintais – o Sindbad, a Pardoca – com Que resta dentro do peito restos de arroz em papéis engordurados. Carinhosas Como um homem guarda o seu nome velhas, atentas à famélica e materna condição No travesseiro do tempo. das ninhadas, enquanto os pombos e os velhos debicam espaços onde levavam asas. Por instantes Em alguma ave fui vida retomam uma destronada simbologia: Eles no Céu, elas na Terra. SONETO DO GATO MORTO, Vinicius de Moraes Um gato vivo é qualquer coisa linda Nada existe com mais serenidade ANTES O VOO DA AVE... , Alberto Caeiro Mesmo parado ele caminha ainda As selvas sinuosas da saudade Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto, Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão. De ter sido feroz. À sua vinda A ave passa e esquece, e assim deve ser. Altas correntes de eletricidade O animal, onde já não está e por isso de nada serve, Rompem do ar as lâminas em cinza Mostra que já esteve, o que não serve para nada. Numa silenciosa tempestade. A recordação é uma traição à Natureza. Por isso ele está sempre a rir de cada Porque a Natureza de ontem não é Natureza. Um de nós, e ao morrer perde o veludo O que foi não é nada, e lembrar é não ver. Fica torpe, ao avesso, opaco, torto. Passa, ave, passa, e ensina-me a passar! Acaba, é o antigato; porque nada Nada parece mais com o fim de tudo Que um gato morto. 1
  • 2. O NOME DO CÃO, Manuel António Pina O cão tinha um nome por que o chamávamos e por que respondia., mas qual seria o seu nome só o cão obscuramente sabia. O LOBO DAS ESTEPES, Herman Hesse Olhava-nos com uns olhos que havia Eu, lobo das estepes, corro, corro, nos seus olhos a neve cobre o mundo, mas não se via o que ele via, da bétula levanta voo o corvo, nem se nos via e nos reconhecia mas nunca aparece uma lebre, nunca aparece um cervo. de algum modo essencial E como eu amo os cervos! que nos escapa Se acaso encontrasse algum, prendia-o com garras e dentes: ou se via o que de nós passava é a coisa mais bela em que penso. e não o que permanecia, Com os sensíveis seria também sensível, o mistério que nos esclarecia. Devorava-os todos de extremo a extremo, Onde nós não alcançávamos bebia-lhes até ao fundo o sangue púrpura e espesso, dentro de nós e solitariamente uivava pela noite dentro. O cão ia. Contentava-me com uma lebre. É tão doce à noite o sabor da sua carne quente. Porventura foi-me negado tudo quanto possa, um pouco, E aí adormecia alegrar a vida, um pouco apenas? dum sono sem remorsos A minha companheira, há muito que a não tenho, e sem melancolia. o pêlo da minha cauda começa a ficar cor de cinza, Então sonhava e só quando há bastante luz é que vejo. o sonho sólido em que existia. Agora corro e sonho com cervos, E não compreendia. ouço o vento soprar nas grandes noites do Inverno, e a minha alma dolorosa, entrego-a eu ao demónio. Uma dia chamávamos pelo cão e ele não estava onde sempre estivera na sua exclusiva vida. Alguém o chamara por outro nome, um absoluto nome, e muito longe. E o cão partira ao encontro desse nome como chegara: só. E a mão enterrou-o sob a buganvília dizendo: "É a vida". A GAZELA QUE TU FERISTE, Tuaregues (N. de África) A gazela que tu feriste veio morrer debaixo dos tamarindos os seus longos olhos tristes. perto do redil onde as minhas escravas No pau da lança lavam as suas roupas. cravada no seu flanco Encontrámo-la ao entardecer reconheci tua marca. de regresso às nossas tendas. Serei eu como a gazela? Ainda estavam tépidos os seus membros, Por amor de Deus, responde-me, ó tu, cujo e as suas pálpebras olhar não cobriam totalmente feriu o meu coração. 2
  • 3. LEVIATHAN ou a IDENTIFICAÇÃO da BALEIA , Emanuel Félix Quem ousará pescá-lo com anzol Ou atar-lhe uma corda na garganta? O medo habita em volta dos seus dentes. Soberbas são as linhas do seu corpo Blindado, com as barbas que se apertam; E uma à outra unidas de tal sorte Que nem o vento entre elas passaria. Um fumo espesso sai-lhe das narinas Como duma caldeira fumegante. Há força enorme atrás do seu pescoço E em seu redor há só devastação. E o músculos do corpo tão unidos, Fundidos entre si, inamovíveis. Seu coração é duro como a pedra, Duro como a bigorna do ferreiro. Ferve o fundo do mar quando mergulha E volta como um vaso de perfume. Atrás dele há um rasto rutilante E o abismo das águas se constrói. PARTE II – ANIMAIS (cont.) SIGAMOS O CHERNE, Alexandre O’Neill Sigamos o cherne, minha amiga! Desçamos ao fundo do desejo Atrás de muito mais que a fantasia E aceitemos, até, do cherne um beijo, Senão já com amor, com alegria... Em cada um de nós circula o cherne, Quase sempre mentido e olvidado. Em água silenciosa de passado Circula o cherne: traído Peixe recalcado... Sigamos, pois, o cherne, antes que venha, Já morto, boiar ao lume de água, Nos olhos rasos de água, Quando, mentido o cherne a vida inteira, Não somos mais que solidão e mágoa... 3
  • 4. A ANÉMONA DOS DIAS, Sophia de Mello B. Andresen CANÇÃO MÍNIMA, Cecília Meireles Aquele que profanou o mar E que traiu o arco azul do tempo No mistério do Sem-Fim, Falou da sua vitória equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, Disse que tinha ultrapassado a lei e, no jardim, um canteiro; Falou da sua liberdade no canteiro, uma violeta, Falou de si próprio como de um Messias e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o Sem-Fim, Porém eu vi no chão suja e calcada a asa de uma borboleta. A transparente anémona dos dias SOBRE A PULGA, Iehudá Al-Harizi (Espanha) Detesto a pulga; ela profanou minha cama bebendo meu sangue à saciedade. Enquanto ela não sofrer o castigo, não sossegarei; hoje mesmo, fá-la-ei morrer por seu crime. Nem festa, nem sábado me impedirão de converter sua solenidade e sua neoménia em dia de luto. Meus colegas hão-de bradar então: «Os sábios proibiram matar no dia do Sabá.» E eu irei responder: «Mas antes disseram. quem te mata, apressa-te em matá-lo.» OS PIRILAMPOS, António Osório Em Junho chegada a noite acendem no ventre o seu farol. Não tem mistério: bolsa solar, a deles, amáveis guardas-nocturnos. PARTE III - PLANTAS HINO À NOSSA MÃE FERTILIDADE, Aztecas (América) O meu coração é uma flor com a corola aberta o dia vai resplandecer. no centro da noite. A Árvore Florida está de pé no centro da terra, No jardim original nasceu o Um-Flor, está cercada de pássaros. deus do milho, Levo comigo a flor púrpura como a nossa carne, da vossa fértil mãe nasceu o deus do milho. a flor branca e perfumada, a flor Lá onde se engendram os filhos dos homens, de onde se erguem todas as flores da terra, na região das flores e dos peixes de esmeralda, na sagrada cerca redonda como um anel de jade. nasceu o Um-Flor, E trazem o deus-criança vestido de plumas amarelas e vai agora levantar-se a aurora, para as mansões da noite, as mansões profundas e negras. 4
  • 5. A VOZ DA TÍLIA, Florbela Espanca Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera, Eu sou isto que vês: o sonho, a graça, Deu ao meu corpo, o vento, quando passa, Este ar escultural de bayadera... E de manhã o sol é uma cratera, Uma serpente de oiro que me enlaça... Trago nas mãos as mãos da Primavera... E é para mim que em noites de desgraça Toca o vento Mozart, triste e solene, E à minha alma vibrante, posta a nu, Diz a chuva sonetos de Verlaine..." E, ao ver-me triste, a tília murmurou: "Já fui um dia poeta como tu... Ainda hás-de ser tília como eu sou..." BUCÓLICA, Miguel Torga A vida é feita de nadas: de ninhos que outrora havia De grandes serras paradas nos beirais. à espera de movimento; de searas onduladas De poeira; pelo vento; de sombra duma figueira. De ver esta maravilha: de casas de moradia meu pai a erguer uma videira caiadas e com sinais como uma mãe que faz a trança à filha. AS AMORAS, Eugénio de Andrade O meu país sabe a amoras bravas no verão. Ninguém ignora que não é grande, nem inteligente, nem elegante o meu país, mas tem esta voz doce de quem acorda cedo para cantar nas silvas. Raramente falei do meu país, talvez nem goste dele, mas quando um amigo me traz amoras bravas os seus muros parecem-me brancos, reparo que também no meu país o céu é azul. 5
  • 6. CANÇÃO DO MOÇO JARDINEIRO (Excerto), José Régio O moço jardineiro Ergueu-se de manhã. Faz florir as mimosas, Fevereiro! Cheirava a terra na atmosfera sã. Ergueu-se de manhã, nascia o Sol, Desceu ao seu jardim. Porque já te calaste, ó rouxinol? E deu sol nas folhinhas do alecrim. Desceu ao seu jardim a ver as flores, Mas nem junquilhos; só violetas. "Bons dias, meus amores!" Disse ele àquelas pretas. Sim, nem junquilhos. Mas de sangue, ou leite, Já botões de camélia entumesciam. E o moço jardineiro, em seu deleite, Nem viu que as horas lhe fugiam. Já botões de camélias se mirraram; Já os cravos se murcharam da invernia. Só para o moço, os anos que não param Não eram nem um dia.(…) GLICÍNIA, Anthero Monteiro É um rosto fechado a tua casa Nem os lábios da porta se entreabrem Nem sorriem seu olhos hialinos Por mais que eu use o pó do teu caminho Por mais que eu aprofunde essa vereda E dela faça o álveo desta mágoa A tua casa é concha de refúgio Calcificou o caracol da espera Mal deflagrou o pólen nos espaços Emaranhou-se ao muro uma glicínia Marinhou pelo mês de Março fora E em minha vez foi ver-te na janela Na tua vez floriu em mil sorrisos E sempre que aí passo lá me acena A desdobrar-se em ânsias de infinito Línguas de fogo a rescender a azul Queria eternizar a primavera E ser a tua rua para sempre 6
  • 7. CHORAMOS A MORTE DA ÁRVORE CENTENÁRIA, Ricardo Senna Guimarães Choramos a morte da árvore centenária personagem central da nossa infância gigantismo surreal frente à pequena riqueza da nossa infância. (Catástrofe ecológica em nossos corações enraizados) Choramos a morte da árvore centenária as raízes expostas longos, pétreos, calosos cordões rumo ao infinito penosamente expõem quão profunda a relação da nossa juventude com sua temperança. (Resta-nos agora chorar a morte da nossa velha árvore centenária) Choramos a morte da árvore centenária esperávamos um dia mostrar aos nossos filhos nomes troncamente escritos velhos sonhos que acabaram por tombar. (Que nossas lágrimas reguem a terra e que as sementes da árvore centenária façam surgir uma nova companheira para a infância dos nossos netos) O LÓDÃO, Eugénio de Andrade (...) Se falei de árvores com ácida melancolia é porque me derrubaram uma das que mais amei na vida, o velho lódão que me entrava pela varanda e dava notícia das estações. O móbil foi, naturalmente, atravancar a rua com mais automóveis (...). Levei anos e anos a lamentar-me, até que, não há muito ainda, numa cerimónia em que, surpreendentemente, me fizeram cidadão honorário do Porto, disse ao Presidente da Câmara que preferia uma árvore à porta do que a medalha de ouro da cidade, com que me distinguia e honrava toda a vereação. Ele prometeu-me outro lódão e cumpriu a promessa, deus seja louvado. Agora a casa onde moro é fácil de descobrir: tem um troncozito despido que lembra um poema meu, exíguo e desamparado. 7
  • 8. PARTE IV – O HOMEM / A NATUREZA POEMA DO HOMEM-RÃ, António Gedeão Sou feliz por ter nascido no tempo dos homens-rãs que descem ao mar perdido na doçura das manhãs. Mergulham, imponderáveis, por entre as águas tranquilas, enquanto singram, em filas, peixinhos de cores amáveis. Vão e vêm, serpenteiam, em compassos de ballet. Seus lentos gestos penteiam madeixas que ninguém vê. Com barbatanas calçadas e pulmões a tiracolo, roçam-se os homens no solo sob um céu de águas paradas. Sob o luminoso feixe correm de um lado para outro, montam no lombo de um peixe como no dorso de um potro. Onde as sereias de espuma? Tritões escorrendo babugem? E os monstros cor de ferrugem rolando trovões na bruma? Eu sou o homem. O Homem. Desço ao mar e subo ao céu. Não há temores que me domem É tudo meu, tudo meu. A GRANDE INTELIGENCIA É SOBREVIVER, Gonçalo M. Tavares A grande Inteligência é sobreviver. As tartarugas portanto não são teimosas nem lentas, dominam; SIM, a ciência. Toda a tecnologia é quase inútil e estúpida, porque a artesanal tartaruga, a espontânea TARTARUGA, permanece sobre a terra mais anos que o homem. Portanto, como a grande inteligência é sobreviver, a tartaruga é Filósofa e Laboratório, e o Homem que já foi Rei da criação não passa, afinal, de um crustáceo FALSO, um lavagante pedante; um animal de cabeça dura. Ponto. 8
  • 9. COMO O RUMOR DO MAR, Sophia de Mello B. Andresen Como o rumor do mar dentro de um búzio O divino sussurra no universo A FORMA JUSTA, Sophia de Mello B. Andresen Algo emerge: primordial projecto. Sei que seria possível construir o mundo justo Há muito que deixei aquela praia As cidades poderiam ser claras e lavadas De grandes areais e grandes vagas Pelo canto dos espaços e das fontes Mas sou eu ainda quem na brisa respira O céu o mar e a terra estão prontos E é por mim que espera cintilando a maré vasa A saciar a nossa fome do terrestre A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia Quando eu morrer voltarei para buscar Cada dia a cada um a liberdade e o reino Os instantes que não vivi junto do mar — Na concha na flor no homem e no fruto De todos os cantos do mundo Se nada adoecer a própria forma é justa Amo com um amor mais forte e mais profundo E no todo se integra como palavra em verso Aquela praia extasiada e nua Sei que seria possível construir a forma justa Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. De uma cidade humana que fosse Fiel à perfeição do universo. Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim. A tua beleza aumenta quando estamos sós. Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco E tão fundo intimamente a tua voz E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo Segue o mais secreto bailar do meu sonho Que momentos há em que eu suponho Seres um milagre criado só para mim. ESPÉCIE VIVA, António Ramos Rosa seremos a espécie viva sobre as membranas da terra. ouvir-se-á uma aterradora melodia e será uma noite de obeliscos e cavalos. sobre a lama avermelhada sob a lua viva caminharemos contra as sinistras armas. que importa que a sabedoria do terror se estenda? nós somos a pedra piramidal no obscuro construiremos os pássaros inexactos e eficazes como tímbales. no obscuro viveremos para libertar os astros dos signos e as palavras do ventre obscuro. com a sabedoria das obras estrangularemos os dispositivos da hecatombe. estamos na terra. a terra é a nossa sede. o nosso teatro de árvores. onde estão os barcos que vencem a voracidade das águas purulentas o futuro é uma criança esfarrapada e luminosa no ombro do horizonte e são estas mãos desgarradas do muro com que aprisionaram uma boca. nós amamos estas paredes de ocre e de caliça com desenhos e cores onde se mostra o alfabeto da nossa pobreza e do nosso amor. o sinal de alerta já foi lançado no turbilhão das notícias roxas e vermelhas contra as nuvens incendiárias contra os mestres da catástrofe nós somos labaredas de consciência e de aurora nós somos pela vida e a nossa frente libertará da implacável ameaça o futuro vivo. 9
  • 10. VIVAM APENAS, José Gomes Ferreira Vivam, apenas. Sejam bons como o sol. Livres como o vento. ELEGIA SEGUNDA, Sebastião da Gama Naturais como as fontes. Todos os pássaros, todos os pássaros Imitem as árvores dos caminhos Asas abriam, erguiam cantos, que dão flores e frutos De Amor cantavam. sem complicações. Todos os homens, todos os homens, De almas abertas, de olhos erguidos, De Amor cantavam. Mas não queiram convencer os cardos De Amor cantavam todos os rios, a transformar os espinhos Todas as serras, todas as flores, em rosas e canções. Todos os bichos, todas as árvores, Todo os pássaros, todos os pássaros, E principalmente não pensem na Morte. Todos os homens, todos os homens. Não sofram por causa dos cadáveres De Amor cantavam... que só são belos quando se desenham na terra em flores. Vivam, apenas. A Morte é para os mortos! EPÍLOGO, Jorge de Sousa Braga Estas páginas foram escritas a caminhar sobre a água, E só assim se podem ler. Não procurei nada, Não retive nada. Limitei-me a acusar o choque – brutal, por vezes – de um grão de pólen ou de uma brisa inesperada. Não conheço outro ritmo que não seja o das estações. Outra música que não a das gotas de chuva nos limoeiros. Outra fuga que não a de um pássaro assustado com a sua própria sombra. No fundo, o que me recuso a acreditar é que estejamos condenados. Apesar dos prados envenenados, da lenta agonia dos rios e do mar. Da atmosfera cada vez mais carregada das cidades. Contanto que a poesia seja – continue a ser – um lugar onde ainda se pode respirar (selecção de poemas do Dizeur José Rafael Tormenta) 10