1) O documento discute a neurologia simbólica, que estuda o sistema nervoso levando em conta fatores ideativos, emocionais, individuais e culturais, ao invés de apenas a fisiologia.
2) A neurologia simbólica considera como símbolos estruturam a consciência e a personalidade através de arquétipos como o materno e o paterno.
3) O estudo da drogadição requer essa abordagem simbólica para entender o significado emocional das experiências que levam
Byington - Prefácio do Livro: Cérebro, Inteligência e Vínculo Emocional na Dependência de Drogas
1. Da psicologia à neurologia
simbólica no estudo da drogadição
Prefácio
Carlos Amadeu Botelho Byington
Este livro, além do mérito de publicar os re- psicológica para símbolo e função estruturantes,
sultados das pesquisas dos autores e de seus co- que incluem a parte concreta junto com os
legas convidados, tem ainda um outro, que é a significados de todas as coisas e forças que as
coragem de confrontar na Neurologia a operam. Os símbolos estruturantes são elabora-
dissociação mente-corpo, que domina as Ciên- dos pelas funções estruturantes, coordenadas
cias Naturais e a Medicina desde o final do por arquétipos, e os significados produzidos por
século dezoito. Esta dissociação dificulta o sua elaboração formam a identidade do Ego e
estudo conjunto da neurofisiologia e dos fatores do Objeto (o Outro) na Consciência. Concebe-
ideativos-emocionais, individuais e culturais se, assim, a Ciência Simbólica, que descreve o
que compõem o distúrbio da droga-adição. Processo de Humanização do Cosmos e que
Quando a Ciência tomou o poder na Uni- inclui a Medicina Simbólica e, por conseguinte,
versidade e daí expulsou a Inquisição, ela também a Neurologia simbólica. Este processo,
passou a subordinar a verdade exclusivamente formulado na obra de Teilhard de Chardin,
à objetividade, e dela excluiu a subjetividade e descreve a formação da Consciência a partir da
a totalidade subjetivo-objetivo. Apesar de hoje evolução da vida e da complexificação progres-
a filosofia da pesquisa científica buscar resgatar siva do Sistema Nervoso das espécies.
esse subjetivo banido, como por exemplo, na A Neurologia simbólica continua a idéia de
Fenomenologia de Husserl e de Heidegger, e Freud esboçada no Projeto para uma Psicolo-
nas Ciências Sociais de um modo geral, falta gia Científica, de 1895: “A finalidade deste
ainda a formulação da dimensão subjetivo- projeto é estruturar uma psicologia que seja
objetivo para formar a consciência a partir da uma ciência natural, isto é, que represente os
coisa-em-si, que no caso do sistema nervoso processos psíquicos como estados
inclui neurônios, neurotransmissores e tudo quantitativamente determinados de partículas
mais que o compõe, inclusive a dimensão materiais especificáveis, dando assim a esses
ideativa-emocional, individual e cultural. processos um caráter concreto e inequívoco”. O
Para perceber os achados neurológicos conceito de Psicologia proposto pelo Projeto de
anatômicos e fisiológicos junto com seus com- Freud é a Neurologia simbólica aqui
ponentes ideativos-emocionais, ampliei os con- conceituada.
ceitos tradicionais de símbolo e de função
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No caso das droga-adições, a Neurologia quirido durante os séculos dezenove e vinte,
que se atém à físico-química se limita ao estudo tem dele se afastado.
da dependência emocional e orgânica principal- Para conceituar a Neurologia simbólica, ba-
mente em função do que ocorre com os seada nos conceitos de símbolo e de função
neurotransmissores do paciente em virtude do estruturantes, é necessário reconhecer e incluir
consumo da droga. Já uma Neurologia simbóli- no conhecimento do Sistema Nervoso todas as
ca necessita incluir na compreensão da droga- descobertas da Psicologia e da Psiquiatria. É
adição o significado emocional das vivências preciso romper o paradigma positivista,
individuais, familiares e socioculturais que segundo o qual aquilo que ainda não foi
acompanham o uso da droga e o papel que elas constatado pela neurofisiologia não deve ser
desempenham no desenvolvimento da incluído na Neurologia.
personalidade e da cultura. Não se trata de dar A Psicologia Simbólica reconhece o Proces-
exclusividade dos significados simbólicos para so de Elaboração Simbólica para formar a
a Psiquiatria ou para a Psicologia, e sim, ao Consciência como o centro e a finalidade
contrário, de compreendê-los e estudá-los última de toda a atividade neurológica e
dentro do Sistema Nervoso, junto com o funci- biológica. Sua coordenação é feita pelo
onamento dos neurotransmissores. Quatérnio Arquetípico Regente composto pelos
A Neurologia simbólica propõe a analogia Arquétipos Matriarcal, Patriarcal, de Alteridade
das estruturas do Sistema Nervoso com os e de Totalidade, que operam através da
hardwares dos computadores, e o programa dos atividade criativa e centralizadora do Arquétipo
softwares com as reações cognitivas e emocio- Central. O Arquétipo Matriarcal, matriz coorde-
nais adquiridas. Estabelecemos assim uma nadora do desejo e da sensualidade, opera prin-
inclusão da Cultura na Neurologia, ao cipalmente através do sistema neurovegetativo.
percebermos que o Sistema Nervoso incorpora O Arquétipo Patriarcal, que coordena a organi-
progressivamente, desde o nascimento, o zação psíquica e a execução de tarefas, se
aprendizado realizado nas gerações passadas. exerce principalmente através do sistema
Trata-se, portanto, de um Sistema Nervoso cérebro-espinhal. O Arquétipo de Alteridade,
intensamente “recheado de significados simbó- que coordena a interação das polaridades,
licos, pois reconhece e assume tudo o que é e inclusive da grande polaridade matriarcal-
tem”. patriarcal, ou seja, neurovegetativa cérebro-es-
A divisão entre a Psiquiatria e a Psicologia pinhal, funciona através das interações das
de um lado, e a Neurologia de outro, preservou lateralidades, como por exemplo, da decussação
nesta, indevidamente, o predomínio da das pirâmides, do Corpo Caloso e dos inúmeros
organicidade em detrimento da psicodinâmica. circuitos associativos. Restam o Arquétipo da
Infelizmente, a Psiquiatria, hoje, ao se Totalidade, que rege a Consciência
reaproximar da Neurologia pelo maior conheci- contemplativa do Todo e o Arquétipo Central,
mento dos neurotransmissores, ao invés de tra- que coordena a relação dos eventos existenciais
zer consigo o conhecimento psicodinâmico ad- com o desenvolvimento prospectivo da persona-
3. Da psicologia à neurologia simbólica no estudo da drogadição 19
lidade, como bem descreveu Jung ao enfatizar No entanto, para se compreender fisiológica
em toda a sua obra que o principal instinto e emocionalmente as droga-adições, o maior
humano é o Instinto da Individuação. desafio da Neurologia simbólica é saber a loca-
O desafio médico e humanista da Neurolo- lização e o funcionamento do Arquétipo Cen-
gia simbólica é assumir e pesquisar estas gran- tral no Sistema Nervoso. É que os símbolos e
des descobertas da Psicologia. No processo de funções estruturantes que os droga-aditos
globalização, que favorece a integração plane- denominam “barato”, e que buscam para
tária do conhecimento, a setorização da produzir o estado alterado de Consciência que
Neurologia dentro de uma torre de marfim os vicia, referem-se a um estado de euforia,
neurofisiológica é cada vez mais inadmissível. bem-estar, paz, totalidade, auto-realização e
Dentro do Humanismo Simbólico, que relaciona felicidade, a uma sensação de que tudo está no
toda e qualquer parte com o Todo através de seu lugar, de que o mundo é coerente, de se
seus significados, a setorização do saber tem estar encarnado em si mesmo e no Cosmos:
cada vez menos lugar por propiciar a alienação exatamente os símbolos e funções estruturantes
do Ser. que trazem à Consciência a noção da existência
O assunto se complica extraordinariamente e do funcionamento centralizado e sistêmico do
quando tentamos compreender o fenômeno da Arquétipo Central. A droga propicia à
Sombra pela Neurologia simbólica, seguindo a Consciência a vivência que as pessoas muito
intenção de Freud quando buscou uma explica- diferenciadas conquistam após um grande es-
ção neurológica para a defesa da repressão (in- forço de amadurecimento.
consciente reprimido) no Projeto. O ser humano tem necessidade de Deus.
Segundo a Psicologia Simbólica, a Sombra Funda tantas religiões porque, para realizar o
se forma com suas defesas inconscientes pela potencial da sua plenitude, projeta no Universo
fixação da elaboração de determinados símbolos o Arquétipo Central do Self, descoberto por
e funções estruturantes, que passarão a ser ex- Jung, e que coordena o funcionamento da
pressos inconscientemente pela compulsão de Psique e, por conseguinte, do Sistema Nervoso.
repetição descoberta por Freud. Embasar o Não se trata de “reduzir” Deus ao cérebro,
fenômeno da fixação ao lado da elaboração mas sim de embasar as características todo-po-
criativa dos símbolos no funcionamento dos derosas de ubiqüidade, atribuídas às divindades
neurotransmissores é hoje um grande desafio, em todas as culturas, a um arquétipo que
principalmente quando nos damos conta que a coordena todo o Processo de Elaboração
fixação, além de ser responsável pelas adições, Simbólica. Para o droga-adito, a droga é o seu
é a sede do crime e do mal na personalidade. salvo-conduto para a presença mágica da
Pesquisar neurofisiologicamente o fenômeno da transcendência e da divindade. Para ajudá-lo é
fixação simbólica significa, por conseguinte, necessário admitir que esse arquétipo existe e
abrir a Neurologia para estudar a função buscar o seu funcionamento no Sistema
estruturante da ética. Nervoso através dos neurotransmissores. O
terapeuta que quer tratar da droga-adição e que
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não sabe como relacionar as pessoas com a To- A dimensão familiar do Arquétipo Central
talidade está em grande desvantagem para com- permite à Neurologia simbólica relacionar a re-
petir com o poder simbólico das drogas. Não é ação química dos neurotransmissores com a cri-
por acaso que tantas religiões conseguem a cura se de adolescência e o consumo de drogas,
de droga-aditos pela conversão. É importante como uma arma poderosa na polarização com a
para o neurologista saber que isto não ocorreu família. Só assim podemos compreender que a
porque a cura “caiu do céu”, e sim porque, ao mesma arma usada para fortalecer a auto-estima
estabelecer a religação da Consciência com o e a formação da identidade da maioria dos ado-
Arquétipo Central através do símbolo da lescentes pode se transformar no vício que a al-
divindade, o sacerdote deu ao paciente o guns escraviza e destrói.
significado existencial que a droga química Dentro do Self Cultural, a compreensão
magicamente lhe proporciona. Só quem tem simbólica das drogas também nos permite en-
essa relação simbólica com a vida e a tender a busca mágica da ligação da Consciên-
Totalidade pode dizer a um droga-adito: “Lar- cia com o Arquétipo Central dentro da ideolo-
gue o que você sente com a droga para buscar gia da cultura materialista e imediatista de
essa mesma vivência no trabalho e na relação consumo, condicionada pela ideologia de mer-
com as pessoas que você preza.” cado neoliberal que, por sua desumanização,
Para entender a droga-adição além da desqualifica a dignidade do trabalho, ao mesmo
neurofisiologia, é necessário compreender o tempo em que corrompe valores culturais que
funcionamento dos símbolos dentro da persona- promovem a beleza e o sentido da vida.
lidade, da família, da cultura e do Planeta como Outro ponto importante a ser destacado é a
Sistemas de Totalidade representativos do Ar- compreensão que a Neurologia simbólica pode ter
quétipo Central do Self. Esses sistemas são e, através dela, esclarecer a Medicina e Cultura
afetados de uma forma ou de outra pelas sobre o gravíssimo e crescente problema gerado
drogas, que também são símbolos que alteram pela receita indiscriminada de antidepressivos. Se,
a Consciência e a Sombra, formando-as e por um lado, a pesquisa neurofisiológica tem pro-
transformando-as nas várias dimensões duzido drogas prodigiosas que tornaram as indús-
humanas. trias de medicamentos mais lucrativas que as in-
As duas grandes funções simbólicas que di- dústrias de armamentos, por outro, ela apresenta
rigem o Arquétipo Central na coordenação uma terrível Sombra que aproxima a emblemática
neuro-endócrina do organismo são o amor e o imagem do médico à figura hedionda do
poder. O amor rege a interação afetiva com as narcotraficante, pelo fato de fomentar o
pessoas, o corpo e a natureza, e o poder coorde- embotamento da Consciência e a alienação que,
na a busca de um lugar ao sol pelo esforço do tal como a droga-adição, inibe pela dependência
crescimento de cada um. A droga-adição de psicofármacos o potencial de auto-realização
substitui magicamente estas duas funções do Ser.
feridas, cujo conhecimento simbólico é
necessário para a sua reparação.