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Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler




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                             Partes e Excertos do Livro:



                      O IDOSO INSTITUCIONALIZADO

                                     Sandra Cardão

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Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler

                                                               Índice


INTRODUÇÃO...................................................................................................                1
    A Vivência de Perda no Ser Humano: Luto e Depressão...............................                                       5
        Estrutura Psicodinâmica da Depressão.......................................................                         10
                                                                                                                                 2
        Importância da Posição Depressiva na Luta contra as Perdas....................                                      14
    Envelhecimento e Vivência de Perda……….................................................                                  22
        Envelhecimento e Velhice………..............................................................                           22
        (Des)Investimentos do Envelhecimento.....................................................                           25
        Quando a Institucionalização é Vivida como Perda...................................                                 32
MÉTODO............................................................................................................          40
    Delineamento do Estudo.................................................................................                 40
    Selecção da Amostra e Participantes..............................................................                       41
    Instrumentos de Medida Aplicados................................................................                        42
        Questionário Sociodemográfico.................................................................                      42
        Escala de Depressão Geriátrica...................................................................                   42
    Procedimento..................................................................................................          45
RESULTADOS...................................................................................................               47
    Dados Sociodemográficos..............................................................................                   47
        Sexo.............................................................................................................   47
        Idade............................................................................................................   47
        Data de Admissão.......................................................................................             48
        Autonomia da Marcha................................................................................                 49
        Estado Civil.................................................................................................       50
        Escolaridade................................................................................................        51
        Rendimento Económico..............................................................................                  51
    Escala de Depressão Geriátrica......................................................................                    52
        Prevalência da Depressão...........................................................................                 52
        Categorias Psicológicas..............................................................................               54
           Perda de Segurança.................................................................................              54
           Perda de Utilidade...................................................................................            55
           Perda de Motivação.................................................................................              55
           Perda de Amor-Próprio...........................................................................                 56



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           Perda de Esperança..................................................................................        57
           Perda Afectiva.........................................................................................     57
DISCUSSÃO.......................................................................................................       59
    Ausência de Depressão e Depressão Grave....................................................                        59
    Depressão Ligeira...........................................................................................       63
    Conclusão.......................................................................................................   65   3


REFERÊNCIAS..................................................................................................          70


                                                   ANEXOS


ANEXO A: CONSENTIMENTO INFORMADO.............................................
ANEXO B: QUESTIONÁRIO SOCIODEMOGRÁFICO................................
ANEXO C: ESCALA DE DEPRESSÃO GERIÁTRICA..................................




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                                        Introdução

          O presente estudo realiza uma incursão sobre uma parte da velhice,
centralizando-se na vivência da sua institucionalização.
          Entender-se-á a velhice como um indicador referente à última fase do ciclo
                                                                                             4
natural de vida, englobando uma série de pessoas diferentes e únicas ao nível
biopsicossocial, que aqui serão denominadas por idosas, ou por pessoas idosas, para
usar a terminologia actual mais empregue (Fernandes, 2002: Imaginário, 2004).
          A institucionalização é aqui entendida como um duplo processo: (a) como
recurso a serviços sociais de internamento do idoso em lares, casas de repouso e afins,
onde recebe assistência; (b) como vivência de perda, simbolizada pela presença de
estados depressivos, significando uma das formas como o idoso sente e vive o ambiente
institucional.
          A realidade vivencial da pessoa idosa institucionalizada foi observada durante o
estágio académico no Centro de Apoio a Idosos de Portimão, mais concretamente nas
valências do Lar da Raminha e das Residências Vilavó, onde se centra o presente
estudo.
          As referidas valências configuram dois modelos espaciais e assistenciais
diferentes, para uma população de ambos os sexos: (a) o Lar da Raminha constitui-se
por um edifício que detém um regime de internato colectivo e massificado; (b) as

Residências (…)

          Ambos os modelos detêm a mesma estrutura normativa,       (…)
          Considera-se que a institucionalização do idoso, qual “colonização da velhice”
(Encarnação, 1995), configura um segundo movimento de esquecimento e de
isolamento, face a uma sociedade ocidental por demais conhecida por acarinhar a quase
eterna juventude. Este processo representa uma grande mudança na vida do idoso,
despoletando e/ou acentuando a vivência de uma série de perdas.
          Retrospectivamente, o idoso institucionalizado vê com nostalgia a perda de uma
vida activa, onde até certo ponto podia ser o senhor do seu mundo e das suas acções.
Recorda ainda, com tristeza, um tempo desenrolado entre os laços familiares e
comunitários, agora longínquos.




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       A institucionalização marca encontro com um ambiente colectivo de regras que
não têm em conta a sua individualidade, a sua história de vida, e que funciona de igual

modo para todos. Este é o tipo de ambiente relacional (…)

       No fundo, a sua configuração obedece ao paradigma dominante das práticas
institucionais, que responde à lógica da massificação. Como indicou Encarnação,
                                                                                           5
               O processo de institucionalização da modernidade, ao espartilhar a vida
       do homem em inúmeras <<prateleiras>> estanques, preconizadoras da indiferença
       civil e das relações íntimas de solidariedade, provocam profundas cesuras nos
       modos de vida do indivíduo, uma vez que os organiza administrativamente e de
       forma extremamente atomizada (1995, p. 64).

       Face a este tipo de ambiente institucional, que acaba por tornar o idoso cada vez
mais dependente do mesmo, considera-se que o luto da perda do meio familiar,
dificilmente será aqui elaborado, arrastando a marca nostálgica de uma vida que,
idealmente, poderia ter prosseguido, e viria a terminar, na sua própria casa.
       À perda do meio familiar, com os sentimentos mais ou menos manifestos de
“abandono” pela família, depressa se juntam outras vivências de perda, como a da sua
independência e do exercício pleno da sua vontade, devido à normativização e
observância da sua conduta dentro da instituição.
       A vida na instituição vai decorrendo de forma monótona, num microcosmos
onde espaço e tempo são regulados pela instituição, de uma forma quase estática. A
possibilidade de projecção no futuro anula-se com a falta de objectivos, aqui e além
despertados pelas actividades de animação sócio-cultural, para as pessoas que ainda se
encontram suficientemente motivadas para as gozar.
        A dependência de como é organizado o seu tempo e o seu espaço de vida acaba
por deixar-lhe pouca ou nenhuma motivação para planear por si próprio como as suas
horas diárias podem ser vividas. Esta perda de autonomia própria impele a pessoa a
recapitular as vivências do passado, feitas de histórias que se repetem, porque não há
nada de novo a contar. Longe do bulício da vida exterior, é um tempo parado, que
antecipa o seu fim, e que se compara com dias outrora vividos na sua plena força.

       O direito à sua privacidade também se perde, (…)

       Se a pessoa nunca antes se encontrara face a face com a realidade da sua
finitude, é agora, no espaço e no tempo institucional, que se voltará para os fantasmas
de morte, sentidos como cada vez mais próximos.



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       São estes fantasmas que tornam o envelhecimento uma realidade inalienável e
incontornável, dando conta das mudanças ao nível da imagem de corpo e de si,
provocando a destabilização de um quadro de referências sobre a sua identidade e a
gradual desvalorização de si próprio. Isto, quando o eu/corpo é sentido como cada vez
mais estranho a si mesmo, que se controla cada vez menos, que perdeu o vigor, se
encheu de rugas, e até de maleitas, visto sem atractivos e inaceitável, e só aceite se      6


doente. Ser doente é algo mais do que ser velho, condição que permite voltar a solicitar
a atenção sobre si.
       Estes movimentos psíquicos consubstanciam um investimento libinal num ego
visto como diminuído, alterando todo o sentimento de si. Sobra o mal-estar por este
estado de coisas, o pessimismo sobre o dia a dia e o futuro, desvelando o conflito entre
vida e morte. Logo, as perdas com que a pessoa idosa lida, não sendo partilhadas,
escutadas e contidas, acabam por perpetuar um conflito interno sem voz, que, à custa do
silêncio, irrompe mais facilmente na doença depressiva.
       Pelo exposto, a prevalência de vivências de perda que podem mais facilmente
manifestar-se em estados depressivos, é uma variável comum aos dois modelos
institucionais, colocando-se o problema de compreender em qual dos modelos
prevalecem estados depressivos mais graves.
       A hipótese que se coloca, é a de haver diferenças na forma como os mesmos se
manifestam dentro destas duas realidades ambientais, uma vez que se espera que o
modelo residencial, pela reprodução de proximidade do meio familiar que o idoso
deixou para trás, revele a presença de estados depressivos menos graves em comparação
com o modelo de internato colectivo.
       O indicador depressão (representante simbólico da vivência de perda) será
medido através de uma escala geriátrica para este efeito, num estudo post-hoc, de
natureza descritiva e comparativa.
       O estudo, que aqui se realiza, encontra o seu interesse dentro do próprio espaço
institucional, uma vez que o Centro de Apoio a Idosos está a iniciar a construção de
mais residências unifamiliares, junto às já existentes, por considerar que este modelo é
mais humanizante.
       Porém, o presente trabalho surge como reflexão crítica sobre o ambiente humano
deste tipo de serviços sociais, pelo que o seu objectivo primordial é o de sensibilizar a
rede institucional para a prevenção do surgimento e/ou agravamento de estados
depressivos, em qualquer dos modelos de assistência.


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       Assim, espera-se contribuir para o desenvolvimento de cuidados centrados na
pessoa, e que, por isso mesmo, tenham em conta o sofrimento de perda que permanece
muitas vezes escondido por detrás das queixas somáticas, sendo ignorado ou
desvalorizado. Ao nível médico, pode permanecer subdiagnosticado, pelo que é
pertinente compreender o alcance das perturbações do humor, a fim de que possam
receber a terapêutica adequada.                                                             7


       A estruturação do presente estudo constitui-se de quatro capítulos. No primeiro
capítulo, proceder-se-á ao enquadramento teórico privilegiando um modelo de
abordagem integracionista das teorias psicodinâmicas e cognitivo-comportamentais.
       O primeiro capítulo estará dividido em duas partes. Na primeira parte, aborda-se
a dinâmica que encerra a vivência de perda no ser humano em geral, associando-a ao
luto e à depressão. Explicar-se-á como a função do luto contribui para a elaboração das
vivências de perda, e a depressão para a falência desse trabalho elaborativo. De seguida,
a descrição da estrutura dinâmica da depressão integra a compreensão do fundo comum
às várias manifestações depressivas. A descrição da importância da posição depressiva
na luta contra as perdas mostra como a capacidade psíquica de suportar a dor e o
sofrimento de perda se aprende ao nível da primeira infância, influenciando o modo
como qualquer perda futura é confrontada.
       Na segunda parte serão delineadas as diferenças entre envelhecimento e velhice,
dando conta que a vivência de perda na última etapa de vida é, como de resto noutras
alturas do desenvolvimento, determinada por factores biológicos, psicológicos e sociais.
       Contudo, tentar-se-á ilustrar de que forma a institucionalização da pessoa idosa
pode, como factor ambiental, contribuir para um estilo de vida patogénico, pesando
como barreira à elaboração do luto contra todas as perdas subjacentes.
       O segundo capítulo descreverá as estratégias e actividades planeadas para
realizar o estudo, seguido de um terceiro capítulo com a apresentação de resultados
apurados. No quarto e último capítulo efectua-se a discussão dos resultados,
apresentando as conclusões que se considerarem pertinentes.


                A Vivência de Perda no Ser Humano: Luto e Depressão


       A vida tem um carácter efémero e impermanente, o que leva a que o ser humano
lide com uma série de ganhos e perdas no seu curso, e lhes atribua um significado,



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acompanhado da sua afectividade. A vivência é o sentido subjectivo que cada ser
humano atribui, com maior ou menor agrado, às suas experiências de vida.
       Apesar das variações individuais, sabe-se que a vivência de perda constitui-se
sempre como um processo psicológico mais ou menos doloroso e perturbador, por se
relacionar com a experiência de falta de algo, que acompanhou um tempo de vida.
       Para além das perdas integrantes do processo de desenvolvimento humano,              8


como a perda de capacidades físicas e/ou psicológicas, perde-se por morte,   (…)
       Do ponto de vista psicanalítico, a perda associa-se a um objecto, que tanto pode
significar, na realidade ou na fantasia, uma pessoa, como uma situação, coisa, símbolo,
função, ideal ou objectivo (Laplanche & Pontalis, 1990).
       A perda de objecto suscita um período de luto, variável de cultura para cultura, e

de pessoa para pessoa. De acordo com (…)

       A natureza destas respostas traduzirão uma forma de ser emocional, mais ou
menos saudável, fruto de uma estrutura ou organização da personalidade. O que implica
que, a vivência de perda tanto pode ser vivida de forma considerada normal, ou não.
       Os trabalhos pioneiros de Freud e de Abraham, sobre o luto e a melancolia, são
ainda uma referência importante na compreensão das diferenças entre o luto normal e o
patológico. Nestes trabalhos, o processo patológico de luto (melancolia ou depressão)
acabaria por esclarecer a semiologia do seu curso normal (Laplanche, 1987; Roudinesco
& Plon, 1997; Matos, 2001; Coelho, 2004).
       Desde então, considera-se que no luto normal aparecem sintomas que também
são observados na depressão, o que é ilustrado por alguns estudos mais recentes sobre o
tema, entre eles o de Widlöcher (2001). É assim que o autor salienta que no luto, podem
encontrar-se:
       (…) todos os traços da melancolia; a fixação dolorosa das preocupações, a perda
       de interesse pelo que é estranho a estas preocupações, a ausência de desejo por
       qualquer outra situação, o abandono de toda a actividade (2001, p.62).

       A dor do luto envolve a tristeza e o pesar, demorando-se na manifestação destes
e doutros sintomas, como os orgânicos. Sintomas que denotam toda uma dinâmica
psíquica que permanece após a perda de objecto.

       Laplanche (1987) e Widlöcher (2001), esclarecem que (…)




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       Na linha das teorias da vinculação, Bianchi (1989) evoca o facto de que a vida
do ser humano constrói-se através de ligações afectivas mais ou menos estáveis com os
objectos exteriores. Ligações fortes manifestam a existência de um apego ou vínculo
aos mesmos, o que reenvia para a natureza do objecto interno.
       Seguindo a tradição psicanalítica, Le Gouès (2000) explica que a

       (…)
                                                                                          9



       Como o investimento libinal do objecto traduz a existência de um vínculo de
amor com o mesmo, a sua ausência representa o desaparecimento do objecto de eleição
e de satisfação, alterando todo um sentido prévio de equilíbrio e de segurança no mundo

da pessoa enlutada. Assim, o sofrimento psíquico manifesta o (…)

       Desenvolvendo a dinâmica do luto, verifica-se que a primeira defesa perante a
perda é a de continuar a vida como se aquela não tivesse ocorrido. Uma defesa que
reenvia para o conflito latente entre a realidade e a fantasia, i.e., entre a ilusão da
presença do objecto e a necessidade de aprender a viver com a sua perda permanente
(Freud, 1917; Laplanche, 1987; Widlöcher, 2001).
       Guedeney & Guedeney (2004) esclarecem que na sequência dos trabalhos de
Anna Freud e de Dorothy Burlingham, sobre os efeitos da separação da mãe em
crianças pequenas, Robertson irá descrever esta resistência como correspondente a uma
primeira fase de reacção à perda.
       Denominou-a de fase de protesto, à qual se seguem duas outras fases,
respectivamente, de desespero e de desapego. São três fases que predizem
comportamentos de resposta à perda, e que Bowlby (1985) virá a adoptar e a
desenvolver na sua obra, da década de sessenta, sobre o luto infantil.
       Corroborando a teoria freudiana, a obra de Bowlby salientará que as reacções à
perda mantêm sinais comuns tanto na infância como na idade adulta; o que é hoje aceite
pela comunidade científica (Coelho, 2004).
       Ainda referenciando Bowlby, a fase de protesto envolve a vivência subjectiva e
inconsciente de desejo em reaver o objecto perdido, onde persiste a ilusão de que a
perda de objecto, por morte ou por separação, não ocorreu. Daqui os esforços que

       (…)
       Depois, surge o choro pela dor de perda, os sentimentos de revolta, e até de
raiva, denotando a solidão da pessoa enlutada e a sua esperança em recuperar o objecto



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amado. É natural que, mais ou menos inconscientemente, o objecto perdido seja
recriminado pelo sofrimento que provoca, ou que surjam auto-acusações pela perda
ocorrida.
       É uma agressividade dirigida, que Coelho (2004), na linha de Bowlby, refere
como adaptativa, caso não persista por tempo indeterminado. Segundo         Coelho, a
agressividade latente do luto representará a crença instintiva de que as perdas não      10


voltarão a acontecer se forem desaprovadas.
       Nesta fase, Bowlby aponta, ainda, a vontade de cuidar dos outros de forma
compulsiva, como variante patológica do luto do adulto, podendo ser entendida como o
deslocamento da ilusão de recuperar o objecto. Ou seja, simbolica e inconscientemente,
os sentimentos para com o objecto perdido são substituídos pelos cuidados para com os
outros, seus representantes substitutos.
       Voltando ao luto normal, adianta-se que a fase de desespero sobrevém pela
decepção e impotência em recuperar o objecto perdido. A pessoa enlutada retrai-se
sobre si própria, preenchida por sentimentos depressivos (depressão normal do luto)
que, paulatinamente, vão sendo confrontados com a realidade de que a natureza da
perda é real e duradoura.
       A aceitação da prova de realidade deverá prevalecer, esperando-se que a pessoa
enlutada enfrente e tolere o sofrimento emocional que a acompanha (Freud, 1917;
Laplanche, 1987; Widlöcher, 2001; Coelho 2004).
       Na fase de desapego, espera-se não só que a pessoa enlutada se vá distanciando
e desinvestindo o objecto perdido, aceitando a sua perda; como também se recomponha
mobilizando energias de forma a investir afectivamente novos objectos de relação.
       Novos investimentos traduzem a capacidade de deslocamento da libido,

libertando a pessoa (…)

       Para além das fases normais do luto, há ainda a salientar que, perante uma
perda, a pessoa poderá reagir de uma outra forma, que passa pela ausência de
sentimentos depressivos conscientes, nomeadamente o pesar. Esta condição foi descrita
por Deutsch (cit. por Bowlby, 1985), que a denominou como um paradoxo.
       Face ao exposto, compreende-se que o trabalho de luto consiste em desfazer o
conflito instaurado pela perda, abrangendo todas as fases descritas, numa série de
processos psicológicos complexos que exigem o seu tempo e uma grande energia
psíquica.



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       O trabalho de luto é difícil e complexo, demorando um tempo variável de pessoa
para pessoa, isto porque, como Freud salientou, o abandono de uma dada ligação
libidinal não é feita de ânimo leve, nem mesmo quando já se afigura uma outra ligação
substitutiva.
       Como explicou Bowlby, com esta asserção, Freud lança a suspeita de que
mesmo que o luto se concluísse de forma normal ficaria sempre um resquício do objecto      11


perdido no mundo interno da pessoa, simbolizando uma forma de não abandonar

totalmente uma ligação afectiva anterior. Por esta razão, Bowlby salienta (…)

        Até este ponto, compreende-se que a reacção depressígena do luto é de normal
ocorrência. No entanto, quando a pessoa enlutada se sente dominada e absorvida pela
dor da perda sem a conseguir ultrapassar, o efeito poderá ser o da depressão (Freud,
1917; Bleichmar, 1989; Widlöcher, 2001).
        Ou seja, enquanto que no luto (depressão normal) se realiza um trabalho de
aceitação da perda, na depressão (luto patológico), há quase sempre a sua negação ou
evitamento (Matos, 2001), constituindo-se como uma resistência à mudança (Fairbairn,
1958, cit. por Coelho, 2004).
        Como se pôde constatar, a dinâmica reaccional à perda varia, podendo ser

sintetizada em três tipos consoante a natureza do objecto perdido: (…)

        Matos sugere uma outra distinção ao nível da afectividade, destacando a
“tristeza” e a “revolta” como sintomas dominantes do luto; e o “abatimento” e a
“culpa” caracterizando a depressão (2001, p. XVII).
        Avançando no esclarecimento da diferença entre o luto e a depressão, ressalta-se
que, na fenomenologia da depressão, a falta de interesse pelo mundo exterior,
englobando actividades e relações pessoais, e o pessimismo, são sintomas que
estacionam no tempo.
        O abatimento invade a vida do indivíduo por completo, originando remorsos ou
nostalgia do passado, desinteresse ou aborrecimento pelo presente, e receio, ou falta de
esperança no futuro. Usando a expressão de Hipócrates, a depressão é marcada pelo
“humor negro” (Widlöcher, 2001, p. 18).

        Além destes sintomas emocionais e motivacionais, (…)




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       Ao nível somático (manifestações físicas da angústia), podem ser encontradas
perturbações do sono; do comportamento alimentar e da sexualidade, entre outras
(Meyer & Salmon, 1984; Widlöcher, 200; APA, 2002).
       Até aqui referiu-se à depressão como se fosse uma entidade única, o que será

mantido por uma questão de economia de conceitos. (…)
                                                                                          12
       A heterogeneidade de quadros clínicos, que comporta, pode ser categorizada
quanto: (a) à sua etiologia, como é o caso da depressão endógena de origem biológica,
e da reactiva ou exógena ocasionada por um acontecimento externo; (b) à sua estrutura
psicodinâmica e sintoma dominante, e.g., a depressão neurótica, com a carência afectiva
como sintoma dominante; a depressão psicótica, onde predomina a melancolia;           a

depressão anaclítica, (…)

       Será importante ilustrar que a depressão major não parece derivar tanto de
acontecimentos exteriores, apresentando mais sintomas físicos, em contraponto com a
depressão minor (Belsky, 1996). Uma questão de grau de intensidade diferencia os dois
diagnósticos (Fontaine, 2000).
       Estes são alguns exemplos, pois a nosologia da depressão é complexa e
polémica, procedendo de modelos teóricos diversificados dentro da psicologia e da
psiquiatria (Meyer & Salmon, 1984; Bleichmar, 1989; Ménéchal, 1999; Matos, 2001;
2002: Fernandes, 2002).


                              Estrutura Psicodinâmica da Depressão
       De acordo com Freud (1917) e com o modelo psicanalítico, a perturbação da
auto-estima é uma condição que não se observa no luto. Matos (2001) denomina esta
perturbação de insuficiência narcísica, considerando-a como uma das três condições
presentes na estrutura dinâmica da depressão.
       Laplanche & Pontalis (1990), definem narcisismo como amor próprio, por
referência à representação ou imagem que cada ser humano tem de si. O amor é um
afecto básico fundamental ao desenvolvimento do narcisismo saudável ou positivo,
resultando na construção de uma boa auto-estima.
       Dizer que uma pessoa detém um narcisismo positivo (ou saudável), equivale a
expressar que o investimento das suas pulsões libinais se encontra equilibradamente
distribuído no seu ego e na relação com o mundo envolvente. Ou seja, o equilíbrio da



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energia libidinal permite não só o amor próprio, como também o amor pelos outros e
pelo mundo envolvente (amor objectal).
       A privação precoce deste afecto provocará um sentimento depressivo de falta ou
carência, uma ferida aberta no amor-próprio (ferida narcísica), como se o mundo interno
estivesse despovoado de amor e, com isso, impossibilitado de valorizar a auto-imagem.
       A insuficiência narcísica é, precisamente, caracterizada pelo sentimento de falta,   13


ou mesmo de vazio, podendo ser traçada a sua origem na infância, quando a criança não
foi valorizada e investida amorosamente pela mãe. O que subentende que a criança se
relacionou precocemente com uma pessoa cujo narcisismo também foi lesado, herdando
a sua insegurança básica.
       O desinvestimento narcísico, por parte da figura materna, terá impossibilitado a
criança de desenvolver um sentido de segurança e de amparo internos, por forma a
alimentar o amor por si própria. Ou seja, o objecto deixou de alimentar o seu amor-
próprio, logo, desaparecido o objecto, desaparecido o amor; perdido o objecto, perdido
o próprio eu, ou uma sua parte.
       Não se sentindo amada, as pressões do exterior acabam por desorganizar e
eventualmente esvaziar ou destruir a identidade da pessoa. Isto porque, se a pessoa se vê
como inferior aos outros e tem pouca confiança nos acontecimentos da vida, a auto-
estima reduz-se, conduzindo a outras consequências negativas, como a desvalorização
de si mesma, ou mesmo a despersonalização, em casos mais graves.
       Quando se dá valor a si próprio e se respeitam as capacidades próprias, não se

receiam os desafios, traduzindo-se a auto-estima em (…)

       Fazendo uma interpretação da obra de Matos sobre a depressão, Coelho (2004)
aponta três derivativos do sentimento de falta, consoante o momento desenvolvimental
em que a falta do objecto narcizante acontece: (a) os sentimentos de abandono e de
desespero traduzirão a perda da função de cuidados e protecção do objecto, reenviando
para o momento da estruturação psicótica; (b) o desamparo é sentido pela perda de
constância do objecto narcizante, objecto de apoio, reenviando para a organização
borderline; (c) a falta de esperança é um sentimento que deriva simbolicamente da

angústia de castração, representando (…)

       De qualquer modo, na linha do pensamento freudiano, Matos (2001) salienta que
seja qual for a natureza da depressão, observa-se que nela o objecto de amor perdido
continua inconscientemente investido. Investimento que impele a pessoa a viver na


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expectativa de um amor idealizado, projectado pela sua fantasia, mas que na realidade
nunca ocorreu.
       Para o autor, a persistência deste investimento é responsável pela imobilização

da pessoa, uma vez que (…)

       A culpa patológica, muitas vezes inconsciente, prende-se com uma outra
                                                                                           14
condição inseparável da estrutura da depressão: a existência intrapsíquica de uma
instância crítica (superego) que se comporta de forma severa, induzindo a sentimentos
de auto-acusação e de recriminação por perdas ocorridas. Na          depressão, a culpa
resultante da ambivalência amor-ódio permanece por elaborar.

       (…)
       McWilliams (2005) esclarece o processo de indução de culpa com o exemplo
dos casais divorciados, quando negam às crianças a possibilidade de fazerem o luto pela
separação dos pais, ao insistirem que tudo fica melhor dessa forma. Este exemplo ilustra
como, ao nível precoce, a criança se identifica com a crítica paterna da sua
vulnerabilidade ou fragilidade e aprende a acreditar que esses aspectos de si são maus.
       Outra situação, onde pode ser observada a condição de culpa, é a da idealização
da pessoa morta, onde os sobreviventes se centram unicamente nas características
positivas e idílicas da sua personalidade, deixando as menos positivas de lado. O que,
como demonstrou Bowlby (1985), pode ter subjacente o receio no adulto de que a perda
de objecto (por morte, separação ou abandono) é equivalente à perda do seu amor,
tornando-se uma variante patológica do luto infantil.
       Matos adianta que a culpa patológica deriva de um erro cognitivo na percepção
da realidade. O erro reside no sentimento dilatado de se ser mau, prevalencendo a

crença de que o objecto é (…)

       A par da severidade do superego, encontra-se, portanto, uma grande exigência
do eu idealizado, que impele ao desejo omnipresente de perfeição, em contraponto com
as capacidades do eu real. A perfeição absoluta, embora impossível de atingir, é para o
depressivo uma meta a atingir, numa eterna busca de aperfeiçoamento do eu real, nunca
aceite como suficientemente bom (McWilliams, 2005).
       Persistindo inconscientemente neste erro avaliativo da realidade, a pessoa anula
a possibilidade consciente de retaliar, de acreditar que também ela pode ser um bom
objecto, digno de ser perdoado e não castigado.



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       Então, pode dizer-se que o sentimento de culpa encontra-se invertido, num
sofrimento auto-infligido, representando uma agressividade latente para com o objecto
que não é exteriorizada, mas antes voltada contra a própria pessoa. Esta condição
explica a irritabilidade e/ou agressividade presentes na fenomenologia depressiva.
       Na linha de outros autores psicanalíticos, como Rado, Fenichel e Spitz (cit. por

Coelho, 2004), Matos (…)
                                                                                            15



       Deste modo, a pessoa torna-se incapacitada de amar os outros, logo, de formar e
investir novos vínculos. Esta fome de afecto reenvia para a oralidade, para a regressão
(ou fixação) à vinculação e dependência infantil, e à constante ameaça de abandono
afectivo.


              Importância da Posição Depressiva na Luta contra as Perdas
       Segundo Bowlby (1985), Klein foi a autora que, dentro da psicanálise, postulou
a existência de sentimentos de perda na primeira infância, assim como o luto e a
depressão, relacionando-os com a vivência de perda no adulto.
       Klein (1996) salientou que o luto infantil é revivido sempre que, no futuro,
ocorram perdas, premissa que, como já foi referido, Bowlby pôde confirmar nos seus
estudos sobre o luto.
       A teoria kleiniana é uma teoria da relação/conflito, assente nas constantes inter-
relações da criança com os seus objectos internos e externos (objectos fantasiados e
reais) ao nível pré-edipiano. Estas relações, influenciam profundamente todo o
desenvolvimento ontogenético, uma vez que os pais (primeiros objectos externos de
relação) serão introjectados como protótipos de todas as relações de objecto posteriores.
        Klein acredita que todos os estímulos geram fantasias no bébé, destacando que:
“estímulos desagradáveis, incluindo a mera frustração, provocam fantasias agressivas;
os gratificantes, fantasias concentradas no prazer (1996, p. 331).”
       A capacidade de fantasiar irá tingir, ao longo de todo o desenvolvimento, não só
as relações com os objectos externos, mas também a forma como estes são

percepcionados internamente. (…)



                          Envelhecimento e Vivência de Perda




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        O envelhecimento e a velhice são fenómenos inerentes ao desenvolvimento do
ser humano que comportam, na actualidade, uma série de preconceitos que não abonam
a favor da elaboração das vivências de perda, entre outras, que englobam. Isto porque as
sociedades ocidentais são sistemas onde tendencialmente se representa a velhice de
forma negativa (e.g. como doença, incapacidade ou senilidade) numa série de
estereótipos que já vão sendo corrigidos pelos diversos trabalhos científicos emergentes   16


sobre os processos de envelhecimento, nomeadamente na área da geriatria e da
psicogerontologia (Berger & Mailloux-Poirier, 1995).


                              Envelhecimento e Velhice
        De acordo com a revisão da literatura do capítulo anterior, face ao sofrimento
são mobilizadas energias que ou contribuem para o bem estar emocional ou para a
doença, constituindo-se como investimentos ou desinvestimentos dos processos de vida,
determinando a sua qualidade. O mesmo ocorre na velhice, pelo que convém diferenciá-
la do envelhecimento.
         A velhice é uma etapa de vida marcada pela longevidade, que embora tenha o
processo de envelhecimento como pano de fundo, com este não se confunde.
Envelhecer não é ser velho, é ir sendo mais velho dentro de um processo complexo de
desenvolvimento entre o nascimento e a morte, inerente a todos os seres vivos. Ser mais
velho implica, nesta perspectiva, a passagem do tempo e a quantidade de anos que se
vive.
        Ora, uma análise cronológica do envelhecimento pode induzir a vários erros de
avaliação quando se observa que, por vezes, alguém com 70 anos de idade parece ser
mais jovem do que outro com 30 anos; ou quando se considera que dentro da mesma
faixa etária, uma pessoa parece muito mais velha do que aqueloutra (Fernandes, 2002).
        A mesma ideia encontra-se na perspectiva de San Martin e Pastor (1990, cit. em
Netto, 2002, p. 26), ao salientarem que “as divisões cronológicas da vida humana não
são absolutas e não correspondem sempre às etapas de envelhecimento natural (…).”
        Por esta razão, compreende-se o alerta de Aragão e Sacadura (1994, cit. por
Imaginário, 2004), sobre a discriminação de que é alvo a população com idade igual ou
superior a 65 anos, idade para denominar a pessoa de idosa, segundo convenção da
Organização Mundial de Saúde (OMS).
        A ampla literatura sobre o conceito de envelhecimento ilustra que a análise
cronológica é largamente influenciada pelo estudo demográfico da população


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envelhecida, constituindo-se a idade como uma categoria operacional que, mesmo
assim, não é livre de polémica ao nível de outras disciplinas científicas, como é o caso
da psicologia (Berger & Mailloux-Poirier, 1995; Fontaine, 2000; Fernandes, 2002;
Imaginário, 2004; Cabete, 2004).
        A título de exemplo, veja-se a divisão de fases do ciclo de vida sugerida por
Levinson e colaboradores (1978/79; 1990, cit. por Marchand, 2005, p.19), onde se           17


constata que na idade que a OMS define para início da velhice se encontram pessoas,
que segundo os autores, estão na “fase final da vida adulta” entre os 60 e os 70 anos;
e que a “velhice” é uma fase destinada à faixa etária entre 70 e 80 anos de idade até
que a vida se extinga.
        Mas, considere-se que idosas são todas as pessoas entre os 65 anos e a morte,
pessoas que estão na fase da velhice dentro do ciclo de vida. Então, como distinguir
que também dentro deste grupo há pessoas mais jovens ou mais velhas que outras, do
ponto de vista estritamente cronológico?
        Imaginário (2004, p. 43) proporciona a resposta quando refere que, dentro da
gerontologia, há autores que dividem este grupo de pessoas em três categorias
cronológicas: (1) entre os 65 e os 74 anos encontram-se os “idosos jovens” ; (2) entre
os 75 e os 84 anos, o “idoso médio” ; (3) e, finalmente, o “Idoso idoso” a partir dos
85 anos de idade.
        Com esta pesquisa, fica-se com a ideia que, afinal, a velhice embora resulte do
envelhecimento, não é mais que uma fase tardia deste processo, determinada pelo
avanço da idade. Porém, a retenção desta ideia, não estando longe da realidade, servirá
tão-só para simplificar o envelhecimento, nomeadamente, nas fases tardias do ciclo de
vida.
        Centrando a discussão, todo o ser humano cresce e evolui, logo, envelhece.
Imaginário (2004), revê algumas teorizações em torno da definição de envelhecimento,
que traduzem-no como um processo de desenvolvimento gradual e multifactorial,
determinado em larga medida pelo declínio biológico e funções adaptativas, que se
torna mais evidente com o avanço da idade.
        Nesta linha de pensamento, cabe uma outra definição como “perda progressiva
e irreversível da capacidade de adaptação do organismo às condições mutáveis do meio
ambiente (Robert, 1994, cit. por Fernandes, 2002, p. 22).”
        No entanto, a definição de Binet e Bourliere, citados pela mesma autora, parece
conter um sentido mais lato, quando o equaciona com            “todas as modificações


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morfológicas,    fisiológicas,    bioquímicas   e   psicológicas   que   aparecem   como
consequência da acção do tempo sobre os seres vivos (2002, p.22).”
         Uma definição que permite conceber o envelhecimento como um processo que

não se reduz a perdas; (…)

         Assim, do ponto de vista biopsicossocial, pode dizer-se que não se envelhece da
                                                                                           18
mesma forma, no mesmo ritmo e na mesma época cronológica. O que significa que,
embora o envelhecimento seja comum a todas as pessoas, revela características próprias
de pessoa para pessoa,           consoante a constituição biológica e a estrutura da
personalidade, em estreita interacção com o meio (Spar & La Rue, 1998; Fontaine,
2000).
         Infere-se, então, que envelhecimento e velhice não são conceitos sinónimos,
uma vez que não só as pessoas idosas, envelhecem. Esta perspectiva encontra a sua
profundidade no modelo psicanalítico, onde se considera que “o velho não existe”
(Ribeiro da Ponte, 2002, p. 119), mas antes pessoas com um conjunto de processos
psíquicos conscientes e inconscientes que influenciam a forma como “o tempo humano
é vivido subjectivamente” independentemente da sua idade cronológica.
         Ao nível desenvolvimental, a velhice é entendida como a última fase do ciclo de
vida, encerrando um processo de envelhecimento normal ou patológico. Daí que
algumas perspectivas psicológicas equacionem a velhice com a sabedoria e a vontade de
viver, outras com um estado mental, caracterizado pelo desinvestimento da vontade de
viver e da esperança que encerra (Frutuoso, 1990, cit. por Fernandes, 2002).
         Idosos são, neste caso, um grupo sociológico constituído por pessoas com idade
igual ou superior a 65 anos, com vários processos psicológicos de envelhecimento.


                             (Des)Investimentos do Envelhecimento
         Dentro da variabilidade individual, o modelo psicanalítico de Le Gouès (2000)
propõe alguns denominadores comuns para o processo de envelhecimento, reunindo-os
em quatro tipos gerais: (a) o envelhecimento compensado;            (b) o envelhecimento
supercompensado;      (c) o envelhecimento descompensado;          (d) o envelhecimento
agravado.
         Os tipos de envelhecimento, descritos pelo autor, não sendo mutuamente
exclusivos, encerram movimentos psíquicos e investimentos/desinvestimentos libidinais
que ajudam a compreender que o envelhecimento é um processo que pode ser



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desenvolvido tanto de forma saudável como patológica, influenciando a forma como é
vivido.
          Os movimentos que levam a investimentos ou a desinvestimentos podem ser
sintetizados pela vias descritas por Bayle (2002, p. 100), respectivamente: (1) “a via
elaborativa e o desejo de viver” onde a pessoa, numa atitude construtiva, aceita e
investe as mudanças pessoais e sociais inerentes ao avanço na idade; (2) “a via               19


regressiva entre a vida e a morte”, onde a pessoa, numa atitude destrutiva, se retrai em
si mesma negando as mudanças e enquistando a sua elaboração. Como que um regresso
à posição depressiva, o que leva a ter em linha de conta que a via elaborativa ou a
regressiva dependerão não só do manejo psicológico que a pessoa realiza entre as suas
potencialidades e limitações, como das condições externas de vida.
          O envelhecimento compensado caracteriza-se, então, pela via elaborativa, pela
existência de um narcisismo saudável (Le Gouès, 2000), onde a pessoa escolhe
continuar a acreditar e a investir no seu valor próprio à medida que a idade avança.
          Exemplos deste tipo de envelhecimento podem ser encontrados no grupo de
pessoas reformadas da vida profissional. Dias Cordeiro (1982) e Olivenstein (2000)
convergem na perspectiva de que o sentido de inutilidade dado pela reforma é
ultrapassado por muitos idosos, por investirem de forma positiva outros interesses como
o do convívio, das viagens, da pintura, da jardinagem, da investigação artística ou
científica, ou mesmo cursos de valorização pessoal. Tudo isto, é claro, desde que a
doença não surja como ameaça ao bem estar geral.
          O desejo por novos objectivos, actividades e relações pessoais, leva as pessoas a
abraçarem a possibilidade de perpetuar um narcisismo saudável, através do que Le
Gouès designa por “sublimação de produção”, diferenciando-a da “sublimação de
consumo” onde o sujeito goza aquilo que não produziu (2000, p. 35). O autor destaca
que, dentro da economia do envelhecimento, a sublimação produtiva, entendida no seu
sentido clássico, é aquela que melhor alimenta o narcisismo positivo, sucedendo-se à
elaboração do luto.
          Fora do modelo psicanalítico, encontram-se autores que corroboram esta linha
de pensamento. Fontaine (2000) confirma que as actividades produtivas (e.g. culturais,
desportivas,     associativas)   configuram-se   como    condição    importante   de   um
envelhecimento bem sucedido.
          Para Paúl e Fonseca (2005, p. 76), o conceito de envelhecimento bem sucedido
assenta em critérios que representam a manutenção da actividade, logo, o bom


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funcionamento do organismo, sendo o sucesso ou satisfação de vida abalizados pelo
equilíbrio entre a “autonomia física, psicológica e social dos idosos.”
       A funcionalidade é um indicador apontado pela OMS, como aquele que “avalia
melhor a saúde do idoso” (Hernández & Giménez, 2000, cit. por Imaginário, 2004, p.
48), prendendo-se com a capacidade da pessoa realizar as actividades da vida quotidiana
de forma independente.                                                                     20


       A partir deste indicador, infere-se que o envelhecimento bem sucedido implica
saúde física e mental, sendo que a diminuição ou a ausência de funcionalidade se
relacionam com perdas intrínsecas ao processo de envelhecimento, influenciando
directamente as capacidades adaptativas.
       As perdas podem ser de três ordens, estando estreitamente interligadas: (a)
biológicas, como a perda ou restrição de energia física, de acuidade visual, de massa
óssea, de mobilidade; (b) psicológicas, como as alterações cognitivas e emocionais; (c)
sociais, como a perda de papéis e de estatutos, a perda por separação, rejeição ou morte
de familiares e amigos, a perda de suporte social (Cordeiro, 1982; Belsky, 1996;
Fontaine, 2000; Fernandes; 2002; Imaginário, 2004; Netto, 2004; Cabete, 2005).
       Em suma, envelhecer bem implica saúde, actividade e o desenvolvimento das
relações pessoais. Desta forma, as fases tardias do ciclo de vida podem ser vividas como
um tempo em que as perdas inerentes ao envelhecimento são elaboradas, e em que as
energias são direccionadas para o progresso e para novas aquisições.
       Concepção do envelhecimento muito ao encontro das teorias de autores
psicanalíticos mais antigos, como as de Jung e de Erikson (cit. em Marchand, 2005).
       Jung salienta que o movimento progressivo do eu ajuda a viver a velhice com
sabedoria, ao investir de forma satisfatória as exigências do mundo exterior. Erikson
debruça-se sobre a resolução positiva do conflito da última etapa de vida, integridade
vs. desespero, através da aposta na integridade e continuidade do eu, o que pressupõe
“a aceitação e responsabilização face ao seu próprio ciclo de vida (Paul & Fonseca,
2005, p.140).”
       Por outro lado, o envelhecimento pode ser ensombrado pela angústia com que
são vividas as naturais diminuições orgânicas e funcionais, como no tipo de
envelhecimento supercompensado descrito por Le Gouès (2000).
       Supercompensar o envelhecimento é negar a sua realidade. Segundo o autor, a
perda de função, que consiste na natural diminuição de energial libidinal, influencia a
capacidade de sedução feminina e a de potência masculina. Quando esta perda é negada,


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a angústia de castração é reactivada, podendo comprometer a valorização pessoal ligada
aos aspectos físicos.
       Com o envelhecimento, a imagem de si, inseparável da do corpo, vai sendo cada
vez mais diferenciada numa outra. Outra, onde os movimentos já não são tão rápidos ou
estão impossibilitados, onde o corpo enruga-se, se torna mais vulnerável à doença, e se
transforma numa imagem diferente dos seus tempos áureos. Acentua-se, assim, o que            21


Olivenstein denomina por “inquietação narcísica (2000, p. 69).”
       A negação desta inquietação, é notória nas “tentativas compulsivas” que a
pessoa efectua para permanecer jovem (Grinberg & Grinberg, 1998, p. 63), ilustradas
pelo recurso a cirurgias estéticas a fim de eliminar as rugas, a flacidez e outros sinais
corporais da passagem do tempo; prática corrente nas sociedades contemporâneas, onde
o culto da juventude representa o desejo omnipotente de imortalidade e o medo latente
da perda e da morte.
       No fundo, trata-se de negar o conflito entre o eu actual envelhecido e o eu ideal
sempre jovem (Vandenplas-Holper, 2000), o que conduz a um eu narcisicamente ferido,
porque, como sublinha Le Gouès, “l´enveloppe corporelle qui soutient l´image de soi
perd les attraits de la jeunesse (2000, p.79).”
       Nesta óptica, Ribeiro da Ponte denomina a velhice como fase do “espelho
quebrado” (2002, p. 118). O espelho já não devolve uma imagem de pujança, mas antes
a de um eu/corpo pouco aceitável, o que origina várias queixas somáticas. O narcisismo
torna-se insuficiente, pois, neste caso, a pessoa sente-se sem qualidades suficientes para
ser amada, acabando por tomar-se como objecto indigno de amor, ficando a um passo
de um outro envelhecer.
       Esse será de tipo descompensado, que Le Gouès caracteriza pelo predomínio do
narcisismo patológico e pelo desinvestimento dos objectos exteriores.
       Contrapondo o narcisismo patológico ao saudável, no narcisismo patológico ou
negativo, a libido encontra-se mais investida no mundo interno da própria pessoa do que
nos objectos do mundo exterior, causando um desequilíbrio energético muito próprio do
processo de luto e da posição depressiva.

       Exemplos de retraimento podem encontrar-se (…)

       O autor sugere que a perda de si deriva da existência de identificações recíprocas
no curso de uma longa vida em comum, significando que, nessas identificações, o outro
havia-se tornado numa parte de si próprio, e o próprio numa parte do outro.



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Compreende-se assim que, também nas últimas etapas de vida, a perda pode ser sentida
como uma ferida narcísica, quando o objecto suspende o complemento ao amor próprio
da pessoa enlutada.
       Ora, o desinteresse ou apatia pelo mundo externo, incluindo o vínculo aos
outros, liga-se estreitamente com a falência da sublimação produtiva, proveniente das
actividades reparadoras. Por outro lado, a consciência de que os recursos para           22


compensar as perdas são cada vez mais limitados (Correia, cit. em Fernandes, 2002),
constitui-se como factor de desmotivação. Subvalorizando o seu potencial, a pessoa
acaba por isolar-se e sentir-se só.
       Do ponto de vista psicodinâmico, a solidão é o “resultado de uma ânsia
omnipresente por um estado interno perfeito, inalcançável (Klein, 1991, p.341).” O que
conduz ao sentimento de falta de esperança, caracterizando uma vida sentida como
desprovida de sentido, ou até mesmo vazia de interesse.
       O sentimento de falta de esperança tem precisamente a ver com o sentimento de
um paraíso perdido que continua a ser investido na sua representação, mas que a pessoa
(exactamente por isso) sente que não conseguirá voltar a viver.
       Assim, a retracção da pessoa sobre si própria representará um vínculo profundo
com o passado, em que grande parte da sua energia está concentrada nos objectos
introjectados, sendo este investimento o que impede a mobilização de energias para
novas relações de objecto.
       Com o desinvestimento do exterior apaga-se, também, toda a possibilidade de
sonhar, continuando os desgostos num lugar central da vida da pessoa. Por esta razão,
não é raro verificar que a única esperança da pessoa que envelhece de forma
descompensada se encontre no desejo de morte, a perda de si. Le Gouès (2000)
menciona que, a vontade de morrer pode ser relacionada com uma identificação
patológica ao objecto perdido, simbolizando a vontade de união com o mesmo.
       Por outro lado, a perda de si como perspectiva de proximidade da própria morte
pode causar medo e sentimentos depressivos, tais como aqueles que Freud (1887-1904;
cit. em Coelho, 2004) exemplifica a Fliess, sobre ele próprio: apatia, sentimentos de
inutilidade e inibição da actividade.
       Segundo Le Gouès, o luto pela perda de si passa pela aceitação da própria

finitude e pelo investimento das pulsões de vida. (…)

                      Quando a Institucionalização é Vivida como Perda



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         O processo de internamento da pessoa idosa, em instituições de acolhimento que
desenvolvem cuidados de longa duração (e.g. lares, casas de repouso), é uma realidade
situacional e ambiental para algumas pessoas que, por motivos de vária ordem, não
encontraram dentro da comunidade uma resposta satisfatória às suas necessidades
existenciais.
         Ou porque a família não tem tempo ou capacidade para se ocupar do idoso que       23


se tornou dependente e/ou cronicamente doente; ou porque a viuvez, ou a perda de
companheiros de uma vida, a acrescer à falta de uma actividade válida, o coloca numa
situação solitária e fragilizante.
         Depois, ao nível secundário, são poucos ou raros os “programas comunitários
de atendimento ao idoso”, principalmente quando se encontram dependentes ou
dementes, o que deixa as suas famílias sem outras alternativas ao internamento (Born,
2002, p. 406).
         Estes vários motivos, que até se poderão sobrepor, caracterizam em última
análise, a questão da independência da pessoa idosa, entendida como a capacidade de
realizar por si mesma a satisfação das suas necessidades e de concretizar as actividades
da vida diária sem que dependa da ajuda de outras pessoas (Belsky, 1996; Imaginário
2004).
         Nesta perspectiva, o internamento é a alternativa de último recurso à vida
familiar para os mais frágeis e dependentes (Berger & Mailloux-Poirier, 1995; Netto,
2002).
         Assim, a institucionalização, quer por vontade própria quer por sugestão de
familiares ou outros (amigos, vizinhos), pode ser vista como um ganho, pelo recurso à
oferta paga de acompanhamento e de cuidados, principalmente se a doença lhe impõe,
ou vier a impor, limites sérios à sua funcionalidade.
         No fundo, do ponto de vista psicológico, trata-se da procura de vínculos
alternativos, numa outra relação de apoio e de protecção, a fim de que o resto das suas
vidas possa ser vivido em segurança, para o que muito contribui “a própria qualidade
de vida oferecida pelas instituições (Santos, Sobral, Ribeiro & Costa, 2003, p. 12).”
         Ora, a instituição, rede de suporte formal, substitui-se à rede de cuidados
informais e familiares. De acordo com Born, a qualidade das instituições depende de
todo um conjunto que engloba o ambiente humano e espacial, “onde a vida é valorizada
e a dignidade do idoso é reconhecida até no leito de morte (2002, p. 406).”



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        Assim é quando a instituição representa metaforicamente um prolongamento do
que Winnicott (2002) denominou por mãe suficientemente boa, juntamente com a sua
capacidade de holding, para lembrar um ambiente de confiança capaz de ajudar as
pessoas a estabelecer uma relação feliz com o mundo externo e o interno.
        O ambiente institucional que oferece uma base segura, adapta-se às necessidades
emocionais da pessoa idosa e deixa margem para que esta possa manifestar a sua              24


própria personalidade. A preservação e a potencialização das capacidades individuais
tornam-se fundamentais para a continuidade e bem-estar do idoso, por forma a evitar
interacções insatisfatórias e experiências de frustração intolerável.
        É um ambiente que se centra na pessoa, onde paralelamente se desenvolvem
cuidados gerontológicos adequados como os que, nomeadamente, são sugeridos por
Berger & Mailloux-Poirier: (a) desenvolvimento de planos que visam a promoção e a
manutenção da saúde, logo, o bem estar; (b) aperfeiçoamento de cuidados em conjunto
com outras equipas de cuidadores, que tenham em conta a pessoa e a sua história de
vida;   (c) promoção de modelos de cuidados que sejam mais convenientes à
readaptação e autonomia da pessoa idosa.
        Pelo contrário, se o ambiente institucional antes privilegia as tarefas da rotina
diária e a impessoalidade dos cuidados a desenvolver (e.g. controle de medicações,
higiene e alimentação das pessoas dependentes; limpeza e arrumação dos espaços
institucionais), tenderá a privar o residente de estimulação, de atenção emocional e de
vínculos afectivos. Cuidados desenvolvidos de forma impessoal terão um efeito
negativo na vivência da pessoa institucionalizada (Fernandes, 2002).
        De acordo com Born, este tipo de ambiente é muita vezes agravado pelo
internamento de mais pessoas e pela fragilização dos residentes antigos. Nestes casos, a
instituição corre “o risco de tornar-se um hospital de terceira linha, ou pior, uma
antecâmara da morte (2002, p. 406).”
        Deste modo, às perdas psicossociais iniciadas com a institucionalização (e.g.
perda da própria casa, do meio familiar e social), junta-se-lhe a patologia dos vínculos
institucionais, evidente pela falência do diálogo intersubjectivo e recíproco.
        Kaës (1996) refere que a psicopatologia dos vínculos institucionais não implica
necessariamente a simples soma das patologias individuais, devendo ser procurada nas
condições em que esses vínculos se estabelecem.
        Todavia, deverá ser salientado que, qualquer que seja o ambiente institucional, a
entrada neste contexto é sempre vivida como algo emocionalmente difícil para o idoso,


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pondo em causa o seu sentimento de segurança básica (Cordeiro, 1982; Berger &
Mailloux-Poirier, 1995; Encarnação, 1995; Bayle, 2000; Fernandes, 2002; Netto,
2002).
         Esta nova circunstância de vida, representando a ruptura com um meio até então

familiar, acaba por reactivar a angústia de separação,   (…)
                                                                                              25
         Relembrando a primeira das três fases de reacção à perda, desenvolvidas por

Bowlby, poder-se-á inferir que (…)

         No idoso internado, o sofrimento de separação e/ou abandono é marcado por
fantasias de     “perda de liberdade, abandono pelos filhos, aproximação da morte,
tratamento que irão receber de funcionários e colegas” (Born, 2002, p. 407), enquanto
os seus familiares fantasiam que o internamento irá proporcionar-lhe mais convívio e
melhor tratamento ao nível dos cuidados básicos e da saúde.
         No confronto com o meio institucional, acresce a angústia perante o estranho,
consubstanciada nos medos que Bayle (2000, p. 49) salienta: “medo do desconhecido,
do mau trato, do desrespeito pela sua integridade física e psicológica.”
         Estes medos subsistem silenciosamente, quando os cuidados básicos oferecidos
ressoam atitudes mais ou menos inconscientes de antipatia, repulsa, ou de hostilidade,
perante os seus corpos envelhecidos, deteriorados, doentes. A ressonância deste tipo de
atitudes é negativamente interiorizada pelo idoso, reenviando-o para a exposição à
vergonha e a sentimentos latentes de fragilidade e inferioridade.
         Por analogia, poderão aqui aplicar-se as reflexões de Vidit (1990, cit.por Cabete,
2005, p. 18) em relação ao internamento hospitalar do idoso, salientando que a
instituição é um outro mundo, onde se projectam sentimentos ambivalentes como a
segurança e a incerteza.

         (…)
         A rigidez de algumas normas, como as que Encarnação (1995) observou num
estudo que realizou nas valências do Centro de Apoio a Idosos de Portimão, revelou
efeitos negativos ao nível da autonomia e identidade da pessoa idosa. Entre eles, a
obediência ou a impotência, o conformismo ou a revolta.
         Mesmo considerando que as normas institucionais são de algum modo flexíveis,
o idoso perde sempre grande parte do controlo da sua vida, e até da sua morte (Berger &
Mailloux, 1995), “na medida em que, geralmente, as rotinas diárias da instituição de



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acolhimento, encorajam imenso a dependência dos residentes (Vandenplas-Holper,
2000, p. 234).”
       Parece então, que a questão centra-se na uniformização da vida dos residentes,
factor que os condiciona a comportamentos de maior dependência e os torna mais
sensíveis ao meio exterior.
       Mas, a falta de estimulação dos comportamentos de autonomia é outro factor de       26


relevo, por dificultar o envolvimento activo na vida quotidiana. Logo, todo o equilíbrio
existente ao nível sensório-motor, cognitivo e emocional sofre um declínio mais rápido.
A situação mais se agrava quando se trata de pessoas incapacitadas, a quem não é
incentivado que mantenham e/ou desenvolvam competências como vestir-se ou comer
sozinhas (Belsky, 1996).
       Outro exemplo importante apontado por Encarnação, prende-se com o atractivo
da imagem de corpo/imagem de si e o “desincentivo de todo o valor simbólico do
arranjo pessoal, seja no que respeita ao vestuário ou ao embelezamento pessoal do corpo
(1995, p. 193).”
       A autora adianta que esta falta de estímulo responde a uma representação
inconsciente da rede institucional de que os residentes já não necessitam de prazeres.
Representação que acaba por ser introjectada pelo próprio idoso, contribuindo para a
sua despersonalização (vivência de si sentida como estranha e vazia de sentido).
       Ainda dentro do âmbito do desprazer, junta-se-lhe o desincentivo dos jogos de
sedução entre os idosos e a regular incompreensão quanto às suas necessidades sexuais,
que também contribuem para a angústia de castração. Castração de um corpo que se
torna assexuado e que se pretende tão-só cuidado, como se tivesse perdido a capacidade
de amar.
       Atitudes que desvalorizam ou desaproveitam as competências básicas do ser
humano e que Herrero (1993, cit. por Fernandes, 2002, p. 47) menciona como
resultantes de um “paternalismo” excessivo, a ser evitado. A promoção da actividade
física e mental no idoso é facilitadora da sua adaptação ao meio, com o qual poderá,
assim, estabelecer uma relação satisfatória.
       O declínio da autonomia produz quebra da auto-estima e sofrimento emocional
de tonalidade depressiva, que muitas vezes só fica visível no aumento de queixas
somáticas (Netto, 2002) ou de comportamentos somatizados, como a anorexia, as
perturbações psicomotoras, ou outras doenças do foro médico (Spar & La Rue, 1998).



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       Segundo Spar & Lar Rue, a somatização constitui um traço comum da depressão
no idoso, referindo alguns estudos que reportam a somatização como prevalecente a
sentimentos de culpa ou à diminuição da auto-estima. Neste refúgio do corpo, o idoso
esconde-se, portanto, da falta de afectos, voltando a solicitá-los, pois ser doente é não
ser votado ao esquecimento.

       (…)
                                                                                            27



       Conclusão que se associa à de Encarnação, quando relata que se para umas
pessoas é possível manter a sua identidade e sentido de valor próprio, para outras o
sentimento de solidão caracteriza toda a sua vivência.
       Nestes casos, segundo a autora, os discursos pontuam-se pelo silêncio ou pela
revolta, como a que fica patente na desvalorização que o idoso manifesta sobre si
próprio, seus familiares e a sua própria situação de vida:
       Estou só, não quero mais nada. Já não presto para nada, inútil, completamente
       inútil (…). Vestir uma roupa bonita para quê? (…) Os filhos? Eles já não me
       vêm ver! Eu já não lhes sirvo para nada! Estão demasiados ocupados com a vida
       deles, não têm tempo para perder! (1995, p.131).”

       Discurso que denota a falta de esperança, a insuficiência narcísica e a
agressividade voltada não para o objecto, mas antes para a própria pessoa. Também se
pressente a ambivalência da luta depressiva. Na última frase, lê-se a desculpabilização
dos familiares pelo abandono, amiúde observada na pessoa idosa institucionalizada.
Defesas psíquicas, postas à prova em situações de angústia.
       Considerando, precisamente, a influência dos factores psicológicos na vivência
do meio institucional, será importante relembrar que, do ponto de vista psicodinâmico,
as relações de dependência (ou de outro tipo), desenvolvidas pela pessoa idosa neste
contexto são influenciadas pela revivescência do ambiente emocional das primeiras
relações objectais (e.g. mãe, pai e irmãos). Ou seja, as relações de dependência podem
reflectir uma forma de dependência infantil não superada na idade adulta, e que é como
que projectada neste novo espaço relacional.
       O pressuposto de um repetir ou actualizar inconsciente de um padrão de
comportamento assenta num fenómeno do psiquismo humano posto a descoberto por
Freud (1912), no espaço terapêutico: a transferência. No sentido lato, a transferência
representa a atitude emocional (positiva ou negativa) do sujeito para com o seu analista,
atitude essa inconsciente, que assenta na repetição de modelos infantis (Rycroft, 1995;
Laplanche & Pontalis, 1990).


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       De acordo com Freud (1912), da sua definição podem ser retirados dois sentidos:
(a) como fenómeno universal, manifestando-se no nosso relacionamento diário com o
outro e influenciado pelas experiências passadas; (b) como fenómeno que surge não só
no tratamento analítico, como também em instituições que não recorrem a este tipo de
terapêutica.
       Assim, entende-se que a vivência institucional será sempre pontuada pela             28


actualização dos conflitos psíquicos da pessoa idosa, que até podem ter estado mais ou
menos contidos ao longo de uma vida com poucos ou nenhuns percalços, mas que face
a um ambiente sentido como inseguro e pouco contentor, se despoletam ou se acentuam,

mesmo que de forma longínqua e deformada à laia do sonho. (…)


                                          Conclusão


       Os resultados obtidos, nas entrevistas por inquérito, apoiaram a hipótese que
orientou a pesquisa deste estudo, mostrando que os estados depressivos mais graves
encontram-se, de facto, no grupo de internato colectivo, com diferenças significativas
em comparação com o grupo residencial.
       Sumariando os resultados da pesquisa realizada, o nível de depressão grave,
apoia o enquadramento teórico em três vertentes: (a) na depressão grave os lutos
encontram-se enquistados, predominando sentimentos condicentes com o humor negro;
(b) a presença da depressão grave em pessoas idosas ilustra envelhecimentos do tipo
descompensado e/ou agravados; (c) a depressão grave em idosos institucionalizados
sugere que o meio institucional tem tanta influência quanto os factores psicológicos
individuais, principalmente quando é vivido como perda, pesando como barreira à
elaboração dos lutos, que acabam por permanecer enquistados.
       O resultado obtido para a concentração de níveis de depressão ligeira apoiou o
pressuposto de que a depressão, como representante simbólico da vivência de perda,
seria uma variável comum aos dois grupos institucionais.
       Tal como foi revisto na literatura, a presença da depressão ligeira leva a
sublinhar que o meio institucional, qualquer quer que seja, é sempre vivenciado como
uma ruptura com a vida familiar e comunitária, inaugurando uma série de perdas,
pessoais, sociais e biológicas. Através das categorias psicológicas de perda, extraídas a




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partir da GDS, observou-se que os sentimentos de ambivalência estão presentes,
sugerindo lutos por elaborar e recordando a angústia da luta da posição depressiva.
        A ausência da depressão vai de encontro ao facto de que há diversos tipos de
envelhecimento, ilustrando que o envelhecimento bem sucedido é possível, implicando
uma boa adaptação às mudanças do meio ambiente. Muito possivelmente, a
percentagem de não deprimidos apontará para as pessoas idosas que, nos dois grupos            29


estudados, se envolvem mais em actividades, quer nas de animação sociocultural, quer
noutras da sua vontade.
        Os dois grupos institucionais caracterizaram-se por apresentar um maior número
de mulheres institucionalizadas, com maior longevidade e autonomia que os homens, e
com mais anos de institucionalização. No entanto, alguns destes dados poderão estar
contaminados, precisamente pelo maior número de mulheres.

        (…)
        De entre os factores referidos teria sido interessante investigar, precisamente, em
que idades incidem os diferentes níveis de depressão e sua ausência, uma vez que dentro
dos dois grupos há uma grande amplitude de idades, que vão desde os 60 a mais de 90
anos.
        Eis um dos limites do presente estudo, traçado no objectivo de pesquisar em qual
dos grupos institucionais existiriam depressões mais graves. Porém, as interrogações
levantadas pela análise dos resultados, e as hipóteses que se foram colocando, poderão
inaugurar novos caminhos de investigação em trabalhos futuros.
        Através da observação dos modelos institucionais estudados, que mantêm,
respectivamente, condições idênticas para todos as pessoas idosas, e da forma como são
vividos, puderam-se inferir verificações gerais, complementando-as com os dados
resultantes do inquérito.
        Este é um outro limite, que coloca a discussão entre objectividade e
subjectividade no centro do debate, prevendo-se o argumento de que não foram testadas
as eventuais relações entre o meio institucional e os diferentes níveis de depressão, por
forma a melhor clarificar as questões quanto à influência da institucionalização na
manifestação de estados depressivos.
        É um argumento válido, pelo que se sugere que o melhoramento deste estudo

passaria por (…)




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       Apesar dos limites apresentados, o trabalho realizado tem o mérito de, ao nível
teórico, chamar a atenção da pessoa idosa, e dos que estão a envelhecer, que envelhecer
não é sinónimo de adoecer, embora a vulnerabilidade à doença aumente com a idade.
Como foi revisto, a actividade é importante na manutenção da funcionalidade,
espelhando o investimento continuado no mundo externo, investimento que contribui
para alimentar o amor-próprio da pessoa.                                                   30


       Enfim, envelhecer é um processo mais psíquico do que físico. No fundo, como
se costuma dizer, a idade é um estado de espírito, o que ficou patente nos tipos de
envelhecimento descritos. Envelhece-se biologicamente, é certo, mas sobretudo,
envelhece-se quando deixamos de nos encantar com os processos de vida.
        Ao nível prático, o conjunto de resultados obtidos sobre a prevalência da
depressão nos dois grupos institucionais, superior à sua ausência, sugerem que os
efeitos da institucionalização podem ser, de facto, nocivos e vivenciados como perda.
       Principalmente quando se consideram os factores ambientais que se prendem
com: (a) a uniformização dos comportamentos; (b) a falta de estimulação pessoal e
afectiva das competências funcionais e sociais do idoso; (c) a dependência de como é
organizado o seu tempo.
       São factores que, comparativamente ao grupo residencial, foram mais notórios
dentro do grupo de internato colectivo, e que acrescem à perda de uma história de vida
prévia dentro da comunidade, contribuindo para o declínio geral do idoso como pessoa,
logo, dos seus índices de funcionalidade e de bem estar.
       Sugere-se, assim, que o modelo de internato colectivo oferece um ambiente que
não é vivido como uma mãe suficientemente boa, e que dificilmente contribuirá para a
elaboração dos lutos com os quais a pessoa idosa institucionalizada se confronta.
       Se calhar, as pessoas não foram feitas para, no fim das suas vidas perderem a
actividade e colonizarem-se em instituições que mais parecem hospitais, ou, no melhor
dos casos, hotéis, mas sempre à parte de todo um mundo, que lá fora continua na sua
diversidade e complexidade.
       Um pouco a lembrar outras colonizações, como as colónias de índios, de
emigrantes, de refugiados, ou do não muito longínquo “apartheid”.           Não será a
diversidade que nos inspira e estimula, junto com outros seres humanos de várias etnias,
idades e comportamentos?

       (…)


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       Para os que já se encontram institucionalizados e deprimidos, espera-se por parte
desta e de outras redes institucionais: (a) uma maior atenção e compreensão para o que
se esconde por detrás do silêncio e das queixas somáticas; (b) uma cultura institucional
que previna o surgimento e/ou agravamento de estados depressivos; (c) o diagnóstico
médico e terapêuticas atempados; (d) uma maior humanização dos serviços de apoio à
pessoa idosa, com o desenvolvimento de cuidados que se centrem mais pessoa e na            31


contenção das angústias individuais.
       Enfim, há esperança de que entre as possíveis implicações do presente estudo se
trace uma cultura preventiva de envelhecimentos que encerram sentimentos de perda de
vária ordem, como o sentimento de perda de segurança, de utilidade, de amor-próprio,
de motivação e de esperança.
       Perdas que aqui se foram separando, a fim de as compreender melhor, mas que
se reúnem em perdas sentidas e sofridas, inerentes a lutos enquistados, ou por elaborar.
Lembrando Goethe (cit. por Benedict, s.d.):

       Quem quer conhecer e descrever o vivente,
       Procura primeiro desembaraçar-se do seu espírito,
       E depois de ter as diferentes partes na mão,
       Falta só, infelizmente, a faixa espiritual que as une.




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                                   REFERÊNCIAS


American Psychiatric Association (2002). DSM-IV-TR: Manual de diagnóstico e
    estatística das perturbações mentais. Lisboa: Climepsi Editores.

Bayle, F. (2000). O Idoso em 2000: Actualidades e perspectivas na intervenção
     psicossocial. Loulé: Instituto Universitário Dom Afonso III.

Bayle, F. (2001). Freud e a psicanálise: Uma introdução pedagógica. Loulé: Instituto
     Universitário Dom Afonso III.

Belsky, J. K. (1996). Psicología del envejecimiento: Teoría, investigaciones e
     intervenciones. Barcelona: Masson.

Bento, A. & Barreto, E. (2002). Relações de objecto, vinculação e sistemas. In A. Bento
     & E. Barreto, Sem - amor, sem – abrigo (pp. 121-158). Lisboa: Climepsi Editores.

Benedict, R. (s.d.). Padrões de Cultura. Lisboa: Edição Livros do Brasil.

Berger, L. & Mailloux-Poirier, D. (1995). Pessoas idosas: Uma abordagem global:
     Processo de enfermagem por necessidades. Lisboa: Lusodidacta.

Bianchi, H. (1989). La question du vieillissement. Paris: Dunod.

Bleichmar, H. (1989). Depressão: Um estudo psicanalítico. Porto Alegre: Artes
     Médicas.

Bleichmar, N. M. & Bleichmar, C.L. (1992). A psicanálise depois de Freud: Teoria e
     clínica. São Paulo: Artmed Editora.

Born, T. (2002). Cuidado ao idoso em instituição. In M. P. Netto, Gerontologia: A
     velhice e o envelhecimento em visão globalizada (pp. 403-414). São Paulo:
     Editora Atheneu.

Bowlby, J. (1998). Separação: Angústia e raiva. São Paulo: Martins Fontes.

Bowlby, J. (1985). Perda: Tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes.

Cabete, D. G. (2005). O idoso, a doença e o hospital: O impacto do internamento
     hospitalar no estado funcional e psicológico das pessoas idosas. Loures:
     Lusociência



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Depressão e perdas na institucionalização do idoso

  • 1. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler 1 Partes e Excertos do Livro: O IDOSO INSTITUCIONALIZADO Sandra Cardão © Editora Coisas de Ler Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 2. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Índice INTRODUÇÃO................................................................................................... 1 A Vivência de Perda no Ser Humano: Luto e Depressão............................... 5 Estrutura Psicodinâmica da Depressão....................................................... 10 2 Importância da Posição Depressiva na Luta contra as Perdas.................... 14 Envelhecimento e Vivência de Perda………................................................. 22 Envelhecimento e Velhice……….............................................................. 22 (Des)Investimentos do Envelhecimento..................................................... 25 Quando a Institucionalização é Vivida como Perda................................... 32 MÉTODO............................................................................................................ 40 Delineamento do Estudo................................................................................. 40 Selecção da Amostra e Participantes.............................................................. 41 Instrumentos de Medida Aplicados................................................................ 42 Questionário Sociodemográfico................................................................. 42 Escala de Depressão Geriátrica................................................................... 42 Procedimento.................................................................................................. 45 RESULTADOS................................................................................................... 47 Dados Sociodemográficos.............................................................................. 47 Sexo............................................................................................................. 47 Idade............................................................................................................ 47 Data de Admissão....................................................................................... 48 Autonomia da Marcha................................................................................ 49 Estado Civil................................................................................................. 50 Escolaridade................................................................................................ 51 Rendimento Económico.............................................................................. 51 Escala de Depressão Geriátrica...................................................................... 52 Prevalência da Depressão........................................................................... 52 Categorias Psicológicas.............................................................................. 54 Perda de Segurança................................................................................. 54 Perda de Utilidade................................................................................... 55 Perda de Motivação................................................................................. 55 Perda de Amor-Próprio........................................................................... 56 Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 3. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Perda de Esperança.................................................................................. 57 Perda Afectiva......................................................................................... 57 DISCUSSÃO....................................................................................................... 59 Ausência de Depressão e Depressão Grave.................................................... 59 Depressão Ligeira........................................................................................... 63 Conclusão....................................................................................................... 65 3 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 70 ANEXOS ANEXO A: CONSENTIMENTO INFORMADO............................................. ANEXO B: QUESTIONÁRIO SOCIODEMOGRÁFICO................................ ANEXO C: ESCALA DE DEPRESSÃO GERIÁTRICA.................................. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 4. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Introdução O presente estudo realiza uma incursão sobre uma parte da velhice, centralizando-se na vivência da sua institucionalização. Entender-se-á a velhice como um indicador referente à última fase do ciclo 4 natural de vida, englobando uma série de pessoas diferentes e únicas ao nível biopsicossocial, que aqui serão denominadas por idosas, ou por pessoas idosas, para usar a terminologia actual mais empregue (Fernandes, 2002: Imaginário, 2004). A institucionalização é aqui entendida como um duplo processo: (a) como recurso a serviços sociais de internamento do idoso em lares, casas de repouso e afins, onde recebe assistência; (b) como vivência de perda, simbolizada pela presença de estados depressivos, significando uma das formas como o idoso sente e vive o ambiente institucional. A realidade vivencial da pessoa idosa institucionalizada foi observada durante o estágio académico no Centro de Apoio a Idosos de Portimão, mais concretamente nas valências do Lar da Raminha e das Residências Vilavó, onde se centra o presente estudo. As referidas valências configuram dois modelos espaciais e assistenciais diferentes, para uma população de ambos os sexos: (a) o Lar da Raminha constitui-se por um edifício que detém um regime de internato colectivo e massificado; (b) as Residências (…) Ambos os modelos detêm a mesma estrutura normativa, (…) Considera-se que a institucionalização do idoso, qual “colonização da velhice” (Encarnação, 1995), configura um segundo movimento de esquecimento e de isolamento, face a uma sociedade ocidental por demais conhecida por acarinhar a quase eterna juventude. Este processo representa uma grande mudança na vida do idoso, despoletando e/ou acentuando a vivência de uma série de perdas. Retrospectivamente, o idoso institucionalizado vê com nostalgia a perda de uma vida activa, onde até certo ponto podia ser o senhor do seu mundo e das suas acções. Recorda ainda, com tristeza, um tempo desenrolado entre os laços familiares e comunitários, agora longínquos. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 5. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler A institucionalização marca encontro com um ambiente colectivo de regras que não têm em conta a sua individualidade, a sua história de vida, e que funciona de igual modo para todos. Este é o tipo de ambiente relacional (…) No fundo, a sua configuração obedece ao paradigma dominante das práticas institucionais, que responde à lógica da massificação. Como indicou Encarnação, 5 O processo de institucionalização da modernidade, ao espartilhar a vida do homem em inúmeras <<prateleiras>> estanques, preconizadoras da indiferença civil e das relações íntimas de solidariedade, provocam profundas cesuras nos modos de vida do indivíduo, uma vez que os organiza administrativamente e de forma extremamente atomizada (1995, p. 64). Face a este tipo de ambiente institucional, que acaba por tornar o idoso cada vez mais dependente do mesmo, considera-se que o luto da perda do meio familiar, dificilmente será aqui elaborado, arrastando a marca nostálgica de uma vida que, idealmente, poderia ter prosseguido, e viria a terminar, na sua própria casa. À perda do meio familiar, com os sentimentos mais ou menos manifestos de “abandono” pela família, depressa se juntam outras vivências de perda, como a da sua independência e do exercício pleno da sua vontade, devido à normativização e observância da sua conduta dentro da instituição. A vida na instituição vai decorrendo de forma monótona, num microcosmos onde espaço e tempo são regulados pela instituição, de uma forma quase estática. A possibilidade de projecção no futuro anula-se com a falta de objectivos, aqui e além despertados pelas actividades de animação sócio-cultural, para as pessoas que ainda se encontram suficientemente motivadas para as gozar. A dependência de como é organizado o seu tempo e o seu espaço de vida acaba por deixar-lhe pouca ou nenhuma motivação para planear por si próprio como as suas horas diárias podem ser vividas. Esta perda de autonomia própria impele a pessoa a recapitular as vivências do passado, feitas de histórias que se repetem, porque não há nada de novo a contar. Longe do bulício da vida exterior, é um tempo parado, que antecipa o seu fim, e que se compara com dias outrora vividos na sua plena força. O direito à sua privacidade também se perde, (…) Se a pessoa nunca antes se encontrara face a face com a realidade da sua finitude, é agora, no espaço e no tempo institucional, que se voltará para os fantasmas de morte, sentidos como cada vez mais próximos. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 6. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler São estes fantasmas que tornam o envelhecimento uma realidade inalienável e incontornável, dando conta das mudanças ao nível da imagem de corpo e de si, provocando a destabilização de um quadro de referências sobre a sua identidade e a gradual desvalorização de si próprio. Isto, quando o eu/corpo é sentido como cada vez mais estranho a si mesmo, que se controla cada vez menos, que perdeu o vigor, se encheu de rugas, e até de maleitas, visto sem atractivos e inaceitável, e só aceite se 6 doente. Ser doente é algo mais do que ser velho, condição que permite voltar a solicitar a atenção sobre si. Estes movimentos psíquicos consubstanciam um investimento libinal num ego visto como diminuído, alterando todo o sentimento de si. Sobra o mal-estar por este estado de coisas, o pessimismo sobre o dia a dia e o futuro, desvelando o conflito entre vida e morte. Logo, as perdas com que a pessoa idosa lida, não sendo partilhadas, escutadas e contidas, acabam por perpetuar um conflito interno sem voz, que, à custa do silêncio, irrompe mais facilmente na doença depressiva. Pelo exposto, a prevalência de vivências de perda que podem mais facilmente manifestar-se em estados depressivos, é uma variável comum aos dois modelos institucionais, colocando-se o problema de compreender em qual dos modelos prevalecem estados depressivos mais graves. A hipótese que se coloca, é a de haver diferenças na forma como os mesmos se manifestam dentro destas duas realidades ambientais, uma vez que se espera que o modelo residencial, pela reprodução de proximidade do meio familiar que o idoso deixou para trás, revele a presença de estados depressivos menos graves em comparação com o modelo de internato colectivo. O indicador depressão (representante simbólico da vivência de perda) será medido através de uma escala geriátrica para este efeito, num estudo post-hoc, de natureza descritiva e comparativa. O estudo, que aqui se realiza, encontra o seu interesse dentro do próprio espaço institucional, uma vez que o Centro de Apoio a Idosos está a iniciar a construção de mais residências unifamiliares, junto às já existentes, por considerar que este modelo é mais humanizante. Porém, o presente trabalho surge como reflexão crítica sobre o ambiente humano deste tipo de serviços sociais, pelo que o seu objectivo primordial é o de sensibilizar a rede institucional para a prevenção do surgimento e/ou agravamento de estados depressivos, em qualquer dos modelos de assistência. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 7. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Assim, espera-se contribuir para o desenvolvimento de cuidados centrados na pessoa, e que, por isso mesmo, tenham em conta o sofrimento de perda que permanece muitas vezes escondido por detrás das queixas somáticas, sendo ignorado ou desvalorizado. Ao nível médico, pode permanecer subdiagnosticado, pelo que é pertinente compreender o alcance das perturbações do humor, a fim de que possam receber a terapêutica adequada. 7 A estruturação do presente estudo constitui-se de quatro capítulos. No primeiro capítulo, proceder-se-á ao enquadramento teórico privilegiando um modelo de abordagem integracionista das teorias psicodinâmicas e cognitivo-comportamentais. O primeiro capítulo estará dividido em duas partes. Na primeira parte, aborda-se a dinâmica que encerra a vivência de perda no ser humano em geral, associando-a ao luto e à depressão. Explicar-se-á como a função do luto contribui para a elaboração das vivências de perda, e a depressão para a falência desse trabalho elaborativo. De seguida, a descrição da estrutura dinâmica da depressão integra a compreensão do fundo comum às várias manifestações depressivas. A descrição da importância da posição depressiva na luta contra as perdas mostra como a capacidade psíquica de suportar a dor e o sofrimento de perda se aprende ao nível da primeira infância, influenciando o modo como qualquer perda futura é confrontada. Na segunda parte serão delineadas as diferenças entre envelhecimento e velhice, dando conta que a vivência de perda na última etapa de vida é, como de resto noutras alturas do desenvolvimento, determinada por factores biológicos, psicológicos e sociais. Contudo, tentar-se-á ilustrar de que forma a institucionalização da pessoa idosa pode, como factor ambiental, contribuir para um estilo de vida patogénico, pesando como barreira à elaboração do luto contra todas as perdas subjacentes. O segundo capítulo descreverá as estratégias e actividades planeadas para realizar o estudo, seguido de um terceiro capítulo com a apresentação de resultados apurados. No quarto e último capítulo efectua-se a discussão dos resultados, apresentando as conclusões que se considerarem pertinentes. A Vivência de Perda no Ser Humano: Luto e Depressão A vida tem um carácter efémero e impermanente, o que leva a que o ser humano lide com uma série de ganhos e perdas no seu curso, e lhes atribua um significado, Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 8. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler acompanhado da sua afectividade. A vivência é o sentido subjectivo que cada ser humano atribui, com maior ou menor agrado, às suas experiências de vida. Apesar das variações individuais, sabe-se que a vivência de perda constitui-se sempre como um processo psicológico mais ou menos doloroso e perturbador, por se relacionar com a experiência de falta de algo, que acompanhou um tempo de vida. Para além das perdas integrantes do processo de desenvolvimento humano, 8 como a perda de capacidades físicas e/ou psicológicas, perde-se por morte, (…) Do ponto de vista psicanalítico, a perda associa-se a um objecto, que tanto pode significar, na realidade ou na fantasia, uma pessoa, como uma situação, coisa, símbolo, função, ideal ou objectivo (Laplanche & Pontalis, 1990). A perda de objecto suscita um período de luto, variável de cultura para cultura, e de pessoa para pessoa. De acordo com (…) A natureza destas respostas traduzirão uma forma de ser emocional, mais ou menos saudável, fruto de uma estrutura ou organização da personalidade. O que implica que, a vivência de perda tanto pode ser vivida de forma considerada normal, ou não. Os trabalhos pioneiros de Freud e de Abraham, sobre o luto e a melancolia, são ainda uma referência importante na compreensão das diferenças entre o luto normal e o patológico. Nestes trabalhos, o processo patológico de luto (melancolia ou depressão) acabaria por esclarecer a semiologia do seu curso normal (Laplanche, 1987; Roudinesco & Plon, 1997; Matos, 2001; Coelho, 2004). Desde então, considera-se que no luto normal aparecem sintomas que também são observados na depressão, o que é ilustrado por alguns estudos mais recentes sobre o tema, entre eles o de Widlöcher (2001). É assim que o autor salienta que no luto, podem encontrar-se: (…) todos os traços da melancolia; a fixação dolorosa das preocupações, a perda de interesse pelo que é estranho a estas preocupações, a ausência de desejo por qualquer outra situação, o abandono de toda a actividade (2001, p.62). A dor do luto envolve a tristeza e o pesar, demorando-se na manifestação destes e doutros sintomas, como os orgânicos. Sintomas que denotam toda uma dinâmica psíquica que permanece após a perda de objecto. Laplanche (1987) e Widlöcher (2001), esclarecem que (…) Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 9. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Na linha das teorias da vinculação, Bianchi (1989) evoca o facto de que a vida do ser humano constrói-se através de ligações afectivas mais ou menos estáveis com os objectos exteriores. Ligações fortes manifestam a existência de um apego ou vínculo aos mesmos, o que reenvia para a natureza do objecto interno. Seguindo a tradição psicanalítica, Le Gouès (2000) explica que a (…) 9 Como o investimento libinal do objecto traduz a existência de um vínculo de amor com o mesmo, a sua ausência representa o desaparecimento do objecto de eleição e de satisfação, alterando todo um sentido prévio de equilíbrio e de segurança no mundo da pessoa enlutada. Assim, o sofrimento psíquico manifesta o (…) Desenvolvendo a dinâmica do luto, verifica-se que a primeira defesa perante a perda é a de continuar a vida como se aquela não tivesse ocorrido. Uma defesa que reenvia para o conflito latente entre a realidade e a fantasia, i.e., entre a ilusão da presença do objecto e a necessidade de aprender a viver com a sua perda permanente (Freud, 1917; Laplanche, 1987; Widlöcher, 2001). Guedeney & Guedeney (2004) esclarecem que na sequência dos trabalhos de Anna Freud e de Dorothy Burlingham, sobre os efeitos da separação da mãe em crianças pequenas, Robertson irá descrever esta resistência como correspondente a uma primeira fase de reacção à perda. Denominou-a de fase de protesto, à qual se seguem duas outras fases, respectivamente, de desespero e de desapego. São três fases que predizem comportamentos de resposta à perda, e que Bowlby (1985) virá a adoptar e a desenvolver na sua obra, da década de sessenta, sobre o luto infantil. Corroborando a teoria freudiana, a obra de Bowlby salientará que as reacções à perda mantêm sinais comuns tanto na infância como na idade adulta; o que é hoje aceite pela comunidade científica (Coelho, 2004). Ainda referenciando Bowlby, a fase de protesto envolve a vivência subjectiva e inconsciente de desejo em reaver o objecto perdido, onde persiste a ilusão de que a perda de objecto, por morte ou por separação, não ocorreu. Daqui os esforços que (…) Depois, surge o choro pela dor de perda, os sentimentos de revolta, e até de raiva, denotando a solidão da pessoa enlutada e a sua esperança em recuperar o objecto Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 10. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler amado. É natural que, mais ou menos inconscientemente, o objecto perdido seja recriminado pelo sofrimento que provoca, ou que surjam auto-acusações pela perda ocorrida. É uma agressividade dirigida, que Coelho (2004), na linha de Bowlby, refere como adaptativa, caso não persista por tempo indeterminado. Segundo Coelho, a agressividade latente do luto representará a crença instintiva de que as perdas não 10 voltarão a acontecer se forem desaprovadas. Nesta fase, Bowlby aponta, ainda, a vontade de cuidar dos outros de forma compulsiva, como variante patológica do luto do adulto, podendo ser entendida como o deslocamento da ilusão de recuperar o objecto. Ou seja, simbolica e inconscientemente, os sentimentos para com o objecto perdido são substituídos pelos cuidados para com os outros, seus representantes substitutos. Voltando ao luto normal, adianta-se que a fase de desespero sobrevém pela decepção e impotência em recuperar o objecto perdido. A pessoa enlutada retrai-se sobre si própria, preenchida por sentimentos depressivos (depressão normal do luto) que, paulatinamente, vão sendo confrontados com a realidade de que a natureza da perda é real e duradoura. A aceitação da prova de realidade deverá prevalecer, esperando-se que a pessoa enlutada enfrente e tolere o sofrimento emocional que a acompanha (Freud, 1917; Laplanche, 1987; Widlöcher, 2001; Coelho 2004). Na fase de desapego, espera-se não só que a pessoa enlutada se vá distanciando e desinvestindo o objecto perdido, aceitando a sua perda; como também se recomponha mobilizando energias de forma a investir afectivamente novos objectos de relação. Novos investimentos traduzem a capacidade de deslocamento da libido, libertando a pessoa (…) Para além das fases normais do luto, há ainda a salientar que, perante uma perda, a pessoa poderá reagir de uma outra forma, que passa pela ausência de sentimentos depressivos conscientes, nomeadamente o pesar. Esta condição foi descrita por Deutsch (cit. por Bowlby, 1985), que a denominou como um paradoxo. Face ao exposto, compreende-se que o trabalho de luto consiste em desfazer o conflito instaurado pela perda, abrangendo todas as fases descritas, numa série de processos psicológicos complexos que exigem o seu tempo e uma grande energia psíquica. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 11. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler O trabalho de luto é difícil e complexo, demorando um tempo variável de pessoa para pessoa, isto porque, como Freud salientou, o abandono de uma dada ligação libidinal não é feita de ânimo leve, nem mesmo quando já se afigura uma outra ligação substitutiva. Como explicou Bowlby, com esta asserção, Freud lança a suspeita de que mesmo que o luto se concluísse de forma normal ficaria sempre um resquício do objecto 11 perdido no mundo interno da pessoa, simbolizando uma forma de não abandonar totalmente uma ligação afectiva anterior. Por esta razão, Bowlby salienta (…) Até este ponto, compreende-se que a reacção depressígena do luto é de normal ocorrência. No entanto, quando a pessoa enlutada se sente dominada e absorvida pela dor da perda sem a conseguir ultrapassar, o efeito poderá ser o da depressão (Freud, 1917; Bleichmar, 1989; Widlöcher, 2001). Ou seja, enquanto que no luto (depressão normal) se realiza um trabalho de aceitação da perda, na depressão (luto patológico), há quase sempre a sua negação ou evitamento (Matos, 2001), constituindo-se como uma resistência à mudança (Fairbairn, 1958, cit. por Coelho, 2004). Como se pôde constatar, a dinâmica reaccional à perda varia, podendo ser sintetizada em três tipos consoante a natureza do objecto perdido: (…) Matos sugere uma outra distinção ao nível da afectividade, destacando a “tristeza” e a “revolta” como sintomas dominantes do luto; e o “abatimento” e a “culpa” caracterizando a depressão (2001, p. XVII). Avançando no esclarecimento da diferença entre o luto e a depressão, ressalta-se que, na fenomenologia da depressão, a falta de interesse pelo mundo exterior, englobando actividades e relações pessoais, e o pessimismo, são sintomas que estacionam no tempo. O abatimento invade a vida do indivíduo por completo, originando remorsos ou nostalgia do passado, desinteresse ou aborrecimento pelo presente, e receio, ou falta de esperança no futuro. Usando a expressão de Hipócrates, a depressão é marcada pelo “humor negro” (Widlöcher, 2001, p. 18). Além destes sintomas emocionais e motivacionais, (…) Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 12. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Ao nível somático (manifestações físicas da angústia), podem ser encontradas perturbações do sono; do comportamento alimentar e da sexualidade, entre outras (Meyer & Salmon, 1984; Widlöcher, 200; APA, 2002). Até aqui referiu-se à depressão como se fosse uma entidade única, o que será mantido por uma questão de economia de conceitos. (…) 12 A heterogeneidade de quadros clínicos, que comporta, pode ser categorizada quanto: (a) à sua etiologia, como é o caso da depressão endógena de origem biológica, e da reactiva ou exógena ocasionada por um acontecimento externo; (b) à sua estrutura psicodinâmica e sintoma dominante, e.g., a depressão neurótica, com a carência afectiva como sintoma dominante; a depressão psicótica, onde predomina a melancolia; a depressão anaclítica, (…) Será importante ilustrar que a depressão major não parece derivar tanto de acontecimentos exteriores, apresentando mais sintomas físicos, em contraponto com a depressão minor (Belsky, 1996). Uma questão de grau de intensidade diferencia os dois diagnósticos (Fontaine, 2000). Estes são alguns exemplos, pois a nosologia da depressão é complexa e polémica, procedendo de modelos teóricos diversificados dentro da psicologia e da psiquiatria (Meyer & Salmon, 1984; Bleichmar, 1989; Ménéchal, 1999; Matos, 2001; 2002: Fernandes, 2002). Estrutura Psicodinâmica da Depressão De acordo com Freud (1917) e com o modelo psicanalítico, a perturbação da auto-estima é uma condição que não se observa no luto. Matos (2001) denomina esta perturbação de insuficiência narcísica, considerando-a como uma das três condições presentes na estrutura dinâmica da depressão. Laplanche & Pontalis (1990), definem narcisismo como amor próprio, por referência à representação ou imagem que cada ser humano tem de si. O amor é um afecto básico fundamental ao desenvolvimento do narcisismo saudável ou positivo, resultando na construção de uma boa auto-estima. Dizer que uma pessoa detém um narcisismo positivo (ou saudável), equivale a expressar que o investimento das suas pulsões libinais se encontra equilibradamente distribuído no seu ego e na relação com o mundo envolvente. Ou seja, o equilíbrio da Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 13. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler energia libidinal permite não só o amor próprio, como também o amor pelos outros e pelo mundo envolvente (amor objectal). A privação precoce deste afecto provocará um sentimento depressivo de falta ou carência, uma ferida aberta no amor-próprio (ferida narcísica), como se o mundo interno estivesse despovoado de amor e, com isso, impossibilitado de valorizar a auto-imagem. A insuficiência narcísica é, precisamente, caracterizada pelo sentimento de falta, 13 ou mesmo de vazio, podendo ser traçada a sua origem na infância, quando a criança não foi valorizada e investida amorosamente pela mãe. O que subentende que a criança se relacionou precocemente com uma pessoa cujo narcisismo também foi lesado, herdando a sua insegurança básica. O desinvestimento narcísico, por parte da figura materna, terá impossibilitado a criança de desenvolver um sentido de segurança e de amparo internos, por forma a alimentar o amor por si própria. Ou seja, o objecto deixou de alimentar o seu amor- próprio, logo, desaparecido o objecto, desaparecido o amor; perdido o objecto, perdido o próprio eu, ou uma sua parte. Não se sentindo amada, as pressões do exterior acabam por desorganizar e eventualmente esvaziar ou destruir a identidade da pessoa. Isto porque, se a pessoa se vê como inferior aos outros e tem pouca confiança nos acontecimentos da vida, a auto- estima reduz-se, conduzindo a outras consequências negativas, como a desvalorização de si mesma, ou mesmo a despersonalização, em casos mais graves. Quando se dá valor a si próprio e se respeitam as capacidades próprias, não se receiam os desafios, traduzindo-se a auto-estima em (…) Fazendo uma interpretação da obra de Matos sobre a depressão, Coelho (2004) aponta três derivativos do sentimento de falta, consoante o momento desenvolvimental em que a falta do objecto narcizante acontece: (a) os sentimentos de abandono e de desespero traduzirão a perda da função de cuidados e protecção do objecto, reenviando para o momento da estruturação psicótica; (b) o desamparo é sentido pela perda de constância do objecto narcizante, objecto de apoio, reenviando para a organização borderline; (c) a falta de esperança é um sentimento que deriva simbolicamente da angústia de castração, representando (…) De qualquer modo, na linha do pensamento freudiano, Matos (2001) salienta que seja qual for a natureza da depressão, observa-se que nela o objecto de amor perdido continua inconscientemente investido. Investimento que impele a pessoa a viver na Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 14. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler expectativa de um amor idealizado, projectado pela sua fantasia, mas que na realidade nunca ocorreu. Para o autor, a persistência deste investimento é responsável pela imobilização da pessoa, uma vez que (…) A culpa patológica, muitas vezes inconsciente, prende-se com uma outra 14 condição inseparável da estrutura da depressão: a existência intrapsíquica de uma instância crítica (superego) que se comporta de forma severa, induzindo a sentimentos de auto-acusação e de recriminação por perdas ocorridas. Na depressão, a culpa resultante da ambivalência amor-ódio permanece por elaborar. (…) McWilliams (2005) esclarece o processo de indução de culpa com o exemplo dos casais divorciados, quando negam às crianças a possibilidade de fazerem o luto pela separação dos pais, ao insistirem que tudo fica melhor dessa forma. Este exemplo ilustra como, ao nível precoce, a criança se identifica com a crítica paterna da sua vulnerabilidade ou fragilidade e aprende a acreditar que esses aspectos de si são maus. Outra situação, onde pode ser observada a condição de culpa, é a da idealização da pessoa morta, onde os sobreviventes se centram unicamente nas características positivas e idílicas da sua personalidade, deixando as menos positivas de lado. O que, como demonstrou Bowlby (1985), pode ter subjacente o receio no adulto de que a perda de objecto (por morte, separação ou abandono) é equivalente à perda do seu amor, tornando-se uma variante patológica do luto infantil. Matos adianta que a culpa patológica deriva de um erro cognitivo na percepção da realidade. O erro reside no sentimento dilatado de se ser mau, prevalencendo a crença de que o objecto é (…) A par da severidade do superego, encontra-se, portanto, uma grande exigência do eu idealizado, que impele ao desejo omnipresente de perfeição, em contraponto com as capacidades do eu real. A perfeição absoluta, embora impossível de atingir, é para o depressivo uma meta a atingir, numa eterna busca de aperfeiçoamento do eu real, nunca aceite como suficientemente bom (McWilliams, 2005). Persistindo inconscientemente neste erro avaliativo da realidade, a pessoa anula a possibilidade consciente de retaliar, de acreditar que também ela pode ser um bom objecto, digno de ser perdoado e não castigado. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 15. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Então, pode dizer-se que o sentimento de culpa encontra-se invertido, num sofrimento auto-infligido, representando uma agressividade latente para com o objecto que não é exteriorizada, mas antes voltada contra a própria pessoa. Esta condição explica a irritabilidade e/ou agressividade presentes na fenomenologia depressiva. Na linha de outros autores psicanalíticos, como Rado, Fenichel e Spitz (cit. por Coelho, 2004), Matos (…) 15 Deste modo, a pessoa torna-se incapacitada de amar os outros, logo, de formar e investir novos vínculos. Esta fome de afecto reenvia para a oralidade, para a regressão (ou fixação) à vinculação e dependência infantil, e à constante ameaça de abandono afectivo. Importância da Posição Depressiva na Luta contra as Perdas Segundo Bowlby (1985), Klein foi a autora que, dentro da psicanálise, postulou a existência de sentimentos de perda na primeira infância, assim como o luto e a depressão, relacionando-os com a vivência de perda no adulto. Klein (1996) salientou que o luto infantil é revivido sempre que, no futuro, ocorram perdas, premissa que, como já foi referido, Bowlby pôde confirmar nos seus estudos sobre o luto. A teoria kleiniana é uma teoria da relação/conflito, assente nas constantes inter- relações da criança com os seus objectos internos e externos (objectos fantasiados e reais) ao nível pré-edipiano. Estas relações, influenciam profundamente todo o desenvolvimento ontogenético, uma vez que os pais (primeiros objectos externos de relação) serão introjectados como protótipos de todas as relações de objecto posteriores. Klein acredita que todos os estímulos geram fantasias no bébé, destacando que: “estímulos desagradáveis, incluindo a mera frustração, provocam fantasias agressivas; os gratificantes, fantasias concentradas no prazer (1996, p. 331).” A capacidade de fantasiar irá tingir, ao longo de todo o desenvolvimento, não só as relações com os objectos externos, mas também a forma como estes são percepcionados internamente. (…) Envelhecimento e Vivência de Perda Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 16. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler O envelhecimento e a velhice são fenómenos inerentes ao desenvolvimento do ser humano que comportam, na actualidade, uma série de preconceitos que não abonam a favor da elaboração das vivências de perda, entre outras, que englobam. Isto porque as sociedades ocidentais são sistemas onde tendencialmente se representa a velhice de forma negativa (e.g. como doença, incapacidade ou senilidade) numa série de estereótipos que já vão sendo corrigidos pelos diversos trabalhos científicos emergentes 16 sobre os processos de envelhecimento, nomeadamente na área da geriatria e da psicogerontologia (Berger & Mailloux-Poirier, 1995). Envelhecimento e Velhice De acordo com a revisão da literatura do capítulo anterior, face ao sofrimento são mobilizadas energias que ou contribuem para o bem estar emocional ou para a doença, constituindo-se como investimentos ou desinvestimentos dos processos de vida, determinando a sua qualidade. O mesmo ocorre na velhice, pelo que convém diferenciá- la do envelhecimento. A velhice é uma etapa de vida marcada pela longevidade, que embora tenha o processo de envelhecimento como pano de fundo, com este não se confunde. Envelhecer não é ser velho, é ir sendo mais velho dentro de um processo complexo de desenvolvimento entre o nascimento e a morte, inerente a todos os seres vivos. Ser mais velho implica, nesta perspectiva, a passagem do tempo e a quantidade de anos que se vive. Ora, uma análise cronológica do envelhecimento pode induzir a vários erros de avaliação quando se observa que, por vezes, alguém com 70 anos de idade parece ser mais jovem do que outro com 30 anos; ou quando se considera que dentro da mesma faixa etária, uma pessoa parece muito mais velha do que aqueloutra (Fernandes, 2002). A mesma ideia encontra-se na perspectiva de San Martin e Pastor (1990, cit. em Netto, 2002, p. 26), ao salientarem que “as divisões cronológicas da vida humana não são absolutas e não correspondem sempre às etapas de envelhecimento natural (…).” Por esta razão, compreende-se o alerta de Aragão e Sacadura (1994, cit. por Imaginário, 2004), sobre a discriminação de que é alvo a população com idade igual ou superior a 65 anos, idade para denominar a pessoa de idosa, segundo convenção da Organização Mundial de Saúde (OMS). A ampla literatura sobre o conceito de envelhecimento ilustra que a análise cronológica é largamente influenciada pelo estudo demográfico da população Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 17. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler envelhecida, constituindo-se a idade como uma categoria operacional que, mesmo assim, não é livre de polémica ao nível de outras disciplinas científicas, como é o caso da psicologia (Berger & Mailloux-Poirier, 1995; Fontaine, 2000; Fernandes, 2002; Imaginário, 2004; Cabete, 2004). A título de exemplo, veja-se a divisão de fases do ciclo de vida sugerida por Levinson e colaboradores (1978/79; 1990, cit. por Marchand, 2005, p.19), onde se 17 constata que na idade que a OMS define para início da velhice se encontram pessoas, que segundo os autores, estão na “fase final da vida adulta” entre os 60 e os 70 anos; e que a “velhice” é uma fase destinada à faixa etária entre 70 e 80 anos de idade até que a vida se extinga. Mas, considere-se que idosas são todas as pessoas entre os 65 anos e a morte, pessoas que estão na fase da velhice dentro do ciclo de vida. Então, como distinguir que também dentro deste grupo há pessoas mais jovens ou mais velhas que outras, do ponto de vista estritamente cronológico? Imaginário (2004, p. 43) proporciona a resposta quando refere que, dentro da gerontologia, há autores que dividem este grupo de pessoas em três categorias cronológicas: (1) entre os 65 e os 74 anos encontram-se os “idosos jovens” ; (2) entre os 75 e os 84 anos, o “idoso médio” ; (3) e, finalmente, o “Idoso idoso” a partir dos 85 anos de idade. Com esta pesquisa, fica-se com a ideia que, afinal, a velhice embora resulte do envelhecimento, não é mais que uma fase tardia deste processo, determinada pelo avanço da idade. Porém, a retenção desta ideia, não estando longe da realidade, servirá tão-só para simplificar o envelhecimento, nomeadamente, nas fases tardias do ciclo de vida. Centrando a discussão, todo o ser humano cresce e evolui, logo, envelhece. Imaginário (2004), revê algumas teorizações em torno da definição de envelhecimento, que traduzem-no como um processo de desenvolvimento gradual e multifactorial, determinado em larga medida pelo declínio biológico e funções adaptativas, que se torna mais evidente com o avanço da idade. Nesta linha de pensamento, cabe uma outra definição como “perda progressiva e irreversível da capacidade de adaptação do organismo às condições mutáveis do meio ambiente (Robert, 1994, cit. por Fernandes, 2002, p. 22).” No entanto, a definição de Binet e Bourliere, citados pela mesma autora, parece conter um sentido mais lato, quando o equaciona com “todas as modificações Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 18. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler morfológicas, fisiológicas, bioquímicas e psicológicas que aparecem como consequência da acção do tempo sobre os seres vivos (2002, p.22).” Uma definição que permite conceber o envelhecimento como um processo que não se reduz a perdas; (…) Assim, do ponto de vista biopsicossocial, pode dizer-se que não se envelhece da 18 mesma forma, no mesmo ritmo e na mesma época cronológica. O que significa que, embora o envelhecimento seja comum a todas as pessoas, revela características próprias de pessoa para pessoa, consoante a constituição biológica e a estrutura da personalidade, em estreita interacção com o meio (Spar & La Rue, 1998; Fontaine, 2000). Infere-se, então, que envelhecimento e velhice não são conceitos sinónimos, uma vez que não só as pessoas idosas, envelhecem. Esta perspectiva encontra a sua profundidade no modelo psicanalítico, onde se considera que “o velho não existe” (Ribeiro da Ponte, 2002, p. 119), mas antes pessoas com um conjunto de processos psíquicos conscientes e inconscientes que influenciam a forma como “o tempo humano é vivido subjectivamente” independentemente da sua idade cronológica. Ao nível desenvolvimental, a velhice é entendida como a última fase do ciclo de vida, encerrando um processo de envelhecimento normal ou patológico. Daí que algumas perspectivas psicológicas equacionem a velhice com a sabedoria e a vontade de viver, outras com um estado mental, caracterizado pelo desinvestimento da vontade de viver e da esperança que encerra (Frutuoso, 1990, cit. por Fernandes, 2002). Idosos são, neste caso, um grupo sociológico constituído por pessoas com idade igual ou superior a 65 anos, com vários processos psicológicos de envelhecimento. (Des)Investimentos do Envelhecimento Dentro da variabilidade individual, o modelo psicanalítico de Le Gouès (2000) propõe alguns denominadores comuns para o processo de envelhecimento, reunindo-os em quatro tipos gerais: (a) o envelhecimento compensado; (b) o envelhecimento supercompensado; (c) o envelhecimento descompensado; (d) o envelhecimento agravado. Os tipos de envelhecimento, descritos pelo autor, não sendo mutuamente exclusivos, encerram movimentos psíquicos e investimentos/desinvestimentos libidinais que ajudam a compreender que o envelhecimento é um processo que pode ser Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 19. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler desenvolvido tanto de forma saudável como patológica, influenciando a forma como é vivido. Os movimentos que levam a investimentos ou a desinvestimentos podem ser sintetizados pela vias descritas por Bayle (2002, p. 100), respectivamente: (1) “a via elaborativa e o desejo de viver” onde a pessoa, numa atitude construtiva, aceita e investe as mudanças pessoais e sociais inerentes ao avanço na idade; (2) “a via 19 regressiva entre a vida e a morte”, onde a pessoa, numa atitude destrutiva, se retrai em si mesma negando as mudanças e enquistando a sua elaboração. Como que um regresso à posição depressiva, o que leva a ter em linha de conta que a via elaborativa ou a regressiva dependerão não só do manejo psicológico que a pessoa realiza entre as suas potencialidades e limitações, como das condições externas de vida. O envelhecimento compensado caracteriza-se, então, pela via elaborativa, pela existência de um narcisismo saudável (Le Gouès, 2000), onde a pessoa escolhe continuar a acreditar e a investir no seu valor próprio à medida que a idade avança. Exemplos deste tipo de envelhecimento podem ser encontrados no grupo de pessoas reformadas da vida profissional. Dias Cordeiro (1982) e Olivenstein (2000) convergem na perspectiva de que o sentido de inutilidade dado pela reforma é ultrapassado por muitos idosos, por investirem de forma positiva outros interesses como o do convívio, das viagens, da pintura, da jardinagem, da investigação artística ou científica, ou mesmo cursos de valorização pessoal. Tudo isto, é claro, desde que a doença não surja como ameaça ao bem estar geral. O desejo por novos objectivos, actividades e relações pessoais, leva as pessoas a abraçarem a possibilidade de perpetuar um narcisismo saudável, através do que Le Gouès designa por “sublimação de produção”, diferenciando-a da “sublimação de consumo” onde o sujeito goza aquilo que não produziu (2000, p. 35). O autor destaca que, dentro da economia do envelhecimento, a sublimação produtiva, entendida no seu sentido clássico, é aquela que melhor alimenta o narcisismo positivo, sucedendo-se à elaboração do luto. Fora do modelo psicanalítico, encontram-se autores que corroboram esta linha de pensamento. Fontaine (2000) confirma que as actividades produtivas (e.g. culturais, desportivas, associativas) configuram-se como condição importante de um envelhecimento bem sucedido. Para Paúl e Fonseca (2005, p. 76), o conceito de envelhecimento bem sucedido assenta em critérios que representam a manutenção da actividade, logo, o bom Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 20. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler funcionamento do organismo, sendo o sucesso ou satisfação de vida abalizados pelo equilíbrio entre a “autonomia física, psicológica e social dos idosos.” A funcionalidade é um indicador apontado pela OMS, como aquele que “avalia melhor a saúde do idoso” (Hernández & Giménez, 2000, cit. por Imaginário, 2004, p. 48), prendendo-se com a capacidade da pessoa realizar as actividades da vida quotidiana de forma independente. 20 A partir deste indicador, infere-se que o envelhecimento bem sucedido implica saúde física e mental, sendo que a diminuição ou a ausência de funcionalidade se relacionam com perdas intrínsecas ao processo de envelhecimento, influenciando directamente as capacidades adaptativas. As perdas podem ser de três ordens, estando estreitamente interligadas: (a) biológicas, como a perda ou restrição de energia física, de acuidade visual, de massa óssea, de mobilidade; (b) psicológicas, como as alterações cognitivas e emocionais; (c) sociais, como a perda de papéis e de estatutos, a perda por separação, rejeição ou morte de familiares e amigos, a perda de suporte social (Cordeiro, 1982; Belsky, 1996; Fontaine, 2000; Fernandes; 2002; Imaginário, 2004; Netto, 2004; Cabete, 2005). Em suma, envelhecer bem implica saúde, actividade e o desenvolvimento das relações pessoais. Desta forma, as fases tardias do ciclo de vida podem ser vividas como um tempo em que as perdas inerentes ao envelhecimento são elaboradas, e em que as energias são direccionadas para o progresso e para novas aquisições. Concepção do envelhecimento muito ao encontro das teorias de autores psicanalíticos mais antigos, como as de Jung e de Erikson (cit. em Marchand, 2005). Jung salienta que o movimento progressivo do eu ajuda a viver a velhice com sabedoria, ao investir de forma satisfatória as exigências do mundo exterior. Erikson debruça-se sobre a resolução positiva do conflito da última etapa de vida, integridade vs. desespero, através da aposta na integridade e continuidade do eu, o que pressupõe “a aceitação e responsabilização face ao seu próprio ciclo de vida (Paul & Fonseca, 2005, p.140).” Por outro lado, o envelhecimento pode ser ensombrado pela angústia com que são vividas as naturais diminuições orgânicas e funcionais, como no tipo de envelhecimento supercompensado descrito por Le Gouès (2000). Supercompensar o envelhecimento é negar a sua realidade. Segundo o autor, a perda de função, que consiste na natural diminuição de energial libidinal, influencia a capacidade de sedução feminina e a de potência masculina. Quando esta perda é negada, Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 21. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler a angústia de castração é reactivada, podendo comprometer a valorização pessoal ligada aos aspectos físicos. Com o envelhecimento, a imagem de si, inseparável da do corpo, vai sendo cada vez mais diferenciada numa outra. Outra, onde os movimentos já não são tão rápidos ou estão impossibilitados, onde o corpo enruga-se, se torna mais vulnerável à doença, e se transforma numa imagem diferente dos seus tempos áureos. Acentua-se, assim, o que 21 Olivenstein denomina por “inquietação narcísica (2000, p. 69).” A negação desta inquietação, é notória nas “tentativas compulsivas” que a pessoa efectua para permanecer jovem (Grinberg & Grinberg, 1998, p. 63), ilustradas pelo recurso a cirurgias estéticas a fim de eliminar as rugas, a flacidez e outros sinais corporais da passagem do tempo; prática corrente nas sociedades contemporâneas, onde o culto da juventude representa o desejo omnipotente de imortalidade e o medo latente da perda e da morte. No fundo, trata-se de negar o conflito entre o eu actual envelhecido e o eu ideal sempre jovem (Vandenplas-Holper, 2000), o que conduz a um eu narcisicamente ferido, porque, como sublinha Le Gouès, “l´enveloppe corporelle qui soutient l´image de soi perd les attraits de la jeunesse (2000, p.79).” Nesta óptica, Ribeiro da Ponte denomina a velhice como fase do “espelho quebrado” (2002, p. 118). O espelho já não devolve uma imagem de pujança, mas antes a de um eu/corpo pouco aceitável, o que origina várias queixas somáticas. O narcisismo torna-se insuficiente, pois, neste caso, a pessoa sente-se sem qualidades suficientes para ser amada, acabando por tomar-se como objecto indigno de amor, ficando a um passo de um outro envelhecer. Esse será de tipo descompensado, que Le Gouès caracteriza pelo predomínio do narcisismo patológico e pelo desinvestimento dos objectos exteriores. Contrapondo o narcisismo patológico ao saudável, no narcisismo patológico ou negativo, a libido encontra-se mais investida no mundo interno da própria pessoa do que nos objectos do mundo exterior, causando um desequilíbrio energético muito próprio do processo de luto e da posição depressiva. Exemplos de retraimento podem encontrar-se (…) O autor sugere que a perda de si deriva da existência de identificações recíprocas no curso de uma longa vida em comum, significando que, nessas identificações, o outro havia-se tornado numa parte de si próprio, e o próprio numa parte do outro. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 22. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Compreende-se assim que, também nas últimas etapas de vida, a perda pode ser sentida como uma ferida narcísica, quando o objecto suspende o complemento ao amor próprio da pessoa enlutada. Ora, o desinteresse ou apatia pelo mundo externo, incluindo o vínculo aos outros, liga-se estreitamente com a falência da sublimação produtiva, proveniente das actividades reparadoras. Por outro lado, a consciência de que os recursos para 22 compensar as perdas são cada vez mais limitados (Correia, cit. em Fernandes, 2002), constitui-se como factor de desmotivação. Subvalorizando o seu potencial, a pessoa acaba por isolar-se e sentir-se só. Do ponto de vista psicodinâmico, a solidão é o “resultado de uma ânsia omnipresente por um estado interno perfeito, inalcançável (Klein, 1991, p.341).” O que conduz ao sentimento de falta de esperança, caracterizando uma vida sentida como desprovida de sentido, ou até mesmo vazia de interesse. O sentimento de falta de esperança tem precisamente a ver com o sentimento de um paraíso perdido que continua a ser investido na sua representação, mas que a pessoa (exactamente por isso) sente que não conseguirá voltar a viver. Assim, a retracção da pessoa sobre si própria representará um vínculo profundo com o passado, em que grande parte da sua energia está concentrada nos objectos introjectados, sendo este investimento o que impede a mobilização de energias para novas relações de objecto. Com o desinvestimento do exterior apaga-se, também, toda a possibilidade de sonhar, continuando os desgostos num lugar central da vida da pessoa. Por esta razão, não é raro verificar que a única esperança da pessoa que envelhece de forma descompensada se encontre no desejo de morte, a perda de si. Le Gouès (2000) menciona que, a vontade de morrer pode ser relacionada com uma identificação patológica ao objecto perdido, simbolizando a vontade de união com o mesmo. Por outro lado, a perda de si como perspectiva de proximidade da própria morte pode causar medo e sentimentos depressivos, tais como aqueles que Freud (1887-1904; cit. em Coelho, 2004) exemplifica a Fliess, sobre ele próprio: apatia, sentimentos de inutilidade e inibição da actividade. Segundo Le Gouès, o luto pela perda de si passa pela aceitação da própria finitude e pelo investimento das pulsões de vida. (…) Quando a Institucionalização é Vivida como Perda Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 23. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler O processo de internamento da pessoa idosa, em instituições de acolhimento que desenvolvem cuidados de longa duração (e.g. lares, casas de repouso), é uma realidade situacional e ambiental para algumas pessoas que, por motivos de vária ordem, não encontraram dentro da comunidade uma resposta satisfatória às suas necessidades existenciais. Ou porque a família não tem tempo ou capacidade para se ocupar do idoso que 23 se tornou dependente e/ou cronicamente doente; ou porque a viuvez, ou a perda de companheiros de uma vida, a acrescer à falta de uma actividade válida, o coloca numa situação solitária e fragilizante. Depois, ao nível secundário, são poucos ou raros os “programas comunitários de atendimento ao idoso”, principalmente quando se encontram dependentes ou dementes, o que deixa as suas famílias sem outras alternativas ao internamento (Born, 2002, p. 406). Estes vários motivos, que até se poderão sobrepor, caracterizam em última análise, a questão da independência da pessoa idosa, entendida como a capacidade de realizar por si mesma a satisfação das suas necessidades e de concretizar as actividades da vida diária sem que dependa da ajuda de outras pessoas (Belsky, 1996; Imaginário 2004). Nesta perspectiva, o internamento é a alternativa de último recurso à vida familiar para os mais frágeis e dependentes (Berger & Mailloux-Poirier, 1995; Netto, 2002). Assim, a institucionalização, quer por vontade própria quer por sugestão de familiares ou outros (amigos, vizinhos), pode ser vista como um ganho, pelo recurso à oferta paga de acompanhamento e de cuidados, principalmente se a doença lhe impõe, ou vier a impor, limites sérios à sua funcionalidade. No fundo, do ponto de vista psicológico, trata-se da procura de vínculos alternativos, numa outra relação de apoio e de protecção, a fim de que o resto das suas vidas possa ser vivido em segurança, para o que muito contribui “a própria qualidade de vida oferecida pelas instituições (Santos, Sobral, Ribeiro & Costa, 2003, p. 12).” Ora, a instituição, rede de suporte formal, substitui-se à rede de cuidados informais e familiares. De acordo com Born, a qualidade das instituições depende de todo um conjunto que engloba o ambiente humano e espacial, “onde a vida é valorizada e a dignidade do idoso é reconhecida até no leito de morte (2002, p. 406).” Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 24. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Assim é quando a instituição representa metaforicamente um prolongamento do que Winnicott (2002) denominou por mãe suficientemente boa, juntamente com a sua capacidade de holding, para lembrar um ambiente de confiança capaz de ajudar as pessoas a estabelecer uma relação feliz com o mundo externo e o interno. O ambiente institucional que oferece uma base segura, adapta-se às necessidades emocionais da pessoa idosa e deixa margem para que esta possa manifestar a sua 24 própria personalidade. A preservação e a potencialização das capacidades individuais tornam-se fundamentais para a continuidade e bem-estar do idoso, por forma a evitar interacções insatisfatórias e experiências de frustração intolerável. É um ambiente que se centra na pessoa, onde paralelamente se desenvolvem cuidados gerontológicos adequados como os que, nomeadamente, são sugeridos por Berger & Mailloux-Poirier: (a) desenvolvimento de planos que visam a promoção e a manutenção da saúde, logo, o bem estar; (b) aperfeiçoamento de cuidados em conjunto com outras equipas de cuidadores, que tenham em conta a pessoa e a sua história de vida; (c) promoção de modelos de cuidados que sejam mais convenientes à readaptação e autonomia da pessoa idosa. Pelo contrário, se o ambiente institucional antes privilegia as tarefas da rotina diária e a impessoalidade dos cuidados a desenvolver (e.g. controle de medicações, higiene e alimentação das pessoas dependentes; limpeza e arrumação dos espaços institucionais), tenderá a privar o residente de estimulação, de atenção emocional e de vínculos afectivos. Cuidados desenvolvidos de forma impessoal terão um efeito negativo na vivência da pessoa institucionalizada (Fernandes, 2002). De acordo com Born, este tipo de ambiente é muita vezes agravado pelo internamento de mais pessoas e pela fragilização dos residentes antigos. Nestes casos, a instituição corre “o risco de tornar-se um hospital de terceira linha, ou pior, uma antecâmara da morte (2002, p. 406).” Deste modo, às perdas psicossociais iniciadas com a institucionalização (e.g. perda da própria casa, do meio familiar e social), junta-se-lhe a patologia dos vínculos institucionais, evidente pela falência do diálogo intersubjectivo e recíproco. Kaës (1996) refere que a psicopatologia dos vínculos institucionais não implica necessariamente a simples soma das patologias individuais, devendo ser procurada nas condições em que esses vínculos se estabelecem. Todavia, deverá ser salientado que, qualquer que seja o ambiente institucional, a entrada neste contexto é sempre vivida como algo emocionalmente difícil para o idoso, Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 25. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler pondo em causa o seu sentimento de segurança básica (Cordeiro, 1982; Berger & Mailloux-Poirier, 1995; Encarnação, 1995; Bayle, 2000; Fernandes, 2002; Netto, 2002). Esta nova circunstância de vida, representando a ruptura com um meio até então familiar, acaba por reactivar a angústia de separação, (…) 25 Relembrando a primeira das três fases de reacção à perda, desenvolvidas por Bowlby, poder-se-á inferir que (…) No idoso internado, o sofrimento de separação e/ou abandono é marcado por fantasias de “perda de liberdade, abandono pelos filhos, aproximação da morte, tratamento que irão receber de funcionários e colegas” (Born, 2002, p. 407), enquanto os seus familiares fantasiam que o internamento irá proporcionar-lhe mais convívio e melhor tratamento ao nível dos cuidados básicos e da saúde. No confronto com o meio institucional, acresce a angústia perante o estranho, consubstanciada nos medos que Bayle (2000, p. 49) salienta: “medo do desconhecido, do mau trato, do desrespeito pela sua integridade física e psicológica.” Estes medos subsistem silenciosamente, quando os cuidados básicos oferecidos ressoam atitudes mais ou menos inconscientes de antipatia, repulsa, ou de hostilidade, perante os seus corpos envelhecidos, deteriorados, doentes. A ressonância deste tipo de atitudes é negativamente interiorizada pelo idoso, reenviando-o para a exposição à vergonha e a sentimentos latentes de fragilidade e inferioridade. Por analogia, poderão aqui aplicar-se as reflexões de Vidit (1990, cit.por Cabete, 2005, p. 18) em relação ao internamento hospitalar do idoso, salientando que a instituição é um outro mundo, onde se projectam sentimentos ambivalentes como a segurança e a incerteza. (…) A rigidez de algumas normas, como as que Encarnação (1995) observou num estudo que realizou nas valências do Centro de Apoio a Idosos de Portimão, revelou efeitos negativos ao nível da autonomia e identidade da pessoa idosa. Entre eles, a obediência ou a impotência, o conformismo ou a revolta. Mesmo considerando que as normas institucionais são de algum modo flexíveis, o idoso perde sempre grande parte do controlo da sua vida, e até da sua morte (Berger & Mailloux, 1995), “na medida em que, geralmente, as rotinas diárias da instituição de Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 26. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler acolhimento, encorajam imenso a dependência dos residentes (Vandenplas-Holper, 2000, p. 234).” Parece então, que a questão centra-se na uniformização da vida dos residentes, factor que os condiciona a comportamentos de maior dependência e os torna mais sensíveis ao meio exterior. Mas, a falta de estimulação dos comportamentos de autonomia é outro factor de 26 relevo, por dificultar o envolvimento activo na vida quotidiana. Logo, todo o equilíbrio existente ao nível sensório-motor, cognitivo e emocional sofre um declínio mais rápido. A situação mais se agrava quando se trata de pessoas incapacitadas, a quem não é incentivado que mantenham e/ou desenvolvam competências como vestir-se ou comer sozinhas (Belsky, 1996). Outro exemplo importante apontado por Encarnação, prende-se com o atractivo da imagem de corpo/imagem de si e o “desincentivo de todo o valor simbólico do arranjo pessoal, seja no que respeita ao vestuário ou ao embelezamento pessoal do corpo (1995, p. 193).” A autora adianta que esta falta de estímulo responde a uma representação inconsciente da rede institucional de que os residentes já não necessitam de prazeres. Representação que acaba por ser introjectada pelo próprio idoso, contribuindo para a sua despersonalização (vivência de si sentida como estranha e vazia de sentido). Ainda dentro do âmbito do desprazer, junta-se-lhe o desincentivo dos jogos de sedução entre os idosos e a regular incompreensão quanto às suas necessidades sexuais, que também contribuem para a angústia de castração. Castração de um corpo que se torna assexuado e que se pretende tão-só cuidado, como se tivesse perdido a capacidade de amar. Atitudes que desvalorizam ou desaproveitam as competências básicas do ser humano e que Herrero (1993, cit. por Fernandes, 2002, p. 47) menciona como resultantes de um “paternalismo” excessivo, a ser evitado. A promoção da actividade física e mental no idoso é facilitadora da sua adaptação ao meio, com o qual poderá, assim, estabelecer uma relação satisfatória. O declínio da autonomia produz quebra da auto-estima e sofrimento emocional de tonalidade depressiva, que muitas vezes só fica visível no aumento de queixas somáticas (Netto, 2002) ou de comportamentos somatizados, como a anorexia, as perturbações psicomotoras, ou outras doenças do foro médico (Spar & La Rue, 1998). Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 27. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Segundo Spar & Lar Rue, a somatização constitui um traço comum da depressão no idoso, referindo alguns estudos que reportam a somatização como prevalecente a sentimentos de culpa ou à diminuição da auto-estima. Neste refúgio do corpo, o idoso esconde-se, portanto, da falta de afectos, voltando a solicitá-los, pois ser doente é não ser votado ao esquecimento. (…) 27 Conclusão que se associa à de Encarnação, quando relata que se para umas pessoas é possível manter a sua identidade e sentido de valor próprio, para outras o sentimento de solidão caracteriza toda a sua vivência. Nestes casos, segundo a autora, os discursos pontuam-se pelo silêncio ou pela revolta, como a que fica patente na desvalorização que o idoso manifesta sobre si próprio, seus familiares e a sua própria situação de vida: Estou só, não quero mais nada. Já não presto para nada, inútil, completamente inútil (…). Vestir uma roupa bonita para quê? (…) Os filhos? Eles já não me vêm ver! Eu já não lhes sirvo para nada! Estão demasiados ocupados com a vida deles, não têm tempo para perder! (1995, p.131).” Discurso que denota a falta de esperança, a insuficiência narcísica e a agressividade voltada não para o objecto, mas antes para a própria pessoa. Também se pressente a ambivalência da luta depressiva. Na última frase, lê-se a desculpabilização dos familiares pelo abandono, amiúde observada na pessoa idosa institucionalizada. Defesas psíquicas, postas à prova em situações de angústia. Considerando, precisamente, a influência dos factores psicológicos na vivência do meio institucional, será importante relembrar que, do ponto de vista psicodinâmico, as relações de dependência (ou de outro tipo), desenvolvidas pela pessoa idosa neste contexto são influenciadas pela revivescência do ambiente emocional das primeiras relações objectais (e.g. mãe, pai e irmãos). Ou seja, as relações de dependência podem reflectir uma forma de dependência infantil não superada na idade adulta, e que é como que projectada neste novo espaço relacional. O pressuposto de um repetir ou actualizar inconsciente de um padrão de comportamento assenta num fenómeno do psiquismo humano posto a descoberto por Freud (1912), no espaço terapêutico: a transferência. No sentido lato, a transferência representa a atitude emocional (positiva ou negativa) do sujeito para com o seu analista, atitude essa inconsciente, que assenta na repetição de modelos infantis (Rycroft, 1995; Laplanche & Pontalis, 1990). Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 28. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler De acordo com Freud (1912), da sua definição podem ser retirados dois sentidos: (a) como fenómeno universal, manifestando-se no nosso relacionamento diário com o outro e influenciado pelas experiências passadas; (b) como fenómeno que surge não só no tratamento analítico, como também em instituições que não recorrem a este tipo de terapêutica. Assim, entende-se que a vivência institucional será sempre pontuada pela 28 actualização dos conflitos psíquicos da pessoa idosa, que até podem ter estado mais ou menos contidos ao longo de uma vida com poucos ou nenhuns percalços, mas que face a um ambiente sentido como inseguro e pouco contentor, se despoletam ou se acentuam, mesmo que de forma longínqua e deformada à laia do sonho. (…) Conclusão Os resultados obtidos, nas entrevistas por inquérito, apoiaram a hipótese que orientou a pesquisa deste estudo, mostrando que os estados depressivos mais graves encontram-se, de facto, no grupo de internato colectivo, com diferenças significativas em comparação com o grupo residencial. Sumariando os resultados da pesquisa realizada, o nível de depressão grave, apoia o enquadramento teórico em três vertentes: (a) na depressão grave os lutos encontram-se enquistados, predominando sentimentos condicentes com o humor negro; (b) a presença da depressão grave em pessoas idosas ilustra envelhecimentos do tipo descompensado e/ou agravados; (c) a depressão grave em idosos institucionalizados sugere que o meio institucional tem tanta influência quanto os factores psicológicos individuais, principalmente quando é vivido como perda, pesando como barreira à elaboração dos lutos, que acabam por permanecer enquistados. O resultado obtido para a concentração de níveis de depressão ligeira apoiou o pressuposto de que a depressão, como representante simbólico da vivência de perda, seria uma variável comum aos dois grupos institucionais. Tal como foi revisto na literatura, a presença da depressão ligeira leva a sublinhar que o meio institucional, qualquer quer que seja, é sempre vivenciado como uma ruptura com a vida familiar e comunitária, inaugurando uma série de perdas, pessoais, sociais e biológicas. Através das categorias psicológicas de perda, extraídas a Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 29. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler partir da GDS, observou-se que os sentimentos de ambivalência estão presentes, sugerindo lutos por elaborar e recordando a angústia da luta da posição depressiva. A ausência da depressão vai de encontro ao facto de que há diversos tipos de envelhecimento, ilustrando que o envelhecimento bem sucedido é possível, implicando uma boa adaptação às mudanças do meio ambiente. Muito possivelmente, a percentagem de não deprimidos apontará para as pessoas idosas que, nos dois grupos 29 estudados, se envolvem mais em actividades, quer nas de animação sociocultural, quer noutras da sua vontade. Os dois grupos institucionais caracterizaram-se por apresentar um maior número de mulheres institucionalizadas, com maior longevidade e autonomia que os homens, e com mais anos de institucionalização. No entanto, alguns destes dados poderão estar contaminados, precisamente pelo maior número de mulheres. (…) De entre os factores referidos teria sido interessante investigar, precisamente, em que idades incidem os diferentes níveis de depressão e sua ausência, uma vez que dentro dos dois grupos há uma grande amplitude de idades, que vão desde os 60 a mais de 90 anos. Eis um dos limites do presente estudo, traçado no objectivo de pesquisar em qual dos grupos institucionais existiriam depressões mais graves. Porém, as interrogações levantadas pela análise dos resultados, e as hipóteses que se foram colocando, poderão inaugurar novos caminhos de investigação em trabalhos futuros. Através da observação dos modelos institucionais estudados, que mantêm, respectivamente, condições idênticas para todos as pessoas idosas, e da forma como são vividos, puderam-se inferir verificações gerais, complementando-as com os dados resultantes do inquérito. Este é um outro limite, que coloca a discussão entre objectividade e subjectividade no centro do debate, prevendo-se o argumento de que não foram testadas as eventuais relações entre o meio institucional e os diferentes níveis de depressão, por forma a melhor clarificar as questões quanto à influência da institucionalização na manifestação de estados depressivos. É um argumento válido, pelo que se sugere que o melhoramento deste estudo passaria por (…) Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 30. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Apesar dos limites apresentados, o trabalho realizado tem o mérito de, ao nível teórico, chamar a atenção da pessoa idosa, e dos que estão a envelhecer, que envelhecer não é sinónimo de adoecer, embora a vulnerabilidade à doença aumente com a idade. Como foi revisto, a actividade é importante na manutenção da funcionalidade, espelhando o investimento continuado no mundo externo, investimento que contribui para alimentar o amor-próprio da pessoa. 30 Enfim, envelhecer é um processo mais psíquico do que físico. No fundo, como se costuma dizer, a idade é um estado de espírito, o que ficou patente nos tipos de envelhecimento descritos. Envelhece-se biologicamente, é certo, mas sobretudo, envelhece-se quando deixamos de nos encantar com os processos de vida. Ao nível prático, o conjunto de resultados obtidos sobre a prevalência da depressão nos dois grupos institucionais, superior à sua ausência, sugerem que os efeitos da institucionalização podem ser, de facto, nocivos e vivenciados como perda. Principalmente quando se consideram os factores ambientais que se prendem com: (a) a uniformização dos comportamentos; (b) a falta de estimulação pessoal e afectiva das competências funcionais e sociais do idoso; (c) a dependência de como é organizado o seu tempo. São factores que, comparativamente ao grupo residencial, foram mais notórios dentro do grupo de internato colectivo, e que acrescem à perda de uma história de vida prévia dentro da comunidade, contribuindo para o declínio geral do idoso como pessoa, logo, dos seus índices de funcionalidade e de bem estar. Sugere-se, assim, que o modelo de internato colectivo oferece um ambiente que não é vivido como uma mãe suficientemente boa, e que dificilmente contribuirá para a elaboração dos lutos com os quais a pessoa idosa institucionalizada se confronta. Se calhar, as pessoas não foram feitas para, no fim das suas vidas perderem a actividade e colonizarem-se em instituições que mais parecem hospitais, ou, no melhor dos casos, hotéis, mas sempre à parte de todo um mundo, que lá fora continua na sua diversidade e complexidade. Um pouco a lembrar outras colonizações, como as colónias de índios, de emigrantes, de refugiados, ou do não muito longínquo “apartheid”. Não será a diversidade que nos inspira e estimula, junto com outros seres humanos de várias etnias, idades e comportamentos? (…) Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 31. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler Para os que já se encontram institucionalizados e deprimidos, espera-se por parte desta e de outras redes institucionais: (a) uma maior atenção e compreensão para o que se esconde por detrás do silêncio e das queixas somáticas; (b) uma cultura institucional que previna o surgimento e/ou agravamento de estados depressivos; (c) o diagnóstico médico e terapêuticas atempados; (d) uma maior humanização dos serviços de apoio à pessoa idosa, com o desenvolvimento de cuidados que se centrem mais pessoa e na 31 contenção das angústias individuais. Enfim, há esperança de que entre as possíveis implicações do presente estudo se trace uma cultura preventiva de envelhecimentos que encerram sentimentos de perda de vária ordem, como o sentimento de perda de segurança, de utilidade, de amor-próprio, de motivação e de esperança. Perdas que aqui se foram separando, a fim de as compreender melhor, mas que se reúnem em perdas sentidas e sofridas, inerentes a lutos enquistados, ou por elaborar. Lembrando Goethe (cit. por Benedict, s.d.): Quem quer conhecer e descrever o vivente, Procura primeiro desembaraçar-se do seu espírito, E depois de ter as diferentes partes na mão, Falta só, infelizmente, a faixa espiritual que as une. Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 32. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler 32 REFERÊNCIAS American Psychiatric Association (2002). DSM-IV-TR: Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais. Lisboa: Climepsi Editores. Bayle, F. (2000). O Idoso em 2000: Actualidades e perspectivas na intervenção psicossocial. Loulé: Instituto Universitário Dom Afonso III. Bayle, F. (2001). Freud e a psicanálise: Uma introdução pedagógica. Loulé: Instituto Universitário Dom Afonso III. Belsky, J. K. (1996). Psicología del envejecimiento: Teoría, investigaciones e intervenciones. Barcelona: Masson. Bento, A. & Barreto, E. (2002). Relações de objecto, vinculação e sistemas. In A. Bento & E. Barreto, Sem - amor, sem – abrigo (pp. 121-158). Lisboa: Climepsi Editores. Benedict, R. (s.d.). Padrões de Cultura. Lisboa: Edição Livros do Brasil. Berger, L. & Mailloux-Poirier, D. (1995). Pessoas idosas: Uma abordagem global: Processo de enfermagem por necessidades. Lisboa: Lusodidacta. Bianchi, H. (1989). La question du vieillissement. Paris: Dunod. Bleichmar, H. (1989). Depressão: Um estudo psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas. Bleichmar, N. M. & Bleichmar, C.L. (1992). A psicanálise depois de Freud: Teoria e clínica. São Paulo: Artmed Editora. Born, T. (2002). Cuidado ao idoso em instituição. In M. P. Netto, Gerontologia: A velhice e o envelhecimento em visão globalizada (pp. 403-414). São Paulo: Editora Atheneu. Bowlby, J. (1998). Separação: Angústia e raiva. São Paulo: Martins Fontes. Bowlby, J. (1985). Perda: Tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes. Cabete, D. G. (2005). O idoso, a doença e o hospital: O impacto do internamento hospitalar no estado funcional e psicológico das pessoas idosas. Loures: Lusociência Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 33. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler (…) 33 Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.
  • 34. Excertos do Livro: O Idoso Institucionalizado, de Sandra Cardão, Editora Coisas de Ler 34 Proteja os Direitos de Autor. Obrigado.