1. O documento apresenta o Teorema Chinês dos Restos, que estabelece que um sistema de congruências módulos primos tem sempre solução única quando considerado módulo o produto dos módulos.
2. O teorema permite reduzir a resolução de uma equação modular a um sistema de equações mais simples.
3. Dois métodos são apresentados para resolver sistemas de congruências usando o teorema: substituição iterativa e soma ponderada de soluções parciais.
1. 0.1
O Teorema Chinˆs dos Restos
e
Come¸amos com um exemplo simples que est´ na origem do resultado que vamos apresentar:
c
a
Exemplo 0.1 Um camponˆs tem um certo n´mero de ovos; quandos os divide por 3, sobra-lhe 1; quando
e
u
os divide por 4, sobram 2 ovos; e quando os divide por 5, sobram 3. Quantos ovos tem o camponˆs?
e
O que queremos aqui ´ a solu¸˜o simultˆnea de um sistema de equa¸˜es modulares
e
ca
a
co
mod 3
x≡1
x≡2
mod 4
x≡3
mod 5
Come¸ando pela primeira equa¸˜o, temos que qualquer solu¸ao x do sistema tem que satisfazer
c
ca
c˜
x = 1 + 3y
para algum y ∈ Z; substituindo na segunda equa¸˜o ficamos com
ca
3y + 1 ≡ 2
mod 4 ⇔ 3y ≡ 1
mod 4 ⇔ y ≡ 3
mod 4
e portanto y = 3 + 4z e x = 1 + 3(3 + 4z) = 10 + 12z, onde, mais uma vez, z representa uma nova inc´gnita
o
inteira; substituindo de novo na terceira equa¸˜o
ca
12z + 10 ≡ 3
mod 5 ⇔ 2z ≡ 3
mod 5 ⇔ z ≡ 4
mod 5
Conclu´
ımos que z = 4 + 5w e portanto a solu¸˜o do nosso sistema ´
ca
e
x = 10 + 12(4 + 5w) = 58 + 60w.
A resposta ` pergunta ´ portanto que o camponˆs poderia ter 58 ovos ou 118 ou 178, etc.
a
e
e
Que a solu¸˜o do sistema s´ fica determinada m´dulo 60 ´ evidente, uma vez que se x for solu¸˜o, qualquer
ca
o
o
e
ca
inteiro da forma x + 60w tamb´m seria solu¸˜o. Por outro lado, se x e y forem duas solu¸˜es do sistema,
e
ca
co
ent˜o x − y ser´ divis´ por 3, por 4 e por 5, e como estes s˜o primos dois a dois, x − y tem que ser divis´
a
a
ıvel
a
ıvel
pelo seu produto 60.
Podemos tamb´m observar que o facto de 3, 4 e 5 serem primos entre si dois a dois nos garantiu que ao
e
substituir o valor de x na segunda e depois na terceira equa¸˜o, ficar´
ca
ıamos sempre com uma equa¸˜o com
ca
solu¸˜es, uma vez que o coeficiente de y e depois de z ´ primo com o m´dulo da equa¸˜o respectiva.
co
e
o
ca
Vamos agora enunciar um resultado fundamental para a simplifica¸˜o da resolu¸˜o de equa¸˜es modulares:
ca
ca
co
Teorema 0.2 (Teorema Chinˆs dos Restos) : Sejam m1 , m2 , · · · , mk inteiros positivos primos dois a
e
k
dois (ou seja, se 1 ≤ i < j ≤ k ent˜o mdc(mi , mj ) = 1) e M = i=1 mi . Ent˜o, dados a1 , a2 , · · · , ak
a
a
quaisquer, o sistema de congruˆncias
e
mod m1
x ≡ a1
x ≡ a2
mod m2
.
.
.
x ≡ ak
mod mk
tem solu¸˜o que ´ unica m´dulo M .
ca
e´
o
1
2. Demonstra¸˜o 0.3 Comecemos por notar que a observa¸˜o feita a prop´sito do exemplo, vale em geral:
ca
ca
o
dada uma solu¸˜o do sistema ela ´ unica m´dulo M , uma vez que se x e y s˜o solu¸˜es, temos mi | (x − y)
ca
e´
o
a
co
para todo o i e como os mi s˜o primos dois a dois isso implica M | (x − y).
a
O m´todo iterativo de solu¸˜o usado no exemplo pode ser usado para fazer uma demonstra¸˜o por indu¸˜o:
e
ca
ca
ca
dado um sistema com duas equa¸oes
c˜
x ≡ a1
mod m1
x ≡ a2
mod m2
a solu¸˜o pode ser determinada como j´ vimos substituindo na segunda equa¸ao x por a1 + m1 y; a equa¸˜o
ca
a
c˜
ca
m1 y ≡ a2 − a1
mod m2
tem solu¸˜o unica m´dulo m2 uma vez que mdc(m1 , m2 ) = 1.
ca ´
o
Suponhamos agora, como hip´tese de indu¸˜o, que o resultado do teorema ´ v´lido para um certo k e seja
o
ca
e a
mod m1
x ≡ a1
x ≡ a2
mod m2
.
.
.
x ≡ ak
mod mk
x ≡ ak+1
mod mk+1
Chamemos n ao produto m1 × · · · × mk . Por hip´tese de indu¸˜o, o sistema constitu´ pelas primeiras k
o
ca
ıdo
equa¸˜es tem solu¸˜o unica c mod n; podemos ent˜o resolver o sistema de duas equa¸˜es
co
ca ´
a
co
x≡c
x ≡ ak+1
mod n
mod mk+1
a sua solu¸˜o, unica m´dulo n × mk+1 = M , ´ a desejada solu¸˜o do sistema de k + 1 equa¸˜es.
ca ´
o
e
ca
co
O Teorema Chinˆs dos Restos permite reduzir a resolu¸˜o de uma congruˆncia ` de um sistema de
e
ca
e
a
congruˆncias mais simples:
e
Exemplo 0.4 : Considere-se a equa¸˜o
ca
327x ≡ 171
mod 520;
Calculando mdc(327, 520) = 1 podemos deduzir que existe uma unica solu¸˜o e aplicar o m´todo explicado
´
ca
e
mais atr´s. No entanto, notando que 520 = 5 · 8 · 13, passamos ao sistema
a
mod 5
mod 5
327x ≡ 171
2x ≡ 1
327x ≡ 171
mod 8 ⇔
7x ≡ 3
mod 8 ⇔
327x ≡ 171
mod 13
2x ≡ 4
mod 13
mod 5
x≡3
x≡5
mod 8
⇔
x≡2
mod 13
Qualquer solu¸˜o da equa¸˜o inicial ter´ que ser tamb´m solu¸ao de cada uma das equa¸˜es do sistema e
ca
ca
a
e
c˜
co
reciprocamente, pelo Teorema Chinˆs dos Restos, qualquer solu¸ao do sistema ´ solu¸˜o da equa¸˜o inicial.
e
c˜
e
ca
ca
2
3. Usamos o mesmo m´todo de solu¸˜o do exemplo anterior: pela primeira equa¸˜o x = 3 + 5y; substituindo
e
ca
ca
na segunda temos
5y ≡ 2 mod 8 ⇔ y ≡ 2 mod 8
portanto y = 2 + 8z e x = 13 + 40z, o que nos d´, na ultima equa¸˜o,
a
´
ca
40z ≡ 2
mod 13 ⇔ z ≡ 2
mod 13
donde se deduz finalmente que x = 93 + 520w
´
E poss´
ıvel demonstrar o teorema de outra forma, que nos fornece igualmente um m´todo pr´tico de
e
a
solu¸˜o: Dado o sistema no enunciado, calcula-se, para cada 1 ≤ i ≤ k, um inteiro bi tal que
ca
m
bi ≡ 1
mi
Note-se que isto ´ poss´
e
ıvel, uma vez que mdc(
Verificamos que x definido por
mod mi
m
, mi ) = 1, ficando bi determinado naturalmente m´dulo mi .
o
mi
k
x=
i=1
m
bi a i
mi
m
mi
(mi e mj s˜o primos entre si) e portanto essas parcelas anulam-se m´dulo mj ; na parcela de ´
a
o
ındice j, devido
ao modo como escolhemos bj , temos
m
bj aj ≡ aj mod mj
mj
´ solu¸˜o do sistema; fixemos um ´
e
ca
ındice 1 ≤ j ≤ k; nas parcelas do somat´rio com i = j temos que mj |
o
Este m´todo de solu¸˜o torna-se mais util quando temos que resolver n˜o um mas v´rios sistemas de
e
ca
´
a
a
equa¸˜es com os mesmos m´dulos m1 , · · · , mk , como veremos a seguir.
co
o
O pr´ximo exemplo envolve equa¸˜es modulares de grau maior que 1 para pˆr em evidˆncia as vantagens
o
co
o
e
do segundo m´todo de solu¸˜o de um sistema.
e
ca
Exemplo 0.5 : Procuramos as solu¸˜es simultˆneas do sistema de equa¸˜es
co
a
co
2
mod 7
x ≡2
x3 ≡ 1
mod 9
4
x ≡3
mod 11
Como n˜o temos (por enquanto) nenhuma forma mais eficaz de tratar estas equa¸oes, procuramos as
a
c˜
suas solu¸oes directamente, calculando a2 em que a percorre todas as classes de congruˆncia m´dulo 7, e do
c˜
e
o
mesmo modo para as outras equa¸˜es. Conclu´
co
ımos que a primeira equa¸˜o tem duas solu¸˜es 3 e 4 m´dulo
ca
co
o
7, a segunda tem trˆs solu¸˜es m´dulo 9: 1, 4 e 7, e a terceira tem duas solu¸˜es 4 e 7. Ter´
e
co
o
co
ıamos portanto
que resolver os 12 sistemas de 3 equa¸˜es da forma
co
mod 7
x ≡ a1
x ≡ a2
mod 9
x ≡ a3
mod 11
3
4. onde a1 ∈ {3, 4}, a2 ∈ {1, 4, 7} e a3 ∈ {4, 7}.
Em alternativa, podemos usar o outro m´todo: resolvemos as equa¸˜es da forma
e
co
m
y≡1
mi
mod mi
Temos
99y ≡ 1
mod 7 ⇔ y ≡ 1
mod 7
e portanto podemos escolher b1 = 1. As outras equa¸˜es s˜o
co
a
77y ≡ 1
mod 9 ⇔ 5y ≡ 1
mod 9 ⇔ y ≡ 2
mod 9
mod 11 ⇔ 8y ≡ 1
mod 11 ⇔ y ≡ 7
mod 11
e
63y ≡ 1
e portanto b2 = 2 e b3 = 7. Substituindo os valores dos ai na express˜o
a
3
i=1
m
bi ai = 99a1 + 154a2 + 441a3
mi
obtemos as doze solu¸˜es pretendidas.
co
Recorde-se que os bi s˜o calculados m´dulo mi ; podemos portanto, por exemplo, pˆr b3 = −4; as solu¸˜es
a
o
o
co
obtidas s˜o as mesmas m´dulo m = 7 × 9 × 11 = 693, ainda que representadas por outros inteiros.
a
o
O Teorema Chinˆs dos Restos pode ser enunciado alternativamente do seguinte modo:
e
Teorema 0.6 : Se M = m1 × · · · × mk e mdc(mi , mj ) = 1 se i = j, ent˜o a aplica¸˜o
a
ca
ψ : Z/M → Z/m1 × · · · × Z/mk
definida por
ψ(a) = (a
mod m1 , · · · , a
mod mk )
´ uma bijec¸˜o.
e
ca
A existˆncia de solu¸˜o para qualquer sistema da forma
e
ca
mod m1
x ≡ a1
x ≡ a2
mod m2
.
.
.
x ≡ ak
mod mk
´ equivalente a ψ ser sobrejectiva; por outro lado, a propriedade de ψ ser injectiva ´ equivalente a aquela
e
e
solu¸˜o ser unica m´dulo M .
ca
´
o
Quando enunciado desta forma, o Teorema Chinˆs dos Restos ´ de demonstra¸˜o ainda mais simples: de
e
e
ca
facto, basta provar que ψ ´ injectiva, sendo a sobrejectividade uma consequˆncia imediata de o dom´
e
e
ınio e o
contra-dom´
ınio desta aplica¸˜o terem o mesmo n´mero de elementos. Mas ψ ´ injectiva uma vez que
ca
u
e
x≡y
mod mi ∀i ∈ {1, · · · , k} ⇔ x ≡ y
4
mod M.
5. Por outro lado, este racioc´
ınio n˜o nos indica como resolver na pr´tica um sistema, ou seja, dados ai ∈ Z/mi ,
a
a
como determinar
ψ −1 (a1 , · · · , ak )
´
E isso que as outras demonstra¸˜es fazem. De facto, a segunda dessas demonstra¸˜es d´-nos uma f´rmula
co
co
a
o
para a fun¸˜o inversa de ψ:
ca
k
m
bi ai
ψ −1 (a1 , · · · , ak ) =
mi
i=1
ou mais precisamente a classe congruˆncia m´dulo M deste inteiro.
e
o
5