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GOVERNANÇA TERRITORIAL E
DESENVOLVIMENTO: INTRODUÇÃO AO TEMA
Valdir Roque Dallabrida – UnC-

Governança é um termo utilizado por diferentes áreas do conhecimento,
principalmente, a sociologia, a política, a administração, a economia e a
geografia, nem sempre com o mesmo sentido¹. A literatura reconhece que
o conceito se origina em análises sobre o mundo das empresas, introduzido
por Ronald Coase em , quando publicou um artigo intitulado e nature
of the firm. O uso do conceito na referida obra não desencadeou grandes
debates, mas foi retomado nos anos , a partir do que se passou a utilizar o
termo governança para designar os dispositivos operacionalizados pela firma
para conduzir coordenações eficazes (referindo-se aos protocolos internos,
quando a firma desenvolve suas redes e questiona as hierarquias internas), aos
contratos e à aplicação de normas (quando ela se abre à terceirização). Mais
tarde o termo foi importado do campo empresarial para as discussões sobre
poder e organizações (Milani e Solinís, ).
     Em , o tema da governabilidade das democracias foi objeto de uma
análise cuja hipótese central era de que os problemas de governabilidade na
Europa ocidental, no Japão e nos Estados Unidos se fundavam na fratura
entre o aumento das demandas sociais e a falta de recursos (financeiros e
humanos) e de capacidade de gestão. Segundo Milani e Solinís (), tais
concepções exigiriam mudanças no campo das instituições e organizações e
no comportamento dos cidadãos.

     A partir de então, o debate em ciências políticas em torno do Estado centrou-se
     em suas falhas diante das funções regalianas associadas à regulação, ao bem-estar
     e ao desenvolvimento social. A partir da constatação das deficiências do Estado, as
     teorias políticas passaram a reconhecer que os atores não-estatais se forjam cada
     vez mais uma legitimidade para defender e promover o bem público. O Estado
     não mais deteria, de maneira exclusiva, o monopólio da promoção desse bem
     público, nem sua definição. Tratar-se-ia também de definir o espaço público no
     qual se produz a democracia atualmente, um espaço público constituído de uma
     rede complexa de interesses, de interações entre atores e escalões de intervenção
     política. (Milani e Solinís, , p. -)

     Tem-se a pretensão, aqui, de ressignificar o conceito governança, preterindo

. O termo governança é uma tradução para a língua portuguesa do termo em inglês governance
e, em francês, gouvernance. Na língua espanhola, utiliza-se o termo governança ou gobernanza.


                                                Governança territorial e desenvolvimento · 
a concepção atribuída ao termo por organismos internacionais, que relativizam
o papel do Estado. Dar-se-á um sentido mais próximo às ciências Geografia
e Política, ou seja, ressaltando o conceito governança territorial.
     O tema governança territorial tem sido abordado por mim em diferen-
tes oportunidades. Em Dallabrida (), tangenciava-se o tema, fazendo
referência à gestão societária do processo de desenvolvimento local/regional. A
referência direta ao termo governança territorial foi feita, de forma introdu-
tória, em Dallabrida e Becker ()².
     Em outro artigo (Dallabrida, ), o tema foi relacionado com a prática
do planejamento do desenvolvimento na perspectiva da institucionalização
de um processo de concertação público-privada. Já em Dallabrida (), o
tema foi inserido no debate sobre a dinâmica territorial do desenvolvimento.
Afirmava-se naquelas obras que a governança poderia ser entendida como
o exercício do poder e autoridade para gerenciar um país, território ou região,
compreendendo os mecanismos, processos e instituições através das quais os
cidadãos e grupos articulam seus interesses, incluindo como atores as represen-
tações dos agentes estatais. O exercício da governança territorial aconteceria
através da atuação dos diferentes atores, nas instituições e organizações da
sociedade civil, em redes de poder socioterritorial³. Defendia-se, também, que
a definição dos novos rumos para o desenvolvimento do território ou região
dependeria da constituição e emergência de um novo bloco socioterritorial⁴,


. Esta referência merece um comentário. Em , junto com o economista Dr. Dinizar
Fermiano Becker, iniciei o debate sobre o tema governança territorial. Este debate foi feito
numa das linhas de pesquisa do primeiro curso brasileiro de doutorado em Desenvolvimento
Regional – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional – Mestrado e Doutorado,
da Universidade de Santa Cruz do Sul-Unisc –, no qual tive a honra de fazer a primeira defesa
de tese. Nos primeiros dois anos, Dinizar foi meu orientador de tese. Infelizmente, não foi
possível continuar contando com a colaboração do professor Dinizar no debate do tema, pois
nos deixou naquele mesmo ano. Assim, a partir de então, individualmente, assumi a tarefa
de aprofundar o tema, procurando avançar. É fundamental lembrar aos pesquisadores que
Dinizar Becker deixou uma contribuição com enfoque próprio sobre o tema desenvolvimento
(local/regional/territorial), que ele mesmo preferia chamar de economia política neogramsciana
do desenvolvimento contemporâneo. Ver duas obras que sintetizam sua contribuição ao tema:
Agostini, Bandeira e Dallabrida () e Agostini e Dallabrida ().
. Redes de poder socioterritorial é um termo que se propõe utilizar para se referir a cada um
dos segmentos da sociedade organizada territorialmente, representados pelas suas lideranças,
constituindo-se na principal estrutura de poder que, em cada momento da história, assume
posição hegemônica, tornando-se capaz de dar a direção político-ideológica ao processo de
desenvolvimento (Dallabrida, ).
. Bloco socioterritorial é um termo que se propõe utilizar para se eferir ao conjunto de
atores localizados histórica e territorialmente que, pela liderança que exercem localmente,


 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
que, por meio de processos de concertação público-privada⁵ que contemplem
o caráter democrático-participativo, busquem construir consensos mínimos,
pela articulação dos diferentes atores e de suas diferentes propostas e visões
de mundo, resultando no pacto socioterritorial⁶, ou seja, o projeto político de
desenvolvimento da região.
     Prefere-se utilizar aqui o termo governança territorial para se referir às
iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada
territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento
conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais. Entre
os atores institucionais, incluiu-se, naturalmente, o Estado, com seus diferen-
tes agentes, que, no caso do Brasil, estão presentes nas instâncias municipal,
estadual e federal⁷.
     A análise dos diferentes processos de governança territorial e desenvol-
vimento contribuem para firmar a convicção de que governa e decide quem
tem poder. A governança, assim, sinteticamente, refere-se ao ato de atribuir
poder à sociedade para governar, ou de conquista de poder pela sociedade
para governar. Portanto, o exercício da governança é realizado através de
relações de poder⁸.
     Segundo Milani e Solinís (), a literatura acadêmica sobre governança
define o termo, grosso modo, como “um processo complexo de tomada de de-
cisão que antecipa e ultrapassa o governo” (p. ). Constatam os autores que
os aspectos frequentemente evidenciados nessa literatura sobre governança

assumem a tarefa de promover a definição dos novos rumos do desenvolvimento do território
(Dallabrida, ).
. Concertação público-privada ou, simplesmente, concertação social, é entendida como o
processo em que representantes das diferentes redes de poder socioterritorial, através de pro-
cedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da gestão territorial de
forma democrática e descentralizada (Dallabrida, ).
. A expressão pacto socioterritorial é aqui proposta para se referir aos acordos ou ajustes
decorrentes de processos de concertação social que ocorrem entre os diferentes represen-
tantes de uma sociedade organizada territorialmente, relacionados à definição de seu projeto
de desenvolvimento futuro. A construção de pactos, considerando a concepção teórica aqui
defendida, é indispensável que seja protagonizada pelos representantes das chamadas redes
de poder socioterritorial de um determinado território ou região (Dallabrida, ). Pactos
são, necessariamente, propostas repensáveis temporariamente e sempre que novas articulações
de poder ocorram.
. Reafirma-se a abordagem feita em Dallabrida (; ). A referência à necessidade de
inclusão no processo de governança territorial dos agentes estatais é importante, considerando
que algumas abordagens regionalistas sobre o tema relativizam o papel do Estado, quase ad-
mitindo a existência de uma certa autodeterminação da sociedade. Críticas sobre este enfoque
são feitas em Fernández e Dallabrida (), ressaltando o papel do Estado.
. Retoma-se a abordagem já feita inicialmente em Dallabrida (; ).


                                                Governança territorial e desenvolvimento · 
estão relacionados: à legitimidade do espaço público em constituição; à re-
partição do poder entre aqueles que governam e aqueles que são governados;
aos processos de negociação entre os atores sociais (os procedimentos e as
práticas, a gestão das interações e das interdependências que desembocam
ou não em sistemas alternativos de regulação, o estabelecimento de redes e
mecanismos de coordenação); e à descentralização da autoridade e das funções
ligadas ao ato de governar⁹.
     Boisier (), ao defender a construção do poder político local-regional
como condição necessária para uma maior participação democrática dos
cidadãos no destino de seu entorno espacial, seja o bairro, a cidade, a região
ou o território, faz uma afirmação interessante: “não se mudam as coisas por
voluntarismo, senão mediante o uso do poder” (p. ). O poder político que
toda a região deve acumular reconhece ser de duas fontes: () a descentraliza-
ção, enquanto esta supõe a transferência de poder, e () a concertação social,
enquanto esta supõe uma verdadeira criação de poder (a união faz a força).
No entanto, sem grandes ilusões, afirma o autor: “o poder que se acumula na
comunidade regional não é um poder para fazer uma revolução” (p. ). Só é
suficiente para “modificações nos parâmetros do estilo de desenvolvimento,
não nos parâmetros do sistema” (p. ).
     Mesmo que se concorde com os limites do poder da sociedade organi-
zada territorialmente, este não é desprezível, o que vislumbra a possibilidade
de uma gestão territorial societária (Dallabrida, ). Esta concepção não
é resultante apenas da reflexão teórica: a observação e o acompanhamento
de experiências empíricas a reforçam. As limitações do poder da sociedade
organizada territorialmente originam-se também de outros dois fatos: () da
impraticável autodeterminação da sociedade civil e, () do papel do Estado-
Nação, pois o Estado não morreu¹⁰.
     Em síntese, a governança territorial pode ser percebida como uma instân-
cia institucional de exercício de poder de forma simétrica no nível territorial.
A sua prática pode incidir sobre três tipos de processos: () a definição de uma
estratégia de desenvolvimento territorial e a implementação das condições
necessárias para sua gestão, () a construção de consensos mínimos, através
da instauração de diferentes formas de concertação social como exercício da
ação coletiva e, por fim, () a construção de uma visão prospectiva de futuro.


. Para uma síntese das diferentes concepções sobre governança, ver quadro em Milani e
Solinís (, p. ).
. É uma alusão, provocativa, aos defensores do fim do Estado-Nação, como Ohmae ().
No entanto, alerta-se: o Estado aqui defendido, certamente, não é o Estado que conhecemos
usualmente.


 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
A necessidade de uma prática qualificada é um requisito indispensável no
processo de governança territorial com vista ao desenvolvimento. A gestão
do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação público-privada,
implica uma revalorização da sociedade, assumindo o papel de protagonista,
com postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas
estatais nas suas diferentes instâncias (Dallabrida, ; ).
     O termo governança territorial passa a ter sentido assemelhado a outros
termos, tais como gestão social e gestão territorial. A governança territorial
articula-se com a gestão social na medida em que ambas compartilham a
ideia da inserção da ação coletiva organizada na participação e decisão do
destino dos rumos da sociedade.
     Sob o ponto de vista, principalmente, da geografia, o termo gestão terri-
torial pode ser utilizado para se referir aos processos de tomada de decisão
dos atores sociais, econômicos e institucionais de um determinado âmbito
espacial, sobre a apropriação e uso dos territórios tendo em vista a definição
de estratégias de desenvolvimento.
     Outro termo, gestão do desenvolvimento, utilizado em alguns textos
desta obra, também acaba tendo um significado próximo ao de governança
territorial. Fica uma tarefa para o futuro: revisar a literatura, avaliando o uso
de conceitos como governança territorial, gestão social, gestão territorial ou
gestão do desenvolvimento, identificando a adequação do seu uso e/ou suas
bases teóricas.
     Concorda-se com Boisier (), quando ele defende a construção do
poder político local-regional como condição necessária para uma maior
participação democrática dos cidadãos no destino de seu entorno espacial,
considera o processo de concertação social enquanto criação de poder e a
descentralização como processo de transferência de poder. Entende-se que
tudo isso está abarcado no sentido que aqui se atribui ao termo governança ter-
ritorial. Também se concorda com Milani e Solinís (), quando sintetizam
as diversas acepções atribuídas ao termo governança: legitimidade do espaço
público em constituição; repartição do poder entre aqueles que governam e
aqueles que são governados; processos de negociação entre os atores sociais;
descentralização da autoridade e das funções ligadas ao ato de governar.
     O desenvolvimento (local, regional, territorial) pode ser entendido
como um processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade
organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e
ativos (genéricos e específicos, materiais e imateriais) existentes no local, com
vistas à dinamização socioeconômica e a melhoria da qualidade de vida de
sua população.
     Assim, considerando as observações feitas acima, nada mais oportuno

                                         Governança territorial e desenvolvimento · 
que intitular esta obra, que trata de descentralização político-administrativa,
estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades estatais,
com dois conceitos-chave: governança territorial e desenvolvimento.
     Inicialmente, é fundamental que se ressalte que a reunião de um grupo
tão seleto de especialistas do Brasil, Chile e Argentina para escrever um livro
sobre governança territorial e desenvolvimento, tendo como foco central a
temática da “descentralização político-administrativa” é um feito que precisa
ser destacado, principalmente, por dois motivos: primeiro, pela importância
acadêmica, social e política do tema; segundo, pela oportunidade de eviden-
ciar e socializar reflexões teóricas, caracterização e análises de experiências,
na sua maioria resultante de investigações coordenadas por seus atores. No
seu conjunto, as contribuições dos autores, conseguem evidenciar, além das
fortalezas das experiências de descentralização político-administrativa rela-
tadas, seus principais desafios.
     Assim, a primeira parte do livro assume um caráter, prioritariamente, de
reflexão teórica sobre o tema em referência. No Capítulo , em Concepções
teóricas que sustentam o debate sobre descentralização político-administrativa
(Valdir Roque Dallabrida), é feita uma síntese das diferentes concepções teó-
ricas que originaram o debate sobre descentralização. Se analisada a essência
e os propósitos originais de tais abordagens teóricas seria possível referir-se
a certa “promessa não cumprida”, pois as expectativas indicadas contrastam
com uma prática pífia e cheia de desafios. Ou seja, por conhecer algumas
experiências brasileiras de descentralização, é possível afirmar que ainda há
uma longa distância entre a teoria e a prática. O capítulo finaliza, alertando:
analisando experiências de descentralização político-administrativa brasileiras,
em especial as dos estados do Rio Grande do Sul () e Santa Catarina (),
percebe-se que estão diante de um dilema, ou avançam rumo a um processo
qualificado de democracia deliberativa e/ou participativa, ou entrarão rapi-
damente no descrédito social.
     No Capítulo , intitulado Sociedade civil, participación, conocimiento y
gestión territorial. Mirando por el retrovisor: la década de los años noventa y
el proceso de redemocratización en América Latina, Sergio Boisier propõe-se
a fazer uma retrospectiva sobre o processo de redemocratização na América
Latina a partir dos anos . Refere-se a esta década como um marco histórico
que aponta para um novo estilo de governar, onde se retomam os valores da
democracia. Um dos propósitos do referido texto é aprofundar o entendi-
mento sobre a sociedade civil, ressaltando a importância da sua participação
no processo de construção e gestão do desenvolvimento territorial na sua
relação com o Estado. Ele finaliza o capítulo reafirmando os elementos de um
paradigma cognitivo útil para a gestão e o desenvolvimento territorial. Ou

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
seja, a necessidade da acumulação de conhecimento que permita à sociedade
 elaborar sua estratégia de desenvolvimento, que Boisier prefere chamar de
“projeto político regional” ou “projeto coletivo ou societal de futuro”.
      No Capítulo , Descentralização político-administrativa, gestão social
 e participação cidadã, Fernando Guilherme Tenório afirma que, apesar de
 evidências pontuais, como são os casos dos conselhos municipais, dos orça-
 mentos participativos e de outras inovações no compartilhamento de decisões,
 o estado da arte decisória no Brasil ainda carece de hábitos que estimulem
 o agir democratizante de uma sociedade deliberativa. No texto, ele procura
 demonstrar que descentralização e gestão social seriam conceitos convergentes
 na medida em que ambos propõem a democratização, por meio de processos
 decisórios, das relações político-administrativas. Assim, tangenciando o tema
 da descentralização, o foco de sua descrição é ressaltar a relação que este
 conceito tem com o de gestão social e o de participação cidadã. Para o autor,
 a gestão social espera que não só a transferência de recursos, mas também a
 decisão sobre sua aplicação, efetive a participação cidadã. A concessão por si
 só não basta. “Poder estar presente em todos os momentos de implementação
 de uma política pública é o mote central de processos decisórios participativos,
 de arranjos institucionais que consolidem a democracia deliberativa”, afirma
 o autor nas suas conclusões.
      Divido com Viro José Zimmermann a escrita do Capítulo , Estruturas
 subnacionais de gestão do desenvolvimento: a possibilidade dos consórcios
 intermunicipais de desenvolvimento no Brasil. Retoma-se a abordagem dos
 consórcios intermunicipais de desenvolvimento, concebendo-os como insti-
 tucionalidades de planejamento tático e operacional das ações de desenvolvi-
 mento local e regional, articuladas em estruturas de governança territorial com
 o caráter de espaços de concertação público-privada. Situando-os no contexto
 do federalismo brasileiro e considerando se tratarem de experiências recentes,
 os consórcios são apresentados como um paradigma a ser construído. Sua
 relação com o tema descentralização está no fato de poderem vir a se instituir
 em estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento qualificadas, em que
 o Estado assume sua função no processo, permitindo à sociedade definir, em
 seus fóruns de concertação, as ações a serem operacionalizados.
      Finaliza-se a primeira parte do livro com a contribuição de Carlos Antônio
 Brandão. Trata-se do Capítulo , Descentralização enquanto modo de ordena-
 mento espacial do poder e de reescalonamento territorial do Estado: trajetória
 e desafios para o Brasil. Inicia registrando os diferentes significados atribuídos
 à expressão descentralização. Vejamos alguns deles: instrumento democrático
 de distribuição de autonomia; meio viabilizador de maior participação cidadã;
 mecanismo de transferência de atribuições e de delegação de tarefas capaz

                                         Governança territorial e desenvolvimento · 
de multiplicar as estruturas de poder, realizando a transferência espacial de
 decisões; redistribuição territorial de poder. Como considera a descentralização
 uma temática complexa, propõe-se, com suas reflexões, a contribuir para o que
 ele sugere ser entendido como “reescalonamento territorial do Estado”, tarefa
 difícil mas necessária no Brasil, admitindo, no entanto, exigir uma agenda
 coletiva e de longo prazo para sua implementação e evolução. Isso, pois, para
 o autor, “discutir tal reescalonamento estatal e da estatalidade pode contribuir
 para a formulação de estratégias territorializadas de desenvolvimento mais
 consistentes e efetivas”. E acrescenta: “Essas estratégias, para sua adequada
 consecução, exigem uma abordagem das diversas escalas espaciais que se
 articulam no território em que se quer promover determinado processo de
 desenvolvimento”. Nesse sentido, afirma Brandão: “é imprescindível buscar
 construir estratégias multiescalares, governança multinível e pactos territoriais
 de desenvolvimento”. O autor faz algumas considerações sobre o processo
 de descentralização e o pacto federativo brasileiro, para, no final, debater a
 questão do “reescalonamento do Estado” e a necessidade de instituição de
“novos arranjos institucionais e pactos”.
      A segunda parte do livro dedica-se à caracterização, análise e avaliação
 da experiência de descentralização político-administrativa de dois estados
 brasileiros: Santa Catarina () e Rio Grande do Sul (). Inicia com o Capítulo
 , A reinvenção da relação Estado-sociedade através da gestão pública descen-
 tralizada: uma análise da descentralização política em Santa Catarina, Brasil,
 escrito pelos professores Oscar José Rover e Eros Marion Mussoi. Lembram
 os autores inicialmente que os primeiros passos da descentralização brasileira
 recente ocorreram através de processos de municipalização. Apesar disso, os
 processos de descentralização, a partir da Constituição de , passaram a
 se focar em escalas microrregionais, afirmando que as iniciativas municipa-
 lizadas, mesmo que bem-intencionadas, se mostraram restritas em produzir
 resultados desejados pela população. Apresentam os autores a experiência
 catarinense como um caso de descentralização da estrutura administrativa na
 busca da ampliação da participação social na gestão pública, referindo-se em
 especial ao caso das Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs) e dos
 Fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado (). Os autores focam a
 descentralização como processo de potencialização do ativo social na gestão
 pública, com uma dimensão pedagógica, fazendo várias considerações ava-
 liativas sobre o caso das SDRs. Concluem com uma afirmação fundamental
 a ser considerada no caso das SDRs e nos demais processos de descentrali-
 zação: a cultura política nacional ainda existente, com vícios históricos como
 o patrimonialismo e os procedimentos clientelistas no trato da coisa pública,


 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
potencializa as forças tradicionais dominantes dos territórios, em detrimentos
de processos qualificados de descentralização.
     O Capítulo , Participação cívica no processo de descentralização do de-
senvolvimento regional: a atuação dos Conselhos de Desenvolvimento Regional
no Estado de Santa Catarina, é uma colaboração das professoras Eliane Salete
Filippim e Adriana Marques Rossetto, além da bolsista Késya Margarida Hack.
As autoras iniciam afirmando que apesar dos avanços alcançados no Estado
de Santa Catarina em termos de articulação para o desenvolvimento, ainda
predomina, neste território, uma cultura centralista na formulação e gestão
de políticas públicas para o desenvolvimento regional. No entanto, uma das
possibilidades de superação do centralismo governamental é a efetiva par-
ticipação da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento Regional
(CDRs). O texto resulta de pesquisa realizada entre  e . Observou-se,
para a pesquisa, o ambiente dos CDRs distribuídos pelo estado, com desta-
que para a ª Secretaria, da região de Joaçaba. Os resultados apontam para a
necessidade de investimentos constantes e sistemáticos na capacitação tanto
dos conselheiros quanto do próprio processo de descentralização em Santa
Catarina, com vistas a fomentar e efetivar um projeto de desenvolvimento
regional que de fato seja intensivo na participação e responsabilização da
sociedade civil. Concluem defendendo o pressuposto de que a participação é a
principal maneira de expandir os ideais de descentralização, no entanto, falta,
ainda, à sociedade civil, tanto da região analisada como das demais regiões de
Santa Catarina, ascender aos meios efetivos de uma participação qualificada.
     O Capítulo , Promessas não cumpridas, mas propósitos logrados: a lógica
concentradora da política de descentralização em Santa Catarina, de Ivo Marcos
   eis, dá continuidade à abordagem da experiência de descentralização no
Estado de Santa Catarina, de  a . Refere-se à experiência das SDRs
em Santa Catarina como “estruturas governamentais geograficamente des-
centralizadas”. O objetivo do texto é examinar essa política da perspectiva
de seus resultados. A partir de evidências, como estudos realizados sobre as
SDRs de São Joaquim e Rio do Sul, afirma que a política de descentralização
no Estado de Santa Catarina, não produziu os efeitos anunciados, a descen-
tralização. Mas, as SDRs contribuíram para o fortalecimento do bloco de
poder político constituído no governo de Luiz Henrique da Silveira, que lhe
conferiria condições invejáveis para o exercício de seus dois mandatos, sua
eleição como Senador, além de fazer seu sucessor, o governador Colombo
(-). A esses resultados propõe chamar de “lógica concentradora da
política de descentralização” que teve lugar em Santa Catarina no período.
     Com o Capítulo , A trajetória do planejamento governamental no Rio
Grande do Sul: dos primórdios aos Coredes, escrito pelos professores Dieter

                                        Governança territorial e desenvolvimento · 
Rugard Siedenberg, Pedro Luís Büttenbender e Sérgio Luís Allebrandt, da
Unijuí (), começa a se fazer referência à experiência de descentralização
político-administrativa do Rio Grande do Sul, que terá continuidade em outros
capítulos. Como o próprio título sugere, o texto está focado nos processos
de planejamento governamental para o desenvolvimento, no caso, do Estado
do Rio Grande do Sul. Fazendo um retrospecto histórico das experiências de
planejamento do desenvolvimento no Brasil, mas de modo especial no Rio
Grande do Sul, os autores chegam ao início da década de , registrando a
criação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes). Mencionam
a experiência da implantação dos Conselhos Populares na administração de
Alceu Collares na Prefeitura de Porto Alegre, no período de  a , como
fato que foi dando corpo à ideia da criação de conselhos regionais de desen-
volvimento do Rio Grande do Sul. É no contexto destes fatos e mudanças que
a Assembleia Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul aponta que se cria
as condições para a regionalização e descentralização da ação governamental,
prevendo que a definição das diretrizes globais, regionais e setoriais da política
de desenvolvimento caberia a órgão específico, com representação paritária
do governo do estado e da sociedade civil. Os Coredes passam a se constituir
na institucionalidade que assume esta função, prevista na Constituinte do
Rio Grande do Sul.
     A caracterização da experiência gaúcha de descentralização continua
no Capítulo , Uma experiência de institucionalização de regiões no Brasil:
os Coredes do Rio Grande do Sul, escrito por Pedro Silveira Bandeira. O texto
apresenta os Coredes como uma experiência brasileira contemporânea de
institucionalização de nova escala territorial para a gestão pública, interme-
diária entre o estado e o município, que tem como objetivo articular atores
políticos, econômicos e sociais para promover a sua participação em atividades
relacionadas com a promoção do desenvolvimento regional. Com vinte anos
de existência (, se considerado o ano em que foram criados os primeiros
conselhos regionais, a ), reitera o autor que, embora sua atuação ainda
enfrente vários tipos de dificuldades, os Coredes conseguiram ocupar uma
posição relevante no quadro institucional do Estado, podendo ser considerados
uma das mais bem-sucedidas experiências desse gênero no país.
     Com o título A experiência dos Coredes no Rio Grande do Sul: uma análise
à luz da gestão social e da cidadania deliberativa, de Sérgio Luís Allebrandt
e Dieter Rugard Siedenberg, compõem o Capítulo . Retomam a temática
da democracia deliberativa, já referida no Capítulo , no entanto, com o foco
na análise da experiência dos Coredes. Propõem-se no texto a fazer uma
análise de aspectos da organização e do funcionamento dos Coredes, à luz
de uma matriz de categorias e subcategorias, construídas a partir de diversos

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
modelos. Iniciam os autores lembrando que a participação da sociedade civil
na gestão pública ainda é recente no Brasil. O processo de redemocratização
a partir da década de  caracterizou-se, no plano político, não apenas
pela consolidação do sistema democrático-representativo, mas também pela
institucionalização de um conjunto de instrumentos legais incorporados na
Constituição Federal de , nas constituições estaduais e nas leis orgânicas
municipais, possibilitando a instituição de dinâmicas, arranjos e mecanismos
participativos na gestão das políticas públicas, citando como exemplos os
Coredes, os Fóruns de Desenvolvimento de Santa Catarina da década de 
a . Os autores registram que raras são as experiências que procuraram
transferir para o âmbito supramunicipal e estadual dinâmicas de inserção
direta e participação da sociedade no processo de discussão e promoção do
desenvolvimento e das decisões sobre as políticas públicas. São mais raras
ainda, experiências de âmbito regional/estadual que sobreviveu a diferentes
governos estaduais. Nesse sentido, os Coredes, apesar das dificuldades de
toda ordem, sobreviveram a seis administrações estaduais coordenadas por
diferentes partidos e coligações partidárias, mantendo sua independência e
autonomia em relação a partidos políticos e ideologias programáticas dos
governos. Finalizam dizendo: “A democracia é uma construção. Coredes
e Comudes constituem-se numa nova forma de praticar a democracia. Os
Coredes e Comudes constituem-se em processos de cidadania deliberativa
que vêm produzindo mudanças, ainda que lentamente, na perspectiva pública
dos indivíduos, na cultura da sociedade civil, na postura e modo de agir da
sociedade política e no modus operandi da máquina burocrática e dos governos.
Mas esse é um processo de mudança em longo prazo, para o qual é necessária
uma prática contínua e não episódica e pontual”.
     O Capítulo , O contexto dos planos de desenvolvimento para o Rio Grande
do Sul e do planejamento estratégico para os Coredes, dos professores Dieter
Rugard Siedenberg, Sérgio Luís Allebrandt e Pedro Luís Büttenbender, aborda
aspectos da trajetória do processo de planejamento do desenvolvimento, em
suas relações com a alocação de recursos públicos por meio dos orçamentos
estaduais para o atendimento das demandas prioritárias das diversas regiões.
Destacam os autores a caminhada dos Coredes e suas inter-relações com as
diferentes dinâmicas dos diversos governos estaduais, dando destaque ao pe-
ríodo recente – - –, com a concretização de uma meta histórica dos
Coredes, qual seja a elaboração dos planos estratégicos de desenvolvimento
das diferentes regiões gaúchas, apresentando a metodologia adotada para o
processo de planejamento. Finalizam, apontando os aspectos positivos desse
processo e os desafios e limites para avançar na sua qualificação, reafirmando
que a persistência do movimento dos Coredes na perseguição do processo de

                                       Governança territorial e desenvolvimento · 
promoção do desenvolvimento das regiões e do estado deve ser reconhecida
como um dos principais indutores de novas visões por parte dos políticos e
de inovações na máquina pública estatal do Rio Grande do Sul.
     O Capítulo , Coredes: estruturação, articulações intra e inter-regionais,
referenciais estratégicos e considerações críticas, é mais uma colaboração dos
professores Pedro, Dieter e Sérgio, da Unijuí. Iniciam os autores afirmando
que a definição das políticas públicas de desenvolvimento, das estruturas
de governança regional [ou estruturas subnacionais de gestão do desenvol-
vimento] e dos processos de planejamento e gestão requer o envolvimento
do governo e da sociedade civil, atuando em diferentes espaços de organi-
zação social através de diversos instrumentos e mecanismos de participação.
Centram o foco na experiência e trajetória dos Coredes, reafirmando que ela
se configura como uma estratégia pioneira de organização regional no Brasil,
instituída no início da década de  e tendo continuidade até hoje, onde a
estrutura institucional, os mecanismos de participação social, as formas de
encaminhamento das demandas regionais, o amadurecimento dos processos
e relações entre governo e sociedade foram sendo aperfeiçoados ao longo do
tempo. O objetivo dos autores com o capítulo é o de sintetizar os principais
aspectos relacionados à gênese, estrutura, trajetória, forma de funcionamento
e articulação dos Coredes, visando subsidiar uma análise crítica da sua atu-
ação, bem como, apontar melhorias e potencialidades capazes de qualificar
e consolidar a experiência gaúcha. Na avaliação crítica, apontam a prática
de alguns desvios em suas atribuições legais e históricas, exigindo avanços,
principalmente em algumas regiões onde o respaldo de instituições de ensino
superior, com o aporte do seu respectivo quadro técnico, não se faz muito
presente. Isso também pode ser decorrente, segundo a análise dos autores,
do jogo das forças e corporações que atuam regionalmente nos processos
de participação popular. Além disso, estão presentes alguns desafios a serem
superados: necessidade de compatibilização de questões de regionalidade;
necessidade das lideranças melhorarem sua capacidade de gerenciar con-
flitos e interesses políticos, institucionais, sociais e corporativos emergentes,
articulando-os com as potencialidades e oportunidades que se oferecem em
seu território; não uniformidade de concepções de desenvolvimento o que
implica em diferenciação de posicionamento das lideranças ao pautarem suas
ações; desigual força de pressão das representações corporativas e populares,
refletindo no momento de definir projetos que venham receber recursos do
orçamento estadual, com o consequente prejuízo de interesses coletivos ou
projetos estruturantes; a prática do achismo das lideranças na definição de
projetos estruturantes, muitas vezes se contrapondo aos estudos técnicos;
necessidade de avanços no aprendizado que a sociedade gaúcha ainda precisa

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
fazer em relação à participação popular e ao exercício da cidadania; presença,
ainda, de elevada dose de empirismo e amadorismo nos processos de plane-
jamento, ou seja, suas atividades são muito mais fruto de um constante ajuste
aos interesses políticos emergentes ou dominantes; necessidade das estratégias
propostas estarem mais focadas em ações e/ou projetos estruturantes, supe-
rando a prática de demandas setoriais e de forte caráter corporativo. Apesar
dos desafios apontados pelos autores, os quais têm uma inserção histórica
no processo, partilham posicionamento referido aqui por outros autores, a
respeito do reconhecimento dos Coredes como uma experiência pioneira e
emergente, em permanente processo de aprimoramento e de transformação.
     O Capítulo , Gestão territorial e desenvolvimento: descentralização, estru-
turas subnacionais de gestão do desenvolvimento, capacidades estatais e escalas
espaciais da ação pública, mais uma contribuição minha, apresenta o resultado
de um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade do Contestado
(UnC) entre  e , que se propôs a investigar a inter-relação entre a
descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento,
as capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, analisando sua
interferência no processo de desenvolvimento regional do Estado de Santa
Catarina. Compreendeu entrevistas com questões abertas atingindo infor-
mantes qualificados envolvidos nos processos de descentralização, além de
seções de grupo focal e análise documental. Na discussão conceitual, utiliza-se
o termo gestão territorial para referir-se aos processos de tomada de decisão
dos atores sociais, econômicos e institucionais de um determinado âmbito
espacial, sobre a apropriação e uso dos territórios, com vistas à definição de
estratégias de desenvolvimento. Já o termo estruturas subnacionais de gestão
do desenvolvimento é introduzido para referir-se às diferentes estruturas ins-
titucionais envolvidas no processo de gestão do desenvolvimento, tais como
fóruns, conselhos, secretarias, agências e consórcios de desenvolvimento. A
partir de vários autores, o Estado é concebido como ator principal na regulação
e controle dos processos econômicos e sociais que ocorrem territorialmente,
destacando também o desafio de que o mesmo assuma o papel de estabelecer
uma comunicação estratégica com os atores territoriais, com o fim de definir
a inserção dos territórios no processo de globalização. Como resultado da
pesquisa, o texto traz interessantes considerações sobre a experiência de
Santa Catarina, centrando-as em três aspectos: os vínculos entre o Estado e
os diversos atores com recursos de poder nas diferentes fases do processo de
descentralização; as principais modificações do Estado e suas capacidades
no período analisado; a questão da escala espacial nos diferentes processos
de planejamento e gestão do desenvolvimento. Pela análise das entrevistas, é
possível concluir que ao prover as regiões de estruturas subnacionais de gestão

                                         Governança territorial e desenvolvimento · 
do desenvolvimento, o problema não se resolve com a montagem de estru-
 turas físicas de governo, como no caso das Secretarias de Desenvolvimento
 catarinenses. Com processos deste tipo, os setores dos governos criam suas
 regionalizações, não coincidindo com recortes territoriais históricos, ou se
 sobrepondo, reproduzindo práticas políticas clientelistas ou fisiologistas, com
 medo de dividir poder. Paralelamente, de parte da sociedade regional, existe
 o corporativismo setorial, os bairrismos regionais, seus interesses individu-
 alizados localmente, sem uma visão integrada de região, macrorregião, país.
 É o desafio percebido na realidade catarinense, presente também em outras
 experiências de descentralização. Finaliza, assumindo o desafio de apontar
 possíveis parâmetros organizacionais de estruturas subnacionais de gestão
 do desenvolvimento que poderiam ser contempladas nos processos de des-
 centralização político-administrativa.
      A segunda parte deste livro é finalizada com o Capítulo , A experiência
 de descentralização político-administrativa dos estados de Santa Catarina e Rio
 Grande do Sul: concepções, percepções e síntese avaliativa, texto que elaboro em
 parceria com dois colegas, Pedro Luís Büttenbender e Walter Marcos Knaesel
 Birkner. Como epígrafe do capítulo, um texto de Sergio Boisier, que entende-
 mos define o grande desafio das experiências analisadas. “A descentralização
 pode ser criada por decreto ou pela lei, em seus aspectos formais, no entanto,
 não é possível tirar da cabeça das pessoas o centralismo mediante idêntico
 mecanismo. Existe, pois, uma grande assimetria entre ambos (descentraliza-
 ção e centralismo) desde o ponto de vista de sua construção/desconstrução”.
 No seu conjunto, o texto propõe-se sintetizar de uma forma esquemática as
 principais análises feitas sobre as experiências de descentralização político-
-administrativa dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tomando
 por base obras publicadas nos últimos oito anos. Tais obras resultam de inves-
 tigações realizadas por pesquisadores de diversas universidades brasileiras. O
 objetivo é destacar as diferentes percepções sobre o tema, seja das lideranças
 entrevistadas, ou dos autores de estudos realizados. Tem-se como propósito
 que estas análises possam servir de referenciais para uma avaliação das expe-
 riências de descentralização político-administrativa, do Brasil e mesmo dos
 demais países da América Latina. Conclui-se afirmando que as experiências de
 descentralização só tenderão a avançar na medida em que no interior de cada
 processo de desenvolvimento a qualidade for revelada e conquistada através
 da crescente organização e participação da população, além da qualificação
 de suas instâncias de representação, nos processos decisórios relacionados à
 dinâmica do planejamento e gestão do desenvolvimento. Permanecem muitas
 interrogações, dentre as quais: como conciliar a democracia representativa
 com a democracia participativa, como arranjo institucional que amplia a

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
democracia política? Como conciliar interesses e particularidades micror-
 regionais, de ordem política, econômica e cultural, conflitos particulares das
 microrregiões, aos objetivos maiores da descentralização e à potencialização
 do desenvolvimento regional? As experiências de descentralização referidas,
 quais aspectos poderiam servir de referência para outras experiências, quais
 as perspectivas futuras, quais avanços, para quais expectativas? São questões
 que instigam a continuidade da investigação e debate sobre o tema.
      O Capítulo , um texto do professor paraense Eduardo José Monteiro da
 Costa, Planejamento territorial, gestão de políticas públicas e descentralização
 regional: a experiência do Estado do Pará, inicia a terceira e última parte do livro,
 que se refere a outras experiências brasileiras, além do Chile e da Argentina. O
 texto inicia com algumas reflexões conceituais, dentre as quais, a de território,
 concebido pelo autor como um “espaço construído social e historicamente por
 meio da cultura, das instituições micro e meso-regionais e da política”, como
“um espaço de disputa de poder”. Por isso, segundo o autor, “Cada território
 dá origem a formas específicas de organizações e instituições que lhe são
 peculiares e que hão de incentivar ou coibir o seu desenvolvimento”. Ainda:
“o desenvolvimento… é sempre promovido por agentes de uma sociedade
 que tem uma cultura, formas e mecanismos próprios de organização”. Logo,
“o subdesenvolvimento de uma sociedade acaba sendo em grande medida
 expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública e social, no qual
 os interesses individuais ou externos acabam prevalecendo”. Para arrematar,
 afirma: “sua superação somente pode ser concebida no quadro de um projeto
 político transescalar, articulado e coordenado pelo Estado como centro de
 decisão válido, capaz de subordinar os interesses individuais aos interesses
 regionais e nacionais coletivos”. Desculpas ao autor e aos leitores, por estar
 citando partes do texto. Tem um propósito especial: primeiro, comungo em
 boa parte com o que está escrito; segundo, serve de indicativo para reflexão,
 quando nos deparamos com os desafios de outras experiências. No mais, o
 texto faz uma caracterização do espaço de intervenção territorial do Estado do
 Pará, no período de -, como propósito de se constituir num processo
 de planejamento territorial participativo. Contempla um conjunto de instru-
 mentos de Política de integração regional do Estado do Pará, com propósitos
 bem definidos e inovadores. Infelizmente, como reconhece o autor, o que se
 observou na experiência paraense, é que “os quadros do governo estadual e
 das prefeituras municipais ainda não estavam preparados e qualificados para
 a implementação de um processo de planejamento com participação popular”.
 Afirma ainda que “o planejamento territorial necessita de uma sociedade es-
 clarecida, amadurecida e possuidora de uma institucionalidade adequada. A
 cultura, o capital social e a capacidade de governança são elementos decisivos”.

                                            Governança territorial e desenvolvimento · 
Concordemos totalmente, em parte, ou não, com isso, é importante reafirmar
que tais questões não explicam apenas certo insucesso da proposta de plane-
jamento territorial participativo do Pará. É um desafio universal para todas
as experiências, diferindo apenas na sua intensidade.
     No Capítulo , Escalas urbana e regional: discursos e práticas de descen-
tralização no Paraná (-), aís Kornin e Rosa Moura apresentam uma
reflexão acerca do processo de planejamento e formulação de políticas nas
escalas urbana e regional no Paraná, enfocando o período dos dois últimos
governos estaduais – /. Corresponde às administrações estaduais de
Lerner e Requião, que, por se fundamentarem em visões ideológicas antagô-
nicas, apresentam discursos e práticas diferenciados no âmbito da governança
e na definição de estratégias de desenvolvimento. No entanto, enquanto
Lerner, por vias da adoção do receituário neoliberal, cristaliza o quadro de
extrema concentração dos aportes financeiros e técnicos nos espaços mais
dinâmicos do estado, Requião, apesar da intenção descentralizadora, não
reverte o quadro, historicamente construído, de uma configuração territorial
que contrapõe espacialidades concentradoras e desiguais. As autoras fazem
um resgate histórico do processo de organização do território paranaense,
considerando as diferentes formas de intervenção do Governo do Estado no
território. Afirmam que historicamente não houve um planejamento urbano
e regional em seu sentido abrangente, pois mesmo que em alguns momen-
tos a ação do Estado estivesse voltada à elaboração de planos regionais de
desenvolvimento, este exerceu mais o papel de dar suporte às exigências do
capital. No governo de Lerner, destacam o papel exercido pelas Associações
de Municípios (AMs). Mesmo assim questionam se estas estariam habilitadas
a instituírem como os arranjos institucionais recomendados para assumir o
papel de gestoras de projetos governamentais. Já no governo de Requião foi
instituída a Política Estadual de Desenvolvimento Urbano e Regional, como
um sistema de planejamento urbano e regional permanente. Para a finali-
dade específica do desenvolvimento regional foi criada a Coordenadoria
das Regiões Metropolitanas, Microrregiões e Conselhos das Cidades. Ao
mesmo tempo, a Secretaria de Estado do Planejamento divulgou a Política de
Desenvolvimento do Estado, em , priorizando as regiões com menores
índices de desenvolvimento humano, respeitando os limites fiscais das contas
públicas. A avaliação das autoras é que esta política se resumiu a um plano de
definição orçamentária e distribuição regional dos investimentos estaduais,
nesse sentido não podendo ser considerada uma política de desenvolvimento.
Em geral, apesar do importante papel assumido historicamente pelas AMs,
as autoras consideram que estas não se configuram ainda em instâncias com
capacidade jurídico-institucional, nem condições técnicas de assumir o papel

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
de gestoras do desenvolvimento. Somadas às AMs, no âmbito das iniciativas
da sociedade civil organizada, destacam-se as Agências de Desenvolvimento
Regional, que se constituem em um arranjo institucional de caráter territorial e
operacional, com a proposta precípua de atuar no sentido de realizar a gestão do
desenvolvimento. No entanto, essa concepção se contrapõe à visão tradicional
de planejamento, na qual o protagonismo do Estado é determinante. Assim,
concluem, no Paraná, a ausência de uma ação planejada e implementada por
um Estado forte, de forma participativa, dá margem a que os interesses do
capital privilegiem segmentos e municípios mais capacitados. A descentrali-
zação político-administrativa ainda é um grande desafio, também no Paraná,
pois nem associações de municípios, nem agências de desenvolvimento, se
mostram como as instâncias mais adequadas para assumir o papel de gestoras
do desenvolvimento.
     O Capítulo , Federalismo e associativismo territorial em regiões pobres
do país: o caso do Codessul, é uma contribuição de Catarina Ianni Segatto e
Fernando Luiz Abrucio. Iniciam afirmando que o associativismo territorial,
como o caso dos consórcios, é um fenômeno cada vez mais importante na
federação brasileira. Ele tem sido disseminado em razão, principalmente, dos
limites da descentralização e da reduzida capacidade financeira e institucional
de grande parte dos municípios. Para discutir este problema, o capítulo trata
do caso do Consórcio de Desenvolvimento da Região do Sertão Central Sul
(Codessul). Esta experiência foi escolhida em razão de abarcar governos locais
marcados pela fragilidade econômica e institucional. A análise feita pelo texto
ressalta, ao mesmo tempo, os limites e as possibilidades do municipalismo
e do intermunicipalismo em regiões mais carentes do país, o que permitiu
uma maior compreensão do papel dos atores e das instituições na constru-
ção e durabilidade dos consórcios em regiões marcadas pela desigualdade e
fragilidade institucional.
     Com o texto Política y Territorio en Argentina, Oscar Madoery dá sua co-
laboração a esta obra, com o Capítulo . Registra inicialmente que a Argentina,
recuperou desde  um padrão institucional democrático e desde  está
aprofundando um modelo de crescimento econômico com inclusão social,
propondo-se a um processo de configuração de uma nova matriz de políticas
territoriais, baseada num novo equilíbrio entre as esferas nacional, provincial e
municipal de governo. No entanto, segundo o autor, para superar os postulados
neoliberais predominantes nas últimas décadas do século , se requer que
as políticas territoriais interfiram no fortalecimento institucional e na gestão
da esfera central do Estado, além do aumento real das capacidades das esferas
subnacionais. Para o autor, a Argentina necessita uma reconstrução territorial
e uma institucionalização do equilíbrio de poder, enquanto atribuições entre

                                         Governança territorial e desenvolvimento · 
as esferas de governo. No texto faz um retrospecto procurando caracterizar
 um histórico processo de desenvolvimento territorialmente fragmentado, a
 problemática relação Nação-províncias-municípios com o desvirtuamento de
 seus papéis, especialmente no período neoliberal, com suas consequências, no
 entanto, apresentando novas perspectivas, a partir de , com o que chama
 de um novo projeto de desenvolvimento nacional. Dentre os propósitos destas
 novas políticas de desenvolvimento, destaca-se a recuperação econômica, com
 forte impacto social e no emprego, resultando num novo regime de acumula-
 ção produtiva com inclusão social. O autor dá destaque especial à experiência
 dos Acordos Territoriais de Emprego, da província de Rosário, ressaltando
 o enfoque territorial das políticas de desenvolvimento. O exemplo, segundo
 Madoery, demonstra que quando se ampliam as responsabilidades de decisão
 e gestão por parte dos atores territoriais, se induz a uma maior participação e
 se produz a “ativação de energias sociais” que fortalece as políticas e amplia o
 campo de possibilidades. Em que resultam estas práticas? Madoery responde:
“A articulação e coordenação de políticas socioeconômicas é um processo
 político complexo, atravessado por tensões sociais, protagonizado por pessoas
 com interesses próprios, por sujeitos situados, por instituições com missões e
 valores pré-definidos. É uma prática que aspira a provocar sinergia de ações
 em temas estratégicos”. Sinergia, entendida como “cooperação, concurso
 ativo e concertado de vários órgãos para realizar uma função”. Eis o desafio
 da prática da descentralização! Finaliza, reafirmando, como o fazem outros
 autores nesta obra, que está claro que não há desenvolvimento sem um Estado
 qualificado e forte em todos seus níveis (nacional, estadual e municipal). No
 caso da Argentina, considera isso o grande desafio futuro, o que parece não
 seria equivocado universalizar a afirmação para toda a América Latina.
      O Capítulo , Descentralización desde la región: experiencias y necesida-
 des cognitivas estratégicas en Chile, de Patricio Vergara Rojas e Myrtis Arrais
 de Souza, Tarapacá-Chile. O texto se concentra no relato e caracterização de
 uma experiência inédita no Chile, a proposta de um pacto territorial para a
 descentralização de e para Tarapacá, uma região do norte chileno. Resulta do
 Programa Tarapacá: Región piloto de descentralización en Chile, desenvolvido
 com o envolvimento dos autores, com apoio do Gobierno Regional de Tarapacá
 e da Red Dete-/Cordunap. Tal programa foi pensado há mais tempo e
 desenvolvido nos últimos anos, com a aprovação do seu conselho gestor em
 meados de . Trata-se de um processo direcionado ao desenvolvimento
 duradouro da região e o aprofundamento da democracia, tendo como foco
 o fomento produtivo e a atração e retenção de capital humano qualificado,
 entendendo tais formas de descentralização como condição para oportuni-
 zar o desenvolvimento regional. A região em referência apresenta intenso

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
crescimento demográfico e imigração estrangeira, que enfrenta o desafio de
 aproveitar o ciclo de crescimento da exploração de recursos minerais, para
 construir uma plataforma de sustentabilidade econômica para a região. Para
 tal há a compreensão da urgência e relevância da necessidade de melhorar
 a sinergia cognitiva regional, pois sem uma massa crítica de inteligência
 estratégica regional, a descentralização se fragiliza e seus benefícios econô-
 micos e políticos se diluem. Já se percebe no cenário atual, em função do
 forte crescimento econômico, alterações socioterritoriais, com a evidência
 de conflitos e redução da coesão social. A proposta para o enfrentamento de
 tais condições, relatada no texto dos autores, é a estruturação de um Centro
 de Pensamento Estratégico Territorial (Cepet), o que se trata de instituição
 geradora, processadora e difusora de conhecimento estratégico territorial que
 tem como principal característica sua orientação de apoio à política pública
 territorial e à formação de agentes de desenvolvimento regional, sustentado
 no paradigma político de governança e com enfoque no desenvolvimento
 endógeno. A expectativa é que este centro possa contribuir na articulação de
 agentes e na construção de um projeto político regional capaz de conciliar os
 interesses regionais em jogo. O texto centra-se ainda na análise da descentra-
 lização chilena, fazendo um retrospecto histórico e apontando seus desafios,
 convergindo com outros autores na ideia de que tais processos ocorrem numa
“sociedade de elites”, entendendo a descentralização como instrumento da
 democracia e do desenvolvimento, que não pode ser uma política nacional de
 cunho centralista. Estou me convencendo de que institucionalidades como os
 Cepet, semelhantes ao que é proposto no texto, representam algo que precisa
 ser considerado nas experiências de descentralização brasileiras.
      Considerando sua consistência e amplitude no debate do tema em questão,
 nada melhor do que finalizar esta obra com mais uma contribuição de Sergio
 Boisier. Trata-se do Capítulo , Descentralización en un Estado unitário: la
 doctrina (oculta) de la descentralización chilena, que retoma a experiência
 histórica de descentralização no Chile. Nele, Boisier dá uma atenção espe-
 cial à análise da Lei Orgânica Constitucional de Governo e Administração
 Regional (Locgar), de , do governo nacional chileno, considerada por
 muitos como a mais profunda reforma de Estado efetuada no século , já que
 não se trata somente de uma reforma procedimental, mas também estrutural.
 Quase  anos depois, faz uma avaliação de suas potencialidades e limitações,
 referindo-se à mesma como “doutrina oculta”, utilizando a famosa frase de
 Gregory Bateson – El nombre no es la cosa nombrada ni el mapa el territorio
–, para referir-se aos seus resultados. Afirma o autor que, mesmo que fossem
 resolvidas as questões de caráter técnico, que tem a ver com a epistemologia
 e a metodologia do desenvolvimento, ficariam perguntas sem resposta: de

                                        Governança territorial e desenvolvimento · 
que servirá ter nas regiões um aparato institucional bem desenhado para
“fazer governo subnacional” efetivamente, se não se sabe claramente em que
 consiste isso, numa “sociedade do conhecimento”? De que servirá a estrutu-
 ra organizacional governamental nas regiões, se ocupa-se apenas em “fazer
 mais do mesmo”? “Fazer mais do mesmo, pode resultar na marginalização
 de uma proporção exponencialmente crescente da população dos beneficios
 do desenvolvimento”. Estas são questões que Boisier, com sua experiência
 de mestre, propõe-se discutir no texto. Inicia por uma rápida retrospectiva
 sobre a aplicação da Locgar, referindo-se a ela como uma versão refinada da
 ambivalente cultura nacional chilena, profundamente centralista. Reafirma:
“a cultura não se muda mediante uma lei e o que se faz no Chile, para deixar
 a todos satisfeitos, é dar um nome, a algo, a processos, a decisões, nome que
 sugere um ideal totalmente distinto da realidade”. Avaliemos: o que dizer do
 que se faz nos demais países da América Latina? Certamente, a leitura deste
 e dos demais capítulos deste livro mostrará que esta questão está presente, e
 apresenta-se como grande desafio a ser superado, nas experiências analisadas
 de descentralização. Para Boisier, é preciso reconhecer que os textos legais
“não permitem fazer governo nas regiões”, se por governo se entende a função
 executiva e política. Em boa parte, finaliza Boisier, o processo descentralizador
 chileno, tem um fundo doutrinário oculto, que não tem interesse em que seja
 explícito: “la administración se descentraliza, el poder jamás” ! “A questão está
 em que esta doutrina é muito pouco democrática” ! Ou seja, descentraliza-se
 estruturas, não o poder de decisão. Só no Chile acontece isso?
      Finalmente cabe aqui o reconhecimento da consistência teórica dos
 textos apresentados no presente livro. Coube a mim, além de minha singela
 contribuição, fazer a provocação inicial e criar as condições operacionais e
 financeiras para a construção da obra, além de articular o grupo, estimulá-lo
 no cumprimento dos prazos e fazer a formatação e a organização dos capítulos.
 Muito obrigado a todos, e meus parabéns pela contribuição individual para
 a qualidade geral da presente obra.
      Além do que já foi dito nesta introdução, parece-me de fundamental
 importância que se registre, ainda, alguns aspectos que marcaram o processo
 de construção desta obra. Refiro-me à proposta de que, ao longo do período
 de elaboração dos textos que compuseram os artigos, o grupo dos autores
 pudesse se encontrar e fazer uma discussão, perguntando-se, mutuamente:
 e daí, considerando as fortalezas e deficiências, os principais desafios, as expe-
 riências de descentralização do Brasil e da América Latina, quais as perspecti-
 vas destas e que avanços são necessários? Considero que esta expectativa foi
 atendida apenas em parte. O motivo principal foi a dificuldade de acertar
 uma agenda comum para um grupo significativo de autores. Por outro lado,

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
tem-se o reconhecimento de que o tema, pela sua complexidade, ainda exige
mais investigação e reflexão, tanto na academia quanto nas instâncias estatais
e no meio social.
     Mesmo assim, conseguimos nos encontrar em duas oportunidades e com
parte do grupo. A primeira oportunidade foi no dia  de abril de , em
Itapema (), quando, aproveitando uma viagem à UnC do professor Sergio
Boisier, se reuniram Pedro Büttenbender, Walter Birkner e Eliane Filippim.
Na segunda oportunidade, foi por ocasião do Encontro da Anpur, no Rio de
Janeiro, no dia  de maio, onde estiveram presentes Eduardo Costa, Walter
Birkner, Carlos Antônio Brandão e Ivo eis. Dos dois encontros, o mais
profícuo foi o primeiro, até por se dispor de mais tempo.
     Não se propõe registrar aqui todo o debate. Apenas, contemplam-se
alguns dos questionamentos ou conclusões resultantes dos dois encontros,
principalmente o de Itapema, centrando-se nas que tragam contribuições
novas ao debate.
     Uma questão evidenciada nos debates, lembrada na fala de Boisier em
Itapema, foi a questão da cultura centralista. Fez ele referência a um livro
publicado em , chamado A tradição centralista da América Latina¹¹, que
em sua opinião traz contribuições significativas para compreender os atuais
desafios dos processos de descentralização. Se há uma concordância de todos
sobre a necessidade da descentralização, por que a mesma não avança? Segundo
Boisier, isso se explica, principalmente, por condicionantes de caráter cultural.
     Segundo a obra por ele referida, existiriam quatro aspectos que conspiram
contra a descentralização. O primeiro é o fato de que na América Latina não
houve uma revolução industrial como a que se produziu na Europa no século
. Com isso não se criou uma nova classe social que viesse contestar a
distribuição do poder. Segundo, não houve uma revolução política, como a
impulsionada pela Revolução Francesa e seus desdobramentos em outros
países, o que modificou radicalmente a relação entre o Estado e a Sociedade
Civil, representando uma redistribuição do poder político. Terceiro, que na
América Latina prevaleceu uma religião, latitudinária, a religião católica, não
ocorrendo como na Europa, o mesmo nível de influência do protestantismo.
A relação entre religião e Estado, contribuiu para a manutenção do conserva-
dorismo, com seus reflexos na cultura e na política. Quarto, na América Latina
não tivemos o fenômeno do feudalismo, pois, este nos países onde ocorreu,
significou um novo padrão de distribuição territorial do poder político, pois,
na relação entre o rei e os ducados, muitas vezes estes últimos tinham mais
poder que o próprio rei, ou seja, o poder se descentralizava.

. Referência: Véliz ().


                                         Governança territorial e desenvolvimento · 
Outro aspecto ressaltado por Boisier, é o fato de que, na colonização
ibérica, seus conquistadores trouxeram na sua bagagem os valores da religião
católica, brutalmente machista e mariana e uma forma muito centralista de
criar o Estado. Tais elementos traiam um dos princípios da descentralização:
que a soberania se radica no povo. Mais, não foi a sociedade que criou o Estado,
mas o Estado criou a sociedade, e, infelizmente, à sua imagem e semelhança,
portanto, centralista. Além disso, o Estado impõe à sociedade estruturas ab-
solutamente homogêneas, como um vício oriundo da modernidade. Assim,
a sociedade herdou dos colonizadores um padrão de Estado e sociedade de
cunho conservador e centralista.
      Segundo Boisier, no Chile, esse centralismo se constituiu não apenas po-
liticamente, mas também territorialmente, tudo se centralizando em Santiago
do Chile. Por fim, salientou Boisier que na descentralização há um paradoxo.
Em geral, sua proposição foi resultante de concepções políticas mais avançadas.
No entanto, na América Latina, um exemplo é o Chile, acabou sendo bandeira
política também de governos pouco democráticos. Isso pode ser explicado
pelo fato de que se reproduz o padrão do setor tecnológico produtivo da
modernidade: se descentraliza plantas industriais, mas não a autonomia, o
poder de decidir. Não é por acaso que um dos problemas atribuídos a todas as
experiências atuais de descentralização é a falta de autonomia, principalmente,
política e financeira. Segundo Boisier, centralização e descentralização não
são necessariamente antinômicas. São processos que caminham lado a lado,
pois não haverá certamente padrões perfeitos de descentralização.
      No encontro, Eliane Filippim chamava também a atenção de que em algum
momento a descentralização passou a ser vista como uma panacéia, capaz
de resolver problemas de desigualdades, iniquidades, além do fato de que a
participação social ainda tem um caráter meramente cartorial e formalista.
Ainda, salientou o fato de que a maioria dos estudos apontam com clareza
seus problemas, no entanto, precisamos avançar, principalmente, no sentido
de apontar alternativas de preparar a sociedade civil para ter uma participação
mais substantiva. Ou seja, efetivar uma participação mais protagonista. Cabe
avaliar quais arranjos institucionais são mais efetivos.
      Já o professor Walter Birkner lembrou que na sua maioria os processos de
descentralização são recentes, têm poucos anos, o que em parte ainda justifica
seus problemas. No entanto, no mínimo, estes conseguiram criar espaço de
emergência para novos atores, que não teriam oportunidade de expressar-se
se tais arranjos institucionais não existissem. Além disso, a qualidade da parti-
cipação não é homogênea nas diferentes regiões. Percebe-se uma tendência a
que em algumas regiões esses atores consigam se expressar, participando, com
mais qualificação. É provável que tenha a ver com a presença maior do que os

 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
autores contemporâneos chamam de capital social. Além disso, não se pode
esquecer que na experiência das SDRs está em jogo a disputa de poder entre
atores políticos com interesses não convergentes, sejam eles, os secretários
regionais, os secretários setoriais e os deputados de cada uma das regiões. Essa
situação não está ausente nas demais experiências. Veja-se, por exemplo, as
observações de Eduardo Costa sobre a experiência do Pará.
     Por fim, o professor Pedro Büttenbender, além de tecer algumas consi-
derações sobre a experiência histórica dos Coredes, fez uma provocação no
sentido de que este grupo tem uma tarefa a mais a partir da escrita do presente
livro: constituir-se num grupo qualificado de discussão sobre os avanços ne-
cessários para a superação dos desafios das experiências de descentralização.
Uma possibilidade seria a constituição de uma rede de pesquisadores sobre o
tema. Mais: como a sociedade está encarando a questão da descentralização?
Não seria necessário que a sociedade assuma-a como uma nova bandeira,
assim como foi no Brasil, por exemplo, as eleições diretas no período pós
ditadura militar? E a academia, está se sentindo desafiada a fazer os aportes
para os avanços necessários?
     Sobre a questão da necessidade de mais estudos, parece-me, pessoal-
mente, que todos os capítulos apontam alguns indicativos de investigação,
que possam, talvez, se resumir à necessidade de se centrarem no sentido de
ver a descentralização enquanto modo de ordenamento espacial do poder e de
reescalonamento territorial do Estado, parafraseando uma contribuição de
Brandão nesta obra.
     Para finalizar estas palavras introdutórias ao presente livro, resta desejar
uma boa leitura a todos os leitores. De nossa parte, como autores, expressamos
nossas concepções ou percepções sobre o tema, certamente, representando
uma contribuição significativa. Colocamos-nos à disposição para participar
no debate do tema, seja em fóruns governamentais, no meio acadêmico ou
nas organizações da sociedade civil, contribuindo e interagindo, quando
convidados, para a qualificação dos processos de descentralização.

Referências
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    contribuição da obra de Dinizar Becker. Lageado: Univates, , p. -.
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 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema

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Desarrollo y gobernanza territorial: una introducción al tema

  • 1. GOVERNANÇA TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: INTRODUÇÃO AO TEMA Valdir Roque Dallabrida – UnC- Governança é um termo utilizado por diferentes áreas do conhecimento, principalmente, a sociologia, a política, a administração, a economia e a geografia, nem sempre com o mesmo sentido¹. A literatura reconhece que o conceito se origina em análises sobre o mundo das empresas, introduzido por Ronald Coase em , quando publicou um artigo intitulado e nature of the firm. O uso do conceito na referida obra não desencadeou grandes debates, mas foi retomado nos anos , a partir do que se passou a utilizar o termo governança para designar os dispositivos operacionalizados pela firma para conduzir coordenações eficazes (referindo-se aos protocolos internos, quando a firma desenvolve suas redes e questiona as hierarquias internas), aos contratos e à aplicação de normas (quando ela se abre à terceirização). Mais tarde o termo foi importado do campo empresarial para as discussões sobre poder e organizações (Milani e Solinís, ). Em , o tema da governabilidade das democracias foi objeto de uma análise cuja hipótese central era de que os problemas de governabilidade na Europa ocidental, no Japão e nos Estados Unidos se fundavam na fratura entre o aumento das demandas sociais e a falta de recursos (financeiros e humanos) e de capacidade de gestão. Segundo Milani e Solinís (), tais concepções exigiriam mudanças no campo das instituições e organizações e no comportamento dos cidadãos. A partir de então, o debate em ciências políticas em torno do Estado centrou-se em suas falhas diante das funções regalianas associadas à regulação, ao bem-estar e ao desenvolvimento social. A partir da constatação das deficiências do Estado, as teorias políticas passaram a reconhecer que os atores não-estatais se forjam cada vez mais uma legitimidade para defender e promover o bem público. O Estado não mais deteria, de maneira exclusiva, o monopólio da promoção desse bem público, nem sua definição. Tratar-se-ia também de definir o espaço público no qual se produz a democracia atualmente, um espaço público constituído de uma rede complexa de interesses, de interações entre atores e escalões de intervenção política. (Milani e Solinís, , p. -) Tem-se a pretensão, aqui, de ressignificar o conceito governança, preterindo . O termo governança é uma tradução para a língua portuguesa do termo em inglês governance e, em francês, gouvernance. Na língua espanhola, utiliza-se o termo governança ou gobernanza. Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 2. a concepção atribuída ao termo por organismos internacionais, que relativizam o papel do Estado. Dar-se-á um sentido mais próximo às ciências Geografia e Política, ou seja, ressaltando o conceito governança territorial. O tema governança territorial tem sido abordado por mim em diferen- tes oportunidades. Em Dallabrida (), tangenciava-se o tema, fazendo referência à gestão societária do processo de desenvolvimento local/regional. A referência direta ao termo governança territorial foi feita, de forma introdu- tória, em Dallabrida e Becker ()². Em outro artigo (Dallabrida, ), o tema foi relacionado com a prática do planejamento do desenvolvimento na perspectiva da institucionalização de um processo de concertação público-privada. Já em Dallabrida (), o tema foi inserido no debate sobre a dinâmica territorial do desenvolvimento. Afirmava-se naquelas obras que a governança poderia ser entendida como o exercício do poder e autoridade para gerenciar um país, território ou região, compreendendo os mecanismos, processos e instituições através das quais os cidadãos e grupos articulam seus interesses, incluindo como atores as represen- tações dos agentes estatais. O exercício da governança territorial aconteceria através da atuação dos diferentes atores, nas instituições e organizações da sociedade civil, em redes de poder socioterritorial³. Defendia-se, também, que a definição dos novos rumos para o desenvolvimento do território ou região dependeria da constituição e emergência de um novo bloco socioterritorial⁴, . Esta referência merece um comentário. Em , junto com o economista Dr. Dinizar Fermiano Becker, iniciei o debate sobre o tema governança territorial. Este debate foi feito numa das linhas de pesquisa do primeiro curso brasileiro de doutorado em Desenvolvimento Regional – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional – Mestrado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul-Unisc –, no qual tive a honra de fazer a primeira defesa de tese. Nos primeiros dois anos, Dinizar foi meu orientador de tese. Infelizmente, não foi possível continuar contando com a colaboração do professor Dinizar no debate do tema, pois nos deixou naquele mesmo ano. Assim, a partir de então, individualmente, assumi a tarefa de aprofundar o tema, procurando avançar. É fundamental lembrar aos pesquisadores que Dinizar Becker deixou uma contribuição com enfoque próprio sobre o tema desenvolvimento (local/regional/territorial), que ele mesmo preferia chamar de economia política neogramsciana do desenvolvimento contemporâneo. Ver duas obras que sintetizam sua contribuição ao tema: Agostini, Bandeira e Dallabrida () e Agostini e Dallabrida (). . Redes de poder socioterritorial é um termo que se propõe utilizar para se referir a cada um dos segmentos da sociedade organizada territorialmente, representados pelas suas lideranças, constituindo-se na principal estrutura de poder que, em cada momento da história, assume posição hegemônica, tornando-se capaz de dar a direção político-ideológica ao processo de desenvolvimento (Dallabrida, ). . Bloco socioterritorial é um termo que se propõe utilizar para se eferir ao conjunto de atores localizados histórica e territorialmente que, pela liderança que exercem localmente,  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 3. que, por meio de processos de concertação público-privada⁵ que contemplem o caráter democrático-participativo, busquem construir consensos mínimos, pela articulação dos diferentes atores e de suas diferentes propostas e visões de mundo, resultando no pacto socioterritorial⁶, ou seja, o projeto político de desenvolvimento da região. Prefere-se utilizar aqui o termo governança territorial para se referir às iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais. Entre os atores institucionais, incluiu-se, naturalmente, o Estado, com seus diferen- tes agentes, que, no caso do Brasil, estão presentes nas instâncias municipal, estadual e federal⁷. A análise dos diferentes processos de governança territorial e desenvol- vimento contribuem para firmar a convicção de que governa e decide quem tem poder. A governança, assim, sinteticamente, refere-se ao ato de atribuir poder à sociedade para governar, ou de conquista de poder pela sociedade para governar. Portanto, o exercício da governança é realizado através de relações de poder⁸. Segundo Milani e Solinís (), a literatura acadêmica sobre governança define o termo, grosso modo, como “um processo complexo de tomada de de- cisão que antecipa e ultrapassa o governo” (p. ). Constatam os autores que os aspectos frequentemente evidenciados nessa literatura sobre governança assumem a tarefa de promover a definição dos novos rumos do desenvolvimento do território (Dallabrida, ). . Concertação público-privada ou, simplesmente, concertação social, é entendida como o processo em que representantes das diferentes redes de poder socioterritorial, através de pro- cedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da gestão territorial de forma democrática e descentralizada (Dallabrida, ). . A expressão pacto socioterritorial é aqui proposta para se referir aos acordos ou ajustes decorrentes de processos de concertação social que ocorrem entre os diferentes represen- tantes de uma sociedade organizada territorialmente, relacionados à definição de seu projeto de desenvolvimento futuro. A construção de pactos, considerando a concepção teórica aqui defendida, é indispensável que seja protagonizada pelos representantes das chamadas redes de poder socioterritorial de um determinado território ou região (Dallabrida, ). Pactos são, necessariamente, propostas repensáveis temporariamente e sempre que novas articulações de poder ocorram. . Reafirma-se a abordagem feita em Dallabrida (; ). A referência à necessidade de inclusão no processo de governança territorial dos agentes estatais é importante, considerando que algumas abordagens regionalistas sobre o tema relativizam o papel do Estado, quase ad- mitindo a existência de uma certa autodeterminação da sociedade. Críticas sobre este enfoque são feitas em Fernández e Dallabrida (), ressaltando o papel do Estado. . Retoma-se a abordagem já feita inicialmente em Dallabrida (; ). Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 4. estão relacionados: à legitimidade do espaço público em constituição; à re- partição do poder entre aqueles que governam e aqueles que são governados; aos processos de negociação entre os atores sociais (os procedimentos e as práticas, a gestão das interações e das interdependências que desembocam ou não em sistemas alternativos de regulação, o estabelecimento de redes e mecanismos de coordenação); e à descentralização da autoridade e das funções ligadas ao ato de governar⁹. Boisier (), ao defender a construção do poder político local-regional como condição necessária para uma maior participação democrática dos cidadãos no destino de seu entorno espacial, seja o bairro, a cidade, a região ou o território, faz uma afirmação interessante: “não se mudam as coisas por voluntarismo, senão mediante o uso do poder” (p. ). O poder político que toda a região deve acumular reconhece ser de duas fontes: () a descentraliza- ção, enquanto esta supõe a transferência de poder, e () a concertação social, enquanto esta supõe uma verdadeira criação de poder (a união faz a força). No entanto, sem grandes ilusões, afirma o autor: “o poder que se acumula na comunidade regional não é um poder para fazer uma revolução” (p. ). Só é suficiente para “modificações nos parâmetros do estilo de desenvolvimento, não nos parâmetros do sistema” (p. ). Mesmo que se concorde com os limites do poder da sociedade organi- zada territorialmente, este não é desprezível, o que vislumbra a possibilidade de uma gestão territorial societária (Dallabrida, ). Esta concepção não é resultante apenas da reflexão teórica: a observação e o acompanhamento de experiências empíricas a reforçam. As limitações do poder da sociedade organizada territorialmente originam-se também de outros dois fatos: () da impraticável autodeterminação da sociedade civil e, () do papel do Estado- Nação, pois o Estado não morreu¹⁰. Em síntese, a governança territorial pode ser percebida como uma instân- cia institucional de exercício de poder de forma simétrica no nível territorial. A sua prática pode incidir sobre três tipos de processos: () a definição de uma estratégia de desenvolvimento territorial e a implementação das condições necessárias para sua gestão, () a construção de consensos mínimos, através da instauração de diferentes formas de concertação social como exercício da ação coletiva e, por fim, () a construção de uma visão prospectiva de futuro. . Para uma síntese das diferentes concepções sobre governança, ver quadro em Milani e Solinís (, p. ). . É uma alusão, provocativa, aos defensores do fim do Estado-Nação, como Ohmae (). No entanto, alerta-se: o Estado aqui defendido, certamente, não é o Estado que conhecemos usualmente.  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 5. A necessidade de uma prática qualificada é um requisito indispensável no processo de governança territorial com vista ao desenvolvimento. A gestão do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação público-privada, implica uma revalorização da sociedade, assumindo o papel de protagonista, com postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas estatais nas suas diferentes instâncias (Dallabrida, ; ). O termo governança territorial passa a ter sentido assemelhado a outros termos, tais como gestão social e gestão territorial. A governança territorial articula-se com a gestão social na medida em que ambas compartilham a ideia da inserção da ação coletiva organizada na participação e decisão do destino dos rumos da sociedade. Sob o ponto de vista, principalmente, da geografia, o termo gestão terri- torial pode ser utilizado para se referir aos processos de tomada de decisão dos atores sociais, econômicos e institucionais de um determinado âmbito espacial, sobre a apropriação e uso dos territórios tendo em vista a definição de estratégias de desenvolvimento. Outro termo, gestão do desenvolvimento, utilizado em alguns textos desta obra, também acaba tendo um significado próximo ao de governança territorial. Fica uma tarefa para o futuro: revisar a literatura, avaliando o uso de conceitos como governança territorial, gestão social, gestão territorial ou gestão do desenvolvimento, identificando a adequação do seu uso e/ou suas bases teóricas. Concorda-se com Boisier (), quando ele defende a construção do poder político local-regional como condição necessária para uma maior participação democrática dos cidadãos no destino de seu entorno espacial, considera o processo de concertação social enquanto criação de poder e a descentralização como processo de transferência de poder. Entende-se que tudo isso está abarcado no sentido que aqui se atribui ao termo governança ter- ritorial. Também se concorda com Milani e Solinís (), quando sintetizam as diversas acepções atribuídas ao termo governança: legitimidade do espaço público em constituição; repartição do poder entre aqueles que governam e aqueles que são governados; processos de negociação entre os atores sociais; descentralização da autoridade e das funções ligadas ao ato de governar. O desenvolvimento (local, regional, territorial) pode ser entendido como um processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e ativos (genéricos e específicos, materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à dinamização socioeconômica e a melhoria da qualidade de vida de sua população. Assim, considerando as observações feitas acima, nada mais oportuno Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 6. que intitular esta obra, que trata de descentralização político-administrativa, estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades estatais, com dois conceitos-chave: governança territorial e desenvolvimento. Inicialmente, é fundamental que se ressalte que a reunião de um grupo tão seleto de especialistas do Brasil, Chile e Argentina para escrever um livro sobre governança territorial e desenvolvimento, tendo como foco central a temática da “descentralização político-administrativa” é um feito que precisa ser destacado, principalmente, por dois motivos: primeiro, pela importância acadêmica, social e política do tema; segundo, pela oportunidade de eviden- ciar e socializar reflexões teóricas, caracterização e análises de experiências, na sua maioria resultante de investigações coordenadas por seus atores. No seu conjunto, as contribuições dos autores, conseguem evidenciar, além das fortalezas das experiências de descentralização político-administrativa rela- tadas, seus principais desafios. Assim, a primeira parte do livro assume um caráter, prioritariamente, de reflexão teórica sobre o tema em referência. No Capítulo , em Concepções teóricas que sustentam o debate sobre descentralização político-administrativa (Valdir Roque Dallabrida), é feita uma síntese das diferentes concepções teó- ricas que originaram o debate sobre descentralização. Se analisada a essência e os propósitos originais de tais abordagens teóricas seria possível referir-se a certa “promessa não cumprida”, pois as expectativas indicadas contrastam com uma prática pífia e cheia de desafios. Ou seja, por conhecer algumas experiências brasileiras de descentralização, é possível afirmar que ainda há uma longa distância entre a teoria e a prática. O capítulo finaliza, alertando: analisando experiências de descentralização político-administrativa brasileiras, em especial as dos estados do Rio Grande do Sul () e Santa Catarina (), percebe-se que estão diante de um dilema, ou avançam rumo a um processo qualificado de democracia deliberativa e/ou participativa, ou entrarão rapi- damente no descrédito social. No Capítulo , intitulado Sociedade civil, participación, conocimiento y gestión territorial. Mirando por el retrovisor: la década de los años noventa y el proceso de redemocratización en América Latina, Sergio Boisier propõe-se a fazer uma retrospectiva sobre o processo de redemocratização na América Latina a partir dos anos . Refere-se a esta década como um marco histórico que aponta para um novo estilo de governar, onde se retomam os valores da democracia. Um dos propósitos do referido texto é aprofundar o entendi- mento sobre a sociedade civil, ressaltando a importância da sua participação no processo de construção e gestão do desenvolvimento territorial na sua relação com o Estado. Ele finaliza o capítulo reafirmando os elementos de um paradigma cognitivo útil para a gestão e o desenvolvimento territorial. Ou  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 7. seja, a necessidade da acumulação de conhecimento que permita à sociedade elaborar sua estratégia de desenvolvimento, que Boisier prefere chamar de “projeto político regional” ou “projeto coletivo ou societal de futuro”. No Capítulo , Descentralização político-administrativa, gestão social e participação cidadã, Fernando Guilherme Tenório afirma que, apesar de evidências pontuais, como são os casos dos conselhos municipais, dos orça- mentos participativos e de outras inovações no compartilhamento de decisões, o estado da arte decisória no Brasil ainda carece de hábitos que estimulem o agir democratizante de uma sociedade deliberativa. No texto, ele procura demonstrar que descentralização e gestão social seriam conceitos convergentes na medida em que ambos propõem a democratização, por meio de processos decisórios, das relações político-administrativas. Assim, tangenciando o tema da descentralização, o foco de sua descrição é ressaltar a relação que este conceito tem com o de gestão social e o de participação cidadã. Para o autor, a gestão social espera que não só a transferência de recursos, mas também a decisão sobre sua aplicação, efetive a participação cidadã. A concessão por si só não basta. “Poder estar presente em todos os momentos de implementação de uma política pública é o mote central de processos decisórios participativos, de arranjos institucionais que consolidem a democracia deliberativa”, afirma o autor nas suas conclusões. Divido com Viro José Zimmermann a escrita do Capítulo , Estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento: a possibilidade dos consórcios intermunicipais de desenvolvimento no Brasil. Retoma-se a abordagem dos consórcios intermunicipais de desenvolvimento, concebendo-os como insti- tucionalidades de planejamento tático e operacional das ações de desenvolvi- mento local e regional, articuladas em estruturas de governança territorial com o caráter de espaços de concertação público-privada. Situando-os no contexto do federalismo brasileiro e considerando se tratarem de experiências recentes, os consórcios são apresentados como um paradigma a ser construído. Sua relação com o tema descentralização está no fato de poderem vir a se instituir em estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento qualificadas, em que o Estado assume sua função no processo, permitindo à sociedade definir, em seus fóruns de concertação, as ações a serem operacionalizados. Finaliza-se a primeira parte do livro com a contribuição de Carlos Antônio Brandão. Trata-se do Capítulo , Descentralização enquanto modo de ordena- mento espacial do poder e de reescalonamento territorial do Estado: trajetória e desafios para o Brasil. Inicia registrando os diferentes significados atribuídos à expressão descentralização. Vejamos alguns deles: instrumento democrático de distribuição de autonomia; meio viabilizador de maior participação cidadã; mecanismo de transferência de atribuições e de delegação de tarefas capaz Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 8. de multiplicar as estruturas de poder, realizando a transferência espacial de decisões; redistribuição territorial de poder. Como considera a descentralização uma temática complexa, propõe-se, com suas reflexões, a contribuir para o que ele sugere ser entendido como “reescalonamento territorial do Estado”, tarefa difícil mas necessária no Brasil, admitindo, no entanto, exigir uma agenda coletiva e de longo prazo para sua implementação e evolução. Isso, pois, para o autor, “discutir tal reescalonamento estatal e da estatalidade pode contribuir para a formulação de estratégias territorializadas de desenvolvimento mais consistentes e efetivas”. E acrescenta: “Essas estratégias, para sua adequada consecução, exigem uma abordagem das diversas escalas espaciais que se articulam no território em que se quer promover determinado processo de desenvolvimento”. Nesse sentido, afirma Brandão: “é imprescindível buscar construir estratégias multiescalares, governança multinível e pactos territoriais de desenvolvimento”. O autor faz algumas considerações sobre o processo de descentralização e o pacto federativo brasileiro, para, no final, debater a questão do “reescalonamento do Estado” e a necessidade de instituição de “novos arranjos institucionais e pactos”. A segunda parte do livro dedica-se à caracterização, análise e avaliação da experiência de descentralização político-administrativa de dois estados brasileiros: Santa Catarina () e Rio Grande do Sul (). Inicia com o Capítulo , A reinvenção da relação Estado-sociedade através da gestão pública descen- tralizada: uma análise da descentralização política em Santa Catarina, Brasil, escrito pelos professores Oscar José Rover e Eros Marion Mussoi. Lembram os autores inicialmente que os primeiros passos da descentralização brasileira recente ocorreram através de processos de municipalização. Apesar disso, os processos de descentralização, a partir da Constituição de , passaram a se focar em escalas microrregionais, afirmando que as iniciativas municipa- lizadas, mesmo que bem-intencionadas, se mostraram restritas em produzir resultados desejados pela população. Apresentam os autores a experiência catarinense como um caso de descentralização da estrutura administrativa na busca da ampliação da participação social na gestão pública, referindo-se em especial ao caso das Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs) e dos Fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado (). Os autores focam a descentralização como processo de potencialização do ativo social na gestão pública, com uma dimensão pedagógica, fazendo várias considerações ava- liativas sobre o caso das SDRs. Concluem com uma afirmação fundamental a ser considerada no caso das SDRs e nos demais processos de descentrali- zação: a cultura política nacional ainda existente, com vícios históricos como o patrimonialismo e os procedimentos clientelistas no trato da coisa pública,  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 9. potencializa as forças tradicionais dominantes dos territórios, em detrimentos de processos qualificados de descentralização. O Capítulo , Participação cívica no processo de descentralização do de- senvolvimento regional: a atuação dos Conselhos de Desenvolvimento Regional no Estado de Santa Catarina, é uma colaboração das professoras Eliane Salete Filippim e Adriana Marques Rossetto, além da bolsista Késya Margarida Hack. As autoras iniciam afirmando que apesar dos avanços alcançados no Estado de Santa Catarina em termos de articulação para o desenvolvimento, ainda predomina, neste território, uma cultura centralista na formulação e gestão de políticas públicas para o desenvolvimento regional. No entanto, uma das possibilidades de superação do centralismo governamental é a efetiva par- ticipação da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento Regional (CDRs). O texto resulta de pesquisa realizada entre  e . Observou-se, para a pesquisa, o ambiente dos CDRs distribuídos pelo estado, com desta- que para a ª Secretaria, da região de Joaçaba. Os resultados apontam para a necessidade de investimentos constantes e sistemáticos na capacitação tanto dos conselheiros quanto do próprio processo de descentralização em Santa Catarina, com vistas a fomentar e efetivar um projeto de desenvolvimento regional que de fato seja intensivo na participação e responsabilização da sociedade civil. Concluem defendendo o pressuposto de que a participação é a principal maneira de expandir os ideais de descentralização, no entanto, falta, ainda, à sociedade civil, tanto da região analisada como das demais regiões de Santa Catarina, ascender aos meios efetivos de uma participação qualificada. O Capítulo , Promessas não cumpridas, mas propósitos logrados: a lógica concentradora da política de descentralização em Santa Catarina, de Ivo Marcos eis, dá continuidade à abordagem da experiência de descentralização no Estado de Santa Catarina, de  a . Refere-se à experiência das SDRs em Santa Catarina como “estruturas governamentais geograficamente des- centralizadas”. O objetivo do texto é examinar essa política da perspectiva de seus resultados. A partir de evidências, como estudos realizados sobre as SDRs de São Joaquim e Rio do Sul, afirma que a política de descentralização no Estado de Santa Catarina, não produziu os efeitos anunciados, a descen- tralização. Mas, as SDRs contribuíram para o fortalecimento do bloco de poder político constituído no governo de Luiz Henrique da Silveira, que lhe conferiria condições invejáveis para o exercício de seus dois mandatos, sua eleição como Senador, além de fazer seu sucessor, o governador Colombo (-). A esses resultados propõe chamar de “lógica concentradora da política de descentralização” que teve lugar em Santa Catarina no período. Com o Capítulo , A trajetória do planejamento governamental no Rio Grande do Sul: dos primórdios aos Coredes, escrito pelos professores Dieter Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 10. Rugard Siedenberg, Pedro Luís Büttenbender e Sérgio Luís Allebrandt, da Unijuí (), começa a se fazer referência à experiência de descentralização político-administrativa do Rio Grande do Sul, que terá continuidade em outros capítulos. Como o próprio título sugere, o texto está focado nos processos de planejamento governamental para o desenvolvimento, no caso, do Estado do Rio Grande do Sul. Fazendo um retrospecto histórico das experiências de planejamento do desenvolvimento no Brasil, mas de modo especial no Rio Grande do Sul, os autores chegam ao início da década de , registrando a criação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes). Mencionam a experiência da implantação dos Conselhos Populares na administração de Alceu Collares na Prefeitura de Porto Alegre, no período de  a , como fato que foi dando corpo à ideia da criação de conselhos regionais de desen- volvimento do Rio Grande do Sul. É no contexto destes fatos e mudanças que a Assembleia Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul aponta que se cria as condições para a regionalização e descentralização da ação governamental, prevendo que a definição das diretrizes globais, regionais e setoriais da política de desenvolvimento caberia a órgão específico, com representação paritária do governo do estado e da sociedade civil. Os Coredes passam a se constituir na institucionalidade que assume esta função, prevista na Constituinte do Rio Grande do Sul. A caracterização da experiência gaúcha de descentralização continua no Capítulo , Uma experiência de institucionalização de regiões no Brasil: os Coredes do Rio Grande do Sul, escrito por Pedro Silveira Bandeira. O texto apresenta os Coredes como uma experiência brasileira contemporânea de institucionalização de nova escala territorial para a gestão pública, interme- diária entre o estado e o município, que tem como objetivo articular atores políticos, econômicos e sociais para promover a sua participação em atividades relacionadas com a promoção do desenvolvimento regional. Com vinte anos de existência (, se considerado o ano em que foram criados os primeiros conselhos regionais, a ), reitera o autor que, embora sua atuação ainda enfrente vários tipos de dificuldades, os Coredes conseguiram ocupar uma posição relevante no quadro institucional do Estado, podendo ser considerados uma das mais bem-sucedidas experiências desse gênero no país. Com o título A experiência dos Coredes no Rio Grande do Sul: uma análise à luz da gestão social e da cidadania deliberativa, de Sérgio Luís Allebrandt e Dieter Rugard Siedenberg, compõem o Capítulo . Retomam a temática da democracia deliberativa, já referida no Capítulo , no entanto, com o foco na análise da experiência dos Coredes. Propõem-se no texto a fazer uma análise de aspectos da organização e do funcionamento dos Coredes, à luz de uma matriz de categorias e subcategorias, construídas a partir de diversos  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 11. modelos. Iniciam os autores lembrando que a participação da sociedade civil na gestão pública ainda é recente no Brasil. O processo de redemocratização a partir da década de  caracterizou-se, no plano político, não apenas pela consolidação do sistema democrático-representativo, mas também pela institucionalização de um conjunto de instrumentos legais incorporados na Constituição Federal de , nas constituições estaduais e nas leis orgânicas municipais, possibilitando a instituição de dinâmicas, arranjos e mecanismos participativos na gestão das políticas públicas, citando como exemplos os Coredes, os Fóruns de Desenvolvimento de Santa Catarina da década de  a . Os autores registram que raras são as experiências que procuraram transferir para o âmbito supramunicipal e estadual dinâmicas de inserção direta e participação da sociedade no processo de discussão e promoção do desenvolvimento e das decisões sobre as políticas públicas. São mais raras ainda, experiências de âmbito regional/estadual que sobreviveu a diferentes governos estaduais. Nesse sentido, os Coredes, apesar das dificuldades de toda ordem, sobreviveram a seis administrações estaduais coordenadas por diferentes partidos e coligações partidárias, mantendo sua independência e autonomia em relação a partidos políticos e ideologias programáticas dos governos. Finalizam dizendo: “A democracia é uma construção. Coredes e Comudes constituem-se numa nova forma de praticar a democracia. Os Coredes e Comudes constituem-se em processos de cidadania deliberativa que vêm produzindo mudanças, ainda que lentamente, na perspectiva pública dos indivíduos, na cultura da sociedade civil, na postura e modo de agir da sociedade política e no modus operandi da máquina burocrática e dos governos. Mas esse é um processo de mudança em longo prazo, para o qual é necessária uma prática contínua e não episódica e pontual”. O Capítulo , O contexto dos planos de desenvolvimento para o Rio Grande do Sul e do planejamento estratégico para os Coredes, dos professores Dieter Rugard Siedenberg, Sérgio Luís Allebrandt e Pedro Luís Büttenbender, aborda aspectos da trajetória do processo de planejamento do desenvolvimento, em suas relações com a alocação de recursos públicos por meio dos orçamentos estaduais para o atendimento das demandas prioritárias das diversas regiões. Destacam os autores a caminhada dos Coredes e suas inter-relações com as diferentes dinâmicas dos diversos governos estaduais, dando destaque ao pe- ríodo recente – - –, com a concretização de uma meta histórica dos Coredes, qual seja a elaboração dos planos estratégicos de desenvolvimento das diferentes regiões gaúchas, apresentando a metodologia adotada para o processo de planejamento. Finalizam, apontando os aspectos positivos desse processo e os desafios e limites para avançar na sua qualificação, reafirmando que a persistência do movimento dos Coredes na perseguição do processo de Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 12. promoção do desenvolvimento das regiões e do estado deve ser reconhecida como um dos principais indutores de novas visões por parte dos políticos e de inovações na máquina pública estatal do Rio Grande do Sul. O Capítulo , Coredes: estruturação, articulações intra e inter-regionais, referenciais estratégicos e considerações críticas, é mais uma colaboração dos professores Pedro, Dieter e Sérgio, da Unijuí. Iniciam os autores afirmando que a definição das políticas públicas de desenvolvimento, das estruturas de governança regional [ou estruturas subnacionais de gestão do desenvol- vimento] e dos processos de planejamento e gestão requer o envolvimento do governo e da sociedade civil, atuando em diferentes espaços de organi- zação social através de diversos instrumentos e mecanismos de participação. Centram o foco na experiência e trajetória dos Coredes, reafirmando que ela se configura como uma estratégia pioneira de organização regional no Brasil, instituída no início da década de  e tendo continuidade até hoje, onde a estrutura institucional, os mecanismos de participação social, as formas de encaminhamento das demandas regionais, o amadurecimento dos processos e relações entre governo e sociedade foram sendo aperfeiçoados ao longo do tempo. O objetivo dos autores com o capítulo é o de sintetizar os principais aspectos relacionados à gênese, estrutura, trajetória, forma de funcionamento e articulação dos Coredes, visando subsidiar uma análise crítica da sua atu- ação, bem como, apontar melhorias e potencialidades capazes de qualificar e consolidar a experiência gaúcha. Na avaliação crítica, apontam a prática de alguns desvios em suas atribuições legais e históricas, exigindo avanços, principalmente em algumas regiões onde o respaldo de instituições de ensino superior, com o aporte do seu respectivo quadro técnico, não se faz muito presente. Isso também pode ser decorrente, segundo a análise dos autores, do jogo das forças e corporações que atuam regionalmente nos processos de participação popular. Além disso, estão presentes alguns desafios a serem superados: necessidade de compatibilização de questões de regionalidade; necessidade das lideranças melhorarem sua capacidade de gerenciar con- flitos e interesses políticos, institucionais, sociais e corporativos emergentes, articulando-os com as potencialidades e oportunidades que se oferecem em seu território; não uniformidade de concepções de desenvolvimento o que implica em diferenciação de posicionamento das lideranças ao pautarem suas ações; desigual força de pressão das representações corporativas e populares, refletindo no momento de definir projetos que venham receber recursos do orçamento estadual, com o consequente prejuízo de interesses coletivos ou projetos estruturantes; a prática do achismo das lideranças na definição de projetos estruturantes, muitas vezes se contrapondo aos estudos técnicos; necessidade de avanços no aprendizado que a sociedade gaúcha ainda precisa  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 13. fazer em relação à participação popular e ao exercício da cidadania; presença, ainda, de elevada dose de empirismo e amadorismo nos processos de plane- jamento, ou seja, suas atividades são muito mais fruto de um constante ajuste aos interesses políticos emergentes ou dominantes; necessidade das estratégias propostas estarem mais focadas em ações e/ou projetos estruturantes, supe- rando a prática de demandas setoriais e de forte caráter corporativo. Apesar dos desafios apontados pelos autores, os quais têm uma inserção histórica no processo, partilham posicionamento referido aqui por outros autores, a respeito do reconhecimento dos Coredes como uma experiência pioneira e emergente, em permanente processo de aprimoramento e de transformação. O Capítulo , Gestão territorial e desenvolvimento: descentralização, estru- turas subnacionais de gestão do desenvolvimento, capacidades estatais e escalas espaciais da ação pública, mais uma contribuição minha, apresenta o resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade do Contestado (UnC) entre  e , que se propôs a investigar a inter-relação entre a descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, as capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, analisando sua interferência no processo de desenvolvimento regional do Estado de Santa Catarina. Compreendeu entrevistas com questões abertas atingindo infor- mantes qualificados envolvidos nos processos de descentralização, além de seções de grupo focal e análise documental. Na discussão conceitual, utiliza-se o termo gestão territorial para referir-se aos processos de tomada de decisão dos atores sociais, econômicos e institucionais de um determinado âmbito espacial, sobre a apropriação e uso dos territórios, com vistas à definição de estratégias de desenvolvimento. Já o termo estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento é introduzido para referir-se às diferentes estruturas ins- titucionais envolvidas no processo de gestão do desenvolvimento, tais como fóruns, conselhos, secretarias, agências e consórcios de desenvolvimento. A partir de vários autores, o Estado é concebido como ator principal na regulação e controle dos processos econômicos e sociais que ocorrem territorialmente, destacando também o desafio de que o mesmo assuma o papel de estabelecer uma comunicação estratégica com os atores territoriais, com o fim de definir a inserção dos territórios no processo de globalização. Como resultado da pesquisa, o texto traz interessantes considerações sobre a experiência de Santa Catarina, centrando-as em três aspectos: os vínculos entre o Estado e os diversos atores com recursos de poder nas diferentes fases do processo de descentralização; as principais modificações do Estado e suas capacidades no período analisado; a questão da escala espacial nos diferentes processos de planejamento e gestão do desenvolvimento. Pela análise das entrevistas, é possível concluir que ao prover as regiões de estruturas subnacionais de gestão Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 14. do desenvolvimento, o problema não se resolve com a montagem de estru- turas físicas de governo, como no caso das Secretarias de Desenvolvimento catarinenses. Com processos deste tipo, os setores dos governos criam suas regionalizações, não coincidindo com recortes territoriais históricos, ou se sobrepondo, reproduzindo práticas políticas clientelistas ou fisiologistas, com medo de dividir poder. Paralelamente, de parte da sociedade regional, existe o corporativismo setorial, os bairrismos regionais, seus interesses individu- alizados localmente, sem uma visão integrada de região, macrorregião, país. É o desafio percebido na realidade catarinense, presente também em outras experiências de descentralização. Finaliza, assumindo o desafio de apontar possíveis parâmetros organizacionais de estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento que poderiam ser contempladas nos processos de des- centralização político-administrativa. A segunda parte deste livro é finalizada com o Capítulo , A experiência de descentralização político-administrativa dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul: concepções, percepções e síntese avaliativa, texto que elaboro em parceria com dois colegas, Pedro Luís Büttenbender e Walter Marcos Knaesel Birkner. Como epígrafe do capítulo, um texto de Sergio Boisier, que entende- mos define o grande desafio das experiências analisadas. “A descentralização pode ser criada por decreto ou pela lei, em seus aspectos formais, no entanto, não é possível tirar da cabeça das pessoas o centralismo mediante idêntico mecanismo. Existe, pois, uma grande assimetria entre ambos (descentraliza- ção e centralismo) desde o ponto de vista de sua construção/desconstrução”. No seu conjunto, o texto propõe-se sintetizar de uma forma esquemática as principais análises feitas sobre as experiências de descentralização político- -administrativa dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tomando por base obras publicadas nos últimos oito anos. Tais obras resultam de inves- tigações realizadas por pesquisadores de diversas universidades brasileiras. O objetivo é destacar as diferentes percepções sobre o tema, seja das lideranças entrevistadas, ou dos autores de estudos realizados. Tem-se como propósito que estas análises possam servir de referenciais para uma avaliação das expe- riências de descentralização político-administrativa, do Brasil e mesmo dos demais países da América Latina. Conclui-se afirmando que as experiências de descentralização só tenderão a avançar na medida em que no interior de cada processo de desenvolvimento a qualidade for revelada e conquistada através da crescente organização e participação da população, além da qualificação de suas instâncias de representação, nos processos decisórios relacionados à dinâmica do planejamento e gestão do desenvolvimento. Permanecem muitas interrogações, dentre as quais: como conciliar a democracia representativa com a democracia participativa, como arranjo institucional que amplia a  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 15. democracia política? Como conciliar interesses e particularidades micror- regionais, de ordem política, econômica e cultural, conflitos particulares das microrregiões, aos objetivos maiores da descentralização e à potencialização do desenvolvimento regional? As experiências de descentralização referidas, quais aspectos poderiam servir de referência para outras experiências, quais as perspectivas futuras, quais avanços, para quais expectativas? São questões que instigam a continuidade da investigação e debate sobre o tema. O Capítulo , um texto do professor paraense Eduardo José Monteiro da Costa, Planejamento territorial, gestão de políticas públicas e descentralização regional: a experiência do Estado do Pará, inicia a terceira e última parte do livro, que se refere a outras experiências brasileiras, além do Chile e da Argentina. O texto inicia com algumas reflexões conceituais, dentre as quais, a de território, concebido pelo autor como um “espaço construído social e historicamente por meio da cultura, das instituições micro e meso-regionais e da política”, como “um espaço de disputa de poder”. Por isso, segundo o autor, “Cada território dá origem a formas específicas de organizações e instituições que lhe são peculiares e que hão de incentivar ou coibir o seu desenvolvimento”. Ainda: “o desenvolvimento… é sempre promovido por agentes de uma sociedade que tem uma cultura, formas e mecanismos próprios de organização”. Logo, “o subdesenvolvimento de uma sociedade acaba sendo em grande medida expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública e social, no qual os interesses individuais ou externos acabam prevalecendo”. Para arrematar, afirma: “sua superação somente pode ser concebida no quadro de um projeto político transescalar, articulado e coordenado pelo Estado como centro de decisão válido, capaz de subordinar os interesses individuais aos interesses regionais e nacionais coletivos”. Desculpas ao autor e aos leitores, por estar citando partes do texto. Tem um propósito especial: primeiro, comungo em boa parte com o que está escrito; segundo, serve de indicativo para reflexão, quando nos deparamos com os desafios de outras experiências. No mais, o texto faz uma caracterização do espaço de intervenção territorial do Estado do Pará, no período de -, como propósito de se constituir num processo de planejamento territorial participativo. Contempla um conjunto de instru- mentos de Política de integração regional do Estado do Pará, com propósitos bem definidos e inovadores. Infelizmente, como reconhece o autor, o que se observou na experiência paraense, é que “os quadros do governo estadual e das prefeituras municipais ainda não estavam preparados e qualificados para a implementação de um processo de planejamento com participação popular”. Afirma ainda que “o planejamento territorial necessita de uma sociedade es- clarecida, amadurecida e possuidora de uma institucionalidade adequada. A cultura, o capital social e a capacidade de governança são elementos decisivos”. Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 16. Concordemos totalmente, em parte, ou não, com isso, é importante reafirmar que tais questões não explicam apenas certo insucesso da proposta de plane- jamento territorial participativo do Pará. É um desafio universal para todas as experiências, diferindo apenas na sua intensidade. No Capítulo , Escalas urbana e regional: discursos e práticas de descen- tralização no Paraná (-), aís Kornin e Rosa Moura apresentam uma reflexão acerca do processo de planejamento e formulação de políticas nas escalas urbana e regional no Paraná, enfocando o período dos dois últimos governos estaduais – /. Corresponde às administrações estaduais de Lerner e Requião, que, por se fundamentarem em visões ideológicas antagô- nicas, apresentam discursos e práticas diferenciados no âmbito da governança e na definição de estratégias de desenvolvimento. No entanto, enquanto Lerner, por vias da adoção do receituário neoliberal, cristaliza o quadro de extrema concentração dos aportes financeiros e técnicos nos espaços mais dinâmicos do estado, Requião, apesar da intenção descentralizadora, não reverte o quadro, historicamente construído, de uma configuração territorial que contrapõe espacialidades concentradoras e desiguais. As autoras fazem um resgate histórico do processo de organização do território paranaense, considerando as diferentes formas de intervenção do Governo do Estado no território. Afirmam que historicamente não houve um planejamento urbano e regional em seu sentido abrangente, pois mesmo que em alguns momen- tos a ação do Estado estivesse voltada à elaboração de planos regionais de desenvolvimento, este exerceu mais o papel de dar suporte às exigências do capital. No governo de Lerner, destacam o papel exercido pelas Associações de Municípios (AMs). Mesmo assim questionam se estas estariam habilitadas a instituírem como os arranjos institucionais recomendados para assumir o papel de gestoras de projetos governamentais. Já no governo de Requião foi instituída a Política Estadual de Desenvolvimento Urbano e Regional, como um sistema de planejamento urbano e regional permanente. Para a finali- dade específica do desenvolvimento regional foi criada a Coordenadoria das Regiões Metropolitanas, Microrregiões e Conselhos das Cidades. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Estado do Planejamento divulgou a Política de Desenvolvimento do Estado, em , priorizando as regiões com menores índices de desenvolvimento humano, respeitando os limites fiscais das contas públicas. A avaliação das autoras é que esta política se resumiu a um plano de definição orçamentária e distribuição regional dos investimentos estaduais, nesse sentido não podendo ser considerada uma política de desenvolvimento. Em geral, apesar do importante papel assumido historicamente pelas AMs, as autoras consideram que estas não se configuram ainda em instâncias com capacidade jurídico-institucional, nem condições técnicas de assumir o papel  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 17. de gestoras do desenvolvimento. Somadas às AMs, no âmbito das iniciativas da sociedade civil organizada, destacam-se as Agências de Desenvolvimento Regional, que se constituem em um arranjo institucional de caráter territorial e operacional, com a proposta precípua de atuar no sentido de realizar a gestão do desenvolvimento. No entanto, essa concepção se contrapõe à visão tradicional de planejamento, na qual o protagonismo do Estado é determinante. Assim, concluem, no Paraná, a ausência de uma ação planejada e implementada por um Estado forte, de forma participativa, dá margem a que os interesses do capital privilegiem segmentos e municípios mais capacitados. A descentrali- zação político-administrativa ainda é um grande desafio, também no Paraná, pois nem associações de municípios, nem agências de desenvolvimento, se mostram como as instâncias mais adequadas para assumir o papel de gestoras do desenvolvimento. O Capítulo , Federalismo e associativismo territorial em regiões pobres do país: o caso do Codessul, é uma contribuição de Catarina Ianni Segatto e Fernando Luiz Abrucio. Iniciam afirmando que o associativismo territorial, como o caso dos consórcios, é um fenômeno cada vez mais importante na federação brasileira. Ele tem sido disseminado em razão, principalmente, dos limites da descentralização e da reduzida capacidade financeira e institucional de grande parte dos municípios. Para discutir este problema, o capítulo trata do caso do Consórcio de Desenvolvimento da Região do Sertão Central Sul (Codessul). Esta experiência foi escolhida em razão de abarcar governos locais marcados pela fragilidade econômica e institucional. A análise feita pelo texto ressalta, ao mesmo tempo, os limites e as possibilidades do municipalismo e do intermunicipalismo em regiões mais carentes do país, o que permitiu uma maior compreensão do papel dos atores e das instituições na constru- ção e durabilidade dos consórcios em regiões marcadas pela desigualdade e fragilidade institucional. Com o texto Política y Territorio en Argentina, Oscar Madoery dá sua co- laboração a esta obra, com o Capítulo . Registra inicialmente que a Argentina, recuperou desde  um padrão institucional democrático e desde  está aprofundando um modelo de crescimento econômico com inclusão social, propondo-se a um processo de configuração de uma nova matriz de políticas territoriais, baseada num novo equilíbrio entre as esferas nacional, provincial e municipal de governo. No entanto, segundo o autor, para superar os postulados neoliberais predominantes nas últimas décadas do século , se requer que as políticas territoriais interfiram no fortalecimento institucional e na gestão da esfera central do Estado, além do aumento real das capacidades das esferas subnacionais. Para o autor, a Argentina necessita uma reconstrução territorial e uma institucionalização do equilíbrio de poder, enquanto atribuições entre Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 18. as esferas de governo. No texto faz um retrospecto procurando caracterizar um histórico processo de desenvolvimento territorialmente fragmentado, a problemática relação Nação-províncias-municípios com o desvirtuamento de seus papéis, especialmente no período neoliberal, com suas consequências, no entanto, apresentando novas perspectivas, a partir de , com o que chama de um novo projeto de desenvolvimento nacional. Dentre os propósitos destas novas políticas de desenvolvimento, destaca-se a recuperação econômica, com forte impacto social e no emprego, resultando num novo regime de acumula- ção produtiva com inclusão social. O autor dá destaque especial à experiência dos Acordos Territoriais de Emprego, da província de Rosário, ressaltando o enfoque territorial das políticas de desenvolvimento. O exemplo, segundo Madoery, demonstra que quando se ampliam as responsabilidades de decisão e gestão por parte dos atores territoriais, se induz a uma maior participação e se produz a “ativação de energias sociais” que fortalece as políticas e amplia o campo de possibilidades. Em que resultam estas práticas? Madoery responde: “A articulação e coordenação de políticas socioeconômicas é um processo político complexo, atravessado por tensões sociais, protagonizado por pessoas com interesses próprios, por sujeitos situados, por instituições com missões e valores pré-definidos. É uma prática que aspira a provocar sinergia de ações em temas estratégicos”. Sinergia, entendida como “cooperação, concurso ativo e concertado de vários órgãos para realizar uma função”. Eis o desafio da prática da descentralização! Finaliza, reafirmando, como o fazem outros autores nesta obra, que está claro que não há desenvolvimento sem um Estado qualificado e forte em todos seus níveis (nacional, estadual e municipal). No caso da Argentina, considera isso o grande desafio futuro, o que parece não seria equivocado universalizar a afirmação para toda a América Latina. O Capítulo , Descentralización desde la región: experiencias y necesida- des cognitivas estratégicas en Chile, de Patricio Vergara Rojas e Myrtis Arrais de Souza, Tarapacá-Chile. O texto se concentra no relato e caracterização de uma experiência inédita no Chile, a proposta de um pacto territorial para a descentralização de e para Tarapacá, uma região do norte chileno. Resulta do Programa Tarapacá: Región piloto de descentralización en Chile, desenvolvido com o envolvimento dos autores, com apoio do Gobierno Regional de Tarapacá e da Red Dete-/Cordunap. Tal programa foi pensado há mais tempo e desenvolvido nos últimos anos, com a aprovação do seu conselho gestor em meados de . Trata-se de um processo direcionado ao desenvolvimento duradouro da região e o aprofundamento da democracia, tendo como foco o fomento produtivo e a atração e retenção de capital humano qualificado, entendendo tais formas de descentralização como condição para oportuni- zar o desenvolvimento regional. A região em referência apresenta intenso  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 19. crescimento demográfico e imigração estrangeira, que enfrenta o desafio de aproveitar o ciclo de crescimento da exploração de recursos minerais, para construir uma plataforma de sustentabilidade econômica para a região. Para tal há a compreensão da urgência e relevância da necessidade de melhorar a sinergia cognitiva regional, pois sem uma massa crítica de inteligência estratégica regional, a descentralização se fragiliza e seus benefícios econô- micos e políticos se diluem. Já se percebe no cenário atual, em função do forte crescimento econômico, alterações socioterritoriais, com a evidência de conflitos e redução da coesão social. A proposta para o enfrentamento de tais condições, relatada no texto dos autores, é a estruturação de um Centro de Pensamento Estratégico Territorial (Cepet), o que se trata de instituição geradora, processadora e difusora de conhecimento estratégico territorial que tem como principal característica sua orientação de apoio à política pública territorial e à formação de agentes de desenvolvimento regional, sustentado no paradigma político de governança e com enfoque no desenvolvimento endógeno. A expectativa é que este centro possa contribuir na articulação de agentes e na construção de um projeto político regional capaz de conciliar os interesses regionais em jogo. O texto centra-se ainda na análise da descentra- lização chilena, fazendo um retrospecto histórico e apontando seus desafios, convergindo com outros autores na ideia de que tais processos ocorrem numa “sociedade de elites”, entendendo a descentralização como instrumento da democracia e do desenvolvimento, que não pode ser uma política nacional de cunho centralista. Estou me convencendo de que institucionalidades como os Cepet, semelhantes ao que é proposto no texto, representam algo que precisa ser considerado nas experiências de descentralização brasileiras. Considerando sua consistência e amplitude no debate do tema em questão, nada melhor do que finalizar esta obra com mais uma contribuição de Sergio Boisier. Trata-se do Capítulo , Descentralización en un Estado unitário: la doctrina (oculta) de la descentralización chilena, que retoma a experiência histórica de descentralização no Chile. Nele, Boisier dá uma atenção espe- cial à análise da Lei Orgânica Constitucional de Governo e Administração Regional (Locgar), de , do governo nacional chileno, considerada por muitos como a mais profunda reforma de Estado efetuada no século , já que não se trata somente de uma reforma procedimental, mas também estrutural. Quase  anos depois, faz uma avaliação de suas potencialidades e limitações, referindo-se à mesma como “doutrina oculta”, utilizando a famosa frase de Gregory Bateson – El nombre no es la cosa nombrada ni el mapa el territorio –, para referir-se aos seus resultados. Afirma o autor que, mesmo que fossem resolvidas as questões de caráter técnico, que tem a ver com a epistemologia e a metodologia do desenvolvimento, ficariam perguntas sem resposta: de Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 20. que servirá ter nas regiões um aparato institucional bem desenhado para “fazer governo subnacional” efetivamente, se não se sabe claramente em que consiste isso, numa “sociedade do conhecimento”? De que servirá a estrutu- ra organizacional governamental nas regiões, se ocupa-se apenas em “fazer mais do mesmo”? “Fazer mais do mesmo, pode resultar na marginalização de uma proporção exponencialmente crescente da população dos beneficios do desenvolvimento”. Estas são questões que Boisier, com sua experiência de mestre, propõe-se discutir no texto. Inicia por uma rápida retrospectiva sobre a aplicação da Locgar, referindo-se a ela como uma versão refinada da ambivalente cultura nacional chilena, profundamente centralista. Reafirma: “a cultura não se muda mediante uma lei e o que se faz no Chile, para deixar a todos satisfeitos, é dar um nome, a algo, a processos, a decisões, nome que sugere um ideal totalmente distinto da realidade”. Avaliemos: o que dizer do que se faz nos demais países da América Latina? Certamente, a leitura deste e dos demais capítulos deste livro mostrará que esta questão está presente, e apresenta-se como grande desafio a ser superado, nas experiências analisadas de descentralização. Para Boisier, é preciso reconhecer que os textos legais “não permitem fazer governo nas regiões”, se por governo se entende a função executiva e política. Em boa parte, finaliza Boisier, o processo descentralizador chileno, tem um fundo doutrinário oculto, que não tem interesse em que seja explícito: “la administración se descentraliza, el poder jamás” ! “A questão está em que esta doutrina é muito pouco democrática” ! Ou seja, descentraliza-se estruturas, não o poder de decisão. Só no Chile acontece isso? Finalmente cabe aqui o reconhecimento da consistência teórica dos textos apresentados no presente livro. Coube a mim, além de minha singela contribuição, fazer a provocação inicial e criar as condições operacionais e financeiras para a construção da obra, além de articular o grupo, estimulá-lo no cumprimento dos prazos e fazer a formatação e a organização dos capítulos. Muito obrigado a todos, e meus parabéns pela contribuição individual para a qualidade geral da presente obra. Além do que já foi dito nesta introdução, parece-me de fundamental importância que se registre, ainda, alguns aspectos que marcaram o processo de construção desta obra. Refiro-me à proposta de que, ao longo do período de elaboração dos textos que compuseram os artigos, o grupo dos autores pudesse se encontrar e fazer uma discussão, perguntando-se, mutuamente: e daí, considerando as fortalezas e deficiências, os principais desafios, as expe- riências de descentralização do Brasil e da América Latina, quais as perspecti- vas destas e que avanços são necessários? Considero que esta expectativa foi atendida apenas em parte. O motivo principal foi a dificuldade de acertar uma agenda comum para um grupo significativo de autores. Por outro lado,  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 21. tem-se o reconhecimento de que o tema, pela sua complexidade, ainda exige mais investigação e reflexão, tanto na academia quanto nas instâncias estatais e no meio social. Mesmo assim, conseguimos nos encontrar em duas oportunidades e com parte do grupo. A primeira oportunidade foi no dia  de abril de , em Itapema (), quando, aproveitando uma viagem à UnC do professor Sergio Boisier, se reuniram Pedro Büttenbender, Walter Birkner e Eliane Filippim. Na segunda oportunidade, foi por ocasião do Encontro da Anpur, no Rio de Janeiro, no dia  de maio, onde estiveram presentes Eduardo Costa, Walter Birkner, Carlos Antônio Brandão e Ivo eis. Dos dois encontros, o mais profícuo foi o primeiro, até por se dispor de mais tempo. Não se propõe registrar aqui todo o debate. Apenas, contemplam-se alguns dos questionamentos ou conclusões resultantes dos dois encontros, principalmente o de Itapema, centrando-se nas que tragam contribuições novas ao debate. Uma questão evidenciada nos debates, lembrada na fala de Boisier em Itapema, foi a questão da cultura centralista. Fez ele referência a um livro publicado em , chamado A tradição centralista da América Latina¹¹, que em sua opinião traz contribuições significativas para compreender os atuais desafios dos processos de descentralização. Se há uma concordância de todos sobre a necessidade da descentralização, por que a mesma não avança? Segundo Boisier, isso se explica, principalmente, por condicionantes de caráter cultural. Segundo a obra por ele referida, existiriam quatro aspectos que conspiram contra a descentralização. O primeiro é o fato de que na América Latina não houve uma revolução industrial como a que se produziu na Europa no século . Com isso não se criou uma nova classe social que viesse contestar a distribuição do poder. Segundo, não houve uma revolução política, como a impulsionada pela Revolução Francesa e seus desdobramentos em outros países, o que modificou radicalmente a relação entre o Estado e a Sociedade Civil, representando uma redistribuição do poder político. Terceiro, que na América Latina prevaleceu uma religião, latitudinária, a religião católica, não ocorrendo como na Europa, o mesmo nível de influência do protestantismo. A relação entre religião e Estado, contribuiu para a manutenção do conserva- dorismo, com seus reflexos na cultura e na política. Quarto, na América Latina não tivemos o fenômeno do feudalismo, pois, este nos países onde ocorreu, significou um novo padrão de distribuição territorial do poder político, pois, na relação entre o rei e os ducados, muitas vezes estes últimos tinham mais poder que o próprio rei, ou seja, o poder se descentralizava. . Referência: Véliz (). Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 22. Outro aspecto ressaltado por Boisier, é o fato de que, na colonização ibérica, seus conquistadores trouxeram na sua bagagem os valores da religião católica, brutalmente machista e mariana e uma forma muito centralista de criar o Estado. Tais elementos traiam um dos princípios da descentralização: que a soberania se radica no povo. Mais, não foi a sociedade que criou o Estado, mas o Estado criou a sociedade, e, infelizmente, à sua imagem e semelhança, portanto, centralista. Além disso, o Estado impõe à sociedade estruturas ab- solutamente homogêneas, como um vício oriundo da modernidade. Assim, a sociedade herdou dos colonizadores um padrão de Estado e sociedade de cunho conservador e centralista. Segundo Boisier, no Chile, esse centralismo se constituiu não apenas po- liticamente, mas também territorialmente, tudo se centralizando em Santiago do Chile. Por fim, salientou Boisier que na descentralização há um paradoxo. Em geral, sua proposição foi resultante de concepções políticas mais avançadas. No entanto, na América Latina, um exemplo é o Chile, acabou sendo bandeira política também de governos pouco democráticos. Isso pode ser explicado pelo fato de que se reproduz o padrão do setor tecnológico produtivo da modernidade: se descentraliza plantas industriais, mas não a autonomia, o poder de decidir. Não é por acaso que um dos problemas atribuídos a todas as experiências atuais de descentralização é a falta de autonomia, principalmente, política e financeira. Segundo Boisier, centralização e descentralização não são necessariamente antinômicas. São processos que caminham lado a lado, pois não haverá certamente padrões perfeitos de descentralização. No encontro, Eliane Filippim chamava também a atenção de que em algum momento a descentralização passou a ser vista como uma panacéia, capaz de resolver problemas de desigualdades, iniquidades, além do fato de que a participação social ainda tem um caráter meramente cartorial e formalista. Ainda, salientou o fato de que a maioria dos estudos apontam com clareza seus problemas, no entanto, precisamos avançar, principalmente, no sentido de apontar alternativas de preparar a sociedade civil para ter uma participação mais substantiva. Ou seja, efetivar uma participação mais protagonista. Cabe avaliar quais arranjos institucionais são mais efetivos. Já o professor Walter Birkner lembrou que na sua maioria os processos de descentralização são recentes, têm poucos anos, o que em parte ainda justifica seus problemas. No entanto, no mínimo, estes conseguiram criar espaço de emergência para novos atores, que não teriam oportunidade de expressar-se se tais arranjos institucionais não existissem. Além disso, a qualidade da parti- cipação não é homogênea nas diferentes regiões. Percebe-se uma tendência a que em algumas regiões esses atores consigam se expressar, participando, com mais qualificação. É provável que tenha a ver com a presença maior do que os  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
  • 23. autores contemporâneos chamam de capital social. Além disso, não se pode esquecer que na experiência das SDRs está em jogo a disputa de poder entre atores políticos com interesses não convergentes, sejam eles, os secretários regionais, os secretários setoriais e os deputados de cada uma das regiões. Essa situação não está ausente nas demais experiências. Veja-se, por exemplo, as observações de Eduardo Costa sobre a experiência do Pará. Por fim, o professor Pedro Büttenbender, além de tecer algumas consi- derações sobre a experiência histórica dos Coredes, fez uma provocação no sentido de que este grupo tem uma tarefa a mais a partir da escrita do presente livro: constituir-se num grupo qualificado de discussão sobre os avanços ne- cessários para a superação dos desafios das experiências de descentralização. Uma possibilidade seria a constituição de uma rede de pesquisadores sobre o tema. Mais: como a sociedade está encarando a questão da descentralização? Não seria necessário que a sociedade assuma-a como uma nova bandeira, assim como foi no Brasil, por exemplo, as eleições diretas no período pós ditadura militar? E a academia, está se sentindo desafiada a fazer os aportes para os avanços necessários? Sobre a questão da necessidade de mais estudos, parece-me, pessoal- mente, que todos os capítulos apontam alguns indicativos de investigação, que possam, talvez, se resumir à necessidade de se centrarem no sentido de ver a descentralização enquanto modo de ordenamento espacial do poder e de reescalonamento territorial do Estado, parafraseando uma contribuição de Brandão nesta obra. Para finalizar estas palavras introdutórias ao presente livro, resta desejar uma boa leitura a todos os leitores. De nossa parte, como autores, expressamos nossas concepções ou percepções sobre o tema, certamente, representando uma contribuição significativa. Colocamos-nos à disposição para participar no debate do tema, seja em fóruns governamentais, no meio acadêmico ou nas organizações da sociedade civil, contribuindo e interagindo, quando convidados, para a qualificação dos processos de descentralização. Referências , .; , . .; , . . Desenvolvimento contemporâneo e seus descaminhos: a contribuição da obra de Dinizar Becker. Lageado: Univates, . —; , . . Uma compreensão das oportunidades e desafios do desen- volvimento local e regional, a partir do enfoque de uma economia política neo- -gramsciana do desenvolvimento contemporâneo. In: , .; , . .; , . . Desenvolvimento contemporâneo e seus descaminhos: A contribuição da obra de Dinizar Becker. Lageado: Univates, , p. -. , . . A dinâmica territorial do desenvolvimento: sua compreensão a partir Governança territorial e desenvolvimento · 
  • 24. da análise da trajetória de um âmbito espacial periférico. Santa Cruz do Sul, . Tese de doutorado em Desenvolvimento Regional, Unisc. —. A gestão societária do processo de desenvolvimento local/regional. In: -Revista de Estudos da Administração, ano , n. , Ijuí, jul./dez. . —. A gestão territorial através do diálogo e da participação. In: Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona,  de agosto de , v. , n.  (). Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/ sn/sn-.htm>. —. Gobernanza y planificación territorial: para la institucionalización de una práctica de “concertación públicoprivada. In: Documentos y Aportes en Administración Pública y Gestión Estatal, año , n. , Santa Fe (), , p. -. —. Governança Territorial. In: , . . Dicionário do desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul: Edunisc, , p. -. — , . . Governança territorial: um primeiro passo na construção de uma proposta teórico-metodológica. Desenvolvimento em Questão, ano , n. , Ijuí, jul./dez./, p. -. , . .; , . . Nuevo regionalismo y desarrollo territorial en ámbitos periféricos. Aportes y redefiniciones en la perspectiva latinoamericana. In: , .; , . .; , . . (comp.). Repensando el desarrollo regio- nal – contribuciones globales para una estrategia latinoamericana. Buenos Aires: Miño y Dávila, , p. -. , .; , . Pensar a democracia na governança mundial: algumas pistas para o futuro. In: , .; , .; , . (orgs.). Democracia e gover- nança mundial – que regulações para o século . Porto Alegre: Universidade/ /Unesco, , p. -. , . O fim do Estado-Nação. A ascensão das economias regionais. Rio de Janeiro: Campus, . , . La tradición centralista de América Latina. Barcelona: Ariel, .  · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema