1) Alec tem estranhas visões e sonhos após ler sobre o Papa Aclamado, um vampiro poderoso que se afogou no Mar de Alborão.
2) À noite, Alec tem um pesadelo onde afoga e vê uma luz misteriosa no horizonte.
3) Alec encontra Jace na estufa do Instituto, que sumira nos últimos dias.
2. O sucessor de São Pedro, Norderic, como qualquer outro Papa, passou por juramentos.
Mas seu segredo fora desvendado há pouco mais de dois séculos após a sua morte pelos
Caçadores de Sombra, que houve um pacto fora do comum que o denunciou como
criatura do submundo. Não se sabe o verdadeiro significado do Pacto misterioso ou seus
resultados, era tudo parte de um arquivo morto da Clave em que ninguém poderia tocar
a não ser os de alto poderio. Mas os livros registram que desde a morte do Papa
Norderic, o Anel do Pescador que foi passado de geração em geração até ele, nunca fora
encontrado novamente.
Alec havia passado aquela tarde sozinho no Instituto, Clary estava com sua mãe no
hospital junto com Simon e Isabelle esperando melhoras do coma em que havia entrado
na última aventura “mortal”. Clary e Simon eram amigos recentes de Alec. Clary
descobriu ser uma Caçadora de Sombras no último ano, seu sangue não era
simplesmente mundano como o de Simon, agora ela pertencia ao grupo dos Nephilim.
Isabelle, a irmã Lightwood de Alec, era a mais carismática do grupo. Mas nem mesmo
ela conseguia animá-los neste momento por causa da situação de Jocelyn.
O livro que Alec estava lendo se encontrava jogado num canto escuro atrás do antigo
sofá da biblioteca de Hodge, que havia fugido há meses depois de descoberta a sua
traição. Nem mesmo os olhos azuis celeste de Alec teriam visto algum indício de
falsidade naquele homem,
que era como um grande pai, um mentor para ele. Hodge entregou o Cálice Mortal para
Valentim, o grande perigo contra Idris, e fugiu sem deixar pistas. A decepção ainda
banhava os corredores do instituto e também a saudade do cheiro das folhas de chá
escuro que Hodge preparava nas tardes frias de Nova Iorque, apenas o cheiro que se
tornara ácido como veneno agora.
O telefone começou a tocar na mesa de carvalho sustentada por esculturas dois anjos de
semblante triste, e cada vez mais melancólicos. Alec se assustara com o barulho pois
estava concentrado em sua leitura, mas logo se pôs a correr para atendê-lo.
- Quem é?
- Alec, por favor, onde você está? Estou te esperando há 2 horas! – Era uma voz
semelhante à de sua irmã mais velha, mas com um pouco mais de raiva que o normal.
- Desculpe, Isabelle. Acabei me distraindo com as plantas da estufa, elas estão.. Hum..
Secas. – Respondeu Alec procurando uma desculpa para usar. Ele não queria revelar
que estava lendo material proibido pela Clave, principalmente por agora estarem sob
vista grossa devido ao último incidente.
- Desde quando você gosta de ir lá em cima ver aquelas plantas nojentas? Que seja. Te
encontro em meia hora, e não ouse se atrasar!
- Ah.. Ok. – Antes de poder responder, Isabelle desligou o telefone furiosamente. Alec
se perguntara se o que havia a irritado fora apenas o seu atraso, ou haviam mais fatores
para isso. Ele não gostava de ver sua irmã aborrecida, que dirá furiosa.
3. Alec vestiu seu sobretudo negro e pegou as chaves da motocicleta que Jace havia
deixado por acaso. Jace não sabia que ele usava sua motocicleta sem permissão, mas ela
era amaldiçoada e todos sabem que coisas amaldiçoadas são muito mais legais que as
normais.
No cair da noite, Alec se assemelhava a um corvo uivante na moto de Jace com seu
sobretudo esvoaçado como asas negras de um morcego demônio. Logo estaria em seu
destino ao encontro de Isabelle e descobriria o porquê da tamanha ira da irmã em não ter
sua presença.
Já fazia quase 1 ano que Alec não via Magnus. O Mago do Brooklyn que havia
conquistado mais que sua confiança no momento de trevas, o fazia lembrar de que
estava solitário demais, sem companhia durante um bom tempo justamente por ser
diferente. Alec nunca tivera amigos, na verdade. O único amigo que tinha era Jace, e
sempre fora apaixonado por ele secretamente. Talvez essa paixão tivesse fugido de seu
coração pois agora ele só batia por um só, um ser sozinho.
Lá estava ela, Isabelle. Estava usando um par de coturnos prateados e calças negras. Sua
blusa estava simples até para a irmã extravagante que tinha, mas nada se comparava
àqueles olhos negros como o eclipse lunar demonstrando seu poder de persuasão.
- Ei, Alec! Estou aqui.
Alec parou a moto perto da calçada quase que caindo por cima de sua irmã. Ele não era
muito bom em manusear instrumentos sobrenaturais. Afinal, nunca matara um demônio
se quer.
- Onde estão Clary e Simon? Como vai Jocelyn?
- Está na mesma.. Parece que o coma nunca abandona seu corpo. Nem mesmo a voz de
Jace a fez acordar, estamos com receio de que ela não volte mais. Clary fica assustada e
Simon tenta acalmá-la, mas não há o que fazer.
Alec não gostava de Clary nas primeiras semanas em que a conheceu. Depois se suas
aventuras e com o passar do tempo, acabou se acostumando com sua amizade, então
ficava sentido por saber que ela não estava feliz e não havia como ajudá-la.
- O que pretende fazer agora? Voltemos ao Instituto então? – Perguntou Alec duvidoso.
- Sim. Você veio na moto do Jace? Ele te mataria se soubesse.
- Nem mesmo eu sei onde ele está. Por Raziel, essa moto é incrível demais para ficar
plantada nos fundos da catedral. – Alec quase que babava ao falar da fantástica moto.
- Que seja. Vamos voltar logo, eu estou com fome e deixei alguns…
Isabelle parara de falar. Não só ela, mas como todo e qualquer barulho era inexistente
naquele momento. Alec só conseguia sentir suas batidas de coração totalmente
aceleradas como se fosse ter um ataque a qualquer momento. A atmosfera estava
completamente paralisada, sua irmã parecia uma estátua de cera em sua frente. Sentia-se
4. como se seus ouvidos estivessem abafados por um sobro quente que não permitia a
entrada de qualquer som.
Mas sim, uma melodia angelical começou a dançar em torno de Alec, sussurrava com
melancolia como uma pena prestes a se molhar numa poça.
- Ad salutem.. Aquaprofluens et mare..
Alec sentiu como se fosse desmaiar, essa voz era sobrenatural e o que significavam
essas palavras? Ao olhar o horizonte de concreto à sua frente, bem ao final da rua, ele
viu uma luz morta que fluía como uma alma torta desenhada à mão. Quando piscou, ela
já não estava mais lá e as estranhas vozes já não cantarolavam mais.
- … sacos de lula congelada para cozinhar mais tarde, espero que goste de frutos do mar
tanto quanto gosta da minha comida.
Alec se mantinha inativo, sua mente havia se petrificado em segundos. O que havia
acontecido fora uma experiência única para ele, nunca nada fora igual em seus anos de
Caçador de Sombras.
- Que cara é essa? Minha comida não é tão ruim quanto uma chicotada no seu rostinho
lindo se não ligar logo essa moto. Eu estou com frio e fome, vamos. – Disse Isabelle
montando na garupa da moto demoníaca de Jace.
Alec se desafiou a olhar novamente para o fim da rua onde vira a aurora perecida, mas
nada havia lá. No lugar, surgiram dúvidas e medo, muito medo. Logo se pôs na frente
da moto e acelerou como se não houvesse amanhã, só queria ficar o mais longe o
possível daquele lugar e daquela situação horripilante. Não devia contar para ninguém,
se Isabelle não ouviu a voz, ninguém ouvira a não ser ele. O vento uivava em seus
ouvidos a caminho do Instituto como um sussurro morrediço, mas no momento, o que
ele mais desejava era estar de volta à biblioteca para descobrir o que aquelas palavras
significavam e o porquê de terem se manifestado para ele.
Só de pensar que havia lido sobre o Papa Aclamado mais cedo, o fazia tremer caso
tivesse alguma relação entre a alma viva que cantarolava, e o sem alma morto
amaldiçoado que jazia sob as águas negras do Mar de Alborão.
Capítulo 2
Era noite.
Todo bom conto começa assim, com o cair do manto obscuro propagado por frios vultos
sem esperança. A luz quente da aurora jaz ao longe, cercada de trevas e lamúrias ávidas.
Junto com o tom negro que aquarelava o céu quase que encobrindo as mínimas estrelas
que sorriam de medo no vasto universo, havia um silêncio. Como sempre, era noite nos
sonhos de Alec. E a luz nunca tocava o horizonte, nunca.
5. Ele não via o chão, era uma espécie de esfumaçado cor de carbono e poeira esvoaçada
sob suas botas. Ao olhar a sua frente, não via nada a não ser a vasta escuridão. O que
dizia sua forte audição? Alec fora um rapaz ouvinte a vida inteira por não ter ninguém
com quem compartilhar. Vivia das experiências alheias e seus ouvidos nunca falhavam,
mas neste momento, eles estavam surdos em tom agudo.
Uma aura desconhecida começara a se manifestar ao vasto horizonte do local
desconhecido onde Alec se encontrava. Lembrara da experiência que tivera mais cedo,
mas não teve tempo de sentir o arrepio em sua espinha por estar assustado. Alec estava
caindo. A névoa tornou-se insubstancial e estava arrastando-o para um buraco sem
fundo. Estava submergindo.
Alec acordara naquela madrugada com a sensação de afogamento. Nunca ocorrera coisa
parecida anteriormente, a vontade de chorar e de se esconder era tão grande naquele
momento que Alec não conseguia parar de tremer em sua cama.
Eram 3:45 da manhã de uma quinta-feira, ele estava assustado mas não queria ficar ali
onde tivera o pesadelo terrível. Desde o começo da semana, coisas estranhas vinham
acontecendo com ele e não queria arriscar de maneira alguma que a tal alma brilhante
reaparecesse ali para ele durante a noite. Alec levantou de sua cama e se pôs a olhar
através do espelho. Como mudara com o tempo, uma aparência mais forte e mais
sombria até. Os cabelos negros como café fumegante estavam bagunçados de forma
aleatória e seus ombros aparentavam estar mais largos que o normal. Suas cicatrizes em
formas de símbolos estavam mais visíveis no pescoço e no abdômen constrastando com
a pele branca, isso o fazia lembrar de batalhas passadas pelas quais ele teve que passar
na sombra dos amigos.
Andava com cautela pelos corredores do Instituto prestando pouca atenção por onde
passava. Estava mais concentrado em seus pensamentos e medos e o que significavam
todas aquelas visões. Não podiam ser comuns, e só de pensar no que significariam para
ele se procurasse saber, já sentia um arrepio mortal na espinha.
Sem perceber, viu-se iluminado por uma luz amarela saída do chão em algum lugar de
onde estava. Logo identificou o lugar: estava na estufa. Não sabia o porquê de ter ido
parar lá, talvez saudades de seu companheiro Jace que adorava a visão nova iorquina
durante a madrugada. Há dias que não falava com seu companheiro Parabatai*. Apesar
de todos os sentimentos, Alec já não sentia mais a paixão secreta por Jace. O via como
um irmão, nos últimos dias
estava mais para um estranho nômade que só aparecia de vez em quando na catedral do
Instituto.
- Alec. Sabia que era você. Reconheci pelos passos leves.
- Jace? O que faz aqui? Não o vejo há dias. – Alec estava esperando que Jace aparecesse
entre os vasos de planta localizados na estufa. Estava muito escuro e mesmo com a
clareira de vidro, não era possível identificar a localização dele.
- Eu precisei de um tempo sozinho. Refletir sobre como andam as coisas e como serão
daqui para frente. – Jace tinha um tom sofrido em sua voz. Havia aparecido ao lado das
6. plantas brilhantes amarelas que se localizavam no canto oeste da estufa. Seus olhos
estavam num tom vívido dourado por causa da luz, mas suas olheiras denunciavam seu
cansaço. Alec não entendia como aquelas plantas brilhavam mas também não se
interessava por flores lâmpadas.
- Jace, este é seu lar. Sabe que pode contar conosco para qualquer coisa, somos seus
irmãos de batalha e criação.
- Alec, esse problema é meu. Valentim pretende sabe-se lá o que fazer com o Cálice e
eu não sei se seria capaz de ataca-lo depois de tudo. – O sofrimento era perceptível em
sua voz junto com um chiado de raiva.
- Tudo bem, eu entendo. – Respondeu Alec sem saber o que dizer.
- Não, não entende. Ninguém entende. Por isso eu quero ficar longe por um tempo,
preciso saber o que fazer e o que me perturba tanto. – Jace respondeu com confusão
explícita e saiu do cômodo logo em seguida.
Alec sofria por Jace. Ele era seu irmão de criação, seu melhor amigo e parabatai, mas
não podia fazer nada para melhorar seu ânimo. Só mesmo o tempo poderia curar aquele
coração ferido, nem mesmo uma estela poderia conserta-lo. Uma vez, ouvira entre
paredes que “amar é destruir e ser amado é ser destruído”. Sabia que Jace estava
despedaçado por vários motivos, mas o fator base era o amor.
A noite caía e o tempo não passava. Alec passou pela cozinha mas não tinha apetite
nenhum para beliscar qualquer coisa presente lá, principalmente porque sua irmã é que
havia cozinhado a tal lula que mais cedo estava com um cheiro metálico venenoso.
Resolveu voltar à biblioteca do Instituto para ver se o conhecimento passado pelos
livros o traria alguma luz naquele momento de escuridão contínua.
Alec adorava ler. Seus maiores companheiros sempre foram os livros antigos. Seus
maiores consoladores, os antigos escritores de fábulas, eram maravilhosos e tão
utópicos que faziam ele ficar com olhos marejados só de lembrar. Seu romance favorito
era O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas que, por sua vez, era metade
Nephilim. Alec sempre desconfiara de que sua habilidade de escrita não era mera
coincidência. Sabe-se que os Nephilim, filhos de anjos com humanos, eram de alto
poderio intelectual comparado aos mundanos. Alec era vidrado no protagonista da
história, Edmond Dantès, vítima e vingador.
Para Alec, a vingança era uma adaga sem fio no peito do inimigo: Sem corte, a dor
penetra mais profana.
Se pôs a sentar no velho sofá da biblioteca e pensou num livro para refletir.
Infelizmente, o único que vinha à mente no momento era Apólogos Mortiços, o livro
que lera mais cedo o qual vira informações sobre Norderic. Só de pensar no nome, um
calafrio se pôs a percorrer pelos braços. Levantou-se, pegou o livro escondido atrás do
velho sofá e o fitou por instantes.
O livro parecia mais antigo que o normal, sua capa de couro envelhecido estava mais
ácida, as dobradiças douradas mais gastas e as páginas aparentavam estar mais
7. enrugadas que de costume. Abriu em uma página qualquer e, antes de começar a ler,
encarava pela janela a lua que agora estava visível. Tão bela a sua luz fantasmagórica,
transformava seus olhos numa alegoria de tons azulados que aparentavam estar
impressionados com a beleza solitária do satélite.
“(…) Sua conversão foi assombrosa. Naquela noite, o bando de vampiros havia pego o
mundano para torturar e provocar a Clave através da quebra dos pactos. Norderic
relatou que já considerava-se morto depois de apanhar, ficar preso a correntes, ter
perdido totalmente os sentidos. O que ocorreu em seguida foi uma ação jamais vista na
história das criaturas.
(…) Dois vampiros morderam as veias de Norderic ao mesmo tempo e seus venenos
penetraram em conjunto no organismo do mundano. Horas depois, todos os vampiros
do bando foram mortos e esquartejados, todos. Norderic sabia que, a partir daquela
noite, teria que carregar a maldição de duas criaturas perdidas. Mas também sabia que
sua força valeria por mil dessas criaturas. Sua alma pereceria em danação eterna.”
Alec mal conseguia sentir as pontas dos dedos. O ambiente ficara frio de repente. Mal
conseguia manter o calor de sua respiração, sentia que seus olhos poderiam pular de seu
rosto a qualquer momento a procura de uma lareira.
O frio aumentou absurdamente. Havia uma mão gélida em inércia sobre o ombro de
Alec. Uma mão morta. Não humana.