Três é demais, mas é inevitável (outro conflito de gerações)
1. Três é demais, mas é inevitável
(outro conflito de gerações)
Texto do livro Riscos do Capital Humano (Brasport, 2012), de Luis Adonis Correia
Nos últimos 60 anos, ocorreram tantas mudanças – rupturas, melhor dizendo – que
se tem a impressão de que, nesse período, vários séculos foram zipados. Dentre as
consequências, a demarcação de gerações diferentes em intervalos de tempo cada
vez menores. Mas gerações mais próximas, temporalmente, não significam menos
conflitantes.
Conflito de gerações é um tema antigo, mas deve estar na ordem do dia e ser
encarado de modo diferente porque, pela primeira vez na história, três gerações
bem distintas habitam e disputam o mesmo espaço organizacional.
Além das coincidências da vida como, por exemplo, dirigir-se à mesma empresa,
essas três gerações pegam o mesmo elevador, descem no mesmo andar e, em
alguns instantes, estarão na mesma sala em reunião. Desta, participam
profissionais que testemunharam, com impactos pessoais bem distintos, a
apresentação de Hendrix em Woodstock, a estreia da MTV, a morte de Kurt Cobain.
Há os baby boomers, a geração pós-guerra, nascida entre 45 e 61; a Geração X,
nascida entre 62 e 77; e a Geração Y, nascida a partir de 78. Há ainda quem cite os
“veterans” ou a “silent generation” (nascidos entre 1933 e 1945), mas me parece
um batismo fora de ordem, porque somente depois da discussão sobre Geração Y é
que essa denominação surgiu. Outros oportunistas batizam agora grupos que não
conseguem ser demarcados mais claramente como, por exemplo, Geração F, de
Facebook, coisa que muita gente da Geração X utiliza com destreza.
A pronúncia em inglês das gerações estudadas no mercado de trabalho permite
trocadilhos que engrossam a lista de denominações. Generation Y é descrita como
Generation Why, Generation Y-not? e Generation neXt (por suceder à Generation
X). Os da Geração Y que adentraram o mercado de trabalho a partir do ano 2000,
também denominados de Millennials, passam a representar a maioria da força de
trabalho à medida que os baby boomers se aposentam. Oh, baby!
Segundo dados do U.S. Census Bureau, em 2008 havia 73 milhões de baby
boomers, 49 milhões de Generation X e 80 milhões de Millennials. Não é somente a
quantidade que torna os millennials relevantes. Eles representam a maior mudança
já percebida no perfil da força de trabalho.
Diferentemente do ocorrido pela entrada de outras gerações no mercado de
trabalho, a atual acarreta maior impacto porque se trata de uma mudança cultural
mais intensa para os que atualmente são os gestores dessa turma. Essa geração
cresceu num período de prosperidade e de alta tecnologia. Desfrutou disso como
nenhuma outra. Seus integrantes são confiantes e otimistas: sabem que são
desejados.
Millennials são multitarefas por criação: desde a infância transitaram por espaços
multimídia e tiveram uma agenda de atividades definidas por seus pais, que
aumentaram o controle sobre o tempo livre dos filhos.
Os pais dessa geração, assoberbados por uma competitividade desenfreada que
elevou a níveis ímpares o tempo dedicado à empresa, adotaram duas práticas para
compensar a ausência: premiação e ocupação. Presentes e tarefas circunscreveram
o espaço social da garotada. Uma pesquisa da Universidade de Michigan aponta que
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2. em 1981 os pais programavam 60% do tempo livre dos filhos. Em 1999, o
percentual havia subido para 75%.
Esse modelo de gestão produziu pessoas que se habituaram a viver em movimento,
estimulados por tarefas e recompensas. Questões de liderança, iniciativa e
comunicação são desafiadoras para quem convive com millennials, que adentram o
mercado com o mote “me-diga-o-que-fazer-mas-não-me-questione”. O
comportamento reivindicatório não oculta a necessidade de orientação, mas são
impacientes com tal excesso.
Para essa geração, liderança tem um significado distinto do heroísmo, pioneirismo e
carisma que vendem toneladas de livros. Aguardam orientação, sim, alguém
presente que os ocupe regularmente, mas que não entre no mérito de seu modus
operandi. Iniciativa? Assim que tiverem no comando e, quem sabe, em seu próprio
negócio. Claro que não é para repetir modelos de gestão e estereótipos de poder. É
só por uma questão de espaço de realização.
Uma pesquisa realizada em 2008 buscou delinear um perfil para o profissional da
Geração Y. Dentre as observações, as diferenças se manifestaram, sutilmente ou
não, em temas como ética no trabalho, perspectivas de carreira, fatores de
retenção, lealdade, engajamento e formas de comunicação, indicando que 28%
tinham seu próprio blog e 44% eram leitores de outros blogs.
Essa profissional de berço tecnológico se comunica em inúmeros canais, de modo
rápido, direto e informal. É impensável estar num ambiente em que não tenha
contato diretamente com quem quer que seja, e isso inclui o presidente, o CEO, a
entrega de pizza ou o acesso a qualquer website. Barreiras desse tipo são
entendidas como burocracia, rigidez de procedimentos, normas e regulamentos –
coisas que abomina.
A pesquisa apontou ainda que 61% dos millennials tinham como expectativa
horários mais flexíveis de trabalho. O jogo mudou e, portanto, há de se conhecer e
aprender as novas regras.
Em artigo no Financial Times, Karen Cates e Kimia Rahimi comentam que os
integrantes da Geração Y “são atraídos por culturas orientadas a equipes”.
Discordo. Eu os acho mais individualistas na realização de seus trabalhos, mas
percebo que desenvolvem e reconhecem redes, podendo incluí-las em mais
aspectos de suas vidas.
O quão defasadas as gerações realmente estão? Desde os estertores do século XX,
o acesso à informação em tempo real, sobre praticamente tudo o que se quiser,
acarreta uma horizontalização: os círculos de diferentes gerações se superpõem.
Isto, sim, torna plano o nosso mundo.
Por outro lado, a magnitude e a intensidade de tal acesso fazem com que seja cada
vez mais difícil o tratamento coletivo (como classificação, segmentação,
caracterização). As diferenças são muito mais individuais do que geracionais.
O conceito de geração já trazia imprecisões, mas havia um diferencial no acesso à
informação. As expressões “pais sabem mais” e “ouça os mais velhos” eram
tratadas de forma absoluta, isto é, valiam sempre independentemente do assunto.
Agora não há mais espaço, virtual ou não, para esse tipo de saudosismo.
Com o perdão pelo lugar-comum, a velocidade e aceleração do processo são a
questão. Tecnologias são de acesso e uso comuns a diferentes gerações, que se
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3. aproximam ainda que involuntariamente, a um custo muito baixo em comparação à
massa que é atingida globalmente.
Lembrei-me de uma tequila chamada ”Tres Generaciones”. Apesar do nome, é
envelhecida durante pouco mais de 3 anos. O tempo está cada vez mais rápido. Ou
então esse é o verdadeiro efeito tequila.
Não sei se Geração Y ou Millennials ou outro apelido funciona como uma
denominação específica para a massa organizacional urbana que está empregada.
O último grupo identificado desta forma havia sido o Yuppie (young urban
professional), movimento nascido, criado e sepultado na década de 1980, que
começou como um termo demográfico, onde idade, ocupação e densidade
geográfica eram as variáveis que rotulavam o estilo e as metas de vida. O termo
descrevia profissionais bem formados, com idade em torno de 30 anos,
comportando traços psicográficos tais como ambicioso, workaholic, materialista,
sofisticado, ligado a tendências e moda. São variáveis que, em suas pesquisas,
carregam estereótipos e preconceitos. Mas não diria que Wall Street (o filme, o
primeiro) seja datado. Se você não viu, “ocupe” sua locadora.
Enquanto a Geração X rejeita regras, a Geração Y procura reescrevê-las. Enquanto
a Geração X olha com desconfiança para as corporações, a Geração Y as olha com
irrelevância. As posturas são diferentes, mas talvez sejam estágios de uma mesma
trilha que vem sendo percorrida.
Talvez o que os integrantes da Geração Y queiram não seja tão diferente do que
todos nós, de todas as idades, almejamos. Mas eles verbalizam isso e aproximam a
ação do discurso.
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