1. A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA DE ATRASO DA ENTREGA DA OBRA NOS
CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
Por: Erasmo Filho(*)
RESUMO
O presente artigo analisa a abusividade da cláusula de atraso de entrega da obra nos
contratos de compra e venda de imóveis “na planta”. O autor, Erasmo Filho, advogado
com atuação na área de Direito Imobiliário, demonstra que – apesar da inserção da
cláusula de tolerância nos contratos, feita pelas incorporadoras e construtoras – tal
cláusula somente tem legitimidade se comprovada a existência de caso fortuito ou de
força maior.
Palavras-chave: entrega de obra, cláusula de 180 dias, cláusula de tolerância,
contrato de compra e venda de imóveis, abusividade de cláusula de atraso de obra.
ABSTRACT
This article analyzes the unconscionability of the delivery delay clause of work in
purchase and sale of real estate "on plan ". The author, Erasmo Filho, a lawyer with
expertise in real estate law area, shows that - despite the insertion of tolerance clause
in contracts made by developers and builders - that provision only has legitimacy if
proven the existence of unforeseeable circumstances or force majeure .
Keywords: work delivery, 180-day clause , tolerance clause , purchase and sale of
property , made by a delay clause unconscionability .
Tornou-se praxe nos contratos de promessa de compra e venda
realizados entre aqueles que sonham com a casa própria e as
construtoras/incorporadoras a inserção de uma cláusula que permite que estes
fornecedores atrasem a entrega das obras.
Trata-se da chamada “cláusula de tolerância” ou “cláusula dos 180 dias”,
entre outras nomenclaturas, que vem a ser uma cláusula que estabelece uma dilatação
no prazo inicial de previsão da obra. Esse prazo, que começou com razoáveis 90
(noventa) dias num passado recente, já chega, atualmente, aos inacreditáveis 180
2. (cento e oitenta) dias. E o que é pior: sem que seja necessário qualquer evento
justificador para tal atraso.
Obviamente, levando-se em consideração a liberdade das partes de
contratar entre si como melhor lhes aprouver, tal prática seria inquestionável. Todavia,
não se pode afastar dessa análise – sob pena de se promover a insegurança jurídica –
que os contratos de compra e venda de imóveis são considerados como contratos de
adesão, uma vez que se enquadram na definição prevista na cabeça do artigo 54, do
CDC1. Portanto, nessa qualidade, não podem ser considerados, integralmente, como a
legítima expressão da vontade das partes. Pelo menos não sob o ponto de vista do
consumidor. Esse, ou assina ou deixa de sonhar com as chaves de sua moradia.
Nesse ponto – de que os referidos instrumentos são contratos de
adesão – até mesmo o Superior Tribunal de Justiça – STJ já se posicionou no mesmo
sentido2. Por consequência lógico-jurídica, todas as cláusulas que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada são nulas de pleno direito, conforme prevê
expressamente o art. 51, IV, do CDC3.
Evidentemente, em algumas situações é justificável a utilização desse
prazo pelos fornecedores, notadamente naquelas consideradas como de caso fortuito
ou de força maior. Ocorre que as incorporadoras/construtoras, além de inserirem tal
cláusula em contrariedade à vontade dos consumidores, ainda fazem constar outra,
1 Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou
modificar substancialmente seu conteúdo.
2 CIVIL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RESILIDA PELA VONTADE UNILATERAL DO ADQUIRENTE. CÓDIGO DO
CONSUMIDOR. 1. CONTRATO DE ADESÃO. Contrato de adesão é aquele cujo conteúdo não pode ser
substancialmente modificadopelo consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 54, caput), em cujo rol se inclui o contrato
de compra e venda de apartamento, salvo se, v.g., comprovada ou a modificação da planta padrão ou a redução
significativa do preço ou o respectivo parcelamento em condições não oferecidas aos demais adquirentes de unidades
no empreendimento. (STJ - REsp: 59870 SP 1995/0004290-8, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de
Julgamento: 16/11/1999, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 07/02/2000 p. 149 JSTJ vol. 19 p. 256
RDTJRJ vol. 43 p. 53 RSTJ vol. 129 p. 246) (grifamos)
3 Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou
serviços que: (...) IV – estabeleçam prestações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
3. que as isenta de qualquer justificativa e penalidades nos casos em que o prazo de
tolerância for utilizado. E isso é de uma clara abusividade.
É certo que existem julgados no sentido da não abusividade da referida
cláusula, determinando, equivocadamente, que eventuais indenizações, multas e
outros encargos sejam devidos após o prazo de tolerância, mesmo que não tenham
ocorrido quaisquer eventos justificadores. Todavia, a jurisprudência predominante é
no sentido de que o atraso na obra tem que ser justificado4. Caso contrário, são
cabíveis as penalidades pelo atraso da obra.
No próximo artigo, analisaremos outros aspectos inerentes aos
contratos de compra e venda de imóveis na planta que dificultam a realização do
sonho da casa própria.
Erasmo Filho é Advogado com atuação na área de Direito Imobiliário
4 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. 1. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. INCIDÊNCIA DA MULTA CONTRATUAL.
FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. 2. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REEXAME DE PROVAS.
DESCABIMENTO. SÚMULAS 5 e 7/STJ. 3. AGRAVO IMPROVIDO.(..). 2. A partir da interpretação de cláusulas do contrato de
promessa de compra e venda firmadoentreas partes, bem como do reexame das circunstâncias fáticas da causa, concluiu o
acórdãorecorrido pela ausência de prova que pudesseconfigurar caso fortuito ouforça maior, devendo as rés, ora recorrentes,
responder pela multa de 1% aomês fixada pela sentença desdenovembrode 2009 atéa data da efetiva entrega do imóvel, (...). 3.
Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 572.549/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 19/06/2015)