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17/3/2008 10:22:00


Pílulas pós-modernas


Por Carlos Eduardo Louzada Madeira




       Falar de pós-modernismo implica, antes de tudo, lembrar que estamos
tratando, como regra geral, do presente e também do que poderíamos chamar de
passado recente, remontando talvez, retroativamente, até a segunda metade dos
anos sessenta. Implica também atentar para a complexidade do termo pós-
moderno, de difícil (alguns diriam impossível) conceituação, dada a abrangência
com que costuma ser utilizado. Devido ao seu caráter inespecífico e controverso,
muitos são os autores que evitam ou mesmo recusam o seu emprego. Octavio Paz,
por exemplo, contesta a própria validade do termo:

                     Ao período atual se tem chamado de ‘pós-moderno’. Nome
                     equivocado. Se nossa época é ‘pós-moderna’, como chamarão a sua
                     época nossos netos: pós-pós-moderna? Geralmente se pensa que o
                     conjunto de idéias, crenças, valores e práticas que caracterizam o
                     que se chamou modernidade passa hoje por uma radical mutação. Se
                     é assim, este período não pode se chamar nem se definir
                     simplesmente como pós-moderno. Não é simplesmente o que vem
                     depois da modernidade: é alguma coisa distinta dela. Alguma coisa
                     que já tem seus traços próprios, embora ainda em formação. [1]


       Em Pós-escrito a O Nome da Rosa, Umberto Eco sugere que o pós-moderno
não parece ser uma ideologia passível de delimitação cronológica. Ou seja, cada
período histórico teria o seu próprio pós-moderno, não sendo, portanto, possível
restringir a aplicação do termo a um recorte específico de tempo. Dessa forma,
estaríamos diante de uma “categoria espiritual” ou de um “modo de operar”
presente em diversas épocas. Essa concepção parece capaz de atenuar o
desconforto suscitado pelo posicionamento de Paz acerca da aplicação restrita do
termo à atualidade e, mais ainda, diante da necessidade incontestável de nomear
futuros “conjuntos de idéias, crenças, valores e práticas”.

        Retomando o ensaio “Poesia e modernidade: da morte do verso à
constelação. O poema pós-utópico”, de Haroldo de Campos, Flávio Carneiro aponta
dois aspectos problemáticos relacionados ao uso do termo pós-moderno. O primeiro
deles diz respeito às possíveis ambigüidades decorrentes do prefixo pós, como, por
exemplo, fazer supor que se trata de um rompimento radical e definitivo com a
modernidade. O outro aspecto seria colocar no mesmo balaio as manifestações
artísticas produzidas ainda na primeira metade do século XX, avançando um pouco
já pela década de cinqüenta, e aquelas surgidas a partir do final dos anos sessenta,
esteticamente diferentes entre si quanto ao imaginário que imprimem nas obras.
De acordo com Flávio, a utilização de pós-utópico em vez de pós-moderno seria
mais precisa, contribuindo para clarificar os pontos apresentados.

       É possível que a sedimentação do pós-moderno como categoria cultural
tenha se dado justamente como forma de tornar mais marcada uma mudança de
postura diante das artes e do próprio mundo. O enfoque modernista se baseava em
grande parte na negação do passado, na rejeição do tradicional. Pretendia obliterar
os traços essenciais de tudo aquilo que o precedia e que se havia instalado no
senso comum e no próprio espírito cultural da sociedade.

        Era um movimento de ruptura não só estrutural, mas também conceitual,
uma recusa ao diálogo com a história. Era a substituição do preexistente por
intermédio de uma nova forma de apreensão e representação do real, uma nova
leitura dos signos. Era o triunfo da modernidade dinâmica que tudo transforma
sobre o passadismo inerte e conservador.

        Nessa tentativa de apagamento da realidade já estabelecida, a estética
vanguardista seguiu um fluxo furiosamente revolucionário. Transformou a música,
as artes plásticas, a literatura, a arquitetura. Suas inovações formais e
conteudísticas propuseram uma nova leitura de mundo, permeada de
ultrapassagens e radicalismos. E foram essas mesmas ultrapassagens que
acabaram por conduzir a um período de esgotamento, em que naturalmente se
iniciou o desenvolvimento de uma nova abordagem, disposta a construir uma ponte
dialógica com o passado, do qual o próprio modernismo começava a fazer parte,
para lá impelido pelos próprios experimentalismos e pelos próprios ideais, impedido
por ele mesmo de seguir adiante:

              [...] chega um momento em que a vanguarda (o moderno) não pode
              ir mais além, porque já produziu uma metalinguagem que fala de
              seus textos impossíveis (a arte conceptual). A resposta pós-moderna
              ao moderno consiste em reconhecer que o passado, já que não pode
              ser destruído porque sua destruição leva ao silêncio, deve ser
              revisitado: com ironia, de maneira não inocente. [2]

        Parece ser este efetivamente o modus operandi do pós-modernismo.
Dialoga-se com o passado, reconhecendo nas criações culturais um núcleo
intertextual, que pode levar a transformações e recriações. Abrimos aqui um
parêntese: curiosa e paradoxalmente, mesmo num contexto de ruptura como o
experimentado pelos movimentos de vanguarda no Brasil, já havia aqui uma
aproximação com a tradição histórica, com o já dito, como mostra Silviano Santiago
em seu ensaio “A permanência do discurso da tradição no modernismo”. É
emblemática a viagem que fazem os modernistas (Mário e Oswald de Andrade,
Tarsila do Amaral e outros) ao interior de Minas, descobrindo com deslumbre o
nacionalismo barroco do século XVII.

       Voltando à questão intertextual, vejamos o que diz Linda Hutcheon em A
poética do pós-modernismo:

              A intertextualidade pós-moderna é uma manifestação formal de um
              desejo de reduzir a distância entre o passado e o presente do leitor e
              também de um desejo de reescrever o passado dentro de um novo
              contexto [...] No total, pouco resta da noção modernista de “obra de
              arte” exclusiva, simbólica e visionária; só existem textos, já escritos.
              [3]


        Como exemplo, a autora cita em seguida o filme A encruzilhada
(Crossroads), apontando o diálogo, por meio da problemática do pacto com o
demônio, estabelecido entre o longa e o Fausto de Goethe. O cinema, aliás, parece
se constituir num dos suportes mais apropriados e fecundos para o resgate do já
dito, o que não raro se dá sob a forma de paródia, permeada de ironia. Ironia essa
que, para Therezinha Barbieri, deve ser entendida como “duplicidade de discurso,
que se articula a si mesmo representando o do outro” [4].
São diversos os filmes que promovem o retorno paródico ao passado. Pode-
se citar, por exemplo, o excelente A vida de Brian (The life of Brian), inteligente e
atrevida iniciativa do quinteto inglês Monty Python. O enredo retrata a trajetória de
Brian, indivíduo que, após o nascimento, cerca de dois mil anos atrás, recebe a
visita de três reis magos, vendo-se mais tarde, por obra do acaso e do fanatismo,
elevado à condição de Messias. Atrai seguidores, assume, por força das
circunstâncias e de uma obsessão popular fanatizadora, a condição de mestre e
pastor, renegando a todo momento essa condição e dela tentando em vão escapar,
se engaja na luta contra a ocupação romana em seu país e acaba por chamar a
atenção das autoridades, sendo condenado à morte por crucificação, ao lado de
ladrões e outros subversivos.

        Alimentado por um humor ferino e um incisivo senso crítico, característicos
do grupo, a obra promove a releitura de uma série de situações relacionadas aos
tempos bíblicos, promovendo a “ficcionalização do abundantemente documentado”
[5]. Considerando passagens clássicas, aspectos sociais, morais, éticos, políticos e
religiosos, o filme mantém o tom irônico e sarcástico do início ao fim, cruzando
referências diversas, desafiando dogmas e verdades históricas universais e
relacionando o passado com o presente. Esse mesmo espírito se manifesta também
em outros trabalhos do grupo, como em Monty Python e o Cálice Sagrado (Monty
Python and the Holy Grail).

       Ainda com relação à temática bíblica, duas outras obras podem ser citadas:
Jesus Cristo Superstar (Jesus Christ Superstar), de Andrew Lloyd Webber e Tim
Rice, ópera-rock lançada originalmente em disco em 1970 e transformada em longa
três anos depois, sob a direção de Norman Jewison, e A última tentação de Cristo
(The Last Temptation of Christ), filme controverso levado às telas por Martin
Scorcese, com intrigante trilha sonora de Peter Gabriel, baseado no romance do
escritor grego Nikos Kazantzakis.

        A respeito do primeiro, valem algumas observações. O trabalho de Webber e
Rice relata os últimos sete dias da vida de Cristo a partir da visão de Judas.
Conquanto mantenha a carga dramática e os eventos principais tal como se
conhecem, o elemento irônico se manifesta fortemente em diversos trechos, em
especial nas observações de Judas, observador crítico dos acontecimentos, voz
interferente e mordaz. Toca-se também em outros aspectos, como, por exemplo,
na relação entre Maria Madalena e Jesus. Esse aspecto, porém, é mais
profundamente explorado na narrativa de Kazantzakis e no filme de Scorcese.

       A análise de Judas acerca das questões políticas e do risco a que Jesus e seu
grupo estavam expostos, e mesmo da própria validade das questões metafísicas
envolvidas, se faz presente em forma de advertência logo no início da obra:

              My mind is clearer now
              At last all too well
              I can see where we all soon will be
              If you strip away the myth from the man
              You will see where we all soon will be
              Jesus! You’ve started to believe
              The things they say of you
              You really do believe
              This talk of God is true
              And all the good you’ve done
              Will soon get swept away
              You’ve begun to matter more than the things you say
              Listen Jesus I don’t like what I see
              All I ask is that you listen to me
And remember
              I’ve been your right-hand man all along
              But every word you say today
              Gets twisted round some other way
              And they’ll hurt you if they think you’ve lied
              I remember when this whole thing began
              No talk of God then
              We called you a man
              And believe me, my admiration for you hasn’t died
              [...]
              You’ve set them all on fire
              They think they’ve found a new Messiah
              [...]
              We are occupied
              Have you forgotten how put down we are?
              [...]
              Listen Jesus to the warning I give
              Please remember that I want us to live
              But it’s sad to see our chances weakening with every hour
              All your followers are blind
              Too much heaven on their minds
              It was beautiful but now it’s sour

        Essa mesma voz se manifesta em outras passagens, e, já no final, depois da
crucificação e do próprio suicídio de Judas, aparece questionando Jesus, em tom
irônico, a respeito de tudo o que aconteceu e sobre as certezas e escolhas deste.
Colocadas de lado quaisquer possíveis intenções polêmicas ou mesmo a questão da
qualidade estética, interessa aqui observar como a obra, apesar da má recepção
por parte da crítica e dos segmentos mais conservadores da sociedade, conseguiu
atrair a atenção do público, suscitar discussões a respeito do tema e,
principalmente, revisitar a história sem submissão, com autonomia para lê-la e
interpretá-la através de outros vieses.

        Obras como as citadas talvez estejam entre as que pertencem, segundo
Therezinha Barbieri, à “vertente da ficção que se propõe cobrir lacunas deixadas
pela investigação histórica” [6]. Ou talvez sejam um desafio que enfatiza “o
processo de formação de significado na produção e na recepção da arte” [7]. Ou
talvez, ainda, coadunem essas duas idéias, mas o mais importante é que são
exercícios resultantes de processos filosóficos, artísticos e culturais geradores de
um saber a partir do qual a própria existência social e histórica se torna delineável
e passível de interpretação.

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Pos modernidade

  • 1. 17/3/2008 10:22:00 Pílulas pós-modernas Por Carlos Eduardo Louzada Madeira Falar de pós-modernismo implica, antes de tudo, lembrar que estamos tratando, como regra geral, do presente e também do que poderíamos chamar de passado recente, remontando talvez, retroativamente, até a segunda metade dos anos sessenta. Implica também atentar para a complexidade do termo pós- moderno, de difícil (alguns diriam impossível) conceituação, dada a abrangência com que costuma ser utilizado. Devido ao seu caráter inespecífico e controverso, muitos são os autores que evitam ou mesmo recusam o seu emprego. Octavio Paz, por exemplo, contesta a própria validade do termo: Ao período atual se tem chamado de ‘pós-moderno’. Nome equivocado. Se nossa época é ‘pós-moderna’, como chamarão a sua época nossos netos: pós-pós-moderna? Geralmente se pensa que o conjunto de idéias, crenças, valores e práticas que caracterizam o que se chamou modernidade passa hoje por uma radical mutação. Se é assim, este período não pode se chamar nem se definir simplesmente como pós-moderno. Não é simplesmente o que vem depois da modernidade: é alguma coisa distinta dela. Alguma coisa que já tem seus traços próprios, embora ainda em formação. [1] Em Pós-escrito a O Nome da Rosa, Umberto Eco sugere que o pós-moderno não parece ser uma ideologia passível de delimitação cronológica. Ou seja, cada período histórico teria o seu próprio pós-moderno, não sendo, portanto, possível restringir a aplicação do termo a um recorte específico de tempo. Dessa forma, estaríamos diante de uma “categoria espiritual” ou de um “modo de operar” presente em diversas épocas. Essa concepção parece capaz de atenuar o desconforto suscitado pelo posicionamento de Paz acerca da aplicação restrita do termo à atualidade e, mais ainda, diante da necessidade incontestável de nomear futuros “conjuntos de idéias, crenças, valores e práticas”. Retomando o ensaio “Poesia e modernidade: da morte do verso à constelação. O poema pós-utópico”, de Haroldo de Campos, Flávio Carneiro aponta dois aspectos problemáticos relacionados ao uso do termo pós-moderno. O primeiro deles diz respeito às possíveis ambigüidades decorrentes do prefixo pós, como, por exemplo, fazer supor que se trata de um rompimento radical e definitivo com a modernidade. O outro aspecto seria colocar no mesmo balaio as manifestações artísticas produzidas ainda na primeira metade do século XX, avançando um pouco já pela década de cinqüenta, e aquelas surgidas a partir do final dos anos sessenta, esteticamente diferentes entre si quanto ao imaginário que imprimem nas obras. De acordo com Flávio, a utilização de pós-utópico em vez de pós-moderno seria mais precisa, contribuindo para clarificar os pontos apresentados. É possível que a sedimentação do pós-moderno como categoria cultural tenha se dado justamente como forma de tornar mais marcada uma mudança de postura diante das artes e do próprio mundo. O enfoque modernista se baseava em grande parte na negação do passado, na rejeição do tradicional. Pretendia obliterar
  • 2. os traços essenciais de tudo aquilo que o precedia e que se havia instalado no senso comum e no próprio espírito cultural da sociedade. Era um movimento de ruptura não só estrutural, mas também conceitual, uma recusa ao diálogo com a história. Era a substituição do preexistente por intermédio de uma nova forma de apreensão e representação do real, uma nova leitura dos signos. Era o triunfo da modernidade dinâmica que tudo transforma sobre o passadismo inerte e conservador. Nessa tentativa de apagamento da realidade já estabelecida, a estética vanguardista seguiu um fluxo furiosamente revolucionário. Transformou a música, as artes plásticas, a literatura, a arquitetura. Suas inovações formais e conteudísticas propuseram uma nova leitura de mundo, permeada de ultrapassagens e radicalismos. E foram essas mesmas ultrapassagens que acabaram por conduzir a um período de esgotamento, em que naturalmente se iniciou o desenvolvimento de uma nova abordagem, disposta a construir uma ponte dialógica com o passado, do qual o próprio modernismo começava a fazer parte, para lá impelido pelos próprios experimentalismos e pelos próprios ideais, impedido por ele mesmo de seguir adiante: [...] chega um momento em que a vanguarda (o moderno) não pode ir mais além, porque já produziu uma metalinguagem que fala de seus textos impossíveis (a arte conceptual). A resposta pós-moderna ao moderno consiste em reconhecer que o passado, já que não pode ser destruído porque sua destruição leva ao silêncio, deve ser revisitado: com ironia, de maneira não inocente. [2] Parece ser este efetivamente o modus operandi do pós-modernismo. Dialoga-se com o passado, reconhecendo nas criações culturais um núcleo intertextual, que pode levar a transformações e recriações. Abrimos aqui um parêntese: curiosa e paradoxalmente, mesmo num contexto de ruptura como o experimentado pelos movimentos de vanguarda no Brasil, já havia aqui uma aproximação com a tradição histórica, com o já dito, como mostra Silviano Santiago em seu ensaio “A permanência do discurso da tradição no modernismo”. É emblemática a viagem que fazem os modernistas (Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e outros) ao interior de Minas, descobrindo com deslumbre o nacionalismo barroco do século XVII. Voltando à questão intertextual, vejamos o que diz Linda Hutcheon em A poética do pós-modernismo: A intertextualidade pós-moderna é uma manifestação formal de um desejo de reduzir a distância entre o passado e o presente do leitor e também de um desejo de reescrever o passado dentro de um novo contexto [...] No total, pouco resta da noção modernista de “obra de arte” exclusiva, simbólica e visionária; só existem textos, já escritos. [3] Como exemplo, a autora cita em seguida o filme A encruzilhada (Crossroads), apontando o diálogo, por meio da problemática do pacto com o demônio, estabelecido entre o longa e o Fausto de Goethe. O cinema, aliás, parece se constituir num dos suportes mais apropriados e fecundos para o resgate do já dito, o que não raro se dá sob a forma de paródia, permeada de ironia. Ironia essa que, para Therezinha Barbieri, deve ser entendida como “duplicidade de discurso, que se articula a si mesmo representando o do outro” [4].
  • 3. São diversos os filmes que promovem o retorno paródico ao passado. Pode- se citar, por exemplo, o excelente A vida de Brian (The life of Brian), inteligente e atrevida iniciativa do quinteto inglês Monty Python. O enredo retrata a trajetória de Brian, indivíduo que, após o nascimento, cerca de dois mil anos atrás, recebe a visita de três reis magos, vendo-se mais tarde, por obra do acaso e do fanatismo, elevado à condição de Messias. Atrai seguidores, assume, por força das circunstâncias e de uma obsessão popular fanatizadora, a condição de mestre e pastor, renegando a todo momento essa condição e dela tentando em vão escapar, se engaja na luta contra a ocupação romana em seu país e acaba por chamar a atenção das autoridades, sendo condenado à morte por crucificação, ao lado de ladrões e outros subversivos. Alimentado por um humor ferino e um incisivo senso crítico, característicos do grupo, a obra promove a releitura de uma série de situações relacionadas aos tempos bíblicos, promovendo a “ficcionalização do abundantemente documentado” [5]. Considerando passagens clássicas, aspectos sociais, morais, éticos, políticos e religiosos, o filme mantém o tom irônico e sarcástico do início ao fim, cruzando referências diversas, desafiando dogmas e verdades históricas universais e relacionando o passado com o presente. Esse mesmo espírito se manifesta também em outros trabalhos do grupo, como em Monty Python e o Cálice Sagrado (Monty Python and the Holy Grail). Ainda com relação à temática bíblica, duas outras obras podem ser citadas: Jesus Cristo Superstar (Jesus Christ Superstar), de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, ópera-rock lançada originalmente em disco em 1970 e transformada em longa três anos depois, sob a direção de Norman Jewison, e A última tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ), filme controverso levado às telas por Martin Scorcese, com intrigante trilha sonora de Peter Gabriel, baseado no romance do escritor grego Nikos Kazantzakis. A respeito do primeiro, valem algumas observações. O trabalho de Webber e Rice relata os últimos sete dias da vida de Cristo a partir da visão de Judas. Conquanto mantenha a carga dramática e os eventos principais tal como se conhecem, o elemento irônico se manifesta fortemente em diversos trechos, em especial nas observações de Judas, observador crítico dos acontecimentos, voz interferente e mordaz. Toca-se também em outros aspectos, como, por exemplo, na relação entre Maria Madalena e Jesus. Esse aspecto, porém, é mais profundamente explorado na narrativa de Kazantzakis e no filme de Scorcese. A análise de Judas acerca das questões políticas e do risco a que Jesus e seu grupo estavam expostos, e mesmo da própria validade das questões metafísicas envolvidas, se faz presente em forma de advertência logo no início da obra: My mind is clearer now At last all too well I can see where we all soon will be If you strip away the myth from the man You will see where we all soon will be Jesus! You’ve started to believe The things they say of you You really do believe This talk of God is true And all the good you’ve done Will soon get swept away You’ve begun to matter more than the things you say Listen Jesus I don’t like what I see All I ask is that you listen to me
  • 4. And remember I’ve been your right-hand man all along But every word you say today Gets twisted round some other way And they’ll hurt you if they think you’ve lied I remember when this whole thing began No talk of God then We called you a man And believe me, my admiration for you hasn’t died [...] You’ve set them all on fire They think they’ve found a new Messiah [...] We are occupied Have you forgotten how put down we are? [...] Listen Jesus to the warning I give Please remember that I want us to live But it’s sad to see our chances weakening with every hour All your followers are blind Too much heaven on their minds It was beautiful but now it’s sour Essa mesma voz se manifesta em outras passagens, e, já no final, depois da crucificação e do próprio suicídio de Judas, aparece questionando Jesus, em tom irônico, a respeito de tudo o que aconteceu e sobre as certezas e escolhas deste. Colocadas de lado quaisquer possíveis intenções polêmicas ou mesmo a questão da qualidade estética, interessa aqui observar como a obra, apesar da má recepção por parte da crítica e dos segmentos mais conservadores da sociedade, conseguiu atrair a atenção do público, suscitar discussões a respeito do tema e, principalmente, revisitar a história sem submissão, com autonomia para lê-la e interpretá-la através de outros vieses. Obras como as citadas talvez estejam entre as que pertencem, segundo Therezinha Barbieri, à “vertente da ficção que se propõe cobrir lacunas deixadas pela investigação histórica” [6]. Ou talvez sejam um desafio que enfatiza “o processo de formação de significado na produção e na recepção da arte” [7]. Ou talvez, ainda, coadunem essas duas idéias, mas o mais importante é que são exercícios resultantes de processos filosóficos, artísticos e culturais geradores de um saber a partir do qual a própria existência social e histórica se torna delineável e passível de interpretação.