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UNIVERSIDADE FUMEC

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA SAÚDE -
                       FCH




          FRANCISCO EDUARDO VORCARO MACHADO




INTELIGÊNCIA COLETIVA, ESPIRITUALIDADE E RENOVAÇÃO
                  DO LAÇO SOCIAL




                    Belo Horizonte

                        2011
FRANCISCO EDUARDO VORCARO MACHADO




INTELIGÊNCIA COLETIVA, ESPIRITUALIDADE E RENOVAÇÃO
                  DO LAÇO SOCIAL




                     Monografia      apresentada     à UNIVERSIDADE
                     FUMEC como requisito parcial para obtenção
                     do certificado de graduação em jornalismo.
                     Orientadora: Prof.ªAstréia Soares




                    Belo Horizonte

                         2011
AGRADECIMENTOS




        Agradeço meu pai e minha mãe, por todo apoio ao longo de minha vida.
Agradeço minha namorada pelo carinho especial que me deu durante a pesquisa,
agradeço meus amigos pelos momentos de descontração, essenciais para manutenção do
equilíbrio.
        Agradeço, principalmente, minha orientadora Astréia, por tornar a pesquisa
possível.
RESUMO


        Esse estudo aborda a relação entre ciência e religião, dois sistemas explicativos
da realidade. Como delimitação para essa questão, analisa dois discursos diferentes e
aponta suas similitudes. O primeiro é o Espiritismo kardecista, um discurso religioso
surgido no século XIX na França, que tenta utilizar elementos do pensamento cientifico
como forma de validação. O segundo é o discurso contemporâneo, tido como
cientifico, de Pierre Lévy sobre as potencialidades da internet, que por seu turno
apresenta traços de religiosidade.
        A pesquisa foi realizada a partir da analise documental sobre esses dois
discursos, e a titulo de considerações finais foram encontrados três pontos em comum
entre os dois, que são; a renovação do laço social defendida por Lévy em acordo com o
avanço moral defendido por Kardec. A inteligência coletiva de Pierre Lévy em acordo
com o avanço intelectual de Kardec, e a ética individual como método para se alcançar
os dois primeiros pontos.

Palavras-chave: Discurso cientifico. Discurso religioso. Cibercultura. Espiritismo.
ABSTRACT


        The present study compares two types of speeches, one is the religious speech
and the other is scientific speech. These two speeches are used to interpret reality, and
we try to point similarities in them. As a method of work we analyze two specific
speeches, one is the religious speech of Allan Kardec´s spiritualism, created in the XIX
century in France, which tries to use elements of science as a form of validation. The
other one is the scientific speech of Pierre Lévy, about the new possibilities the internet
provides to society, which uses by its turn, elements of religion.
        The research was made analyzing documents of these two kinds of speech, and
as conclusion we highlight three points in common; the renovation of social bonds by
Lévy in accord with moral advancement by Kardec, the collective intelligence of Lévy
in accord with intellectual advancement by Kardec, and ethics as a way of achieving the
two first points, present in both speeches.

Keyword: Scientific speech, Religious speech. Cyberculture. Spiritualism
SUMÁRIO




INTRODUÇÃO...............................................................................................................7

1 – BREVE HISTÓRICO DO ESPIRITISMO.............................................................9

1.1 – Espiritualismo e correntes do Espiritismo..............................................................11

1.2 –Allan Kardec, o fundador de uma doutrina.............................................................18

1.3 - Kardecismo no Brasil e suas Formas de Difusão....................................................19

2 – DOIS DISCURSOS SOBRE A POSSIBILIDADE DE EVOLUÇÃO
HUMANA.......................................................................................................................24

2.1- Surgimento da Internet, discurso contemporâneo e discurso espírita......................26

3 - O CENÁRIO ESPÍRITA NA INTERNET............................................................36

3.1 – Estudo virtual do Espiritismo.................................................................................37

4 - CONCLUSÃO..........................................................................................................46

REFERÊNCIAS.............................................................................................................49
7


                                       INTRODUÇÃO




        Esta monografia aborda a relação entre religião e ciência, dois grandes sistemas
explicativos da realidade que são referencias ainda no século XXI, com o objetivo de
apontar conexões entre estes sistemas e a forma como os processos comunicativos
lidam com eles.
        Toma como referência a dicotomia que se estabelece na fundação da doutrina
espírita kardecista, ou seja, no chamado Espiritismo, que surge no Século XIX e é
fundado pelo Francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adota o nome de Allan
Kardec para assinar seus trabalhos sobre sua doutrina. O Espiritismo pretende ser uma
religião, e por isto assume características de um discurso mítico, porém se valendo dos
recursos da ciência moderna, que lhe dá como legado características do discurso
racionalista e cientificista.
        Esta dicotomia marca a história do Espiritismo e do Espiritismo no Brasil,
inclusive dividindo seus dirigentes e seguidores, ao mesmo tempo em que pode ter
estimulado a comunidade espírita a encontrar um caminho de unificação das duas
posturas. Mito e Ciência são trazidos, portanto, do universo mais amplo da reflexão
epistemológica na modernidade para o contexto mais restrito da doutrina espírita.
        Ainda que discursos racionalistas sobre a ciência muitas vezes defendam a
possibilidade de se alcançar uma razão pura, “descontaminada” das crenças, ritos e
mistificações, estes dois pólos da consciência humana acabam por se encontrar em
diferentes perspectivas religiosas e filosóficas.
        Não nos cabe aqui, no espaço e tempo destinados a uma monografia, verificar a
validade destas perspectivas. Contudo, queremos apontar certas similitudes presentes
tanto no discurso de Allan Kardec sobre as possibilidades de evolução espiritual do ser
humano, quanto no projeto ideal de sociedade postulado por Pierre Lévy, que passa em
grande parte pela conquista de uma forma de inteligência coletiva que o advento da
Internet possibilita e potencializa.
        Esta monografia, portanto, foi elaborada a partir de pesquisa documental sobre o
discurso religioso, sobre o discurso científico e também, mais especificamente, sobre o
discurso de Kardec e o discurso de Lévy. Também foram utilizadas algumas fontes
online, como sites e artigos presentes na web.
        Para apresentar os resultados da pesquisa, tal como nos propusemos, vamos
8


apresentar no primeiro capitulo um breve histórico do Espiritismo, focando nas
características do discurso religioso em geral, das diversas correntes espiritualistas, que
por seu turno possuem pontos de interseção com o Espiritismo. A seguir nosso foco
passa a ser o Espiritismo kardecista, propriamente dito, e sua difusão no Brasil.
          No segundo capítulo, mostraremos algumas características do discurso cientifico
positivista e o pensamento de autores pós modernos com suas criticas ao primeiro. Para
finalizar esse capítulo iremos relacionar o pensamento de Allan Kardec com o
pensamento de Pierre Lévy, tentando indicar os possíveis pontos em comum.
          No terceiro capítulo apresentamos uma análise sobre o portal da Federação
Espírita Brasileira, reconhecida como órgão representativo maior dessa doutrina, no
Brasil.
          A título de considerações finais da pesquisa que deu origem a esta monografia,
podemos dizer que em uma comparação entre o discurso espírita kardecista e o discurso
contemporâneo, de Pierre Lévy, sobre Internet, foram encontrados três pontos de
interseção, que são a renovação do laço social, presente na obra de Pierre Lévy,
em conjunto com o avanço moral preconizado por Allan Kardec; a inteligência coletiva
de Lévy em conjunto com o avanço intelectual de Kardec e a idéia da ética individual
como método para se alcançar os dois primeiros pontos.
9


   1- BREVE HISTÓRICO DO ESPIRITISMO



       Neste capítulo pretendemos apresentar um breve histórico do Espiritismo, dando
ênfase aos aspectos que adquire com sua difusão no Brasil. Um aspecto muito relevante
para introduzir a discussão sobre o espiritismo, em um trabalho de conclusão de curso,
reside na dicotomia que se estabelece entre o discurso religioso e o discurso científico,
tal como tomam forma na civilização ocidental. Estes discursos mantêm formas de
intercessão ao longo da história do pensamento ocidental, possivelmente estabelecendo
vínculos com os sistemas de comunicação, ou seja, criando interfaces entre perspectivas
místicas, científicas e técnicas, tal como se desenham na sociedade contemporânea.
       Destacamos o papel relevante da comunicação neste contexto uma vez que o
homo sapiens se distinguiu dos outros animais, em um primeiro momento, pela sua
capacidade intelectual de comunicação. Com a possibilidade de gravar conhecimentos
na memória e propagar esses conhecimentos através de representações simbólicas, ele
pode desenvolver a linguagem e construir suas próprias representações mundo.
       De acordo com Flusser (2007), a comunicação humana é um processo artificial,
ela se baseia na descoberta e assimilação de novas ferramentas, técnicas, símbolos e
códigos. Para ele, essa artificialidade nem sempre é consciente. Nós assimilamos e
incorporamos a comunicação de tal forma, que ela se transforma em uma segunda
natureza. Dentro de sua argumentação, Flusser (2007) diz que;

                       A comunicação humana tece o véu do mundo codificado, o véu da arte, da
                       ciência, da filosofia e da religião, ao redor de nós, e o tece com pontos cada
                       vez mais apertados [...] Em suma, o homem comunica-se com outros; é um
                       “animal político”, não pelo fato de ser um animal social, mas sim porque é
                       um animal solitário, incapaz de viver na solidão. (FLUSSER, 2007, p.91)

       Concordando com Flusser (2007), podemos perceber a comunicação humana
como um elemento de articulação entre diferentes discursos, inclusive os da religião e
da ciência que, de um modo geral aparecem separados em alguns estudos
epistemológicos. Contudo, podemos dizer que tanto religião quanto ciência têm em
comum a possibilidade de serem compreendidos como formas de interpretação do
mundo e de sua história. Esta pode ser, inclusive, uma trilha pela qual podemos
entender as ligações recorrente que vemos entre o discurso científico e o espiritualista,
principalmente o Espiritismo kardecista, que se apresenta como uma doutrina que
10


pretende ser ao mesmo tempo religiosa, filosófica e cientifica.
       Essa é uma das características do Espiritismo de Allan Kardec, que quer ser
reconhecida como uma doutrina cujos princípios fundamentais se valem da ciência
moderna para dar um caráter racional aos seus princípios, colocando-se como uma
perspectiva religiosa distinta das demais, de cunho tradicional e místico. Busca, assim,
incorporar elementos da ciência dos séculos XV e XVI, como o positivismo, empirismo
e evolucionismo, como pano de fundo por meio do qual o Espiritismo prometeu
oferecer uma visão racional dos mundos natural e sobrenatural. Os paradigmas da
ciência moderna e as descobertas da ciência se tornaram elementos importantes da
doutrina espírita que adota critérios de validação dos fenômenos espirituais, aceita
descobertas científicas e se pauta por explicações que quer acreditar serem lógicas e
racionais. Com certa pretensão de doutrina de síntese entre religião e ciência, o
Espiritismo quer se configurar como uma perspectiva moderna da evolução humana,
que supere os antigos cânones religiosos.
       A história da religião, tradicionalmente, se baseou na distinção entre as esferas
do sagrado e do profano, duas partes que se opõem uma à outra. Esta dicotomia vai
colocar do lado do sagrado as crenças, mitos, magia, fenômenos ligados à religião, que
se distinguem das manifestações naturais por sua dimensão extraordinária. Portanto,
seria da ordem do profano os fatos naturais, que são, também, objetos da ciência
moderna. O Espiritismo, por seu turno, evoca a ciência, ou melhor, a racionalidade
científica, na sua pretensão de explicar, dentro de um único quadro de referência, o que
se entende por natural e sobrenatural.
       Mircea Eliade (2001) apresenta o conceito de hierofania para falar da
manifestação do sagrado, tal como é experimentado pelos homens das sociedades
arcaicas que tendem a viver as experiências sagradas na natureza como um todo. As
sociedades primitivas estão, por assim dizer, imersas no sagrado, que se traduz, muitas
vezes, nos ritos. Ao contrário, os homens modernos vivem em um mundo
dessacralizado, mas que se mantém impregnado de valores religiosos. A dessacralização
seria, portanto, a experiência não religiosa, profana, dos sujeitos modernos.
       Para Eliade (2001), a significação religiosa representa um elemento absoluto,
que têm o poder de substituir a desorientação por um ponto de apoio. Quando o sagrado
se manifesta por uma hierofania, o homem religioso tem uma “revelação da realidade
absoluta”, essa manifestação do aspecto divino equivale para ele como uma ruptura com
o que já conhece, e atribui ao objeto ou local do acontecimento divino, um valor que ele
11


não possuía antes, e que seria perdido fora de contexto.
       A dimensão sagrada tradicional tem uma única explicação do mundo que dá
sentido à existência humana e se baseia na fé em um Deus, no cosmos, em uma
realidade superior que funda toda a natureza e unifica os opostos como morte e
ressurreição. No mundo moderno, o sagrado já não organiza sozinhos as relações e
acontecimentos da vida humana e passa a concorrer com outras esferas, dentre elas a
esfera científica, mas também a política, social e, inclusive, a midiática.
       Nestas sociedades os ritos, ou seja, ações que acontecem em tempo e espaço
distintos do da vida cotidiana, não são exclusivamente religiosos, passando a assumir
características seculares e profanas. Como uma metáfora dos ritos religiosos, podemos
citar como exemplo de ritos profanos da contemporaneidade assistir o capítulo final de
uma novela, a decisão de um campeonato, etc. que assumem um papel de ritualidades
profanas que, evidentemente, não correspondem exatamente aos ritos religiosos
tradicionais, mas podem ser vistos como uma forma de ressemantização daquelas
práticas.
       Na verdade, as sociedades modernas que fazem proliferar a crença no
pensamento científico continuam presenciando práticas de caráter ritualístico, assim
como convivem com a presença de mitos e tabus. Nas sociedades urbanas
contemporâneas estes fenômenos são reforçados pela mídia que negligencia ou expõe
certas visões de mundo, quer sejam originadas do campo religioso ou científico. Por
isto, parece-nos interessante pensar a relação entre Espiritismo e as teses
contemporâneas sobre mídia e comunicação, principalmente por ser uma doutrina
religiosa que quer sintetizar religião e ciência e desmistificar ritos sagrados e profanos
por meio da evolução crescente do conhecimento entre os homens modernos. Além
disso, o campo religioso, em geral, vem se apropriando das possibilidades disponíveis
nos espaços midiáticos para a divulgação e permanência de seus discursos e práticas.

1.1 - Espiritualismo e Correntes do Espiritismo

       Antes de entender o Espiritismo propriamente dito, da forma elaborada por
Allan Kardec no século XIX, é necessário conhecer o espiritualismo, focando em seu
histórico, suas ramificações milenares e também, na diferença etimológica em relação
ao Espiritismo.
12


        O espiritualismo pressupõe a existência de um principio imaterial, distinto de
tudo aquilo que é material. Portanto encontra-se em oposição ao materialismo. De
acordo com essa visão, qualquer pessoa que acredite existir qualquer coisa além da
matéria seria espiritualista. Sendo assim, para os que seguem uma linha de raciocínio
materialista todas as emoções, sentimentos e respostas psicológicas, de qualquer
individuo, têm sua origem, e podem ser explicados por fenômenos materiais, como
fenômenos químicos, físicos ou biológicos que ocorrem no cérebro ou no organismo
humano (KARDEC, 2009a). Para os espiritualistas, então, o princípio básico de sua
crença está na existência de uma alma imaterial em cada ser humano. Portanto, todas as
religiões ou doutrinas que acreditam nisso podem ser consideradas espiritualistas.
Grande parte dessas correntes também acredita em forças universais e imateriais e
outras acreditam, também, em uma ou várias consciências superiores, denominadas
Deuses ou Deus.
        O termo Espiritismo, de acordo com Kardec, difere do espiritualismo por admitir
que espíritos de pessoas que já morreram possam entrar em contato com seres humanos
vivos (KARDEC, 2009b).
        De um modo geral, podemos entender que o que caracteriza o Espiritismo e os
espíritas é a crença na existência dos espíritos e em suas comunicações com o mundo
invisível. Tal perspectiva esta explícita no Livro dos Espíritos (KARDEC, 2009a).
Entretanto, existem várias correntes bastante distintas, como a Umbanda e o Budismo,
por exemplo, que acreditam nesses dois preceitos. Contudo, nem todos os espíritas
kardecistas aceitam ser classificados na mesma categoria que esses, estabelecendo
diferenças de correntes.
        Na Grécia antiga, mais de três séculos antes de Cristo, Sócrates e Platão já
enunciavam em sua doutrina conceitos como a distinção entre o principio material e
imaterial, representado pela encarnação de uma alma no corpo de um homem, o
principio da reencarnação e os diferentes graus de materialização e desmaterialização da
alma.
        Para Platão, viver para o corpo, como fazem as maiorias dos homens, é viver
para algo que está destinado a morrer, ao contrário disso, viver para a alma é viver para
algo eterno. É uma vida devotada a purificar a alma por meio do desapego corpóreo. Ele
diz que se nesta vida o justo e o bom são vitimas de um opressor injusto, se chegam ao
ponto de terem seus corpos violados, podendo até mesmo perder definitivamente o
corpo, eles perdem apenas o que é mortal, ao passo que salvam suas almas para a
13


eternidade (REALE, 1997).
       Por isso a importância de se preocupar principalmente com o que diz respeito à
alma, já que, da mesma forma que nosso corpo físico carrega as marcas dos acidentes e
dos cuidados tomados com ele, a alma irá carregar os traços de nosso caráter. Tal visão,
provavelmente, levou Sócrates a defender que era mais importante receber do que
cometer uma injustiça.
       Um ponto importante na filosofia platônica, para este estudo, trata do destino da
alma após a separação do corpo. Como não conseguiu utilizar apenas o logos para
responder essa questão, Platão valeu-se também dos mitos, apesar de dizer que eles não
devessem ser tomados ao pé da letra, e sim como uma alusão ao transcendente. Platão
diz que o homem está na terra como passagem, e que essa existência terrena é uma
provação. Para ele a verdadeira vida está no além, no Hades. Lá, a alma é julgada por
seu senso de justiça, pelas injustiças cometidas e por suas virtudes e seus vícios. Para os
juízes do Hades, todas as almas eram julgadas da mesma forma, não importando se
eram reis e rainhas ou os mais rebaixados servos (REALE, 1997).
       Portanto, para Platão:

                         E é necessário que com essas crenças façamos como um encantamento a nós
                         mesmos: e é por isso que desde muito tempo me ocupo com esse mito. Por
                         esse motivo deve ter muita confiança com respeito à sua alma o homem que
                         durante a sua vida, renunciou aos prazeres e aos adornos do corpo,
                         considerando-os coisas que não lhe dizem respeito e pensando que só fazem
                         mal; e ao contrário, preocupou-se com as alegrias do aprender e, tendo
                         ornado a sua alma não com ornamentos exóticos, mas com ornamentos que
                         lhe são próprios, isto é, de sabedoria, justiça, fortaleza, liberdade e verdade,
                         assim espera a hora de tomar o caminho do Hades, pronto para partir quando
                         o destino o chamar. (PLATÃO apud REALE, 1997, P. 195).

       Sobre a reencarnação Platão desenvolveu um modelo em Fédon, no qual diz que
as almas que devotaram uma vida inteira aos prazeres e impulsos corporais, no
momento da morte não conseguem separar-se totalmente de seu corpo, já que esse se
torna quase conatural (REALE, 1997). Assim, essas almas, com medo do Hades, vagam
entre os sepulcros, até que os desejos corpóreos as atraem para o corpo de outros
homens e até mesmo de animais.
       Na Índia podemos encontrar o Hinduísmo, uma das religiões mais antigas do
mundo, que embora não tenha uma data especifica que marque seu inicio, tem registros
14


arqueológicos que datam de mais de 4.000 anos atrás. O hinduísmo, como foi
denominado por estudiosos ocidentais no século XIX, é conhecido por seus seguidores
como sanatana dharma, que significa “lei eterna” ou “ensinamento perpétuo”. Cerca de
dois terços dos 700 milhões de Hindus vivem na Índia e em países vizinhos, como o
Paquistão, embora possamos encontrar seguidores dessa crença em vários países do
mundo, como por exemplo, na Inglaterra e Estados Unidos (GARNERI, 1998).
       O Hinduísmo é uma religião prática e flexível, podendo ser adaptada à realidade
de seus devotos. Alguns podem realizar cultos e práticas religiosas todos os dias, outros
podem se abster de participar de qualquer cerimônia formal. Contudo, algumas crenças
são comuns a todos os seguidores, por exemplo, a lei de reencarnação. Os hindus
acreditam que após a morte do corpo físico o espírito terá que reencarnar em um corpo
humano ou animal. O ciclo de morte e renascimento é conhecido com samsara. O
objetivo da prática hindu é se libertar desse ciclo, atingindo a iluminação espiritual,
conhecida como Moksha, ou a salvação. Para isso, os hinduístas devem ter uma vida
devotada à bondade, renascendo em formas mais adiantadas, se aproximando assim, da
iluminação ou salvação.
       Os hindus vivem de acordo com o código de conduta ética chamado de dharma,
que prega essencialmente a bondade. Praticando os ideais do dharma o seguidor desses
ensinamentos terá um bom carma, que é um tipo de lei de “ação e reação”, ou seja,
pratique o mal e o mal virá para você em retribuição, pratique o bem e colha bons frutos
em sua vida presente e futura.
       No Budismo, que hoje está difundido por grande parte do globo, a crença nos
espíritos, na reencarnação e no carma também é amplamente estudada. Allan Wallace
(2001), monge budista de origem americana e tradutor oficial do Dalai Lama, diz que no
Tibete é muito comum fazer oferendas aos espíritos dos desencarnados. Ele diz que essa
é a primeira ação realizada quando os monges iniciam o retiro de meditação, e que essa
pratica é levada muito a sério. Para ele, a crença nos espíritos é muito difundida ao redor
do mundo, em diferentes culturas, e a descrença na maior parte vem de materialistas.
       Para os budistas a morte não é o fim de tudo, mas apenas uma transição ou uma
etapa de nosso amadurecimento espiritual. O estado natural do espírito humano não é
em posse de um corpo, pelo contrário, para eles o apego ao corpo físico é apenas uma
fonte de sofrimento mental. Segundo o budismo, a morte é muito confusa para aqueles
que se agarram à ilusão de ser apenas um corpo físico. De acordo com esta crença, a
pessoa após morrer pode ficar um longo período de tempo sem estar convencida de que
15


esta morta. Wallace (2001) diz que a pessoa despreparada assume uma forma mental
semelhante a estar em um sonho, alimentando a ilusão de que ainda tem um corpo. Ele
diz que essa pessoa despreparada, ao morrer, ainda está ciente de todas as pessoas a sua
volta e pode até mesmo tentar comunicar-se com elas. A lucidez seria um elemento
essencial para o indivíduo encarar a “vida após a morte” com mais consciência. Para o
budismo tibetano essa lucidez nos dará a oportunidade de escolhermos uma
reencarnação com mais sabedoria, ao invés de sermos impulsionados pela força de
nossos hábitos.
       A crença no código de ética chamado de dharma também é presente no
Budismo, e assim como no Hinduísmo o significado é o mesmo. Sobre isto, é
interessante considerar as palavras de Wallace (2001);

                         O dharma é a realidade que as palavras apontam. Gentileza amorosa,
                         sabedoria, quietude, generosidade e virtude são o dharma. Os estudiosos
                         acreditam com freqüência que tanto maior sua biblioteca, mais budismo eles
                         assimilaram, porém o dharma é a realidade, não as palavras em uma página.
                         Portanto não confie nas palavras confie no significado. (WALLACE, 2001, p.
                         240)

       A descrição da filosofia de Platão e de princípios hinduístas e budistas tem como
objetivo realçar que a há uma crença comum na alma imaterial e na possibilidade de sua
reencarnação que não se restringe ao universo do Espiritismo kardecista.
       Podemos acrescentar aos exemplos anteriores o caso dos negros trazidos da
África para servirem como escravos no Brasil, que trouxeram também um vasto
conhecimento espiritualista que tem como pressuposto a existência de espíritos e da sua
possibilidade de comunicação com os vivos. Durante o processo de colonização, este
grupo fez surgir uma nova religião afro-brasileira, sincrética e que agrega elementos
católicos e indígenas.
       Para o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva (1994), a religiosidade surgida
no Brasil, pela ação dos negros escravos, tem suas origens no catolicismo do
colonizador, nas crenças indígenas que já estavam aqui e, principalmente, nas diferentes
religiões das várias etnias africanas que foram trazidas para cá. O encontro entre três
formas de espiritualidade, no qual santos católicos se misturavam com batuques
africanos e no qual um sacerdote, com suposto poder mágico, poderia manipular objetos
como pedras, ervas e amuletos, fazer sacrifícios de animais, realizar rezas e invocações
secretas, e assim entrar em contato com os espíritos divinos de seu panteão. Poderia
16


também prever o futuro, promover curas mágicas através da manipulação de energias
ocultas, melhorar a sorte e transformar o destino das pessoas.
       Essa foi, segundo Roger Bastide (1971), a ressurreição da África em território
brasileiro, com seus ritos, sacerdotes e até mesmo realezas. Ele diz que para
compreender as religiões afro-brasileiras nós devemos examiná-las sobre um duplo
aspecto: primeiramente pela dualidade estrutural entre senhores e escravos, e depois
pela multiplicidade de diferentes crenças entre os negros, que estava dividida em
confrarias religiosas rivais, como a dos africanos, a dos crioulos e a dos mulatos.
       A ruptura entre o mundo dos símbolos e a estrutura social nativa da África, fez
com que a religião, que para Bastide (1971) subsiste como crença e sentimento, tivesse
que se adaptar a uma nova realidade, criando novas formas de organização. O primeiro
momento da recriação foi a aceitação e adaptação à realidade cristã permitida, já o
segundo momento foi o da criação. Os filhos e filhas de santo não eram numerosos o
suficiente para manter, no contexto do Brasil colonial, confrarias separadas. Portanto
eles tinham que se reunir em um mesmo núcleo, à medida que as condições
demográficas e as quebras de linhagens nativas africanas permitissem. Eles se
organizaram, aos poucos, e sobre categorias místicas, em sistemas de inter-relações
hierárquicas, no interior de um mesmo grupo, segundo a aproximação de cada um com
o sagrado.
       Finalmente, vale lembrar que o próprio Kardec admite que grande parte dos
princípios espíritas podem ser observados em várias culturas ao redor do mundo e
também em culturas antigas ou arcaicas.

                        A existência dos Espíritos, e sua intervenção no mundo corpóreo, está
                        atestada e demonstrada não mais como um fato excepcional, mas como um
                        princípio geral, em Santo Agostinho, São Jerônimo, São João Crisóstomo,
                        São Gregório Nazianzeno e tantos outros Pais da Igreja. Essa crença forma,
                        além disso, a base de todos os sistemas religiosos. Admitiram na os mais
                        sábios filósofos da Antigüidade: Platão, Zoroastro, Confúcio, Apuleio,
                        Pitágoras, Apolônio de Tiana e tantos outros. Nós a encontramos nos
                        mistérios e nos oráculos, entre os gregos, os egípcios, os hindus, os caldeus,
                        os romanos, os persas, os chineses. Vemo-la sobreviver a todas as
                        vicissitudes dos povos, a todas as perseguições e desafiar todas as revoluções
                        físicas e morais da Humanidade. Mais tarde a encontramos entre os adivinhos
                        e feiticeiros da Idade Média, nos Willis e nas Walkírias dos escandinavos,
                        nos Elfos dos teutões, nos Leschios e nos Domeschnios Doughi dos eslavos,
17


                       nos Ourisks e nos Brownies da Escócia, nos Poulpicans e nos Tensarpoulicts
                       dos bretões, nos Cemis dos caraíbas, numa palavra, em toda a falange de
                       ninfas, de gênios bons e maus, nos silfos, gnomos, fadas e duendes, com os
                       quais todas as nações povoaram o espaço. Encontramos a prática das
                       evocações entre os povos da Sibéria, no Kamtchatka, na Islândia, entre os
                       indígenas da América do Norte e os aborígenes do México e do Peru, na
                       Polinésia e até entre os estúpidos selvagens da Nova Holanda. (KARDEC,
                       2004a, p. 24 e 25).


       Contudo, foram nas diversas “manifestações” modernas que o espiritualismo
voltou a ser assunto de estudo nos países de cultura judaico-cristã. É correto dizer, ao
contrário do que muitos acreditam, que não foi Allan Kardec quem fundou o
Espiritismo moderno, embora ele              tenha sistematizado uma nova doutrina que
convencionamos chamar de Espiritismo.
       A data estabelecida como marco histórico do surgimento do Espiritismo
moderno é 1848, quando ocorreram em Hysdesville, nos Estados Unidos, fenômenos
que podemos classificar como sobrenaturais, na casa da família Fox (RIGONATTI,
1986; DALLEGRAVE, 1999).
       Além do caso da família Fox, que marca o surgimento do movimento
espiritualista nos Estados Unidos, em meados do século XIX, em uma época marcada
pelo positivismo e pela recente criação de ciências como geologia, astrologia e micro-
biologia, vários fenômenos que até então eram considerados inexplicáveis, ou
produzidos artificialmente por pessoas maliciosas, começaram a ocorrer ao redor do
mundo e simultaneamente. Eles foram amplamente observados e divulgados pelo
publico e pela mídia. A partir disso, vários grupos realizaram estudos independentes
sobre o assunto e a trocaram informações.
       Allan Kardec faz seu relato sobre estes fenômenos que surpreenderam o
imaginário do Século XIX:


                       As primeiras manifestações inteligentes ocorreram por meio de mesas se
                       levantando e batendo, com um pé, um número determinado de pancadas e
                       respondendo desse modo, sim e por não, segundo a convenção, a uma
                       questão posta. [...] Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas por
                       meio das letras do alfabeto: o objeto móvel, batendo um número de pancadas
                       correspondente ao número de ordem de cada letra, chegava assim a formular
                       palavras e frases que respondiam às questões propostas. A precisão das
18


                          respostas, sua correlação com a pergunta, aumentaram o espanto. O ser
                          misterioso que assim respondia, interrogado sobre sua natureza, declarou que
                          era um espírito ou gênio, se deu um nome e forneceu diversas informações a
                          seu respeito. (KARDEC, 2009a, p. 12).



       O desenvolvimento do pensamento espiritualista na França ganha uma força
impressionante pelas mãos de Allan Kardec, personalidade que nos interessa em
especial neste trabalho, dentre outras coisas por ter seu nome diretamente relacionado à
corrente espiritualista que talvez seja a mais difundida no Brasil: o Espiritismo.

1.2 – Allan Kardec, o fundador de uma Doutrina

       Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em 1804, na cidade de Lyon, na França,
e adotou o pseudônimo Allan Kardec para assinar seus estudos espíritas. Para o
antropólogo Emerson Giumbelli (1997), Kardec estaria longe do perfil recorrente de um
líder religioso: formou-se como educador, não teve sua vida marcada por nenhum
acontecimento místico e aproximou-se dos fenômenos associados ao espiritismo com
ceticismo e curiosidade, declarando adotar critérios científicos em seus estudos que
levaram à construção da doutrina espírita. Allan Kardec, ao declarar que o sobrenatural
não existe, estaria assumindo a mentalidade cientificista que marcou sua época e o
Espiritismo kardecista.
       Segundo Doyle (2004) entidades extra-físicas de categoria moral superior teriam
entrado em contato com Allan Kardec para estabelecerem comunicações regulares e
permitir que ele desempenhasse uma importante missão religiosa. Kardec então
elaborou uma série de perguntas relacionadas às diversas questões da humanidade, que
eram respondidas por esses espíritos superiores. Ele tomou nota de todas as respostas, e
depois de dois anos destas comunicações afirmou que suas convicções haviam mudado
completamente, e desejava publicar todo o conteúdo obtido com essas entidades. Foi
quando esses mesmos espíritos lhe disseram que os ensinamentos foram transmitidos a
ele justamente para serem divulgados ao mundo. Eles também lhe disseram que essa
missão havia sido confiada a ele pela Providência Divina e que o livro deveria se
chamar “O Livro dos Espíritos”.
       Esse livro foi publicado em 1856 e tornou-se obra básica da doutrina espírita de
base kardecista. Seguem-se a este livro o “O Livro dos Médiuns” que tenta estabelecer
as formas de comunicação entre o mundo carnal e espiritual e suas leis e condições, “O
19


Evangelho Segundo o Espiritismo” que apresenta o estatuto moral da doutrina, “O Céu
e o Inferno” que trata sobre a lei de causa e efeito, demonstrando as penas e gozos nos
dois mundos estudados pela doutrina e “A Gênese, os milagres e as Predições” que
abrange desde a formação do planeta até a futura evolução terrena, prevista em suas
páginas (VIVEIROS DE CASTRO, 1985).                                                „
       Em seus escritos, Kardec ressaltou que o Espiritismo não é apenas uma religião,
sendo ao mesmo tempo, uma filosofia e uma ciência. Para ele, as comunicações que
disse ter com os espíritos não eram pura especulação e sim evidências cientificas. Em
suas obras é recorrente a comparação dos estudos espíritas com os estudos de outras
ciências positivas. Vemos aqui um exemplo:

                       Como meio de elaboração, o Espiritismo procedeu exatamente do mesmo
                       modo que as ciências positivas, quer dizer, aplica o mesmo método
                       experimental. Fatos de uma nova ordem se apresentam e não podem se
                       explicar pelas leis conhecidas; observa-os, compara-os, analisa-os, e dos seus
                       efeitos remontando às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz suas
                       conseqüências e procura suas aplicações úteis. Não estabelece nenhuma
                       teoria preconcebida; [...] É, pois, rigorosamente exato dizer que o
                       Espiritismo é uma ciência da observação, e não produto da imaginação. As
                       ciências não tiveram progresso sério senão depois que seu estudo se baseou
                       no método experimental; mas até esse dia, acreditou-se que esse método não
                       era aplicável senão à matéria, ao passo que o é, igualmente, às coisas
                       metafísicas. (KARDEC, 2008ª, p. 11 e 12).

       Ao mesmo tempo, podemos observar que o Espiritismo kardecista se enquadra
na ideologia da ética cristã, mesmo entrando em conflito com vários dogmas da Igreja
Católica, como por exemplo, as penas eternas após a morte, a reencarnação e a gênese
do mundo. Para os seguidores do Espiritismo, seus ensinamentos são “A Terceira
Revelação”, sendo a primeira o Velho Testamento da Bíblia e a segunda o Novo
Testamento. Para eles, Jesus Cristo é um espírito superior que encarnou na terra com a
missão de nos auxiliar em nossa evolução espiritual. Outros espíritos superiores que
Allan Kardec disse ter contato foram Descartes, Platão e Aristóteles, dentre outros.

1.3 - Kardecismo no Brasil e suas Formas de Difusão

       Para Emerson Giumbelli (1997), embora estudiosos brasileiros da religião
considerem que o Espiritismo no Brasil assumiu um caráter mais religioso do que
científico, dando maior ênfase aos princípios do evangelho, da caridade e da cura, essa
20


visão não se sustenta porque estes princípios se encontram também nas formulações de
Kardec e são facilmente justificáveis por meio de recursos da ciência.
       No Brasil, pode-se dizer que o Espiritismo teve seus antecessores nos médicos
que praticavam a Homeopatia. Em especial, podemos citar o médico francês Benoît
Jules Mure, que desembarcou no Rio de Janeiro no ano de 1840, e introduziu no Brasil
a Homeopatia (AZEVEDO, 2008). Mure procurava atender, através da criação de
ambulatórios, principalmente aqueles que não tinham acesso à medicina da corte.
       Em 1843 funda no Rio de Janeiro o Instituto Homeopático do Brasil e junto com
o médico português, naturalizado brasileiro, João Vicente Martins, cria ambulatórios
destinados ao atendimento de escravos e excluídos. Esse tipo de tratamento que
envolvia a “energia vital” atraiu o interesse de personalidades como José Bonifacio,
patriarca da independência. (AZEVEDO, 2008, p. 36).
       A relação desses médicos não é com a doutrina espírita em si, mas ao trabalhar
com conceitos de cura através da energia vital, os estudiosos e praticantes da
homeopatia entenderam o que, mais tarde, Kardec introduziria em seus livros. Sobre a
homeopatia é interessante ver parte da epígrafe do estudo de Azevedo (2008)

                       “Samuel Hahnemann, o criador da Homeopatia, definiu um processo
                       semelhante [ao da alquimia] de liberação de energia, através da transmutação
                       de determinados elementos pela água, método igualmente hoje questionado
                       pelo „establishment científico‟, que, como não consegue explicar a existência
                       de um princípio curativo numa diluição acima do número de Avogadro,
                       preferiu colocá-lo como algo pertinente aos domínios da fé. Define-se, dentro
                       de uma visão reducionista tecnicista clássica, que os resultados inexplicáveis
                       simplesmente não existem, apesar das evidências nos dados experimentais.”.
                       (AMORIN apud AZEVEDO, 2008).

       Em julho de 1864 Allan Kardec publica na Revista Espírita – revista dedicada à
divulgação da doutrina espírita, fundado em 1858 – artigo que, dentre outras coisas,
aborda os sensíveis progressos feitos no Rio de janeiro, no que diz respeito ao avanço e
estabelecimento da doutrina. Diz também que a tradução de sua brochura intitulada “O
Espiritismo em sua mais simples expressão”, traduzida para português, contribui muito
para a difusão da doutrina e que a cidade conta com expressivo número de
representantes, fervorosos e devotados. (KARDEC, 2004b, p. 289 e 290).
       Entre as diversas Sociedades de estudo e difusão da doutrina espírita no Brasil
podemos destacar a ação de indivíduos para a promoção da união dos espíritas
21


brasileiros, que se dividiram em duas formas distintas de pensamento, uma dita
cientifica e a outra com cunho místico ou religioso. Os místicos supervalorizavam o
lado religioso da doutrina e rivalizavam com os científicos, que a entediam como
ciência, filosofia e moral. Essa divergência foi a maior responsável pela desunião dos
espíritas no século XIX e primeira metade do XX.
        Em 1881 A Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade promoveu o 1°
Congresso Espírita Brasileiro, na tentava de reunir todos os espíritas da capital (na
época o Rio de Janeiro) e do país. O congresso resultou na criação do Centro de União
Espírita, a primeira instituição com o objetivo de unificar os espíritas no Brasil.
(QUINTELLA1). Este Centro passou a ser dirigido Angeli Torteroli, que tinha uma
perspectiva científica da doutrina, e alguns autores acreditam que possa ter havido um
boicote por parte dos seguidores místicos.
        Os “representantes fervorosos e devotados do espiritismo brasileiro”, como os
denominou o próprio Kardec, investiram desde o Século XIX na criação de uma
imprensa espírita. Em 1869 foi criado na Bahia o “Écho d‟Além Túmulo” por Luís
Olímpio Teles de Menezes e em 1883 Augusto Elias da Silva lança o periódico espírita
“O Reformador” que é, atualmente, o periódico espírita mais antigo do Brasil e o quinto
mais antigo do mundo.
        No dia 27 de dezembro de 1883, Augusto Elias da Silva se reuniu com os
contribuidores que o ajudavam no “O Reformador”, e em janeiro de 1884 é fundada a
FEB – Federação Espírita Brasileira – que teve como proposta ser um campo neutro
para espíritas científicos e místicos, além de atuar até os dias de hoje na divulgação da
doutrina. (QUINTELLA). Segundo Quintella, o objetivo era criar uma instituição que
não tomasse partido nem dos espíritas ditos místicos nem dos que se consideravam
científicos. O primeiro presidente da federação foi o Marechal Ewerton Quadros. Logo
depois, o periódico “O Reformador” foi transformado por Augusto Elias no órgão
oficial da FEB. Após a transferência de Ewerton Quadros para o Goiás, o médico
Bezerra da Menezes foi convidado a ocupar o lugar deixado pelo Marechal. A escolha
de Bezerra de Menezes foi feita com o intuito de que sua “força moral” ajudasse a
unificar os espíritas.
        Bezerra de Menezes se tornou “celebre” no meio espírita brasileiro. O médico, e
deputado de família cearense, chocou a sociedade carioca com sua conversão ao

1
 Data de publicação não mencionada, texto disponível em: http://pt.scribd.com/doc/14004738/Mauro-
Quintella-Historia-do-Espiritismo-no-Brasil
22


Espiritismo. Diante de uma platéia de duas mil pessoas declarou sua adesão oficial ao
Espiritismo, acontecimento que tomou uma proporção ainda maior devido ao fato de ter
sido registrado e divulgado pela imprensa, através do telégrafo. Bezerra de Menezes,
que é conhecido até hoje, por muitos espíritas como o “médico dos pobres”, havia tido
seu primeiro contato com o Espiritismo através do já mencionado “O Livro dos
Espíritos” de Kardec.
       Mesmo com os esforços de Bezerra de Menezes em seu primeiro mandato como
presidente da FEB, no sentido de unificar as duas correntes de pensamento espírita, a
desunião prevaleceu. Em abril 1894, durante a presidência de Francisco Dias da Cruz,
os “espíritas científicos” abandonaram a FEB e fundaram o Centro de União Espírita de
Propaganda do Brasil.
       Em agosto de 1895 Bezerra de Menezes volta à presidência da FEB, e com a
federação sobre o comando místico do médico, inicia-se uma batalha ideológica entre a
FEB e o Centro da União, com Bezerra à frente dos místicos e Angeli Torteroli à frente
dos científicos. O resultado foi o fim do Centro de União em 1897, após dois anos com
os dois lados publicando artigos se criticando.
       Em abril de 1900, Bezerra de Menezes faleceu e foi sucedido na presidência da
FEB por Leopoldo Cirne, que começou uma ampla reforma nas bases da Federação
acreditando que seria mais importante tentar unificar espíritas científicos e místicos em
uma só instituição. (QUINTELLA).
       Em 1904 a FEB publicou edições populares das obras de Allan Kardec e no ano
de 1938 é publicado, pelas mãos do médium Chico Xavier, um livro que segundo
Quintella causou grande polêmica dentro do meio espírita, intitulado “Brasil, Coração
do Mundo, Pátria do Evangelho”, o livro exaltava, entre outras coisas que Quintella
considera questionável, o papel da FEB no Espiritismo brasileiro. Em 1943 dá início à
série de livros que, segundo ele, foram ditados pelo espírito do médico desencarnado
André Luiz. Essa série que, supostamente, conta a “vida após a morte” já foi traduzida
para várias línguas e publicada em diversos países. Chico Xavier escreveu/psicografou
mais de 400 livros, em setenta anos, que contribuíram para a difusão da doutrina.
       Outro fato importante para a difusão do Espiritismo no Brasil foi a criação, em
1948, do departamento editorial da FEB, pelo então presidente da instituição, Wantuil
de Freitas. A iniciativa foi seguida por outras editoras, e a capacidade de editoração de
livros, jornais e revistas do movimento espírita foi ampliada enormemente. (SOUZA,
2000, p. 11).
23


       Atualmente, a divulgação do Espiritismo no Brasil vem se dando por intermédio
de publicações especializadas, programas de rádio, filmes de temática espírita e, mais
recentemente, pela Internet. Entretanto, a dicotomia entre o Espiritismo ser uma esfera
religiosa que se faz entender por meio de um discurso mítico e sagrado ou uma esfera
científica, cujo discurso é marcado pelo racionalismo permanece como um tema que
merece reflexão.
       As discussões sobre a evolução humana, sobretudo nas formas contemporâneas
que vemos circular a partir do surgimento e expansão do uso da informática e da
Internet sugerem que vale retomar este debate, cortejando velhos e novos parâmetros, o
que pretendemos fazer o capítulo seguinte.
24


    2   - DOIS DISCURSOS SOBRE A POSSIBILIDADE DE EVOLUÇÃO
        HUMANA



        Dentro da perspectiva social européia vigente até o surgimento do Iluminismo, o
mito e o sagrado eram superiores ou anteriores a todos os outros conhecimentos.
Basicamente, toda a comunicação e toda construção social (no sentido de manutenção
da sociedade) era derivado do pensamento religioso. Contudo, no século XVI uma série
de acontecimentos, dentre os quais podemos citar o surgimento da imprensa, a reforma
protestante e o renascimento cultural, levaram a uma nova forma de pensar que foram
em direção distinta do pensamento teológico da Igreja Católica, uma vez que os textos
bíblicos pararam de ser referência para pesquisadores científicos.
        O modelo moderno de experimentação científica encontrou o “solo fértil” para
seu desenvolvimento nas ciências naturais, e no século XIX ela também pautou os
campos de pesquisa das ciências sociais (SOUSA SANTOS,1987, p.10). Essa corrente
de pensamento acabou por instituir seus próprios dogmas ou paradigmas e, de acordo
com Sousa Santos (1987), esse modelo de racionalidade científica criou fronteiras para
se “proteger” contra a contaminação de duas formas de pensamento classificadas como
irracionais; o senso comum e os estudos humanos, que incluem estudos históricos,
filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos.
        Dentro de sua argumentação, Sousa Santos defende que a característica
fundamental desse pensamento é o seu modelo totalitário, já que “nega o caráter
racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios
epistemológicos e pelas suas regras metodológicas” (SOUSA SANTOS, 1987, p.11).
        Apesar de no século XIX já existirem novos estudos que ligam a razão à questão
de Deus e do sentimento, a visão aceita ainda era a do método positivista extremamente
rigoroso. É nesse contexto, no qual o mundo era cada vez mais explicado de forma
objetiva, que crescia a angústia interna em relação à falta de explicações sobre a questão
da subjetividade. Não existia a ciência da pessoa e o “saber cientifico reduziu à
migalhas as mitologias que unem o homem ao mundo e que abriram um vazio sem
poder mesmo propor uma inteligibilidade geral.” (MORIN, 1977, p. 121)
        A marcante ruptura que ocorreu em relação ao pensamento positivista foi o
estudo que Einstein realizou e que resultou na física quântica. Através de suas
contribuições na astrofísica e mecânica quântica, Einstein conseguiu provar que o rigor
25


das leis de Newton e a metodologia experimental positivista era suscetível à erros que
relativizavam os resultados científicos. (SOUSA SANTOS, 1987)
       Sousa Santos (1987) nos lembra que as leis de todas as ciências naturais eram
baseadas no rigor matemático. Contudo, Gödel prova através do teorema da
incompletude que a própria matemática não possuía o fundamento que era atribuído a
ela. Até mesmo conceitos aristotélicos como potencialidade e virtualidade, que o
positivismo tinha desacreditado, foram recuperados pelos novos estudos.
       Uma contribuição da ciência pós moderna para o pensamento contemporâneo, é
a reflexão sobre a segmentação e quantificação do objeto de estudo. Essa reflexão tem
como objetivo mostrar os danos causados pela segmentação do pensamento científico,
que dividido em um grande número especializações prejudicou a visão do todo.

                       O rigor cientifico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que
                       quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objectivar os
                       fenómenos, os objectualiza e os degrada, que, ao afirmar a personalidade do
                       cientista, destrói a personalidade da natureza (SOUSA SANTOS, 1987, p.
                       32).

       Para Sousa Santos (1987), a importância maior desta teoria está em que ela não é
fenômeno isolado. Faz parte de um movimento convergente, pujante, sobretudo a partir
da última década, que atravessa as várias ciências da natureza e até as ciências sociais,
um movimento de vocação transdisciplinar.
       Na perspectiva de Edgar Morin (1977), esse pensamento, que foi validado
através das evidências empíricas fornecidas por Einstein e outros pesquisadores, já
vinha sendo elaborado culturalmente e socialmente com a metamorfose das culturas de
massa, constituindo, assim, a “nova gnose”, na qual a quiromancia e o espiritismo
pretendem construir a ciência do futuro das pessoas. Para ele “Todas estas contribuições
são imersas em um banho de religiosidade, de mistério, de misticismo difuso, e seu
traço comum é não separar a pessoa do cosmos.” (MORIN, 1977, p. 121).
       Estes autores defendem o surgimento de uma nova forma de pensar o saber
científico em todas as áreas, embora ainda não tenha sido absorvida de forma
hegemônica. É importante ressaltar que essa quebra de paradigma afetou, embora de
forma desigual, todas as áreas do conhecimento, inclusive a comunicação. Dentro da
lógica positivista, que atingia todas as áreas do conhecimento, a comunicação deveria
ser reduzida a uma questão de “estímulo e resposta”, contudo esse novo paradigma da
26


ciência pós moderna mostrou, até para as ciências ditas exatas, que todo estímulo e toda
resposta depende de uma série de fatores subjetivos.

2.1- Surgimento da Internet, discurso contemporâneo e discurso espírita

       O desenvolvimento da comunicação mediada por computadores deveu-se,
provavelmente, à criação de duas tecnologias que foram os primeiros grandes
experimentos nesse sentido. A primeira é a MINITEL, um dispositivo criado pela
companhia telefônica francesa no final dos anos 1970. Esse dispositivo ganhou muita
popularidade ente os franceses por uma série de motivos. Dentre os quais podemos
destacar a facilidade com que poderia ser utilizado e a forma como foi distribuída pelo
governo francês em parceria com a companhia telefônica. Contudo, o maior motivo de
sua popularidade foi o surgimento das salas de bate papo e da sua utilização como “tele-
sexo”. Apesar da difusão de seu uso, o sistema era muito obsoleto e rudimentar, do
ponto de vista técnico. (CASTELLS, 1999).
       A outra tecnologia que antecedeu a Internet foi a ARPANET, um sistema
desenvolvido como estratégia militar em 1969. Ela foi concebida para ser um sistema de
comunicação que continuaria sendo eficaz em caso de ataque nuclear. Para isso ela
deveria funcionar em uma rede descentralizada e não em um servidor físico instalado
em uma central. Várias redes foram criadas baseadas na ARPANET, a maioria com
objetivos científicos e, durante a década de 80 foram agrupadas em uma única rede; a
ARPA-INTERNET, mais tarde conhecida como Internet.
       A historia da Internet foi marcada pelo surgimento da World Wide Web, ou
www, que permitiu uma maior usabilidade do sistema. Outro marco foi a fusão da mídia
de massa com a comunicação mediada por computadores que, conforme nos lembra
Castells (1999, p. 38), permitiu estender “o âmbito da comunicação eletrônica para todo
o domínio da vida.
       Ainda de acordo com Castells (1999), uma das características mais marcantes do
novo sistema é o fato de apresentar não somente a realidade virtual, mas a virtualidade
real. Ele explica que real é aquilo que é material ou palpável e virtual aquilo que é uma
representação simbólica de algo real. Dessa forma, todos os meios de comunicação
apresentariam a realidade virtual, pois todos eles representam, por símbolos, a realidade.
A diferença que a Internet apresenta é a virtualidade real, na qual representações
simbólicas da realidade são consideradas reais.
       Pierre Lévy (1999) define, em seu livro “Cibercultura”, diversos “conceitos
27


chave” para entender o fenômeno da Internet. É importante destacar, primeiramente, o
conceito de ciberespaço como meio de comunicação. Esse tipo de meio é denominado
muitas vezes como comunicação mediada por computadores ou CMC. O termo
ciberespaço, contudo, define não apenas o meio material e técnico decorrente da
conexão entre computadores, mas também o espaço virtual das informações e os atores
que dela participam. Já por cibercultura entende-se o conjunto de praticas e formas de
pensamentos decorrentes do meio.
       Outros conceitos importantes com os quais passamos a conviver com o
surgimento da Internet são o de interface e hiperdocumento. Interface refere-se a um
intermediário entre o ser humano, e o meio digital. É por meio da interface que
executamos os comandos que desejamos e recebemos de volta as informações
decorrentes. Hiperdocumento é um conjunto de informações, sejam elas sonoras, visuais
ou textuais e as ligações ou links entre elas. Também conhecido como hipertexto, esse
conceito engloba tanto o CD-ROM como todo o ambiente da web. Para absorver as
informações contidas no hipertexto temos que navegar por ele de maneira não-linear,
devido à sua estrutura.
       A interatividade é outro ponto importante pra entender a Internet. Ela pode ser
medida pela possibilidade do usuário interferir no formato original da informação e pela
possibilidade de alterá-la, contribuir com a fonte desse conteúdo e construir novas
informações.
       Recuero (2009) fala sobre diversos aspectos da interação social no ambiente
online, incluindo os comportamentos ou dinâmicas praticadas entre os usuários ou
comunidades desse meio. Ela divide essas dinâmicas em três grandes grupos: o primeiro
ela chama de “cooperação, competição e conflito”. Cooperação é a relação de apoio
entre os usuários ou comunidades, com o objetivo de construir, agregar, aconselhar, etc.
A competição pode ter um caráter positivo ou negativo. Em alguns casos, a competição
tem como objetivo decidir o melhor rumo para uma comunidade ou a melhor solução
para um problema, então dessa forma seria apenas uma etapa da cooperação. Em outras
situações, ela tem como objetivo a imposição de um determinado ponto de vista, então,
nesse caso, ela seria uma etapa do conflito. O conflito é caracterizado pela agressividade
e hostilidade. Ao contrario da competição, que pode ter um aspecto positivo, o conflito
tem como objetivo a “derrota da oposição”, seja ela dentro de um grupo de discussão
sério ou em um blog para adolescentes.
       O segundo grupo, “ruptura e agregação”, é uma conseqüência, para as
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comunidades online, dos três tipos de comportamento descritos acima. Um conceito
importante que Recuero (2009) menciona é o de “conectores”, que são usuários da
Internet que, por possuírem mais conexões, tem uma influência maior sobre o meio em
que atuam.
        O último grupo é “adaptação e auto organização” que se refere a
comportamentos essenciais para manutenção e conseqüente sobrevivência das redes
sociais em um ambiente maleável e dinâmico como o da Internet.
        O desenvolvimento tecnológico da Internet é relatado por alguns autores como
Pierre Lévy (1999) como um grande avanço, não só para os sistemas de comunicação,
mas também para a sociedade como um todo. A Internet, que é a espinha dorsal da
comunicação global mediada por computadores, oferece a possibilidade da integração
de diversos tipos de mídias em um suporte único, o suporte digital (CASTELLS, 1999).
Ela também oferece a possibilidade de integrar diversos setores da sociedade em um
mesmo espaço no qual os saberes individuais podem entrar em sinergia na construção
de um conhecimento comum.
        De acordo com Pierre Lévy (1999), o melhor uso possível do ciberespaço é a
possibilidade de colocar em sinergia saberes, imaginações e energias espirituais dos que
estão conectados. A inteligência coletiva, um dos princípios da cibercultura,
corresponderia à sua perspectiva espiritual e, por isto, seria sua finalidade última.
        Isso não é possível em um contexto em que a Internet é privilégio de poucas
pessoas. Entretanto, o crescimento do acesso à Internet talvez nos permita pensar na
construção futura de outro contexto.
        De acordo com Castells (1999), em 1973 havia 25 computadores ligados à rede.
Ao longo da década de 1970 esse número cresceu para 256 computadores. No início da
década de 1980, após aperfeiçoamentos significativos, a Internet estava disponível para
25 redes apenas, conectando centenas de computadores e alguns milhares de usuários.
Em meados da década de 1990 o número de usuários já tinha atingido a marca de 25
milhões, conectados por 3,2 milhões de computadores em 44 mil redes.
        Segundo o chefe da União Internacional de Telecomunicações (UIT), Hamadun
Touré, em nota publicada no site G12. Ainda no início do ano 2000, havia 250 milhões
de usuários na Internet, já em janeiro de 2011 o número de usuários de Internet, no
mundo inteiro, já tinha crescido para dois bilhões de usuários.

2
  Texto disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/01/numero-de-usuarios-de-
internet-no-mundo-alcanca-os-2-bilhoes.html
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       Apesar de ter sido inicialmente desenvolvida por cientistas ligados ao poder
estatal e militar americano, seu aperfeiçoamento e popularização andaram lado ao lado
com a ideologia anarquista dos primeiros hackers, ligados aos cyberpunks. Isso foi
importante para direcionar a Internet para uma perspectiva mais comunitária e, talvez,
mais libertária.
       De acordo com Lévy (1999), os primeiro computadores que surgiram em 1945,
na Inglaterra e Estados Unidos, eram calculadoras programáveis que podiam armazenar
programas. Esse dispositivo ficou durante muito tempo reservado aos militares para
cálculos científicos, contudo seu uso civil disseminou-se na década de 1960. Na
Califórnia havia um verdadeiro movimento social nascido na efervescência da
“contracultura”, que tomou posse das novas possibilidades técnicas e inventou o
computador pessoal.
       Segundo Lemos (2008) os cyberpunks defendem que a informação deve ser
livre, o acesso aos computadores deve ser ilimitado e total. Têm como lema “Desconfie
das autoridades, lute contra o poder; coloque barulho no sistema, surfe nessa fronteira,
faça você mesmo” (LEMOS, 2008, p. 187).
       Portanto, é difícil pensar na Internet apenas como um meio de comunicação,
uma vez que ela apresenta toda uma série de relações e de valores próprios que podem
se configurar em uma nova forma de cultura. A cibercultura, como um movimento
cultural e social, surgiu dentro do “território” do ciberespaço, que não representa apenas
o meio técnico da Internet, mas também os agentes envolvidos em sua elaboração.
       O ciberespaço é definido como um novo meio de comunicação, que surgiu
através da interconexão mundial de computadores. Esse termo serviria para definir a
infra-estrutura material da comunicação digital, e também todas as informações que ela
abriga, além das pessoas que navegam e contribuem com a construção desse espaço. Já
a cibercultura especifica o conjunto de técnicas intelectuais e materiais, de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento de valores que são nativas e se desenvolvem com o
crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999).
       De acordo com as análises de Pierre Lévy (2003), o caráter comunitário do
ciberespaço teria um papel essencial para o projeto de renovação do laço social e para a
inteligência coletiva. Esse projeto, que para muitos pode parecer utópico, pretende
estimular novas práticas de relações sociais, com novas relações de trabalho, novas
relações políticas, uma nova economia e uma nova relação com o conhecimento,
voltadas para o estabelecimento de uma sociedade com a oferta de possibilidades mais
30


justas e mais equilibradas para todos.
       Esses pontos defendidos por Lévy, nos permite traçar uma linha de ligação com
o pensamento do Espiritismo kardecista, para o qual a evolução espiritual de nosso
planeta, com uma sociedade mais justa, viria através do esclarecimento do ser humano,
não apenas por meio de seu avanço moral, mas também seu avanço intelectual.
       Avanço moral e o avanço intelectual, segundo Allan Kardec (2009a), foram
aspectos apresentados a ele por espíritos que o guiaram na sua a primeira obra. Desta
forma, estes dois aspectos são apresentados na doutrina espírita como objetivo para a
“evolução” dos seres humanos e da sociedade, consequentemente. Segundo Kardec, os
espíritos deram a ele o ensinamento de que a moral e o intelecto não andam,
necessariamente, lado a lado. Para Kardec seria exemplo deste ensinamento a existência
de indivíduos com uma inteligência aguçada, mas sem nenhum sentimento de
compaixão, de amor ou de altruísmo com outras pessoas, da mesma forma que também
pode-se encontras outros indivíduos, que embora tenham uma capacidade intelectual
reduzida, em comparação com os primeiros, possuem um dom nato em ajudar o
próximo.
       Na visão de Pierre Lévy (2003), o desenvolvimento do ciberespaço funciona
como uma ferramenta de integração social, permitindo não apenas a absorção e
comunhão dos saberes, mas também um local para realização de ações sociais,
democráticas, fraternais, educacionais ou comunitárias. Lévy (2003) defende esse
espaço de ações como o que poderia vir a ser a “Democracia em tempo real”.
       Para ele, uma democracia na qual a única grande participação nossa é um voto,
que só pode ser renovado quatro anos depois, não é uma democracia verdadeira. Para
ele os grandes problemas atuais da sociedade passam pelo desarmamento, pelo
equilíbrio ecológico, mutações da economia e trabalho, ao desenvolvimento dos países
do hemisfério sul, educação, miséria e manutenção do laço social. Assuntos que para
uma abordagem eficaz iriam envolver um grande número de competências e o
tratamento contínuo de um fluxo enorme de informações (LÉVY, 2003).
       Contudo o funcionamento estatal e as leis que regem a sociedade foram
pensados e postos em prática em um mundo muito diferente do que vemos hoje.
Antigamente tudo era relativamente estável e a comunicação muito mais simples. Toda
a estrutura de decisões em funcionamento nos governos atuais foi pensada de acordo
com uma gestão lenta e rígida, baseada na escrita estática.
       Podemos novamente correlacionar o pensamento de Lévy com a doutrina
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kardecista. Segundo Kardec (2009a), podemos observar que o grau de avanço espiritual
de uma sociedade pode ser medido, com eficácia, pelas leis e costumes que regem sua
população e seu governo. Leis brutais de repressão a crimes hediondos, funcionamento
burocrático da maquina estatal e utilização injusta dos recursos públicos, evidenciam
uma população espiritualmente atrasada, condizente com o contexto em que vivem.
       Kardec acreditava que as leis sociais são criações que os próprios homens
desenvolvem para organizar sua sociedade, mas independente da época em que está
inserido, a ética para construção de uma sociedade mais humanitária é a mesma. O que
muda são as leis civis, o contexto histórico, político, econômico e cultural. Os rituais e
pormenores são criados exclusivamente pelos seres humanos e não por um
conhecimento transcendental.
       Portanto, segundo o pensamento de Kardec (2009a), a “democracia em tempo
real” proposta por Pierre Lévy (2003), na qual as técnicas digitais de acesso à
informação e a comunicação interativa disponível para todos os cidadãos, que reuniriam
suas forças mentais em coletivos inteligentes, para o tratamento cooperativo e paralelo
das dificuldades de sua sociedade, representaria um avanço espiritual, intelectual e
moral, pois para ser bem sucedido precisaria que toda a população se organizasse para
decidir os rumos políticos, econômicos, sociais e ambientais de seus coletivos. O papel
do cidadão não seria reduzido a um sim ou um não, as pessoas teriam que tomar posição
em frente aos problemas que surgissem, aumentando assim, a responsabilidade de todos
nos rumos escolhidos.
       Essa não é uma solução para curto prazo, já que para a participação eficaz da
população inteira na democracia, todos deveriam ter a mesma oportunidade de acesso à
cultura e à informação. Toda a estruturação do conhecimento humano teria que ser
modificada, para atender às pessoas que hoje se encontram excluídas do acesso à
educação, e também para possibilitar que essas pessoas tivessem acesso às novas formas
de organização do saber.
       Esse novo tipo de organização do saber, denominado por Lévy (2003) de
cosmopédia, se baseia essencialmente nas novas possibilidades oferecidas pela
informática, no que diz respeito à apresentação, à gestão e à acessibilidade do conteúdo.
A grande inovação é a seguinte; se enciclopédia significa “círculo de conhecimento”, a
cosmopédia possibilita que esse conhecimento se emancipe de seu círculo tradicional,
possibilita que seja desterritorializado em um espaço imaterial, que pode estar ao
alcance de todos (LÉVY, 2003).
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       Além disso, a enciclopédia tradicional alia texto e imagem para a exposição de
seu conteúdo, enquanto a cosmopédia, ou a enciclopédia da inteligência coletiva,
contém um número substancialmente superior de formas de expressão, nas palavras de
Lévy (2003, p. 182), podemos citar, “imagem fixa, imagem animada, som, simulações
interativas, mapas interativos, sistemas especialistas, ideografias dinâmicas, realidades
virtuais.”
       Pretendemos sintetizar aqui o pensamento de Pierre Lévy, que defende que o
ciberespaço é dotado de potencialidades tecnológicas que modificam e amplificam
várias funções cognitivas humanas. Nas suas palavras:


                        O ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam
                        e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (banco de
                        dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação
                        (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais)
                        raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos).
                        Essas tecnologias intelectuais favorecem:
                        - novas formas de acesso à informação [...]
                        - novos estilos de raciocínio e conhecimento [...]
                        Como essas tecnologias intelectuais, sobretudo as memórias dinâmicas, são
                        objetivadas em documentos digitais ou programas disponíveis na rede (ou
                        facilmente reproduzíveis e transferíveis), podem ser compartilhados entre
                        numerosos indivíduos, e aumentam, portanto, o potencial de inteligência
                        coletiva dos grupos humanos. (LÉVY, 1999, p.157)


       Sua tese pressupõe que as tecnologias intelectuais podem ser compartilhadas
entre numerosos indivíduos e podem como conseqüência, “aumentar o potencial de
inteligência coletiva dos grupos humanos” (LÉVY, 1999, p.157).
       Por outro ângulo de reflexão, encontramos a visão de Allan Kardec (2009b) para
quem a ciência é um dos recursos que o ser humano tem para promover a evolução
social e espiritual através do conhecimento. Para ele;

                        O homem foi incapaz de resolver os problemas da criação até o momento em
                        que a chave lhes foi dada pela ciência. Foi necessário que a astronomia lhe
                        abrisse as portas do espaço infinito e lhe permitisse nele mergulhar seus
                        olhares; que, pelo poder do cálculo, pudesse determinar, com precisão
                        rigorosa, o movimento, a posição, o volume, a natureza e o papel dos corpos
                        celestes; que a física lhe revelasse as leis da gravidade, do calor, da luz e da
                        eletricidade; que a química lhe ensinasse as transformações da matéria, e a
33


                       mineralogia, os materiais que formam a crosta do globo; que a geologia lhe
                       ensinasse a ler, nas camadas terrestres, a formação gradual desse mesmo
                       globo. A botânica, a zoologia, a paleontologia e a antropologia deveriam
                       iniciá-lo na filiação e na sucessão dos seres organizados; com a arqueologia,
                       pôde seguir as marcas da Humanidade através das idades; todas as ciências,
                       em uma palavra, completando-se umas as outras, deveriam trazer seu
                       contingente indispensável para o conhecimento da história do mundo; na sua
                       falta, o homem não tinha, por guia, senão as primeiras hipóteses. (KARDEC,
                       2008a, p. 53).

       O papel dos espíritos na sua relação com os seres vivos, segundo Kardec, é
limitada. A ciência e a inteligência humana, que podemos deduzir ser resultado do nível
de evolução espiritual de cada um, seriam dádivas complementares:

                       Se bastasse interrogar os Espíritos para obter a solução de todas as
                       dificuldades cientificas, ou para fazer descobertas ou invenções lucrativas,
                       todo ignorante poderia tornar-se sábio gratuitamente, e todo preguiço poderia
                       se enriquecer sem trabalhar; (KARDEC, 2009b, p. 105).

       A Internet, como vimos, oferece a possibilidade de as pessoas estabelecerem
novas relações com o conhecimento e com a sociedade. Contudo, ela não é um recurso
independente da ação humana. Como todos os outros avanços tecnológicos na história
da humanidade, ela pode ser utilizada para quaisquer fins, dependendo, prioritariamente,
das consciências individuais daqueles que a usam.
       Lévy (1999), diz que em geral, ele é considerado um otimista, e que isso é
verdade, mas que reconhece que a Internet não irá resolver todos os problemas do
mundo. Ele diz apenas que as potencialidades positivas da Internet existem, e que cabe a
nós explorá-las.
       Para ele nem a salvação e nem a perdição se encontram na técnica, ele diz que
esse caráter ambivalente provém das projeções que realizamos no mundo material a
partir dela. Lévy (1999) identifica algumas criticas recorrentes sobre a Internet e
argumentar sobre elas, podemos citar como exemplo o caso de criminosos, terroristas e
pedófilos utilizarem a rede para realizar suas ações. Todos esses casos são reais, mas
eles já existiam antes da Internet, e da mesma forma que antes eles utilizam aviões,
estradas e telefones, eles agora irão utilizar a rede. Mas assim como não condenam a
telefonia pelos delitos cometidos através dela, a Internet, como instrumento técnico, não
pode ser culpada pelos delitos de determinados indivíduos Lévy (1999).
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       Lévy (2003) defende o aspecto da responsabilidade e do bem individual como a
“ética da inteligência coletiva”, praticada pelas pessoas com um bom senso de justiça,
fazendo, para isto, referência ao discurso religioso:


                        Vimos por que e como conseguiam criar e fazer durar os coletivos humanos.
                        Ao mostrar que a eficácia do justo consiste em manter as comunidades
                        existindo, ou em adiar sua destruição, o texto bíblico nos fornece uma
                        indicação capital sobre a natureza do bem em geral. O bem invoca a
                        existência das qualidades humanas e valoriza-as   (LÉVY, 2003, p. 38).


       Podemos deduzir desta afirmativa que, apesar dos desdobramentos positivos que
a Internet possa gerar, estes só serão possíveis se atingirmos um ideal segundo o qual
cada usuário assuma responsabilidade pelos seus próprios atos. Em outras palavras, pelo
bem e pelo mal resultante deles. É provável que, ao evocar a referência bíblica sobre o
bem e o mal, Pierre Lêvy esteja superando fronteiras tradicionais entre o discurso
científico e o discurso religioso ou se colocando á margem deste debate. Seu discurso é
valorativo, uma vez que encerra um claro juízo de valor:


                        Do lado do ser e da potência, os justos contribuem para a produção e
                        manutenção de tudo que povoa o mundo humano. Graças a eles, cujos nomes
                        jamais serão citados, as coisas caminham de fato, e são efetivamente criadas
                        e conservadas: mães pródigas de seus cuidados, negras que redigem nas
                        sombras, faxineiras, secretárias, operários que fazem a fábrica funcionar
                        apesar dos planos dos engenheiros, e todos que consertam as máquinas,
                        reconciliam os casais, rompem as barreiras da maledicência, sorriem,
                        elogiam, ouvem, fazem com que vivamos em comum acordo. Ora Abraão é o
                        justo por excelência. Não se contenta em fazer o bem, esforça-se ainda por
                        conferir o maior alcance possível aos atos realizados pelos outros justos. Ao
                        negociar com Deus conseguindo que somente dez justos salvem a cidade, ele
                        valoriza e desdobra ao máximo o potencial de bem; chama a atenção para a
                        bondade dos outros. A barganha de Abraão com Deus é a primeira tecnologia
                        de otimização de efeitos, de exploração em grau máximo das menores
                        qualidade positivas presentes em um coletivo humano. Abraão inventa a
                        engenharia do laço social. (LÉVY, 2003, p. 39).
35


       Os juízos de valor presentes no trecho acima, bem como as referências a uma
“barganha” entre Abrahão e Deus nos remetem ao discurso de Allan Kardec que
transcreveu em um de seus livros o discurso de um espírito que fala sobre a moral.


                       “Amemo-nos uns aos outros e façamos a outrem o que quereríamos que nos
                       fosse feito”. Toda a religião, toda a moral se encontram encerradas nestes
                       dois preceitos; se fossem seguidos nesse mundo, seríeis todos perfeitos; nada
                       mais de ódio, de divergência; direi mais ainda, nada mais de pobreza, porque
                       do supérfluo da mesa de cada rico muitos pobres se alimentariam, e não
                       veríeis mais, nos sombrios bairros que habitei durante minha última
                       encarnação, pobres mulheres arrastando consigo miseráveis crianças
                       necessitadas de tudo. (KARDEC, 2005, p.173)


       Comparando os dois textos somos levados a concluir que o bem resultante da
ação individual de cada um tem impacto direto na construção das coletividades sociais,
e conseqüentemente, na integração dos diversos setores da sociedade. Os dois autores
postulam que os indivíduos, mesmo os que ocupam os mais obscuros papeis sociais são
portadores de boas e más aptidões. Os dois autores nos autorizam a falar de uma
perspectiva evolutiva da humanidade que pode ser “aumentada” com a promoção da
integração dos saberes individuais, tendo um objetivo coletivo comum que seria o de
renovar os laços de solidariedade.
       A ética dos justos, ou a ética individual, seria o fator decisivo para essa
renovação social e intelectual. O princípio norteador desta posição baseia-se na crença
de que cada pessoa possui suas aptidões, seus pontos fortes e seus pontos fracos.
Ninguém domina todas as áreas do conhecimento, e promover a integração dos saberes
individuais com um objetivo coletivo comum, de tornar a sociedade mais humanitária é,
de acordo com Pierre Lévy (2003), uma etapa evolucionária que chega ao nosso
alcance, finalmente, por meios virtuais. Em linhas gerais, esta seria a expectativa do
autor com relação às possibilidades de avanços contemporâneos da humanidade.
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    3   - O CENÁRIO ESPÍRITA NA INTERNET




        A prática da difusão de valores e ideais kardecistas não é nova, já que Allan
Kardec mencionou que o estatuto da “Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas”,
publicado no final do “O Livro dos Médiuns” (2008c) devia ser adotado como um
modelo que pudesse ser aproveitado por outros grupos que desejassem seguir o mesmo
caminho (KARDEC, 2008c). No Brasil, esse modelo de organização das sociedades
espíritas, aqui conhecidos com Centros ou Cenáculos Espíritas, é muito copiado, desde
a segunda metade do século XIX. A FEB, ou Federação Espírita Brasileira, é
reconhecida, pela maior parte dos espíritas, como a representante de seu pensamento no
Brasil, além disso, ela também realiza trabalhos no sentido de formação de dirigentes
espíritas e de constituição e manutenção doutrinária, legal e administrativa dos Centros
Espíritas.
        Ao longo de sua existência, a FEB vem tentando atingir este objetivo por
intermédio da impressão de manuais e outros tipos de publicações. Entretanto, é
possível que as pessoas que desejam conhecer e possivelmente seguir os ideais de
Kardec encontrem maior facilidade de acesso nas tecnologias digitais.
        Neste capítulo, nosso objetivo é o de apresentar o “Espiritismo” que está
disponível na Internet. Para isto, foram pesquisados sites espíritas que surgiram a partir
do uso da ferramenta de busca Google, com a intenção de observar recorrências e
especialidades em suas organizações e conteúdos. Foi escolhido como objeto de análise
o site da FEB. A escolha pelo site dessa instituição, que muitos consideram como a
representante “oficial” do Kardecismo no Brasil, se recaiu no fato do Espiritismo ser
amplamente divulgado e comentado na Internet, e uma simples busca do Google com
este termo ter gerado 5.630.000 resultados. O termo “espírita” gerou 2.800.000
resultados. Para delimitar nosso foco de análise, após pesquisa aleatória e exploratória
de sites espíritas brasileiros definiu-se pela concentração da investigação no site da
FEB, por ser uma entidade federativa oficial e por reunir em seu site aspectos que são
reproduzidos em outros portais, ou seja, a FEB e seu site são, em geral, referência para
muitos sites espíritas, os quais não nos cabe descrever aqui.
        Além de mapear os temas que são abordados no site escolhido, nossa intenção
foi de descrever como a web vem sendo usada pelos espíritas e de verificar se esta tem
sido uma ferramenta de auxílio para a divulgação de valores e idéias do Espiritismo,
37


como a transmissão de conhecimento e renovação dos laços sociais. Estes valores, como
foi nossa intenção ressaltar no capítulo anterior, são apresentados como perspectivas
comuns tanto no discurso espírita kardecista, quando no discurso acadêmico sobre as
potencialidades da Internet que está presente, principalmente, nos textos de Pierre Lévy.
       O site da FEB (http://www.febnet.org.br), que é o órgão reconhecido dentro do
Kardecismo como representante do Espiritismo brasileiro ou sua Casa Mater, para usar
um termo comum entre os espíritas, torna-se importante no contexto desta monografia
por seu caráter oficial. A história da FEB muitas vezes pode se confundir em muitos
pontos com a história do Espiritismo no Brasil, como já foi comentado anteriormente.

3.1 - Estudo virtual do Espiritismo

       Em seu site, a FEB oferece ao usuário a possibilidade de fazer o download, em
formato.pdf, de várias publicações espíritas como, por exemplo, todas as edições da
revista “O Reformador”, do período de 2006 até 2010. Essa revista é publicada
mensalmente pela própria FEB, totalizando doze edições por ano, sendo assim, no site
estão disponíveis sessenta exemplares diferentes. Além disso, o exemplar mais recente
da revista pode ser visualizado através do link “edição online”, contudo devido à falta
de um exemplar impresso da revista, não foi possível verificar se ela está disponível
integralmente no site, ou se apenas as matérias principais são publicadas online. É
interessante ressaltar que existe um link, em destaque, para um download gratuito do
“PDF Reader” da Adobe dentro do site da FEB, tornando mais fácil que as pessoas, que
tiverem interesse, acessem esse conteúdo.
       Outro exemplo que merece destaque é o informativo “Brasil Espírita”, na edição
analisada de outubro de 2011, o informativo continha três seções, além de um editorial
informativo. A primeira seção, “Movimento em ação”, fala sobre atividades espíritas,
em todo o Brasil, como capacitações de trabalhadores espíritas, seminários, teatros,
mostras de arte e feiras de livros, entre outros, que ocorreram há pouco tempo, ou que
irão ocorrer em breve. A segunda seção, chamada “Atividades espíritas”, aparentemente
é muito parecida com a primeira, e fala sobre congressos, confraternizações, palestras e
seminários espíritas que ainda irão ocorrer ou já ocorreram recentemente em território
nacional.
       Também é possível encontrar no site da FEB as cinco obras básicas de Allan
Kardec para download em PDF, além dos dois livros complementares de sua autoria,
chamados “Obras póstumas” e “O que é o Espiritismo?”. Podemos encontrar também a
38


edições integrais da “Revista Espírita”, em circulação desde 1858. O período disponível
para download vai desde a primeira edição, de janeiro de 1858, até dezembro de 1869.
Embora fosse um periódico mensal, ele foi organizado pela FEB em volumes que
abrangem o período de um ano inteiro, com todos os meses em um volume, sendo
assim, são doze os tomos disponíveis no site. Allan Kardec foi o responsável pela
edição e publicação do periódico desde o primeiro volume, até a data em que morreu.
Segundo a FEB, na edição brasileira, os doze volumes possuem juntos, quase sete mil
páginas.
       Todas essas publicações citadas acima constituem o fundo doutrinário básico do
Espiritismo kardecista. Como foi dito antes, as cinco obras principais de Kardec guiam
todo o pensamento espírita ulterior. Até mesmo as outras obras de sua autoria, foram
feitas a partir das elucidações dos cinco primeiros livros. Portanto, partindo do fato de
que todo esse material está disponível gratuitamente no site da FEB, é seguro afirmar
que o conhecimento contido nessas obras está sendo difundido por essa federação.
       Contudo esse conhecimento pode ser de difícil entendimento para algumas
pessoas, portanto o portal da FEB vai além, oferecendo acesso, também, à planos de
aula para iniciação e aprofundamento no Espiritismo. É importante ressaltar aqui, que a
parte principal desses planos de aulas não é disponibilizada gratuitamente pela FEB, ela
oferece apenas a possibilidade que o internauta realize a compra dos volumes impressos
por meio de sua livraria virtual, que também será descrita mais a frente. Contudo, uma
parte do conteúdo está disponível para download gratuito, o que pode gerar certa
confusão, já que esse conteúdo gratuito pode ser o mesmo conteúdo vendido na livraria
virtual, organizado de uma forma diferente. Portanto no restante desse capítulo, iremos
focar, principalmente, no que está sendo oferecido, no site da FEB, em relação com o
avanço moral e o avanço intelectual defendido por Kardec.
       Também gostaríamos de ressaltar que estão disponíveis no portal da FEB cinco
planos de aula diferentes: O “Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita” ou ESDE, o
“Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita” ou EADE, o “Estudo e Educação da
Mediunidade” ou EEM, o “Departamento de Infância e Juventude” ou DIJ e por último
os estudos de Esperanto.
       Na página do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, ou ESDE, encontramos
a descrição completa do curso, cujo objetivo, segundo o site, é nada mais do que um
“estudo metódico, contínuo e sério do Espiritismo, com programação fundamentada na
Codificação Espírita”. Ainda de acordo com o site, esse curso é importante por
39


promover o “conhecimento espírita”, como orientação de vida, sendo que esse
conhecimento englobaria tanto o aspecto intelectual quanto moral, a FEB ainda ressalta
que uma das conseqüências desse curso é a possibilidade do desenvolvimento da “fé
raciocinada”.
       Como foi dito antes, o acesso completo a esse curso só pode ser feito mediante a
compra dos tomos impressos, no caso do ESDE são três volumes, vendidos
separadamente. Os dois primeiros são os programas fundamentais I e II, vendidos a R$
13,50 e o terceiro chama-se programa complementar e é vendido a R$ 15,00. O
conteúdo programático desses três tomos está disponível para visualização no site da
FEB, e de acordo com a descrição do próprio site, esse material seria uma reorganização
didática do conteúdo presente em “O Livro dos Espíritos”.
       Contudo, o item “Campo Experimental de Brasília” oferece um banco de aulas,
disponíveis para download gratuito. É um total de dezoito módulos diferentes, que vão
desde o contexto social, econômico, político e cultural da Europa no século XIX,
quando Kardec apresentou pela primeira vez as suas idéias, até reflexões filosóficas
sobre questões como o “bem” e o “mal”, livre arbítrio, responsabilidade individual,
progresso moral e intelectual. É possível notar, através de comparação, que esses
dezoitos módulos correspondem ao conteúdo dos tomos fundamentais I e II vendidos
pela FEB.
       Nota-se, ao ler parte do material, que o plano de aulas é feito para que dirigentes
de centros espíritas, ou pessoas com algum tipo de capacitação informal, possam
coordenar grupos de estudo. A FEB chega até mesmo a sugerir alguns princípios
metodológicos como introduções para cada reunião, atividades em grupo para
desenvolvimento do conteúdo, com base nos itens do próprio material, técnicas para se
concluir o tema e reuniões e métodos de avaliação, além de sugerir também o tempo que
cada reunião deve ter, o espaçamento adequado entre as reuniões e o tempo mínimo
previsto para o curso completo.
       O Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita, ou EADE, apresenta uma página de
informações e apresentação de conteúdo muito similar à página do ESDE. O modelo de
organização, na qual encontramos um conteúdo gratuito e um conteúdo pago, também
foi seguido para as páginas de “Estudo e Educação da Mediunidade” e “Departamento
de Infância e Juventude”, contudo o conteúdo gratuito não é necessariamente similar ao
conteúdo pago, como no caso do ESDE.
       O objetivo do EADE, como o próprio nome sugere, é o aprofundamento dos
40


estudos sobre o Espiritismo. Para isso o curso foca principalmente no que os espíritas
consideram o três aspectos da doutrina; religião, filosofia e ciência. De acordo com uma
citação utilizada pelo site na conceitualização do curso, os aspectos filosóficos e
científicos da doutrina abrem o campo para continuas investigações de caráter
intelectual, que visam o aperfeiçoamento da humanidade. Já o aspecto religioso da
doutrina corresponde ao “elo que a liga ao céu”, e que, segundo o site, proporcionaria a
renovação do ser humano para o seu futuro espiritual, através de reflexões sobre a
importância da melhoria moral.
          O site ainda vai além na descrição do curso, e diz que esse se fundamenta
justamente no que da força ao Espiritismo, que seria seu aspecto filosófico, que não
cobra uma crença cega, pelo contrário quer que o homem saiba por que crê, e para isso
utiliza uma linguagem clara, sem ambigüidades, que, segundo eles, fala diretamente à
razão e ao bom senso.
          O curso está dividido em dois bancos de aulas, um intitulado “Religião à Luz do
Espiritismo” e o outro chamado de “Ciência Espírita”. O primeiro, como o nome
sugere, trata do aspecto religioso da doutrina, e é sub dividido em três partes, sendo que
a primeira fala da evolução do pensamento religioso ao longo da história humana,
falando até mesmo de religiões não-cristãs, mas focando em Jesus como guia e modelo
da humanidade. A segunda parte é um estudo espírita sobre as parábolas de Jesus,
focando na importância de incorporar as lições presentes nelas às atividades cotidianas.
A terceira, segundo a FEB, esclarece por que o Espiritismo é considerado o resgate da
verdadeira essência do Cristianismo.
          O outro banco de aula, intitulado “Ciência Espírita” trata sobre o que a FEB
considera como os aspectos científicos e filosóficos da doutrina. Organizada em um
tomo único, esse banco de aulas utiliza até mesmo autores sem ligações com o
Espiritismo, e que ainda de acordo com a FEB compõe o acervo da cultura humana. De
acordo com o conteúdo programático, o curso contém tópicos de estudo que vão desde
“Métodos filosóficos e científicos”, até “Evidências científicas da reencarnação”,
“Análise racional dos fatos espíritas”, “Estudos científicos da mediunidade” e
“Pesquisas cientificas dos fatos espíritas”, entre outros.
          Esses tópicos, contudo, fazem parte do conteúdo pago. Na seção de aulas
gratuitas, dentro do mesmo curso, encontramos alguns tópicos3 que merecem atenção


3
    Disponíveis em: http://www.febnet.org.br/site/estudos.php?SecPad=38&Sec=205
41


por realizarem uma tentativa de explicar determinados acontecimentos utilizando a
elementos da fé e da ciência. Um exemplo é uma apresentação de slides que fala sobre a
evolução biológica. Nele encontramos um slide com uma linha do tempo que vai desde
o “big bang” até o surgimento do Homo Habilis. É importante ressaltar, que o
Espiritismo, na sua busca por “validação cientifica” se apropria de discursos da
geologia, astrologia e outras disciplinas como arqueologia, biologia e química para
buscar sua concepção de “origem das coisas”. Nessa apresentação ainda encontramos a
introdução de tópicos sobre seres procariontes e eucariontes, evolução, gases presentes
na atmosfera, tudo isso intercalado com discursos altamente religiosos, sobre, por
exemplo, a ação de “espíritos superiores” nesses remotos períodos.
       Essa visão Espírita pode ser observada também, em outro texto disponível ainda
dentro do EADE, que trata sobre “Formação dos seres”, o texto primeiramente
apresenta a teoria criacionista do mundo. Podemos observar nesse discurso o
posicionamento espírita, quando o texto fala sobre o criacionismo da seguinte forma;
“combatem teorias científicas conflitantes com o fundamentalismo religioso”, ou ainda;
“os que apóiam radicalmente a idéia da criação em sete dias literais, questionando ou
ignorando as evidências arqueológicas, físicas e químicas existentes que dizem o
contrário.”. O texto apresenta depois a visão evolucionista, que segundo o Espiritismo é
cientificamente aceita, para em última instância apresentar a visão espírita. O
interessenta é que a visão espírita em nenhum momento tenta contradizer a visão
evolucionista, pelo contrário, diz que a “criação feita por Deus”, baseada nas leis
naturais, como por exemplo na lei da quimica, não diminuiria sua grandeza, e sim
mostraria como é o seu poder, que atua por meio de leis eternas, que ainda não
compreendemos.
       O “Estudo e Educação da Mediunidade” ou EEM, segundo a FEB, fundamenta-
se em uma orientação presente no livro “Obras Póstumas” de Allan Kardec, na qual diz
que os indivíduos que decidirem se ocupar com as supostas comunicações com espíritos
devem ser orientados, para que estejam cientes das dificuldades que provavelmente irão
encontrar.
       O curso, dividido em duas partes, tem como objetivo, segundo a o site, favorecer
o desenvolvimento natural das “faculdades psíquicas” dos participantes por meio de
atividades pedagógicas e aprofundar o estudo da mediunidade, focando no
desenvolvimento ético, moral e intelectual dos participantes. Ainda de acordo com o site
a importância do curso repousa na condição fundamental do estudo regular da
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Inteligência coletiva, espiritualidade e renovação do laço social

  • 1. UNIVERSIDADE FUMEC FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA SAÚDE - FCH FRANCISCO EDUARDO VORCARO MACHADO INTELIGÊNCIA COLETIVA, ESPIRITUALIDADE E RENOVAÇÃO DO LAÇO SOCIAL Belo Horizonte 2011
  • 2. FRANCISCO EDUARDO VORCARO MACHADO INTELIGÊNCIA COLETIVA, ESPIRITUALIDADE E RENOVAÇÃO DO LAÇO SOCIAL Monografia apresentada à UNIVERSIDADE FUMEC como requisito parcial para obtenção do certificado de graduação em jornalismo. Orientadora: Prof.ªAstréia Soares Belo Horizonte 2011
  • 3.
  • 4. AGRADECIMENTOS Agradeço meu pai e minha mãe, por todo apoio ao longo de minha vida. Agradeço minha namorada pelo carinho especial que me deu durante a pesquisa, agradeço meus amigos pelos momentos de descontração, essenciais para manutenção do equilíbrio. Agradeço, principalmente, minha orientadora Astréia, por tornar a pesquisa possível.
  • 5. RESUMO Esse estudo aborda a relação entre ciência e religião, dois sistemas explicativos da realidade. Como delimitação para essa questão, analisa dois discursos diferentes e aponta suas similitudes. O primeiro é o Espiritismo kardecista, um discurso religioso surgido no século XIX na França, que tenta utilizar elementos do pensamento cientifico como forma de validação. O segundo é o discurso contemporâneo, tido como cientifico, de Pierre Lévy sobre as potencialidades da internet, que por seu turno apresenta traços de religiosidade. A pesquisa foi realizada a partir da analise documental sobre esses dois discursos, e a titulo de considerações finais foram encontrados três pontos em comum entre os dois, que são; a renovação do laço social defendida por Lévy em acordo com o avanço moral defendido por Kardec. A inteligência coletiva de Pierre Lévy em acordo com o avanço intelectual de Kardec, e a ética individual como método para se alcançar os dois primeiros pontos. Palavras-chave: Discurso cientifico. Discurso religioso. Cibercultura. Espiritismo.
  • 6. ABSTRACT The present study compares two types of speeches, one is the religious speech and the other is scientific speech. These two speeches are used to interpret reality, and we try to point similarities in them. As a method of work we analyze two specific speeches, one is the religious speech of Allan Kardec´s spiritualism, created in the XIX century in France, which tries to use elements of science as a form of validation. The other one is the scientific speech of Pierre Lévy, about the new possibilities the internet provides to society, which uses by its turn, elements of religion. The research was made analyzing documents of these two kinds of speech, and as conclusion we highlight three points in common; the renovation of social bonds by Lévy in accord with moral advancement by Kardec, the collective intelligence of Lévy in accord with intellectual advancement by Kardec, and ethics as a way of achieving the two first points, present in both speeches. Keyword: Scientific speech, Religious speech. Cyberculture. Spiritualism
  • 7. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...............................................................................................................7 1 – BREVE HISTÓRICO DO ESPIRITISMO.............................................................9 1.1 – Espiritualismo e correntes do Espiritismo..............................................................11 1.2 –Allan Kardec, o fundador de uma doutrina.............................................................18 1.3 - Kardecismo no Brasil e suas Formas de Difusão....................................................19 2 – DOIS DISCURSOS SOBRE A POSSIBILIDADE DE EVOLUÇÃO HUMANA.......................................................................................................................24 2.1- Surgimento da Internet, discurso contemporâneo e discurso espírita......................26 3 - O CENÁRIO ESPÍRITA NA INTERNET............................................................36 3.1 – Estudo virtual do Espiritismo.................................................................................37 4 - CONCLUSÃO..........................................................................................................46 REFERÊNCIAS.............................................................................................................49
  • 8. 7 INTRODUÇÃO Esta monografia aborda a relação entre religião e ciência, dois grandes sistemas explicativos da realidade que são referencias ainda no século XXI, com o objetivo de apontar conexões entre estes sistemas e a forma como os processos comunicativos lidam com eles. Toma como referência a dicotomia que se estabelece na fundação da doutrina espírita kardecista, ou seja, no chamado Espiritismo, que surge no Século XIX e é fundado pelo Francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adota o nome de Allan Kardec para assinar seus trabalhos sobre sua doutrina. O Espiritismo pretende ser uma religião, e por isto assume características de um discurso mítico, porém se valendo dos recursos da ciência moderna, que lhe dá como legado características do discurso racionalista e cientificista. Esta dicotomia marca a história do Espiritismo e do Espiritismo no Brasil, inclusive dividindo seus dirigentes e seguidores, ao mesmo tempo em que pode ter estimulado a comunidade espírita a encontrar um caminho de unificação das duas posturas. Mito e Ciência são trazidos, portanto, do universo mais amplo da reflexão epistemológica na modernidade para o contexto mais restrito da doutrina espírita. Ainda que discursos racionalistas sobre a ciência muitas vezes defendam a possibilidade de se alcançar uma razão pura, “descontaminada” das crenças, ritos e mistificações, estes dois pólos da consciência humana acabam por se encontrar em diferentes perspectivas religiosas e filosóficas. Não nos cabe aqui, no espaço e tempo destinados a uma monografia, verificar a validade destas perspectivas. Contudo, queremos apontar certas similitudes presentes tanto no discurso de Allan Kardec sobre as possibilidades de evolução espiritual do ser humano, quanto no projeto ideal de sociedade postulado por Pierre Lévy, que passa em grande parte pela conquista de uma forma de inteligência coletiva que o advento da Internet possibilita e potencializa. Esta monografia, portanto, foi elaborada a partir de pesquisa documental sobre o discurso religioso, sobre o discurso científico e também, mais especificamente, sobre o discurso de Kardec e o discurso de Lévy. Também foram utilizadas algumas fontes online, como sites e artigos presentes na web. Para apresentar os resultados da pesquisa, tal como nos propusemos, vamos
  • 9. 8 apresentar no primeiro capitulo um breve histórico do Espiritismo, focando nas características do discurso religioso em geral, das diversas correntes espiritualistas, que por seu turno possuem pontos de interseção com o Espiritismo. A seguir nosso foco passa a ser o Espiritismo kardecista, propriamente dito, e sua difusão no Brasil. No segundo capítulo, mostraremos algumas características do discurso cientifico positivista e o pensamento de autores pós modernos com suas criticas ao primeiro. Para finalizar esse capítulo iremos relacionar o pensamento de Allan Kardec com o pensamento de Pierre Lévy, tentando indicar os possíveis pontos em comum. No terceiro capítulo apresentamos uma análise sobre o portal da Federação Espírita Brasileira, reconhecida como órgão representativo maior dessa doutrina, no Brasil. A título de considerações finais da pesquisa que deu origem a esta monografia, podemos dizer que em uma comparação entre o discurso espírita kardecista e o discurso contemporâneo, de Pierre Lévy, sobre Internet, foram encontrados três pontos de interseção, que são a renovação do laço social, presente na obra de Pierre Lévy, em conjunto com o avanço moral preconizado por Allan Kardec; a inteligência coletiva de Lévy em conjunto com o avanço intelectual de Kardec e a idéia da ética individual como método para se alcançar os dois primeiros pontos.
  • 10. 9 1- BREVE HISTÓRICO DO ESPIRITISMO Neste capítulo pretendemos apresentar um breve histórico do Espiritismo, dando ênfase aos aspectos que adquire com sua difusão no Brasil. Um aspecto muito relevante para introduzir a discussão sobre o espiritismo, em um trabalho de conclusão de curso, reside na dicotomia que se estabelece entre o discurso religioso e o discurso científico, tal como tomam forma na civilização ocidental. Estes discursos mantêm formas de intercessão ao longo da história do pensamento ocidental, possivelmente estabelecendo vínculos com os sistemas de comunicação, ou seja, criando interfaces entre perspectivas místicas, científicas e técnicas, tal como se desenham na sociedade contemporânea. Destacamos o papel relevante da comunicação neste contexto uma vez que o homo sapiens se distinguiu dos outros animais, em um primeiro momento, pela sua capacidade intelectual de comunicação. Com a possibilidade de gravar conhecimentos na memória e propagar esses conhecimentos através de representações simbólicas, ele pode desenvolver a linguagem e construir suas próprias representações mundo. De acordo com Flusser (2007), a comunicação humana é um processo artificial, ela se baseia na descoberta e assimilação de novas ferramentas, técnicas, símbolos e códigos. Para ele, essa artificialidade nem sempre é consciente. Nós assimilamos e incorporamos a comunicação de tal forma, que ela se transforma em uma segunda natureza. Dentro de sua argumentação, Flusser (2007) diz que; A comunicação humana tece o véu do mundo codificado, o véu da arte, da ciência, da filosofia e da religião, ao redor de nós, e o tece com pontos cada vez mais apertados [...] Em suma, o homem comunica-se com outros; é um “animal político”, não pelo fato de ser um animal social, mas sim porque é um animal solitário, incapaz de viver na solidão. (FLUSSER, 2007, p.91) Concordando com Flusser (2007), podemos perceber a comunicação humana como um elemento de articulação entre diferentes discursos, inclusive os da religião e da ciência que, de um modo geral aparecem separados em alguns estudos epistemológicos. Contudo, podemos dizer que tanto religião quanto ciência têm em comum a possibilidade de serem compreendidos como formas de interpretação do mundo e de sua história. Esta pode ser, inclusive, uma trilha pela qual podemos entender as ligações recorrente que vemos entre o discurso científico e o espiritualista, principalmente o Espiritismo kardecista, que se apresenta como uma doutrina que
  • 11. 10 pretende ser ao mesmo tempo religiosa, filosófica e cientifica. Essa é uma das características do Espiritismo de Allan Kardec, que quer ser reconhecida como uma doutrina cujos princípios fundamentais se valem da ciência moderna para dar um caráter racional aos seus princípios, colocando-se como uma perspectiva religiosa distinta das demais, de cunho tradicional e místico. Busca, assim, incorporar elementos da ciência dos séculos XV e XVI, como o positivismo, empirismo e evolucionismo, como pano de fundo por meio do qual o Espiritismo prometeu oferecer uma visão racional dos mundos natural e sobrenatural. Os paradigmas da ciência moderna e as descobertas da ciência se tornaram elementos importantes da doutrina espírita que adota critérios de validação dos fenômenos espirituais, aceita descobertas científicas e se pauta por explicações que quer acreditar serem lógicas e racionais. Com certa pretensão de doutrina de síntese entre religião e ciência, o Espiritismo quer se configurar como uma perspectiva moderna da evolução humana, que supere os antigos cânones religiosos. A história da religião, tradicionalmente, se baseou na distinção entre as esferas do sagrado e do profano, duas partes que se opõem uma à outra. Esta dicotomia vai colocar do lado do sagrado as crenças, mitos, magia, fenômenos ligados à religião, que se distinguem das manifestações naturais por sua dimensão extraordinária. Portanto, seria da ordem do profano os fatos naturais, que são, também, objetos da ciência moderna. O Espiritismo, por seu turno, evoca a ciência, ou melhor, a racionalidade científica, na sua pretensão de explicar, dentro de um único quadro de referência, o que se entende por natural e sobrenatural. Mircea Eliade (2001) apresenta o conceito de hierofania para falar da manifestação do sagrado, tal como é experimentado pelos homens das sociedades arcaicas que tendem a viver as experiências sagradas na natureza como um todo. As sociedades primitivas estão, por assim dizer, imersas no sagrado, que se traduz, muitas vezes, nos ritos. Ao contrário, os homens modernos vivem em um mundo dessacralizado, mas que se mantém impregnado de valores religiosos. A dessacralização seria, portanto, a experiência não religiosa, profana, dos sujeitos modernos. Para Eliade (2001), a significação religiosa representa um elemento absoluto, que têm o poder de substituir a desorientação por um ponto de apoio. Quando o sagrado se manifesta por uma hierofania, o homem religioso tem uma “revelação da realidade absoluta”, essa manifestação do aspecto divino equivale para ele como uma ruptura com o que já conhece, e atribui ao objeto ou local do acontecimento divino, um valor que ele
  • 12. 11 não possuía antes, e que seria perdido fora de contexto. A dimensão sagrada tradicional tem uma única explicação do mundo que dá sentido à existência humana e se baseia na fé em um Deus, no cosmos, em uma realidade superior que funda toda a natureza e unifica os opostos como morte e ressurreição. No mundo moderno, o sagrado já não organiza sozinhos as relações e acontecimentos da vida humana e passa a concorrer com outras esferas, dentre elas a esfera científica, mas também a política, social e, inclusive, a midiática. Nestas sociedades os ritos, ou seja, ações que acontecem em tempo e espaço distintos do da vida cotidiana, não são exclusivamente religiosos, passando a assumir características seculares e profanas. Como uma metáfora dos ritos religiosos, podemos citar como exemplo de ritos profanos da contemporaneidade assistir o capítulo final de uma novela, a decisão de um campeonato, etc. que assumem um papel de ritualidades profanas que, evidentemente, não correspondem exatamente aos ritos religiosos tradicionais, mas podem ser vistos como uma forma de ressemantização daquelas práticas. Na verdade, as sociedades modernas que fazem proliferar a crença no pensamento científico continuam presenciando práticas de caráter ritualístico, assim como convivem com a presença de mitos e tabus. Nas sociedades urbanas contemporâneas estes fenômenos são reforçados pela mídia que negligencia ou expõe certas visões de mundo, quer sejam originadas do campo religioso ou científico. Por isto, parece-nos interessante pensar a relação entre Espiritismo e as teses contemporâneas sobre mídia e comunicação, principalmente por ser uma doutrina religiosa que quer sintetizar religião e ciência e desmistificar ritos sagrados e profanos por meio da evolução crescente do conhecimento entre os homens modernos. Além disso, o campo religioso, em geral, vem se apropriando das possibilidades disponíveis nos espaços midiáticos para a divulgação e permanência de seus discursos e práticas. 1.1 - Espiritualismo e Correntes do Espiritismo Antes de entender o Espiritismo propriamente dito, da forma elaborada por Allan Kardec no século XIX, é necessário conhecer o espiritualismo, focando em seu histórico, suas ramificações milenares e também, na diferença etimológica em relação ao Espiritismo.
  • 13. 12 O espiritualismo pressupõe a existência de um principio imaterial, distinto de tudo aquilo que é material. Portanto encontra-se em oposição ao materialismo. De acordo com essa visão, qualquer pessoa que acredite existir qualquer coisa além da matéria seria espiritualista. Sendo assim, para os que seguem uma linha de raciocínio materialista todas as emoções, sentimentos e respostas psicológicas, de qualquer individuo, têm sua origem, e podem ser explicados por fenômenos materiais, como fenômenos químicos, físicos ou biológicos que ocorrem no cérebro ou no organismo humano (KARDEC, 2009a). Para os espiritualistas, então, o princípio básico de sua crença está na existência de uma alma imaterial em cada ser humano. Portanto, todas as religiões ou doutrinas que acreditam nisso podem ser consideradas espiritualistas. Grande parte dessas correntes também acredita em forças universais e imateriais e outras acreditam, também, em uma ou várias consciências superiores, denominadas Deuses ou Deus. O termo Espiritismo, de acordo com Kardec, difere do espiritualismo por admitir que espíritos de pessoas que já morreram possam entrar em contato com seres humanos vivos (KARDEC, 2009b). De um modo geral, podemos entender que o que caracteriza o Espiritismo e os espíritas é a crença na existência dos espíritos e em suas comunicações com o mundo invisível. Tal perspectiva esta explícita no Livro dos Espíritos (KARDEC, 2009a). Entretanto, existem várias correntes bastante distintas, como a Umbanda e o Budismo, por exemplo, que acreditam nesses dois preceitos. Contudo, nem todos os espíritas kardecistas aceitam ser classificados na mesma categoria que esses, estabelecendo diferenças de correntes. Na Grécia antiga, mais de três séculos antes de Cristo, Sócrates e Platão já enunciavam em sua doutrina conceitos como a distinção entre o principio material e imaterial, representado pela encarnação de uma alma no corpo de um homem, o principio da reencarnação e os diferentes graus de materialização e desmaterialização da alma. Para Platão, viver para o corpo, como fazem as maiorias dos homens, é viver para algo que está destinado a morrer, ao contrário disso, viver para a alma é viver para algo eterno. É uma vida devotada a purificar a alma por meio do desapego corpóreo. Ele diz que se nesta vida o justo e o bom são vitimas de um opressor injusto, se chegam ao ponto de terem seus corpos violados, podendo até mesmo perder definitivamente o corpo, eles perdem apenas o que é mortal, ao passo que salvam suas almas para a
  • 14. 13 eternidade (REALE, 1997). Por isso a importância de se preocupar principalmente com o que diz respeito à alma, já que, da mesma forma que nosso corpo físico carrega as marcas dos acidentes e dos cuidados tomados com ele, a alma irá carregar os traços de nosso caráter. Tal visão, provavelmente, levou Sócrates a defender que era mais importante receber do que cometer uma injustiça. Um ponto importante na filosofia platônica, para este estudo, trata do destino da alma após a separação do corpo. Como não conseguiu utilizar apenas o logos para responder essa questão, Platão valeu-se também dos mitos, apesar de dizer que eles não devessem ser tomados ao pé da letra, e sim como uma alusão ao transcendente. Platão diz que o homem está na terra como passagem, e que essa existência terrena é uma provação. Para ele a verdadeira vida está no além, no Hades. Lá, a alma é julgada por seu senso de justiça, pelas injustiças cometidas e por suas virtudes e seus vícios. Para os juízes do Hades, todas as almas eram julgadas da mesma forma, não importando se eram reis e rainhas ou os mais rebaixados servos (REALE, 1997). Portanto, para Platão: E é necessário que com essas crenças façamos como um encantamento a nós mesmos: e é por isso que desde muito tempo me ocupo com esse mito. Por esse motivo deve ter muita confiança com respeito à sua alma o homem que durante a sua vida, renunciou aos prazeres e aos adornos do corpo, considerando-os coisas que não lhe dizem respeito e pensando que só fazem mal; e ao contrário, preocupou-se com as alegrias do aprender e, tendo ornado a sua alma não com ornamentos exóticos, mas com ornamentos que lhe são próprios, isto é, de sabedoria, justiça, fortaleza, liberdade e verdade, assim espera a hora de tomar o caminho do Hades, pronto para partir quando o destino o chamar. (PLATÃO apud REALE, 1997, P. 195). Sobre a reencarnação Platão desenvolveu um modelo em Fédon, no qual diz que as almas que devotaram uma vida inteira aos prazeres e impulsos corporais, no momento da morte não conseguem separar-se totalmente de seu corpo, já que esse se torna quase conatural (REALE, 1997). Assim, essas almas, com medo do Hades, vagam entre os sepulcros, até que os desejos corpóreos as atraem para o corpo de outros homens e até mesmo de animais. Na Índia podemos encontrar o Hinduísmo, uma das religiões mais antigas do mundo, que embora não tenha uma data especifica que marque seu inicio, tem registros
  • 15. 14 arqueológicos que datam de mais de 4.000 anos atrás. O hinduísmo, como foi denominado por estudiosos ocidentais no século XIX, é conhecido por seus seguidores como sanatana dharma, que significa “lei eterna” ou “ensinamento perpétuo”. Cerca de dois terços dos 700 milhões de Hindus vivem na Índia e em países vizinhos, como o Paquistão, embora possamos encontrar seguidores dessa crença em vários países do mundo, como por exemplo, na Inglaterra e Estados Unidos (GARNERI, 1998). O Hinduísmo é uma religião prática e flexível, podendo ser adaptada à realidade de seus devotos. Alguns podem realizar cultos e práticas religiosas todos os dias, outros podem se abster de participar de qualquer cerimônia formal. Contudo, algumas crenças são comuns a todos os seguidores, por exemplo, a lei de reencarnação. Os hindus acreditam que após a morte do corpo físico o espírito terá que reencarnar em um corpo humano ou animal. O ciclo de morte e renascimento é conhecido com samsara. O objetivo da prática hindu é se libertar desse ciclo, atingindo a iluminação espiritual, conhecida como Moksha, ou a salvação. Para isso, os hinduístas devem ter uma vida devotada à bondade, renascendo em formas mais adiantadas, se aproximando assim, da iluminação ou salvação. Os hindus vivem de acordo com o código de conduta ética chamado de dharma, que prega essencialmente a bondade. Praticando os ideais do dharma o seguidor desses ensinamentos terá um bom carma, que é um tipo de lei de “ação e reação”, ou seja, pratique o mal e o mal virá para você em retribuição, pratique o bem e colha bons frutos em sua vida presente e futura. No Budismo, que hoje está difundido por grande parte do globo, a crença nos espíritos, na reencarnação e no carma também é amplamente estudada. Allan Wallace (2001), monge budista de origem americana e tradutor oficial do Dalai Lama, diz que no Tibete é muito comum fazer oferendas aos espíritos dos desencarnados. Ele diz que essa é a primeira ação realizada quando os monges iniciam o retiro de meditação, e que essa pratica é levada muito a sério. Para ele, a crença nos espíritos é muito difundida ao redor do mundo, em diferentes culturas, e a descrença na maior parte vem de materialistas. Para os budistas a morte não é o fim de tudo, mas apenas uma transição ou uma etapa de nosso amadurecimento espiritual. O estado natural do espírito humano não é em posse de um corpo, pelo contrário, para eles o apego ao corpo físico é apenas uma fonte de sofrimento mental. Segundo o budismo, a morte é muito confusa para aqueles que se agarram à ilusão de ser apenas um corpo físico. De acordo com esta crença, a pessoa após morrer pode ficar um longo período de tempo sem estar convencida de que
  • 16. 15 esta morta. Wallace (2001) diz que a pessoa despreparada assume uma forma mental semelhante a estar em um sonho, alimentando a ilusão de que ainda tem um corpo. Ele diz que essa pessoa despreparada, ao morrer, ainda está ciente de todas as pessoas a sua volta e pode até mesmo tentar comunicar-se com elas. A lucidez seria um elemento essencial para o indivíduo encarar a “vida após a morte” com mais consciência. Para o budismo tibetano essa lucidez nos dará a oportunidade de escolhermos uma reencarnação com mais sabedoria, ao invés de sermos impulsionados pela força de nossos hábitos. A crença no código de ética chamado de dharma também é presente no Budismo, e assim como no Hinduísmo o significado é o mesmo. Sobre isto, é interessante considerar as palavras de Wallace (2001); O dharma é a realidade que as palavras apontam. Gentileza amorosa, sabedoria, quietude, generosidade e virtude são o dharma. Os estudiosos acreditam com freqüência que tanto maior sua biblioteca, mais budismo eles assimilaram, porém o dharma é a realidade, não as palavras em uma página. Portanto não confie nas palavras confie no significado. (WALLACE, 2001, p. 240) A descrição da filosofia de Platão e de princípios hinduístas e budistas tem como objetivo realçar que a há uma crença comum na alma imaterial e na possibilidade de sua reencarnação que não se restringe ao universo do Espiritismo kardecista. Podemos acrescentar aos exemplos anteriores o caso dos negros trazidos da África para servirem como escravos no Brasil, que trouxeram também um vasto conhecimento espiritualista que tem como pressuposto a existência de espíritos e da sua possibilidade de comunicação com os vivos. Durante o processo de colonização, este grupo fez surgir uma nova religião afro-brasileira, sincrética e que agrega elementos católicos e indígenas. Para o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva (1994), a religiosidade surgida no Brasil, pela ação dos negros escravos, tem suas origens no catolicismo do colonizador, nas crenças indígenas que já estavam aqui e, principalmente, nas diferentes religiões das várias etnias africanas que foram trazidas para cá. O encontro entre três formas de espiritualidade, no qual santos católicos se misturavam com batuques africanos e no qual um sacerdote, com suposto poder mágico, poderia manipular objetos como pedras, ervas e amuletos, fazer sacrifícios de animais, realizar rezas e invocações secretas, e assim entrar em contato com os espíritos divinos de seu panteão. Poderia
  • 17. 16 também prever o futuro, promover curas mágicas através da manipulação de energias ocultas, melhorar a sorte e transformar o destino das pessoas. Essa foi, segundo Roger Bastide (1971), a ressurreição da África em território brasileiro, com seus ritos, sacerdotes e até mesmo realezas. Ele diz que para compreender as religiões afro-brasileiras nós devemos examiná-las sobre um duplo aspecto: primeiramente pela dualidade estrutural entre senhores e escravos, e depois pela multiplicidade de diferentes crenças entre os negros, que estava dividida em confrarias religiosas rivais, como a dos africanos, a dos crioulos e a dos mulatos. A ruptura entre o mundo dos símbolos e a estrutura social nativa da África, fez com que a religião, que para Bastide (1971) subsiste como crença e sentimento, tivesse que se adaptar a uma nova realidade, criando novas formas de organização. O primeiro momento da recriação foi a aceitação e adaptação à realidade cristã permitida, já o segundo momento foi o da criação. Os filhos e filhas de santo não eram numerosos o suficiente para manter, no contexto do Brasil colonial, confrarias separadas. Portanto eles tinham que se reunir em um mesmo núcleo, à medida que as condições demográficas e as quebras de linhagens nativas africanas permitissem. Eles se organizaram, aos poucos, e sobre categorias místicas, em sistemas de inter-relações hierárquicas, no interior de um mesmo grupo, segundo a aproximação de cada um com o sagrado. Finalmente, vale lembrar que o próprio Kardec admite que grande parte dos princípios espíritas podem ser observados em várias culturas ao redor do mundo e também em culturas antigas ou arcaicas. A existência dos Espíritos, e sua intervenção no mundo corpóreo, está atestada e demonstrada não mais como um fato excepcional, mas como um princípio geral, em Santo Agostinho, São Jerônimo, São João Crisóstomo, São Gregório Nazianzeno e tantos outros Pais da Igreja. Essa crença forma, além disso, a base de todos os sistemas religiosos. Admitiram na os mais sábios filósofos da Antigüidade: Platão, Zoroastro, Confúcio, Apuleio, Pitágoras, Apolônio de Tiana e tantos outros. Nós a encontramos nos mistérios e nos oráculos, entre os gregos, os egípcios, os hindus, os caldeus, os romanos, os persas, os chineses. Vemo-la sobreviver a todas as vicissitudes dos povos, a todas as perseguições e desafiar todas as revoluções físicas e morais da Humanidade. Mais tarde a encontramos entre os adivinhos e feiticeiros da Idade Média, nos Willis e nas Walkírias dos escandinavos, nos Elfos dos teutões, nos Leschios e nos Domeschnios Doughi dos eslavos,
  • 18. 17 nos Ourisks e nos Brownies da Escócia, nos Poulpicans e nos Tensarpoulicts dos bretões, nos Cemis dos caraíbas, numa palavra, em toda a falange de ninfas, de gênios bons e maus, nos silfos, gnomos, fadas e duendes, com os quais todas as nações povoaram o espaço. Encontramos a prática das evocações entre os povos da Sibéria, no Kamtchatka, na Islândia, entre os indígenas da América do Norte e os aborígenes do México e do Peru, na Polinésia e até entre os estúpidos selvagens da Nova Holanda. (KARDEC, 2004a, p. 24 e 25). Contudo, foram nas diversas “manifestações” modernas que o espiritualismo voltou a ser assunto de estudo nos países de cultura judaico-cristã. É correto dizer, ao contrário do que muitos acreditam, que não foi Allan Kardec quem fundou o Espiritismo moderno, embora ele tenha sistematizado uma nova doutrina que convencionamos chamar de Espiritismo. A data estabelecida como marco histórico do surgimento do Espiritismo moderno é 1848, quando ocorreram em Hysdesville, nos Estados Unidos, fenômenos que podemos classificar como sobrenaturais, na casa da família Fox (RIGONATTI, 1986; DALLEGRAVE, 1999). Além do caso da família Fox, que marca o surgimento do movimento espiritualista nos Estados Unidos, em meados do século XIX, em uma época marcada pelo positivismo e pela recente criação de ciências como geologia, astrologia e micro- biologia, vários fenômenos que até então eram considerados inexplicáveis, ou produzidos artificialmente por pessoas maliciosas, começaram a ocorrer ao redor do mundo e simultaneamente. Eles foram amplamente observados e divulgados pelo publico e pela mídia. A partir disso, vários grupos realizaram estudos independentes sobre o assunto e a trocaram informações. Allan Kardec faz seu relato sobre estes fenômenos que surpreenderam o imaginário do Século XIX: As primeiras manifestações inteligentes ocorreram por meio de mesas se levantando e batendo, com um pé, um número determinado de pancadas e respondendo desse modo, sim e por não, segundo a convenção, a uma questão posta. [...] Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas por meio das letras do alfabeto: o objeto móvel, batendo um número de pancadas correspondente ao número de ordem de cada letra, chegava assim a formular palavras e frases que respondiam às questões propostas. A precisão das
  • 19. 18 respostas, sua correlação com a pergunta, aumentaram o espanto. O ser misterioso que assim respondia, interrogado sobre sua natureza, declarou que era um espírito ou gênio, se deu um nome e forneceu diversas informações a seu respeito. (KARDEC, 2009a, p. 12). O desenvolvimento do pensamento espiritualista na França ganha uma força impressionante pelas mãos de Allan Kardec, personalidade que nos interessa em especial neste trabalho, dentre outras coisas por ter seu nome diretamente relacionado à corrente espiritualista que talvez seja a mais difundida no Brasil: o Espiritismo. 1.2 – Allan Kardec, o fundador de uma Doutrina Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em 1804, na cidade de Lyon, na França, e adotou o pseudônimo Allan Kardec para assinar seus estudos espíritas. Para o antropólogo Emerson Giumbelli (1997), Kardec estaria longe do perfil recorrente de um líder religioso: formou-se como educador, não teve sua vida marcada por nenhum acontecimento místico e aproximou-se dos fenômenos associados ao espiritismo com ceticismo e curiosidade, declarando adotar critérios científicos em seus estudos que levaram à construção da doutrina espírita. Allan Kardec, ao declarar que o sobrenatural não existe, estaria assumindo a mentalidade cientificista que marcou sua época e o Espiritismo kardecista. Segundo Doyle (2004) entidades extra-físicas de categoria moral superior teriam entrado em contato com Allan Kardec para estabelecerem comunicações regulares e permitir que ele desempenhasse uma importante missão religiosa. Kardec então elaborou uma série de perguntas relacionadas às diversas questões da humanidade, que eram respondidas por esses espíritos superiores. Ele tomou nota de todas as respostas, e depois de dois anos destas comunicações afirmou que suas convicções haviam mudado completamente, e desejava publicar todo o conteúdo obtido com essas entidades. Foi quando esses mesmos espíritos lhe disseram que os ensinamentos foram transmitidos a ele justamente para serem divulgados ao mundo. Eles também lhe disseram que essa missão havia sido confiada a ele pela Providência Divina e que o livro deveria se chamar “O Livro dos Espíritos”. Esse livro foi publicado em 1856 e tornou-se obra básica da doutrina espírita de base kardecista. Seguem-se a este livro o “O Livro dos Médiuns” que tenta estabelecer as formas de comunicação entre o mundo carnal e espiritual e suas leis e condições, “O
  • 20. 19 Evangelho Segundo o Espiritismo” que apresenta o estatuto moral da doutrina, “O Céu e o Inferno” que trata sobre a lei de causa e efeito, demonstrando as penas e gozos nos dois mundos estudados pela doutrina e “A Gênese, os milagres e as Predições” que abrange desde a formação do planeta até a futura evolução terrena, prevista em suas páginas (VIVEIROS DE CASTRO, 1985). „ Em seus escritos, Kardec ressaltou que o Espiritismo não é apenas uma religião, sendo ao mesmo tempo, uma filosofia e uma ciência. Para ele, as comunicações que disse ter com os espíritos não eram pura especulação e sim evidências cientificas. Em suas obras é recorrente a comparação dos estudos espíritas com os estudos de outras ciências positivas. Vemos aqui um exemplo: Como meio de elaboração, o Espiritismo procedeu exatamente do mesmo modo que as ciências positivas, quer dizer, aplica o mesmo método experimental. Fatos de uma nova ordem se apresentam e não podem se explicar pelas leis conhecidas; observa-os, compara-os, analisa-os, e dos seus efeitos remontando às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz suas conseqüências e procura suas aplicações úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida; [...] É, pois, rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma ciência da observação, e não produto da imaginação. As ciências não tiveram progresso sério senão depois que seu estudo se baseou no método experimental; mas até esse dia, acreditou-se que esse método não era aplicável senão à matéria, ao passo que o é, igualmente, às coisas metafísicas. (KARDEC, 2008ª, p. 11 e 12). Ao mesmo tempo, podemos observar que o Espiritismo kardecista se enquadra na ideologia da ética cristã, mesmo entrando em conflito com vários dogmas da Igreja Católica, como por exemplo, as penas eternas após a morte, a reencarnação e a gênese do mundo. Para os seguidores do Espiritismo, seus ensinamentos são “A Terceira Revelação”, sendo a primeira o Velho Testamento da Bíblia e a segunda o Novo Testamento. Para eles, Jesus Cristo é um espírito superior que encarnou na terra com a missão de nos auxiliar em nossa evolução espiritual. Outros espíritos superiores que Allan Kardec disse ter contato foram Descartes, Platão e Aristóteles, dentre outros. 1.3 - Kardecismo no Brasil e suas Formas de Difusão Para Emerson Giumbelli (1997), embora estudiosos brasileiros da religião considerem que o Espiritismo no Brasil assumiu um caráter mais religioso do que científico, dando maior ênfase aos princípios do evangelho, da caridade e da cura, essa
  • 21. 20 visão não se sustenta porque estes princípios se encontram também nas formulações de Kardec e são facilmente justificáveis por meio de recursos da ciência. No Brasil, pode-se dizer que o Espiritismo teve seus antecessores nos médicos que praticavam a Homeopatia. Em especial, podemos citar o médico francês Benoît Jules Mure, que desembarcou no Rio de Janeiro no ano de 1840, e introduziu no Brasil a Homeopatia (AZEVEDO, 2008). Mure procurava atender, através da criação de ambulatórios, principalmente aqueles que não tinham acesso à medicina da corte. Em 1843 funda no Rio de Janeiro o Instituto Homeopático do Brasil e junto com o médico português, naturalizado brasileiro, João Vicente Martins, cria ambulatórios destinados ao atendimento de escravos e excluídos. Esse tipo de tratamento que envolvia a “energia vital” atraiu o interesse de personalidades como José Bonifacio, patriarca da independência. (AZEVEDO, 2008, p. 36). A relação desses médicos não é com a doutrina espírita em si, mas ao trabalhar com conceitos de cura através da energia vital, os estudiosos e praticantes da homeopatia entenderam o que, mais tarde, Kardec introduziria em seus livros. Sobre a homeopatia é interessante ver parte da epígrafe do estudo de Azevedo (2008) “Samuel Hahnemann, o criador da Homeopatia, definiu um processo semelhante [ao da alquimia] de liberação de energia, através da transmutação de determinados elementos pela água, método igualmente hoje questionado pelo „establishment científico‟, que, como não consegue explicar a existência de um princípio curativo numa diluição acima do número de Avogadro, preferiu colocá-lo como algo pertinente aos domínios da fé. Define-se, dentro de uma visão reducionista tecnicista clássica, que os resultados inexplicáveis simplesmente não existem, apesar das evidências nos dados experimentais.”. (AMORIN apud AZEVEDO, 2008). Em julho de 1864 Allan Kardec publica na Revista Espírita – revista dedicada à divulgação da doutrina espírita, fundado em 1858 – artigo que, dentre outras coisas, aborda os sensíveis progressos feitos no Rio de janeiro, no que diz respeito ao avanço e estabelecimento da doutrina. Diz também que a tradução de sua brochura intitulada “O Espiritismo em sua mais simples expressão”, traduzida para português, contribui muito para a difusão da doutrina e que a cidade conta com expressivo número de representantes, fervorosos e devotados. (KARDEC, 2004b, p. 289 e 290). Entre as diversas Sociedades de estudo e difusão da doutrina espírita no Brasil podemos destacar a ação de indivíduos para a promoção da união dos espíritas
  • 22. 21 brasileiros, que se dividiram em duas formas distintas de pensamento, uma dita cientifica e a outra com cunho místico ou religioso. Os místicos supervalorizavam o lado religioso da doutrina e rivalizavam com os científicos, que a entediam como ciência, filosofia e moral. Essa divergência foi a maior responsável pela desunião dos espíritas no século XIX e primeira metade do XX. Em 1881 A Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade promoveu o 1° Congresso Espírita Brasileiro, na tentava de reunir todos os espíritas da capital (na época o Rio de Janeiro) e do país. O congresso resultou na criação do Centro de União Espírita, a primeira instituição com o objetivo de unificar os espíritas no Brasil. (QUINTELLA1). Este Centro passou a ser dirigido Angeli Torteroli, que tinha uma perspectiva científica da doutrina, e alguns autores acreditam que possa ter havido um boicote por parte dos seguidores místicos. Os “representantes fervorosos e devotados do espiritismo brasileiro”, como os denominou o próprio Kardec, investiram desde o Século XIX na criação de uma imprensa espírita. Em 1869 foi criado na Bahia o “Écho d‟Além Túmulo” por Luís Olímpio Teles de Menezes e em 1883 Augusto Elias da Silva lança o periódico espírita “O Reformador” que é, atualmente, o periódico espírita mais antigo do Brasil e o quinto mais antigo do mundo. No dia 27 de dezembro de 1883, Augusto Elias da Silva se reuniu com os contribuidores que o ajudavam no “O Reformador”, e em janeiro de 1884 é fundada a FEB – Federação Espírita Brasileira – que teve como proposta ser um campo neutro para espíritas científicos e místicos, além de atuar até os dias de hoje na divulgação da doutrina. (QUINTELLA). Segundo Quintella, o objetivo era criar uma instituição que não tomasse partido nem dos espíritas ditos místicos nem dos que se consideravam científicos. O primeiro presidente da federação foi o Marechal Ewerton Quadros. Logo depois, o periódico “O Reformador” foi transformado por Augusto Elias no órgão oficial da FEB. Após a transferência de Ewerton Quadros para o Goiás, o médico Bezerra da Menezes foi convidado a ocupar o lugar deixado pelo Marechal. A escolha de Bezerra de Menezes foi feita com o intuito de que sua “força moral” ajudasse a unificar os espíritas. Bezerra de Menezes se tornou “celebre” no meio espírita brasileiro. O médico, e deputado de família cearense, chocou a sociedade carioca com sua conversão ao 1 Data de publicação não mencionada, texto disponível em: http://pt.scribd.com/doc/14004738/Mauro- Quintella-Historia-do-Espiritismo-no-Brasil
  • 23. 22 Espiritismo. Diante de uma platéia de duas mil pessoas declarou sua adesão oficial ao Espiritismo, acontecimento que tomou uma proporção ainda maior devido ao fato de ter sido registrado e divulgado pela imprensa, através do telégrafo. Bezerra de Menezes, que é conhecido até hoje, por muitos espíritas como o “médico dos pobres”, havia tido seu primeiro contato com o Espiritismo através do já mencionado “O Livro dos Espíritos” de Kardec. Mesmo com os esforços de Bezerra de Menezes em seu primeiro mandato como presidente da FEB, no sentido de unificar as duas correntes de pensamento espírita, a desunião prevaleceu. Em abril 1894, durante a presidência de Francisco Dias da Cruz, os “espíritas científicos” abandonaram a FEB e fundaram o Centro de União Espírita de Propaganda do Brasil. Em agosto de 1895 Bezerra de Menezes volta à presidência da FEB, e com a federação sobre o comando místico do médico, inicia-se uma batalha ideológica entre a FEB e o Centro da União, com Bezerra à frente dos místicos e Angeli Torteroli à frente dos científicos. O resultado foi o fim do Centro de União em 1897, após dois anos com os dois lados publicando artigos se criticando. Em abril de 1900, Bezerra de Menezes faleceu e foi sucedido na presidência da FEB por Leopoldo Cirne, que começou uma ampla reforma nas bases da Federação acreditando que seria mais importante tentar unificar espíritas científicos e místicos em uma só instituição. (QUINTELLA). Em 1904 a FEB publicou edições populares das obras de Allan Kardec e no ano de 1938 é publicado, pelas mãos do médium Chico Xavier, um livro que segundo Quintella causou grande polêmica dentro do meio espírita, intitulado “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, o livro exaltava, entre outras coisas que Quintella considera questionável, o papel da FEB no Espiritismo brasileiro. Em 1943 dá início à série de livros que, segundo ele, foram ditados pelo espírito do médico desencarnado André Luiz. Essa série que, supostamente, conta a “vida após a morte” já foi traduzida para várias línguas e publicada em diversos países. Chico Xavier escreveu/psicografou mais de 400 livros, em setenta anos, que contribuíram para a difusão da doutrina. Outro fato importante para a difusão do Espiritismo no Brasil foi a criação, em 1948, do departamento editorial da FEB, pelo então presidente da instituição, Wantuil de Freitas. A iniciativa foi seguida por outras editoras, e a capacidade de editoração de livros, jornais e revistas do movimento espírita foi ampliada enormemente. (SOUZA, 2000, p. 11).
  • 24. 23 Atualmente, a divulgação do Espiritismo no Brasil vem se dando por intermédio de publicações especializadas, programas de rádio, filmes de temática espírita e, mais recentemente, pela Internet. Entretanto, a dicotomia entre o Espiritismo ser uma esfera religiosa que se faz entender por meio de um discurso mítico e sagrado ou uma esfera científica, cujo discurso é marcado pelo racionalismo permanece como um tema que merece reflexão. As discussões sobre a evolução humana, sobretudo nas formas contemporâneas que vemos circular a partir do surgimento e expansão do uso da informática e da Internet sugerem que vale retomar este debate, cortejando velhos e novos parâmetros, o que pretendemos fazer o capítulo seguinte.
  • 25. 24 2 - DOIS DISCURSOS SOBRE A POSSIBILIDADE DE EVOLUÇÃO HUMANA Dentro da perspectiva social européia vigente até o surgimento do Iluminismo, o mito e o sagrado eram superiores ou anteriores a todos os outros conhecimentos. Basicamente, toda a comunicação e toda construção social (no sentido de manutenção da sociedade) era derivado do pensamento religioso. Contudo, no século XVI uma série de acontecimentos, dentre os quais podemos citar o surgimento da imprensa, a reforma protestante e o renascimento cultural, levaram a uma nova forma de pensar que foram em direção distinta do pensamento teológico da Igreja Católica, uma vez que os textos bíblicos pararam de ser referência para pesquisadores científicos. O modelo moderno de experimentação científica encontrou o “solo fértil” para seu desenvolvimento nas ciências naturais, e no século XIX ela também pautou os campos de pesquisa das ciências sociais (SOUSA SANTOS,1987, p.10). Essa corrente de pensamento acabou por instituir seus próprios dogmas ou paradigmas e, de acordo com Sousa Santos (1987), esse modelo de racionalidade científica criou fronteiras para se “proteger” contra a contaminação de duas formas de pensamento classificadas como irracionais; o senso comum e os estudos humanos, que incluem estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos. Dentro de sua argumentação, Sousa Santos defende que a característica fundamental desse pensamento é o seu modelo totalitário, já que “nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas” (SOUSA SANTOS, 1987, p.11). Apesar de no século XIX já existirem novos estudos que ligam a razão à questão de Deus e do sentimento, a visão aceita ainda era a do método positivista extremamente rigoroso. É nesse contexto, no qual o mundo era cada vez mais explicado de forma objetiva, que crescia a angústia interna em relação à falta de explicações sobre a questão da subjetividade. Não existia a ciência da pessoa e o “saber cientifico reduziu à migalhas as mitologias que unem o homem ao mundo e que abriram um vazio sem poder mesmo propor uma inteligibilidade geral.” (MORIN, 1977, p. 121) A marcante ruptura que ocorreu em relação ao pensamento positivista foi o estudo que Einstein realizou e que resultou na física quântica. Através de suas contribuições na astrofísica e mecânica quântica, Einstein conseguiu provar que o rigor
  • 26. 25 das leis de Newton e a metodologia experimental positivista era suscetível à erros que relativizavam os resultados científicos. (SOUSA SANTOS, 1987) Sousa Santos (1987) nos lembra que as leis de todas as ciências naturais eram baseadas no rigor matemático. Contudo, Gödel prova através do teorema da incompletude que a própria matemática não possuía o fundamento que era atribuído a ela. Até mesmo conceitos aristotélicos como potencialidade e virtualidade, que o positivismo tinha desacreditado, foram recuperados pelos novos estudos. Uma contribuição da ciência pós moderna para o pensamento contemporâneo, é a reflexão sobre a segmentação e quantificação do objeto de estudo. Essa reflexão tem como objetivo mostrar os danos causados pela segmentação do pensamento científico, que dividido em um grande número especializações prejudicou a visão do todo. O rigor cientifico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objectivar os fenómenos, os objectualiza e os degrada, que, ao afirmar a personalidade do cientista, destrói a personalidade da natureza (SOUSA SANTOS, 1987, p. 32). Para Sousa Santos (1987), a importância maior desta teoria está em que ela não é fenômeno isolado. Faz parte de um movimento convergente, pujante, sobretudo a partir da última década, que atravessa as várias ciências da natureza e até as ciências sociais, um movimento de vocação transdisciplinar. Na perspectiva de Edgar Morin (1977), esse pensamento, que foi validado através das evidências empíricas fornecidas por Einstein e outros pesquisadores, já vinha sendo elaborado culturalmente e socialmente com a metamorfose das culturas de massa, constituindo, assim, a “nova gnose”, na qual a quiromancia e o espiritismo pretendem construir a ciência do futuro das pessoas. Para ele “Todas estas contribuições são imersas em um banho de religiosidade, de mistério, de misticismo difuso, e seu traço comum é não separar a pessoa do cosmos.” (MORIN, 1977, p. 121). Estes autores defendem o surgimento de uma nova forma de pensar o saber científico em todas as áreas, embora ainda não tenha sido absorvida de forma hegemônica. É importante ressaltar que essa quebra de paradigma afetou, embora de forma desigual, todas as áreas do conhecimento, inclusive a comunicação. Dentro da lógica positivista, que atingia todas as áreas do conhecimento, a comunicação deveria ser reduzida a uma questão de “estímulo e resposta”, contudo esse novo paradigma da
  • 27. 26 ciência pós moderna mostrou, até para as ciências ditas exatas, que todo estímulo e toda resposta depende de uma série de fatores subjetivos. 2.1- Surgimento da Internet, discurso contemporâneo e discurso espírita O desenvolvimento da comunicação mediada por computadores deveu-se, provavelmente, à criação de duas tecnologias que foram os primeiros grandes experimentos nesse sentido. A primeira é a MINITEL, um dispositivo criado pela companhia telefônica francesa no final dos anos 1970. Esse dispositivo ganhou muita popularidade ente os franceses por uma série de motivos. Dentre os quais podemos destacar a facilidade com que poderia ser utilizado e a forma como foi distribuída pelo governo francês em parceria com a companhia telefônica. Contudo, o maior motivo de sua popularidade foi o surgimento das salas de bate papo e da sua utilização como “tele- sexo”. Apesar da difusão de seu uso, o sistema era muito obsoleto e rudimentar, do ponto de vista técnico. (CASTELLS, 1999). A outra tecnologia que antecedeu a Internet foi a ARPANET, um sistema desenvolvido como estratégia militar em 1969. Ela foi concebida para ser um sistema de comunicação que continuaria sendo eficaz em caso de ataque nuclear. Para isso ela deveria funcionar em uma rede descentralizada e não em um servidor físico instalado em uma central. Várias redes foram criadas baseadas na ARPANET, a maioria com objetivos científicos e, durante a década de 80 foram agrupadas em uma única rede; a ARPA-INTERNET, mais tarde conhecida como Internet. A historia da Internet foi marcada pelo surgimento da World Wide Web, ou www, que permitiu uma maior usabilidade do sistema. Outro marco foi a fusão da mídia de massa com a comunicação mediada por computadores que, conforme nos lembra Castells (1999, p. 38), permitiu estender “o âmbito da comunicação eletrônica para todo o domínio da vida. Ainda de acordo com Castells (1999), uma das características mais marcantes do novo sistema é o fato de apresentar não somente a realidade virtual, mas a virtualidade real. Ele explica que real é aquilo que é material ou palpável e virtual aquilo que é uma representação simbólica de algo real. Dessa forma, todos os meios de comunicação apresentariam a realidade virtual, pois todos eles representam, por símbolos, a realidade. A diferença que a Internet apresenta é a virtualidade real, na qual representações simbólicas da realidade são consideradas reais. Pierre Lévy (1999) define, em seu livro “Cibercultura”, diversos “conceitos
  • 28. 27 chave” para entender o fenômeno da Internet. É importante destacar, primeiramente, o conceito de ciberespaço como meio de comunicação. Esse tipo de meio é denominado muitas vezes como comunicação mediada por computadores ou CMC. O termo ciberespaço, contudo, define não apenas o meio material e técnico decorrente da conexão entre computadores, mas também o espaço virtual das informações e os atores que dela participam. Já por cibercultura entende-se o conjunto de praticas e formas de pensamentos decorrentes do meio. Outros conceitos importantes com os quais passamos a conviver com o surgimento da Internet são o de interface e hiperdocumento. Interface refere-se a um intermediário entre o ser humano, e o meio digital. É por meio da interface que executamos os comandos que desejamos e recebemos de volta as informações decorrentes. Hiperdocumento é um conjunto de informações, sejam elas sonoras, visuais ou textuais e as ligações ou links entre elas. Também conhecido como hipertexto, esse conceito engloba tanto o CD-ROM como todo o ambiente da web. Para absorver as informações contidas no hipertexto temos que navegar por ele de maneira não-linear, devido à sua estrutura. A interatividade é outro ponto importante pra entender a Internet. Ela pode ser medida pela possibilidade do usuário interferir no formato original da informação e pela possibilidade de alterá-la, contribuir com a fonte desse conteúdo e construir novas informações. Recuero (2009) fala sobre diversos aspectos da interação social no ambiente online, incluindo os comportamentos ou dinâmicas praticadas entre os usuários ou comunidades desse meio. Ela divide essas dinâmicas em três grandes grupos: o primeiro ela chama de “cooperação, competição e conflito”. Cooperação é a relação de apoio entre os usuários ou comunidades, com o objetivo de construir, agregar, aconselhar, etc. A competição pode ter um caráter positivo ou negativo. Em alguns casos, a competição tem como objetivo decidir o melhor rumo para uma comunidade ou a melhor solução para um problema, então dessa forma seria apenas uma etapa da cooperação. Em outras situações, ela tem como objetivo a imposição de um determinado ponto de vista, então, nesse caso, ela seria uma etapa do conflito. O conflito é caracterizado pela agressividade e hostilidade. Ao contrario da competição, que pode ter um aspecto positivo, o conflito tem como objetivo a “derrota da oposição”, seja ela dentro de um grupo de discussão sério ou em um blog para adolescentes. O segundo grupo, “ruptura e agregação”, é uma conseqüência, para as
  • 29. 28 comunidades online, dos três tipos de comportamento descritos acima. Um conceito importante que Recuero (2009) menciona é o de “conectores”, que são usuários da Internet que, por possuírem mais conexões, tem uma influência maior sobre o meio em que atuam. O último grupo é “adaptação e auto organização” que se refere a comportamentos essenciais para manutenção e conseqüente sobrevivência das redes sociais em um ambiente maleável e dinâmico como o da Internet. O desenvolvimento tecnológico da Internet é relatado por alguns autores como Pierre Lévy (1999) como um grande avanço, não só para os sistemas de comunicação, mas também para a sociedade como um todo. A Internet, que é a espinha dorsal da comunicação global mediada por computadores, oferece a possibilidade da integração de diversos tipos de mídias em um suporte único, o suporte digital (CASTELLS, 1999). Ela também oferece a possibilidade de integrar diversos setores da sociedade em um mesmo espaço no qual os saberes individuais podem entrar em sinergia na construção de um conhecimento comum. De acordo com Pierre Lévy (1999), o melhor uso possível do ciberespaço é a possibilidade de colocar em sinergia saberes, imaginações e energias espirituais dos que estão conectados. A inteligência coletiva, um dos princípios da cibercultura, corresponderia à sua perspectiva espiritual e, por isto, seria sua finalidade última. Isso não é possível em um contexto em que a Internet é privilégio de poucas pessoas. Entretanto, o crescimento do acesso à Internet talvez nos permita pensar na construção futura de outro contexto. De acordo com Castells (1999), em 1973 havia 25 computadores ligados à rede. Ao longo da década de 1970 esse número cresceu para 256 computadores. No início da década de 1980, após aperfeiçoamentos significativos, a Internet estava disponível para 25 redes apenas, conectando centenas de computadores e alguns milhares de usuários. Em meados da década de 1990 o número de usuários já tinha atingido a marca de 25 milhões, conectados por 3,2 milhões de computadores em 44 mil redes. Segundo o chefe da União Internacional de Telecomunicações (UIT), Hamadun Touré, em nota publicada no site G12. Ainda no início do ano 2000, havia 250 milhões de usuários na Internet, já em janeiro de 2011 o número de usuários de Internet, no mundo inteiro, já tinha crescido para dois bilhões de usuários. 2 Texto disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/01/numero-de-usuarios-de- internet-no-mundo-alcanca-os-2-bilhoes.html
  • 30. 29 Apesar de ter sido inicialmente desenvolvida por cientistas ligados ao poder estatal e militar americano, seu aperfeiçoamento e popularização andaram lado ao lado com a ideologia anarquista dos primeiros hackers, ligados aos cyberpunks. Isso foi importante para direcionar a Internet para uma perspectiva mais comunitária e, talvez, mais libertária. De acordo com Lévy (1999), os primeiro computadores que surgiram em 1945, na Inglaterra e Estados Unidos, eram calculadoras programáveis que podiam armazenar programas. Esse dispositivo ficou durante muito tempo reservado aos militares para cálculos científicos, contudo seu uso civil disseminou-se na década de 1960. Na Califórnia havia um verdadeiro movimento social nascido na efervescência da “contracultura”, que tomou posse das novas possibilidades técnicas e inventou o computador pessoal. Segundo Lemos (2008) os cyberpunks defendem que a informação deve ser livre, o acesso aos computadores deve ser ilimitado e total. Têm como lema “Desconfie das autoridades, lute contra o poder; coloque barulho no sistema, surfe nessa fronteira, faça você mesmo” (LEMOS, 2008, p. 187). Portanto, é difícil pensar na Internet apenas como um meio de comunicação, uma vez que ela apresenta toda uma série de relações e de valores próprios que podem se configurar em uma nova forma de cultura. A cibercultura, como um movimento cultural e social, surgiu dentro do “território” do ciberespaço, que não representa apenas o meio técnico da Internet, mas também os agentes envolvidos em sua elaboração. O ciberespaço é definido como um novo meio de comunicação, que surgiu através da interconexão mundial de computadores. Esse termo serviria para definir a infra-estrutura material da comunicação digital, e também todas as informações que ela abriga, além das pessoas que navegam e contribuem com a construção desse espaço. Já a cibercultura especifica o conjunto de técnicas intelectuais e materiais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento de valores que são nativas e se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999). De acordo com as análises de Pierre Lévy (2003), o caráter comunitário do ciberespaço teria um papel essencial para o projeto de renovação do laço social e para a inteligência coletiva. Esse projeto, que para muitos pode parecer utópico, pretende estimular novas práticas de relações sociais, com novas relações de trabalho, novas relações políticas, uma nova economia e uma nova relação com o conhecimento, voltadas para o estabelecimento de uma sociedade com a oferta de possibilidades mais
  • 31. 30 justas e mais equilibradas para todos. Esses pontos defendidos por Lévy, nos permite traçar uma linha de ligação com o pensamento do Espiritismo kardecista, para o qual a evolução espiritual de nosso planeta, com uma sociedade mais justa, viria através do esclarecimento do ser humano, não apenas por meio de seu avanço moral, mas também seu avanço intelectual. Avanço moral e o avanço intelectual, segundo Allan Kardec (2009a), foram aspectos apresentados a ele por espíritos que o guiaram na sua a primeira obra. Desta forma, estes dois aspectos são apresentados na doutrina espírita como objetivo para a “evolução” dos seres humanos e da sociedade, consequentemente. Segundo Kardec, os espíritos deram a ele o ensinamento de que a moral e o intelecto não andam, necessariamente, lado a lado. Para Kardec seria exemplo deste ensinamento a existência de indivíduos com uma inteligência aguçada, mas sem nenhum sentimento de compaixão, de amor ou de altruísmo com outras pessoas, da mesma forma que também pode-se encontras outros indivíduos, que embora tenham uma capacidade intelectual reduzida, em comparação com os primeiros, possuem um dom nato em ajudar o próximo. Na visão de Pierre Lévy (2003), o desenvolvimento do ciberespaço funciona como uma ferramenta de integração social, permitindo não apenas a absorção e comunhão dos saberes, mas também um local para realização de ações sociais, democráticas, fraternais, educacionais ou comunitárias. Lévy (2003) defende esse espaço de ações como o que poderia vir a ser a “Democracia em tempo real”. Para ele, uma democracia na qual a única grande participação nossa é um voto, que só pode ser renovado quatro anos depois, não é uma democracia verdadeira. Para ele os grandes problemas atuais da sociedade passam pelo desarmamento, pelo equilíbrio ecológico, mutações da economia e trabalho, ao desenvolvimento dos países do hemisfério sul, educação, miséria e manutenção do laço social. Assuntos que para uma abordagem eficaz iriam envolver um grande número de competências e o tratamento contínuo de um fluxo enorme de informações (LÉVY, 2003). Contudo o funcionamento estatal e as leis que regem a sociedade foram pensados e postos em prática em um mundo muito diferente do que vemos hoje. Antigamente tudo era relativamente estável e a comunicação muito mais simples. Toda a estrutura de decisões em funcionamento nos governos atuais foi pensada de acordo com uma gestão lenta e rígida, baseada na escrita estática. Podemos novamente correlacionar o pensamento de Lévy com a doutrina
  • 32. 31 kardecista. Segundo Kardec (2009a), podemos observar que o grau de avanço espiritual de uma sociedade pode ser medido, com eficácia, pelas leis e costumes que regem sua população e seu governo. Leis brutais de repressão a crimes hediondos, funcionamento burocrático da maquina estatal e utilização injusta dos recursos públicos, evidenciam uma população espiritualmente atrasada, condizente com o contexto em que vivem. Kardec acreditava que as leis sociais são criações que os próprios homens desenvolvem para organizar sua sociedade, mas independente da época em que está inserido, a ética para construção de uma sociedade mais humanitária é a mesma. O que muda são as leis civis, o contexto histórico, político, econômico e cultural. Os rituais e pormenores são criados exclusivamente pelos seres humanos e não por um conhecimento transcendental. Portanto, segundo o pensamento de Kardec (2009a), a “democracia em tempo real” proposta por Pierre Lévy (2003), na qual as técnicas digitais de acesso à informação e a comunicação interativa disponível para todos os cidadãos, que reuniriam suas forças mentais em coletivos inteligentes, para o tratamento cooperativo e paralelo das dificuldades de sua sociedade, representaria um avanço espiritual, intelectual e moral, pois para ser bem sucedido precisaria que toda a população se organizasse para decidir os rumos políticos, econômicos, sociais e ambientais de seus coletivos. O papel do cidadão não seria reduzido a um sim ou um não, as pessoas teriam que tomar posição em frente aos problemas que surgissem, aumentando assim, a responsabilidade de todos nos rumos escolhidos. Essa não é uma solução para curto prazo, já que para a participação eficaz da população inteira na democracia, todos deveriam ter a mesma oportunidade de acesso à cultura e à informação. Toda a estruturação do conhecimento humano teria que ser modificada, para atender às pessoas que hoje se encontram excluídas do acesso à educação, e também para possibilitar que essas pessoas tivessem acesso às novas formas de organização do saber. Esse novo tipo de organização do saber, denominado por Lévy (2003) de cosmopédia, se baseia essencialmente nas novas possibilidades oferecidas pela informática, no que diz respeito à apresentação, à gestão e à acessibilidade do conteúdo. A grande inovação é a seguinte; se enciclopédia significa “círculo de conhecimento”, a cosmopédia possibilita que esse conhecimento se emancipe de seu círculo tradicional, possibilita que seja desterritorializado em um espaço imaterial, que pode estar ao alcance de todos (LÉVY, 2003).
  • 33. 32 Além disso, a enciclopédia tradicional alia texto e imagem para a exposição de seu conteúdo, enquanto a cosmopédia, ou a enciclopédia da inteligência coletiva, contém um número substancialmente superior de formas de expressão, nas palavras de Lévy (2003, p. 182), podemos citar, “imagem fixa, imagem animada, som, simulações interativas, mapas interativos, sistemas especialistas, ideografias dinâmicas, realidades virtuais.” Pretendemos sintetizar aqui o pensamento de Pierre Lévy, que defende que o ciberespaço é dotado de potencialidades tecnológicas que modificam e amplificam várias funções cognitivas humanas. Nas suas palavras: O ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais) raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos). Essas tecnologias intelectuais favorecem: - novas formas de acesso à informação [...] - novos estilos de raciocínio e conhecimento [...] Como essas tecnologias intelectuais, sobretudo as memórias dinâmicas, são objetivadas em documentos digitais ou programas disponíveis na rede (ou facilmente reproduzíveis e transferíveis), podem ser compartilhados entre numerosos indivíduos, e aumentam, portanto, o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos. (LÉVY, 1999, p.157) Sua tese pressupõe que as tecnologias intelectuais podem ser compartilhadas entre numerosos indivíduos e podem como conseqüência, “aumentar o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos” (LÉVY, 1999, p.157). Por outro ângulo de reflexão, encontramos a visão de Allan Kardec (2009b) para quem a ciência é um dos recursos que o ser humano tem para promover a evolução social e espiritual através do conhecimento. Para ele; O homem foi incapaz de resolver os problemas da criação até o momento em que a chave lhes foi dada pela ciência. Foi necessário que a astronomia lhe abrisse as portas do espaço infinito e lhe permitisse nele mergulhar seus olhares; que, pelo poder do cálculo, pudesse determinar, com precisão rigorosa, o movimento, a posição, o volume, a natureza e o papel dos corpos celestes; que a física lhe revelasse as leis da gravidade, do calor, da luz e da eletricidade; que a química lhe ensinasse as transformações da matéria, e a
  • 34. 33 mineralogia, os materiais que formam a crosta do globo; que a geologia lhe ensinasse a ler, nas camadas terrestres, a formação gradual desse mesmo globo. A botânica, a zoologia, a paleontologia e a antropologia deveriam iniciá-lo na filiação e na sucessão dos seres organizados; com a arqueologia, pôde seguir as marcas da Humanidade através das idades; todas as ciências, em uma palavra, completando-se umas as outras, deveriam trazer seu contingente indispensável para o conhecimento da história do mundo; na sua falta, o homem não tinha, por guia, senão as primeiras hipóteses. (KARDEC, 2008a, p. 53). O papel dos espíritos na sua relação com os seres vivos, segundo Kardec, é limitada. A ciência e a inteligência humana, que podemos deduzir ser resultado do nível de evolução espiritual de cada um, seriam dádivas complementares: Se bastasse interrogar os Espíritos para obter a solução de todas as dificuldades cientificas, ou para fazer descobertas ou invenções lucrativas, todo ignorante poderia tornar-se sábio gratuitamente, e todo preguiço poderia se enriquecer sem trabalhar; (KARDEC, 2009b, p. 105). A Internet, como vimos, oferece a possibilidade de as pessoas estabelecerem novas relações com o conhecimento e com a sociedade. Contudo, ela não é um recurso independente da ação humana. Como todos os outros avanços tecnológicos na história da humanidade, ela pode ser utilizada para quaisquer fins, dependendo, prioritariamente, das consciências individuais daqueles que a usam. Lévy (1999), diz que em geral, ele é considerado um otimista, e que isso é verdade, mas que reconhece que a Internet não irá resolver todos os problemas do mundo. Ele diz apenas que as potencialidades positivas da Internet existem, e que cabe a nós explorá-las. Para ele nem a salvação e nem a perdição se encontram na técnica, ele diz que esse caráter ambivalente provém das projeções que realizamos no mundo material a partir dela. Lévy (1999) identifica algumas criticas recorrentes sobre a Internet e argumentar sobre elas, podemos citar como exemplo o caso de criminosos, terroristas e pedófilos utilizarem a rede para realizar suas ações. Todos esses casos são reais, mas eles já existiam antes da Internet, e da mesma forma que antes eles utilizam aviões, estradas e telefones, eles agora irão utilizar a rede. Mas assim como não condenam a telefonia pelos delitos cometidos através dela, a Internet, como instrumento técnico, não pode ser culpada pelos delitos de determinados indivíduos Lévy (1999).
  • 35. 34 Lévy (2003) defende o aspecto da responsabilidade e do bem individual como a “ética da inteligência coletiva”, praticada pelas pessoas com um bom senso de justiça, fazendo, para isto, referência ao discurso religioso: Vimos por que e como conseguiam criar e fazer durar os coletivos humanos. Ao mostrar que a eficácia do justo consiste em manter as comunidades existindo, ou em adiar sua destruição, o texto bíblico nos fornece uma indicação capital sobre a natureza do bem em geral. O bem invoca a existência das qualidades humanas e valoriza-as (LÉVY, 2003, p. 38). Podemos deduzir desta afirmativa que, apesar dos desdobramentos positivos que a Internet possa gerar, estes só serão possíveis se atingirmos um ideal segundo o qual cada usuário assuma responsabilidade pelos seus próprios atos. Em outras palavras, pelo bem e pelo mal resultante deles. É provável que, ao evocar a referência bíblica sobre o bem e o mal, Pierre Lêvy esteja superando fronteiras tradicionais entre o discurso científico e o discurso religioso ou se colocando á margem deste debate. Seu discurso é valorativo, uma vez que encerra um claro juízo de valor: Do lado do ser e da potência, os justos contribuem para a produção e manutenção de tudo que povoa o mundo humano. Graças a eles, cujos nomes jamais serão citados, as coisas caminham de fato, e são efetivamente criadas e conservadas: mães pródigas de seus cuidados, negras que redigem nas sombras, faxineiras, secretárias, operários que fazem a fábrica funcionar apesar dos planos dos engenheiros, e todos que consertam as máquinas, reconciliam os casais, rompem as barreiras da maledicência, sorriem, elogiam, ouvem, fazem com que vivamos em comum acordo. Ora Abraão é o justo por excelência. Não se contenta em fazer o bem, esforça-se ainda por conferir o maior alcance possível aos atos realizados pelos outros justos. Ao negociar com Deus conseguindo que somente dez justos salvem a cidade, ele valoriza e desdobra ao máximo o potencial de bem; chama a atenção para a bondade dos outros. A barganha de Abraão com Deus é a primeira tecnologia de otimização de efeitos, de exploração em grau máximo das menores qualidade positivas presentes em um coletivo humano. Abraão inventa a engenharia do laço social. (LÉVY, 2003, p. 39).
  • 36. 35 Os juízos de valor presentes no trecho acima, bem como as referências a uma “barganha” entre Abrahão e Deus nos remetem ao discurso de Allan Kardec que transcreveu em um de seus livros o discurso de um espírito que fala sobre a moral. “Amemo-nos uns aos outros e façamos a outrem o que quereríamos que nos fosse feito”. Toda a religião, toda a moral se encontram encerradas nestes dois preceitos; se fossem seguidos nesse mundo, seríeis todos perfeitos; nada mais de ódio, de divergência; direi mais ainda, nada mais de pobreza, porque do supérfluo da mesa de cada rico muitos pobres se alimentariam, e não veríeis mais, nos sombrios bairros que habitei durante minha última encarnação, pobres mulheres arrastando consigo miseráveis crianças necessitadas de tudo. (KARDEC, 2005, p.173) Comparando os dois textos somos levados a concluir que o bem resultante da ação individual de cada um tem impacto direto na construção das coletividades sociais, e conseqüentemente, na integração dos diversos setores da sociedade. Os dois autores postulam que os indivíduos, mesmo os que ocupam os mais obscuros papeis sociais são portadores de boas e más aptidões. Os dois autores nos autorizam a falar de uma perspectiva evolutiva da humanidade que pode ser “aumentada” com a promoção da integração dos saberes individuais, tendo um objetivo coletivo comum que seria o de renovar os laços de solidariedade. A ética dos justos, ou a ética individual, seria o fator decisivo para essa renovação social e intelectual. O princípio norteador desta posição baseia-se na crença de que cada pessoa possui suas aptidões, seus pontos fortes e seus pontos fracos. Ninguém domina todas as áreas do conhecimento, e promover a integração dos saberes individuais com um objetivo coletivo comum, de tornar a sociedade mais humanitária é, de acordo com Pierre Lévy (2003), uma etapa evolucionária que chega ao nosso alcance, finalmente, por meios virtuais. Em linhas gerais, esta seria a expectativa do autor com relação às possibilidades de avanços contemporâneos da humanidade.
  • 37. 36 3 - O CENÁRIO ESPÍRITA NA INTERNET A prática da difusão de valores e ideais kardecistas não é nova, já que Allan Kardec mencionou que o estatuto da “Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas”, publicado no final do “O Livro dos Médiuns” (2008c) devia ser adotado como um modelo que pudesse ser aproveitado por outros grupos que desejassem seguir o mesmo caminho (KARDEC, 2008c). No Brasil, esse modelo de organização das sociedades espíritas, aqui conhecidos com Centros ou Cenáculos Espíritas, é muito copiado, desde a segunda metade do século XIX. A FEB, ou Federação Espírita Brasileira, é reconhecida, pela maior parte dos espíritas, como a representante de seu pensamento no Brasil, além disso, ela também realiza trabalhos no sentido de formação de dirigentes espíritas e de constituição e manutenção doutrinária, legal e administrativa dos Centros Espíritas. Ao longo de sua existência, a FEB vem tentando atingir este objetivo por intermédio da impressão de manuais e outros tipos de publicações. Entretanto, é possível que as pessoas que desejam conhecer e possivelmente seguir os ideais de Kardec encontrem maior facilidade de acesso nas tecnologias digitais. Neste capítulo, nosso objetivo é o de apresentar o “Espiritismo” que está disponível na Internet. Para isto, foram pesquisados sites espíritas que surgiram a partir do uso da ferramenta de busca Google, com a intenção de observar recorrências e especialidades em suas organizações e conteúdos. Foi escolhido como objeto de análise o site da FEB. A escolha pelo site dessa instituição, que muitos consideram como a representante “oficial” do Kardecismo no Brasil, se recaiu no fato do Espiritismo ser amplamente divulgado e comentado na Internet, e uma simples busca do Google com este termo ter gerado 5.630.000 resultados. O termo “espírita” gerou 2.800.000 resultados. Para delimitar nosso foco de análise, após pesquisa aleatória e exploratória de sites espíritas brasileiros definiu-se pela concentração da investigação no site da FEB, por ser uma entidade federativa oficial e por reunir em seu site aspectos que são reproduzidos em outros portais, ou seja, a FEB e seu site são, em geral, referência para muitos sites espíritas, os quais não nos cabe descrever aqui. Além de mapear os temas que são abordados no site escolhido, nossa intenção foi de descrever como a web vem sendo usada pelos espíritas e de verificar se esta tem sido uma ferramenta de auxílio para a divulgação de valores e idéias do Espiritismo,
  • 38. 37 como a transmissão de conhecimento e renovação dos laços sociais. Estes valores, como foi nossa intenção ressaltar no capítulo anterior, são apresentados como perspectivas comuns tanto no discurso espírita kardecista, quando no discurso acadêmico sobre as potencialidades da Internet que está presente, principalmente, nos textos de Pierre Lévy. O site da FEB (http://www.febnet.org.br), que é o órgão reconhecido dentro do Kardecismo como representante do Espiritismo brasileiro ou sua Casa Mater, para usar um termo comum entre os espíritas, torna-se importante no contexto desta monografia por seu caráter oficial. A história da FEB muitas vezes pode se confundir em muitos pontos com a história do Espiritismo no Brasil, como já foi comentado anteriormente. 3.1 - Estudo virtual do Espiritismo Em seu site, a FEB oferece ao usuário a possibilidade de fazer o download, em formato.pdf, de várias publicações espíritas como, por exemplo, todas as edições da revista “O Reformador”, do período de 2006 até 2010. Essa revista é publicada mensalmente pela própria FEB, totalizando doze edições por ano, sendo assim, no site estão disponíveis sessenta exemplares diferentes. Além disso, o exemplar mais recente da revista pode ser visualizado através do link “edição online”, contudo devido à falta de um exemplar impresso da revista, não foi possível verificar se ela está disponível integralmente no site, ou se apenas as matérias principais são publicadas online. É interessante ressaltar que existe um link, em destaque, para um download gratuito do “PDF Reader” da Adobe dentro do site da FEB, tornando mais fácil que as pessoas, que tiverem interesse, acessem esse conteúdo. Outro exemplo que merece destaque é o informativo “Brasil Espírita”, na edição analisada de outubro de 2011, o informativo continha três seções, além de um editorial informativo. A primeira seção, “Movimento em ação”, fala sobre atividades espíritas, em todo o Brasil, como capacitações de trabalhadores espíritas, seminários, teatros, mostras de arte e feiras de livros, entre outros, que ocorreram há pouco tempo, ou que irão ocorrer em breve. A segunda seção, chamada “Atividades espíritas”, aparentemente é muito parecida com a primeira, e fala sobre congressos, confraternizações, palestras e seminários espíritas que ainda irão ocorrer ou já ocorreram recentemente em território nacional. Também é possível encontrar no site da FEB as cinco obras básicas de Allan Kardec para download em PDF, além dos dois livros complementares de sua autoria, chamados “Obras póstumas” e “O que é o Espiritismo?”. Podemos encontrar também a
  • 39. 38 edições integrais da “Revista Espírita”, em circulação desde 1858. O período disponível para download vai desde a primeira edição, de janeiro de 1858, até dezembro de 1869. Embora fosse um periódico mensal, ele foi organizado pela FEB em volumes que abrangem o período de um ano inteiro, com todos os meses em um volume, sendo assim, são doze os tomos disponíveis no site. Allan Kardec foi o responsável pela edição e publicação do periódico desde o primeiro volume, até a data em que morreu. Segundo a FEB, na edição brasileira, os doze volumes possuem juntos, quase sete mil páginas. Todas essas publicações citadas acima constituem o fundo doutrinário básico do Espiritismo kardecista. Como foi dito antes, as cinco obras principais de Kardec guiam todo o pensamento espírita ulterior. Até mesmo as outras obras de sua autoria, foram feitas a partir das elucidações dos cinco primeiros livros. Portanto, partindo do fato de que todo esse material está disponível gratuitamente no site da FEB, é seguro afirmar que o conhecimento contido nessas obras está sendo difundido por essa federação. Contudo esse conhecimento pode ser de difícil entendimento para algumas pessoas, portanto o portal da FEB vai além, oferecendo acesso, também, à planos de aula para iniciação e aprofundamento no Espiritismo. É importante ressaltar aqui, que a parte principal desses planos de aulas não é disponibilizada gratuitamente pela FEB, ela oferece apenas a possibilidade que o internauta realize a compra dos volumes impressos por meio de sua livraria virtual, que também será descrita mais a frente. Contudo, uma parte do conteúdo está disponível para download gratuito, o que pode gerar certa confusão, já que esse conteúdo gratuito pode ser o mesmo conteúdo vendido na livraria virtual, organizado de uma forma diferente. Portanto no restante desse capítulo, iremos focar, principalmente, no que está sendo oferecido, no site da FEB, em relação com o avanço moral e o avanço intelectual defendido por Kardec. Também gostaríamos de ressaltar que estão disponíveis no portal da FEB cinco planos de aula diferentes: O “Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita” ou ESDE, o “Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita” ou EADE, o “Estudo e Educação da Mediunidade” ou EEM, o “Departamento de Infância e Juventude” ou DIJ e por último os estudos de Esperanto. Na página do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, ou ESDE, encontramos a descrição completa do curso, cujo objetivo, segundo o site, é nada mais do que um “estudo metódico, contínuo e sério do Espiritismo, com programação fundamentada na Codificação Espírita”. Ainda de acordo com o site, esse curso é importante por
  • 40. 39 promover o “conhecimento espírita”, como orientação de vida, sendo que esse conhecimento englobaria tanto o aspecto intelectual quanto moral, a FEB ainda ressalta que uma das conseqüências desse curso é a possibilidade do desenvolvimento da “fé raciocinada”. Como foi dito antes, o acesso completo a esse curso só pode ser feito mediante a compra dos tomos impressos, no caso do ESDE são três volumes, vendidos separadamente. Os dois primeiros são os programas fundamentais I e II, vendidos a R$ 13,50 e o terceiro chama-se programa complementar e é vendido a R$ 15,00. O conteúdo programático desses três tomos está disponível para visualização no site da FEB, e de acordo com a descrição do próprio site, esse material seria uma reorganização didática do conteúdo presente em “O Livro dos Espíritos”. Contudo, o item “Campo Experimental de Brasília” oferece um banco de aulas, disponíveis para download gratuito. É um total de dezoito módulos diferentes, que vão desde o contexto social, econômico, político e cultural da Europa no século XIX, quando Kardec apresentou pela primeira vez as suas idéias, até reflexões filosóficas sobre questões como o “bem” e o “mal”, livre arbítrio, responsabilidade individual, progresso moral e intelectual. É possível notar, através de comparação, que esses dezoitos módulos correspondem ao conteúdo dos tomos fundamentais I e II vendidos pela FEB. Nota-se, ao ler parte do material, que o plano de aulas é feito para que dirigentes de centros espíritas, ou pessoas com algum tipo de capacitação informal, possam coordenar grupos de estudo. A FEB chega até mesmo a sugerir alguns princípios metodológicos como introduções para cada reunião, atividades em grupo para desenvolvimento do conteúdo, com base nos itens do próprio material, técnicas para se concluir o tema e reuniões e métodos de avaliação, além de sugerir também o tempo que cada reunião deve ter, o espaçamento adequado entre as reuniões e o tempo mínimo previsto para o curso completo. O Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita, ou EADE, apresenta uma página de informações e apresentação de conteúdo muito similar à página do ESDE. O modelo de organização, na qual encontramos um conteúdo gratuito e um conteúdo pago, também foi seguido para as páginas de “Estudo e Educação da Mediunidade” e “Departamento de Infância e Juventude”, contudo o conteúdo gratuito não é necessariamente similar ao conteúdo pago, como no caso do ESDE. O objetivo do EADE, como o próprio nome sugere, é o aprofundamento dos
  • 41. 40 estudos sobre o Espiritismo. Para isso o curso foca principalmente no que os espíritas consideram o três aspectos da doutrina; religião, filosofia e ciência. De acordo com uma citação utilizada pelo site na conceitualização do curso, os aspectos filosóficos e científicos da doutrina abrem o campo para continuas investigações de caráter intelectual, que visam o aperfeiçoamento da humanidade. Já o aspecto religioso da doutrina corresponde ao “elo que a liga ao céu”, e que, segundo o site, proporcionaria a renovação do ser humano para o seu futuro espiritual, através de reflexões sobre a importância da melhoria moral. O site ainda vai além na descrição do curso, e diz que esse se fundamenta justamente no que da força ao Espiritismo, que seria seu aspecto filosófico, que não cobra uma crença cega, pelo contrário quer que o homem saiba por que crê, e para isso utiliza uma linguagem clara, sem ambigüidades, que, segundo eles, fala diretamente à razão e ao bom senso. O curso está dividido em dois bancos de aulas, um intitulado “Religião à Luz do Espiritismo” e o outro chamado de “Ciência Espírita”. O primeiro, como o nome sugere, trata do aspecto religioso da doutrina, e é sub dividido em três partes, sendo que a primeira fala da evolução do pensamento religioso ao longo da história humana, falando até mesmo de religiões não-cristãs, mas focando em Jesus como guia e modelo da humanidade. A segunda parte é um estudo espírita sobre as parábolas de Jesus, focando na importância de incorporar as lições presentes nelas às atividades cotidianas. A terceira, segundo a FEB, esclarece por que o Espiritismo é considerado o resgate da verdadeira essência do Cristianismo. O outro banco de aula, intitulado “Ciência Espírita” trata sobre o que a FEB considera como os aspectos científicos e filosóficos da doutrina. Organizada em um tomo único, esse banco de aulas utiliza até mesmo autores sem ligações com o Espiritismo, e que ainda de acordo com a FEB compõe o acervo da cultura humana. De acordo com o conteúdo programático, o curso contém tópicos de estudo que vão desde “Métodos filosóficos e científicos”, até “Evidências científicas da reencarnação”, “Análise racional dos fatos espíritas”, “Estudos científicos da mediunidade” e “Pesquisas cientificas dos fatos espíritas”, entre outros. Esses tópicos, contudo, fazem parte do conteúdo pago. Na seção de aulas gratuitas, dentro do mesmo curso, encontramos alguns tópicos3 que merecem atenção 3 Disponíveis em: http://www.febnet.org.br/site/estudos.php?SecPad=38&Sec=205
  • 42. 41 por realizarem uma tentativa de explicar determinados acontecimentos utilizando a elementos da fé e da ciência. Um exemplo é uma apresentação de slides que fala sobre a evolução biológica. Nele encontramos um slide com uma linha do tempo que vai desde o “big bang” até o surgimento do Homo Habilis. É importante ressaltar, que o Espiritismo, na sua busca por “validação cientifica” se apropria de discursos da geologia, astrologia e outras disciplinas como arqueologia, biologia e química para buscar sua concepção de “origem das coisas”. Nessa apresentação ainda encontramos a introdução de tópicos sobre seres procariontes e eucariontes, evolução, gases presentes na atmosfera, tudo isso intercalado com discursos altamente religiosos, sobre, por exemplo, a ação de “espíritos superiores” nesses remotos períodos. Essa visão Espírita pode ser observada também, em outro texto disponível ainda dentro do EADE, que trata sobre “Formação dos seres”, o texto primeiramente apresenta a teoria criacionista do mundo. Podemos observar nesse discurso o posicionamento espírita, quando o texto fala sobre o criacionismo da seguinte forma; “combatem teorias científicas conflitantes com o fundamentalismo religioso”, ou ainda; “os que apóiam radicalmente a idéia da criação em sete dias literais, questionando ou ignorando as evidências arqueológicas, físicas e químicas existentes que dizem o contrário.”. O texto apresenta depois a visão evolucionista, que segundo o Espiritismo é cientificamente aceita, para em última instância apresentar a visão espírita. O interessenta é que a visão espírita em nenhum momento tenta contradizer a visão evolucionista, pelo contrário, diz que a “criação feita por Deus”, baseada nas leis naturais, como por exemplo na lei da quimica, não diminuiria sua grandeza, e sim mostraria como é o seu poder, que atua por meio de leis eternas, que ainda não compreendemos. O “Estudo e Educação da Mediunidade” ou EEM, segundo a FEB, fundamenta- se em uma orientação presente no livro “Obras Póstumas” de Allan Kardec, na qual diz que os indivíduos que decidirem se ocupar com as supostas comunicações com espíritos devem ser orientados, para que estejam cientes das dificuldades que provavelmente irão encontrar. O curso, dividido em duas partes, tem como objetivo, segundo a o site, favorecer o desenvolvimento natural das “faculdades psíquicas” dos participantes por meio de atividades pedagógicas e aprofundar o estudo da mediunidade, focando no desenvolvimento ético, moral e intelectual dos participantes. Ainda de acordo com o site a importância do curso repousa na condição fundamental do estudo regular da