O documento discute a importância da detecção e tratamento da infecção urinária na gestação. A infecção do trato urinário é a doença mais comum na gestação e está associada a complicações maternas e perinatais. O documento descreve as formas clínicas da infecção, modificações anatômicas na gravidez que predispõem a infecção, complicações, agentes causadores, tratamento e quimioprofilaxia.
2. Objetivos Globais
Saber a importância da infecção urinária no determinismo
da morbimortalidade perinatal.
Orientar o rastreamento sistemático na gestação e formas
de prevenção e tratamento.
3. Introdução
A infecção do trato urinário é doença mais freqüente durante
a gestação, com uma prevalência de até 20%, e está associada
ao aumento de morbimortalidade maternofetal.
As mudanças fisiológicas da gestação aumentam a
suscetibilidade da gestante à infecção urinária, que se
apresenta de 3 formas clínicas:
1) Bacteriuria Assintomática
2) Cistite Aguda
3) Pielonefrite
4. Modificações anatômicas e fisiológicas
que predispõem a ITU na gravidez
Obstrução mecânica do útero gravídico e Ação
inibidora da progesterona no tono muscular e
peristalse diminuição do tono muscular uretral
(estase de urina), Dilatação das porções superiores do
ureter e pelve renal (hidronefrose fisiológica da
gravidez/D)
Alterações da bexiga diminuição do
tono, aumento do volume residual na bexiga e
esvaziamento incompleto (refluxo vesicouretral)
5. Modificações anatômicas e fisiológicas
que predispõem a ITU na gravidez
Alterações físico-químicas da urina aumento da
excreção urinária de Glicose e Bicabornato de sódio
(elevação do PH urinário [alcalino])
- PH alcalino: favorece a taxa de multiplicação bacteriana.
Hipotonia da musculatura + refluxo vesicouretral +
dilatação dos ureter ascensão de bactérias para o
sistema urinário.
O hiperestrogenismo gestacional também favorece a
aderência de certas cepas de Escherichia coli, que
contêm adesinas tipo 1, às células uroepiteliais.
6. Complicações maternas associadas às ITU
A complicação mais freqüente durante a gestação é a
pielonefrite, que pode induzir, se não for tratada
adequadamente bacteremia (15 a 20%), septicemia e
raramente choque séptico, podendo levar até a óbito
materno.
Também existe a ocorrência de insuficiência respiratória
pelo aumento de permeabilidade da membrana
alveolocapilar, podendo resultar em edema pulmonar, o
que pode ser agravado pela hiper-hidratação e uso de
útero inibidores no trabalho de parto prematuro .
Pode resultar ainda em insuficiência renal e anemia.
7. Complicações perinatais associadas às ITU
As principais complicações perinatais são: trabalho de parto
prematuro, prematuridade, crescimento intrauterino restrito, com
recém-nascidos de baixo peso, ruptura prematura das membranas
amnióticas, infecção fetal intrauterina, sepse neonatal e óbito fetal.
Existem evidências de que as citocinas pró-inflamatórias, secretadas
pelos monócitos e macrófagos maternos ou fetais, em resposta a
endotoxinas bacterianas, podem desencadear o trabalho de parto.
Outra forma pela qual o trabalho de parto pode ser desencadeado é a
colonização do líquido amniótico por bactérias originárias do trato
urinário, essas bactérias produzem fosfolipases A e C, que atuam sobre
os precursores das prostaglandinas E2 e F2-alfa, iniciando o trabalho
de parto.
8. Complicações perinatais associadas às ITU
A ITU também apresenta um risco maior de
provocar amniorrexe prematura, pela secreção de
prostaglandinas, ou indiretamente pela secreção de
interleucina-1, fator de necrose tumoral ou fator
ativador plaquetário.
Também as bactérias que colonizam o canal
vaginal podem produzir proteases, incluindo as
colagenases, que reduzem a elasticidade e a
resistência da membrana amniótica.
9. Agentes causadores
Os micro-organismos mais freqüentes são da flora perineal
normal, sendo a Escherichia coli responsável por 70 a 85%
das infecções do trato urinário adquiridas na comunidade.
Também são responsáveis, em menor frequência:
Staphylococcus
saprophyticus, Proteus, Klebsiella, Enterobacter, Enterococ
cus faecalis e Streptococcus beta-hemolítico do grupo B
(agalactiae).
11. Bacteriuria assintomática
O rastreamento para B.A. na gestação faz parte da maioria dos
protocolos de pré-natal e deve ser feito por urocultura, a qual é
positiva quando ocorre: desenvolvimento de 100.000
colônias/mL de urina + ausência de sinais e sintomas.
Evolui para Pielonefrite em 20 a 30% das vezes, e se for
adequadamente tratada, essa evolução ocorrerá somente em 1 a
1,5% das gestantes.
Esta associada a baixo peso ao nascer.
Algumas patologias aumentam sua incidência como:
imunoglobinopatias, anemias, hipertensão arterial, diabetes
mellitus, anormalidades do trato urinário e tabagismo.
12. Cistite
Essa forma clínica de infecção do trato urinário baixo é mais comum no
segundo e terceiro trimestres da gestação e, em geral, diferencia-se da B.A.
pelos sintomas: disúria, dor, polaciúria, urgência miccional, dor em região
suprapúbica, urina com odor fétido ou sangue, na ausência de sintomas
sistêmicos como febre e dor lombar.
Esta freqüentemente relacionada ao coito.
A urocultura é o padrão-ouro para o diagnóstico, mas não é necessário esperar
o resultado para o tratamento das ITUs sintomáticas.
A cistite aguda também está associada ao trabalho de parto prematuro.
Após o tratamento é obrigatória a realização de urocultura de controle, o que
deve ocorrer 7 dias após o término da antibioticoterapia.
13. Pielonefrite
É uma das mais comuns complicações que ocorrem na gravidez.
Caracterizada por sinais e sintomas como: febre (acima de
38ºC), calafrios, taquicardia, dor em região lombar, sensibilidade ao
toque em região lombar (Giordano +) náuseas, vômitos, urina turva e
comprometimento do estado geral e achados laboratoriais, como
bacteriúria, sendo confirmado com urocultura positiva.
Em geral, é decorrente Infecção de bacteriúria assintomática não
tratada. Cerca de 15% das gestantes com pielonefrite apresentam
bacteremia, podendo evoluir para sepse, choque séptico e insuficiência
respiratória.
Estão associadas ao trabalho de parto e parto prematuro
corioamnionite, crescimento intrauterino restrito, infecção perinatal e
óbitos fetal e neonatal.
14. Pielonefrite
Todas as pacientes com Pielonefrite aguda têm indicação de
internação hospitalar e se tiverem sinais de sepse ou
insuficiência respiratória, deverão ser internadas na
unidade de terapia intensiva (UTI) .
Devem ser adotadas medidas gerais, como:
hidratação, administração de
antitérmicos, analgésicos, antieméticos e
antiespasmódicos, (EV)
A terapêutica antimicrobiana deve ser iniciada logo que
forem colhidos os exames, vias parenteral, intravenosa
(IV), só passando para via oral após 24 a 48 horas da
remissão dos sintomas. -14 dias de ATB.
15. ITU recorrente
Caracteriza-se por: dois ou mais episódios de ITU na
gestação, ou um fator de risco associado como: litíase,
malformação do trato urinário ou dilatação pielocalicial.
Devido à freqüência de 20% de ITUr após pielonefrite na
gestação recomenda-se antibioticoprofilaxia com
nitrofurantoína.
16. Uso de antimicrobianos
O uso de antibióticos durante a gestação deve levar em
conta a :
- sensibilidade das bactérias mais prevalentes,
- facilidade de sua obtenção pela paciente,
- comodidade da posologia,
- custo e
- toxicidade ( benefícios x riscos.)
17. Antibioticoterapia
em obstetrícia: Grau de recomendação
A: ESTUDOS CONTROLADOS MOSTRAM AUSÊNCIA DE RISCO
Estudos bem controlados que não demonstram riscos fetais no primeiro
trimestre e não há evidência de riscos em outros trimestres. Ex: vitaminas
(doses habituais)
B: NENHUMA EVIDÊNCIA DE RISCOS EM HUMANOS
Não estão disponíveis estudos em humanos, mas estudos em animais não
demonstraram riscos Ex.: antibióticos betalactâmicos, prednisona, anti
histamínicos
C: RISCO NÃO PODE SER EXCLUÍDO
Estudos em animais mostram risco (efeito teratogênico ou
embriotóxico), mas não existem estudos controlados em humanos
Só devem ser administradas se os possíveis benefícios justificam os riscos
POTENCIAIS. Ex.: fluoroquinolonas, fluconazol, furosemida
18. Grau de recomendação
D: EVIDÊNCIA POSITIVA DE RISCO
Dados de investigação evidenciam riscos fetais. Efeitos teratogênicos em humanos
já foram demonstrados. No entanto, os benefícios em potencial podem superar os
riscos (risco de morte ou doença grave), se drogas mais seguras são ineficazes ou
não existirem. Não usar se existem outras opções terapêuticas ou se os benefícios
não justificam os riscos Ex.: drogas antiepilépticas, metotrexato, vinblastina,
diazepam, tetraciclina
X: CONTRA-INDICADOS NA GRAVIDEZ
Dados de investigação ou depois da liberação no mercado evidenciam riscos fetais
importantes. Efeitos teratogênicos em humanos já foram demonstrados. O risco é
claramente maior que os potenciais benefícios. Drogas contra-indicadas em
gestantes ou mulheres que venham a engravidar. Ex.: isotretinoína
20. Tratamento
Medidas de Higiene
Hidratação
Bacteriruria assintomatica (7 dias)
-nitrofurantoína 100 mg, VO, 6/6h,
- cefalexina 500 mg, VO, 6/6h,
-axetil-cefuroxima 250 mg, VO, 8/8h,
-sulfametoxazol-trimetoprima 800/160 mg, VO, 12/12h
(usar somente no segundo trimestre da gestação)
Cistite (7 dias)
-axetil-cefuroxima 250 mg, 8/8h, VO
-nitrofurantoína 100 mg, 6/6h, VO, (até 36 semanas)
-cefalexina 500 mg, 6/6h, VO
-ampicilina 500 mg, 6/6h, VO, (Enterococcus sp. e SBHB).
21. Tratamento
Pielonefrite
- ceftriaxona 1 g, IV, 12/12h,
- cefotaxima 1 g, IV, 8/8h ou
- cefuroxima 750 mg, IV, 8/8h.
- gentamicina 160 mg, IV, em dose única diária, dependendo da sensibilidade
do antibiograma.
( 14 dias) Após a melhora clínica com o tratamento intravenoso
(24-48h), a via oral deve ser orientada, já baseada na sensibilidade do
antibiograma.
- axetil-cefuroxima, 250 mg, VO, 8/8h
- Cefalotina 1g, VO, 6/6 h
Também está recomendada a quimioprofilaxia após o tratamento, para
diminuição da recorrência.
22. Quimioprofilaxia (ITUr)
Os antimicrobianos mais indicados são:
- nitrofurantoína 100 mg/dia, VO, até 36 semanas.
- cefalexina 500 mg/dia, VO, até o final da gestação .
Cuidado :Uso da nitrofurantoina nas últimas semanas de gestação em
mulheres com fetos com deficiência da G6PD, deve ser SUSPENSO pelo
risco de anemia hemolítica neonatal.
Este esquema terapêutico reduz em 95% a recorrência de infecção e
deve ser acompanhado com uroculturas mensais.
Estudos demonstram que o uso de 100 mg de ácido ascórbico (vitamina C)
na gestação diminui a frequência de ITUr em cerca de 25%.
23. Controle de cura
A eficácia do tratamento deve ser avaliada com a
melhora clínica e se, em 48 horas, não houver
resposta terapêutica, deve-se trocar o
antibiótico, baseado na urocultura e no
antibiograma.
O controle do tratamento deve ser realizado com
urocultura 7 dias após o término do tratamento e
mensalmente até o final da gestação.
24. Conclusões
Está fortemente recomendada a investigação da bacteriúria
assintomática durante a gestação, pois sua identificação e
tratamento diminuem o risco de evolução para
pielonefrite, devendo ser realizada por exame de urina
parcial e urocultura nos três trimestres da gravidez.
O tratamento é baseado na sensibilidade bacteriana
detectada no antibiograma, com duração de no minimo 7
dias.
O controle de cura é feito por nova urocultura 7 dias após o
término do tratamento.
Na cistite aguda, está indicado o início imediato do
tratamento, devido aos sintomas, com coleta de exame
parcial de urina e urocultura, sempre que possível.
25. Bibliografia
1.FEBRASGO – Manual de Orientação
Gestação de Alto Risco /2011 pag. 197-204
2.Cistite Recorrente: Tratamento e
Prevenção Diretrizes Clínicas na Saúde
Suplementar /Associação Médica Brasileira
e Agência Nacional de Saúde Suplementar
3.Montenegro | Resende Filho,
obstetrícia fundamental
12º edição – Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2011, capitulo 37, páginas 453-458
4.Infecção urinária - Indexado na Lilacs
Virtual sob nº LLXP: S0034-
72642009003000001