Quase 10% dos presos que receberam indulto de Natal e Ano Novo em 2009 em São Paulo não retornaram à prisão. O documento discute as visitas de advertência da polícia aos endereços dos presos beneficiados e o "rescaldo" após as saídas temporárias para tentar recapturar os que não retornam e prevenir crimes.
Convite original - Aspirantes 1988, APMBB São Paulo
Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"
1. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”
Adilson Luís Franco Nassaro
Quase 9% dos presos do Estado de São Paulo que receberam ‘indulto’ de Natal
e Ano Novo em 2009 não retornaram aos presídios, segundo balanço da Secretaria da
Administração Penitenciária (SAP). De acordo com o relatório, 23.331 detentos receberam a
autorização de saída temporária entre as festas de fim de ano. O total de presos que não
retornaram é de 1.985, ou seja, 8,51%, segundo a Secretaria1.
A notícia divulgada no início de 2010 ilustrou a dimensão do impacto que pode
significar à segurança pública a liberação de milhares de presos em pelo menos cinco
ocasiões distintas durante o ano (em São Paulo, as saídas são regulamentadas pelo Juiz
Corregedor, normalmente concedidas nas seguintes datas: Natal/Ano Novo; Páscoa; Dia das
Mães; Dia dos Pais e Finados). E, mais recentemente, também vem sendo autorizadas saídas
por ocasião do Dia das Crianças.
1
SPIGLIATTI, Solange. Matéria: Em SP, quase 2 mil presos com indulto continuam nas ruas. Jornal O Estado
de São Paulo, 08 jan. 2010, caderno Cidades/Metrópole, p. C5
2. 2
Chamado indevidamente de “indulto” (e também conhecida por “saidinha”), a
“saída temporária” - termo técnico correto - pode durar até sete dias corridos e significa um
benefício concedido aos presos do regime semiaberto com bom comportamento, para visitar a
família (o indulto é outro benefício, uma espécie de “perdão” que pode ser dado pelo
Presidente da República). O próprio Diretor geral do Presídio encaminha ao juiz a relação dos
presos “que têm direito à saída temporária” e, se o nome do preso não estiver na relação, o
pedido pode ser feito pelo seu advogado, diretamente ao Juiz, que normalmente autoriza a
saída de todos (“Tem direito à saída temporária o preso que cumpre pena em regime
semiaberto, que até a data da saída tenha cumprido um sexto da pena total se for primário, ou
um quarto se for reincidente. Tem que ter boa conduta carcerária, pois o juiz, antes de
conceder a saída temporária, consulta os Diretores do Presídio” 2).
Nota-se, pela análise estatística de incidência criminal, que existe visível
aumento de crimes (especialmente de furtos e de roubos) nas ocasiões de saída temporária.
Não é difícil explicar a variação, que tem aspecto sazonal. Infelizmente, o histórico recente
demonstra que os “não retornados” sempre correspondem de 8 a 10% dos beneficiados. Com
um percentual expressivo como esse, tratando-se de milhares de beneficiados no Estado,
conclui-se que o preso que não retorna é exatamente o indivíduo que pretende se manter na
vida do crime, pois ele sabe que passa automaticamente à condição de foragido e, se
recapturado, retornará ao regime fechado. Muitas lideranças do crime aproveitam a
oportunidade para escapar da prisão e outros presos, liderados, aproveitam a chamada
“saidinha” para praticarem delitos especialmente patrimoniais para saldarem dívidas; alguns
deles voltam para o presídio como se nada tivesse acontecido e outros, simplesmente, não
voltam.
2
Fonte: página da Procuradoria Geral do Estado. Disponível em : <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bi
bliotecavirtual/presos/parte9.htm>. Acesso em: 08 jul. 2010.
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NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”.
Disponível em: < http://ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/saida-temporaria-as-visitas-de.html>.
3. 3
Existem inúmeros registros de crimes e fugas de presos em situação de saída
temporária e não cabe neste estudo opinar pelo acerto ou erro de tal benefício, posto que
previsto em lei. Convém, todavia, trazer alguns casos emblemáticos, como ilustração, para
demonstrar a importância de lidar com esses fatos (saídas autorizadas), em nível de
planejamento policial (focado em ações de prevenção), pois são repetitivos e com datas
certas, e sempre relevantes para a segurança pública:
O ex-cirurgião plástico Hosmany Ramos - atualmente preso na Islândia e
condenado no Brasil a mais de 40 anos de prisão por homicídio, roubo, tráfico
de drogas e contrabando – vai ser extraditado ao nosso país para voltar a
cumprir sua pena. É a segunda vez que ele foge da prisão aproveitando-se
das saídas temporárias. Na primeira, ocorrida no Dia das Mães de 1996, não
retornou ao Instituto Penal Agrícola de Bauru (SP) e tempos depois
reapareceu em Rondônia, onde foi entrevistado pelo jornal “O Estado de S.
Paulo” e pelo “Fantástico”, da Rede Globo, onde disse que sairia do país para
participar de um curso de guerrilha no IRA (Exercito Republicado Irlandês) e
depois voltar ao Brasil para, como guerrilheiro, agir contra as mazelas do
sistema penitenciário. Não foi e, tempos depois, acabou preso e com um tiro
na perna, quando participava de um seqüestro em Minas Gerais. Agora,
também deixou de voltar ao presídio de Valparaiso (SP), de onde saiu em
dezembro de 2008, para o Natal e o Ano Novo. Só reapareceu em agosto,
preso ao tentar entrar na Islândia com documentos falsos3.
Outro preso (que não é casado e cuja mãe já é falecida) teve a saída temporária
autorizada para visitar a família na saída do “Dia das Mães” de 2009 e foi preso depois de
praticar dois roubos, conforme noticiado:
Enquanto desfrutava de uma saída temporária da Penitenciária de Franco da
Rocha, um jovem de 22 anos que cumpre pena em regime semiaberto foi
preso acusado de dois roubos na região central de São Paulo, na noite de
domingo, 10. Embora estivesse em liberdade graças ao indulto de Dia das
Mães, Willian Brás de Oliveira revelou que não possui mãe para visitar. Brás
afirmou que ela morreu quando ele tinha 1 ano e 3 meses. Werther
Santana/AEJovem de 22 anos (...). Ele também disse que não é casado.
Questionado sobre a razão pela qual recebeu o indulto, o acusado respondeu
apenas que recebeu o benefício4.
3
GONÇALVES, Dirceu Cardoso. A “saidinha” e a fuga de presos. Artigo publicado no diário “Jornal da Cidade”,
Bauru, 08/01/2010, p. 2.
4
CANTO, Daniela do. Matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,detento-em-saida-temporaria-e-preso-acusado-de-dois-roubos,368
834,0.htm>. Acesso em: 08 jul. 2010.
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NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”.
Disponível em: < http://ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/saida-temporaria-as-visitas-de.html>.
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Mais um exemplo se refere a grave crime registrado na cidadade de Bauru/SP,
em que foi reconhecido como autor um beneficiado de saída temporária do Natal de 2009.
Esse, certamente, não aproveitou a saída para visitar sua família:
Um homem, de 36 anos, foi preso na noite de terça-feira, acusado de estuprar
uma adolescente de 16 anos, no centro de Bauru, no interior de São Paulo. A
vítima foi agarrada pelo homem que a ameaçou com uma arma e a levou até a
linha férrea, onde a estuprou, segundo informações da Secretaria de Segurança
Pública (SSP). Algumas pessoas que trabalham no local ouviram os gritos e
acionaram a Polícia Militar (...). O suspeito foi localizado na Avenida Doutor
Nuno de Assis e, ao perceber a aproximação da viatura, tentou fugir correndo,
mas foi detido e confessou o crime. O acusado – que estava sob benefício do
indulto de Natal e não havia retornado à unidade prisional, onde cumpria pena
por estupro e atentado violento ao pudor – foi conduzido ao DP de Bauru, onde
foi reconhecido pela vítima5.
Como medida preventiva, sugerem-se contatos preliminares com diretores de
presídios para obtenção de listas dos presos beneficiados com a antecedência possível,
juntamente com os respectivos endereços. Os policiais, então, realizarão visitas aos
endereços indicados para conferência dos dados e advertências quanto ao acompanhamento
da movimentação do beneficiado, em razão das limitações prescritas na concessão, tais como
não se ausentar do endereço após determinado horário. Todas as irregularidades serão
lançadas em boletim de ocorrência policial-militar (BOPM) para posterior encaminhamento
para
conhecimento
do
Juiz
Corregedor
do
respectivo
estabelecimento
prisional
(especialmente se não localizado o preso que teve a saída autorizada exatamente para visitar
a família no endereço indicado)6.
A maior virtude dessa estratégia é a mensagem que fica para o preso, depois da
visita, no sentido de que a polícia está acompanhando os seus passos. Essas visitas de
advertência
devem
envolver, com
prioridade,
a
Força Tática
e
as equipes de
radiopatrulhamento disponíveis, para cobrir todos os endereços das respectivas áreas, a fim
5
SPIGLIATTI, Solange. Op. cit.
No município de Assis/SP, as visitas de advertência resultam uma média de 15 a 20 boletins de ocorrência
preenchidos por saída temporária, todos encaminhados para as respectivas autoridades judiciárias.
6
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NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”.
Disponível em: < http://ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/saida-temporaria-as-visitas-de.html>.
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de que se obtenha o efeito pretendido. Há possibilidade, em algumas cidades de porte médio,
de se aguardar ônibus fretado pelos próprios presos, para abordagem do veículo já na
estação rodoviária da cidade, realizando-se buscas pessoais, em casos de comportamentos
suspeitos, e transmissão de mensagens de advertência, de forma que fique claro que o
policiamento local está atento às condutas dos presos beneficiados e vai fiscalizar o
cumprimento das condições impostas para fruição do benefício7.
Após o período de concessão, quando todos os presos já deveriam ter
retornado, será o momento de desenvolver a estratégia do “rescaldo”. Com auxílio dos
Diretores de estabelecimentos prisionais (a partir dos contatos no presídio mais próximo) é
possível obter a relação dos presos “não retornados”, mediante lista ou análise do sistema
informatizado, e separar aqueles que têm endereço indicado na respectiva área do gestor de
policiamento.
Passa-se, então, a realização de visitas com objetivo de recaptura, ao mesmo
tempo que se divulgam, para todo o efetivo policial, os dados completos desses procurados
(cujas capturas devem ser priorizadas), com as respectivas fotos, para facilitar as suas
identificação e detenção.
Já o monitoramento dos presos com características especiais e com endereço
no município - que merecem um acompanhamento especial pelo seu histórico - é um
interessante trabalho que pode ser desenvolvido pelo setor de inteligência da unidade policial
e atualizado permanentemente, de forma a viabilizar uma antecipação às práticas criminosas
pelas iniciativas em nível de policiamento preventivo.
7
No município de Marília, a estratégia de abordagem do próprio ônibus dos presos foi adotada com sucesso em
anos recentes. Para cidades de porte menor, normalmente os presos chegam individualmente, em ônibus de
linha, ou mesmo de carona.
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NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”.
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