1. espiral
boletim da associação FRATERNIT
TERNITAS
FRATERNITAS MOVIMENTO
N.º 24 - Julho / Setembro de 2006
ACONTECEU HÁ DEZ ANOS
N ão me lembro bem... foi aí por Maio ou
Junho de 1996. No correio recebido em
minha casa, chegou uma carta deveras intrigante.
Logo no primeiro serão, fomos convidados a
apresentar-nos e contar resumidamente a nossa
vida. Assim se foi fazendo, mas, como era evidente,
Vinha de Évora, duma pessoa que eu não conhe- logo que se começaram a ouvir os primeiros
cia nem de nome... Cónego Filipe de Figueiredo! testemunhos, o tempo de um serão era
Perguntei à Isabel se ela conhecia, mas ela também manifestamente curto, e portanto no dia seguinte
nunca ouvira falar. Abrimos com curiosidade, e continuou-se a ronda de testemunhos de vida.
lemos um estranho convite: para um retiro nos D. Serafim teve uma lucidíssima visão do que
fins de Julho, em Fátima, para «padres casados». de facto aquele grupo esperava deste retiro, e
Que estranho! Nem eu era conhecido em limitou-se a umas intervenções muito curtas,
Évora, cidade que admiro desde há muitos anos e deixando-nos todo o tempo possível para falarmos
onde passámos várias vezes, até porque a Isabel com liberdade de tudo quanto nos ia na alma.
tem lá uma amiga de longa data que de vez em Tudo isto entremeado com muita conversa informal
quando visitamos. Mas aquele Cónego, como é nas refeições e nos tempos livres, e também com
que fora desencantar o meu nome e a morada oração e Eucaristia, cada dia. No final, o Senhor
correcta? Surpreendente, não era? E pela primeira Bispo convidou-nos a participar no domingo na
vez, casados nós há mais de 20 anos com todas Missa no Santuário, juntamente com os peregrinos,
as autorizações de Roma, nunca ninguém nos que são sempre muito numerosos em Julho.
tinha sequer falado de nenhuma actividade para Nste retiro – para além de nos descobrirmos
pessoas nas nossas circunstâncias de vida. Sempre mutuamente e, até, reencontrar um antigo colega
vivemos inseridos em Igreja, em pequenas que não via há muitos anos e conhecer a sua
comunidades cristãs muito vivas, e desde 1981 mulher –, foi a oportunidade de descobrir aquele
na Comunidade Cristã da Serra do Pilar (em Vila (Continua pág 2)
Nova de Gaia), onde tivemos participação activa
e empenhada, mas simplesmente como cristãos
conscientes e desejosos de viver o nosso Baptismo
em profundidade. Sumário:
PASSO
ASSO:
PEQUENO PASSO : O RETIRO
Aconteceu há dez anos 1
Francamente, depois de conversarmos sobre
aquele insólito convite, resolvemos os dois aceitar, Sinais dos Tempos 3
mais por curiosidade até, sou muito franco. A pastoral dos Chiapas 4
Escrevemos nesse sentido ao Cónego Filipe, e de
facto no fim de Julho lá estávamos os dois em Breves e correio 6
Fátima para o anunciado retiro. Éramos uma meia Casa do gaiato 7
centena (não me recordo bem do número exacto).
Assim nasceu a democracia 8
Fomos muito bem recebidos pelo Cónego Filipe.
E o retiro foi orientado pelo Senhor Bispo de Leiria-
Fátima, D. Serafim Ferreira e Silva.
2. 2 espiral
(Continuação pág 1)
espantoso Padre, um verdadeiro santo e um o nome que escolheríamos seria FRATERNITAS,
homem com preocupações profundas pelos significando o espírito de fraternidade que nos unia
outros, uma pessoa duma simpatia e afectividade e que seria a nossa grande força: fraternidade entre
enormes, um verdadeiro «Homem de Deus», que nós e com todos os cristãos nosso irmãos.
nos haveria de marcar profundamente até à sua
recente e repentina morte, mas que tivera uma IDENTIFICATIV
SINAIS IDENTIFICATIV OS TIVOS
intuição talvez única no mundo: casais como nós Isso mesmo conseguiu o Alberto estilizar no
podem sair enriquecidos do contacto mútuo e nosso logotipo, em espiral de pessoas que se dão
fortalecidos na sua fé e na sua vida eclesial, e as mãos e caminham para Deus. Daí veio também
podem fazer uma caminhada de mãos dadas que o título do nosso Boletim, «Espiral», que outro
só poderá ser boa para eles e para a Igreja. Alberto, o Osório de Castro, começou a editar
Claro que nos primeiros encontros (retiros, como algum tempo depois. Ficou também assente que
se intitulou o primeiro, mas em que o contacto e a se dariam os passos necessários para constituir
conversa eram fundamentais), foi os Órgãos dirigentes do
muito forte o tempo dado aos Movimento, primeiro uma
«desabafos» – como poderemos Comissão Instaladora, presidida
chamar aos relatos de cada um dos pelo Prof. Dr. João Simão, e
casais participantes –, uma vez que depois de existirem os Estatutos
em cada encontro apareciam caras devidamente aprovados pela
novas. Este tempo de partilha foi Assembleia Geral, uma Direcção
fundamental sobretudo para efectiva sob a mesma Presidência
aqueles cuja caminhada fora mais até ao ano passado.
penosa, por incompreensão da É da mais elementar justiça
sociedade, nalguns casos da que se diga que essas foram as
própria família, e noutros das duas grandes colunas do nosso
estruturas eclesiais em que se Movimento, o Cónego Filipe de
procuravam inserir, para se sentirem Figueiredo e o Prof. Dr. João
menos sós, verem quantos tinham passado por Simão! Sem eles, não seríamos o que somos nem
vivências muito semelhantes e, sobretudo, para teríamos começado a caminhada que agora
encontrarem força para caminhar em frente com prosseguimos sem paragens. Aliás, essa tem sido
renovado ânimo e coragem. uma das nossa grandes preocupações: a de andar
sempre para a frente, com grande sentido de
PASSO MOVIMENT
ASSO:
GRANDE PASSO : MO VIMENTO VIMENTO Igreja, e com constante preocupação de viver este
A partir do 3º encontro, que por circunstâncias programa de fraternidade entre todos,
de data (semana da Páscoa) foi menos principalmente nos momentos mais críticos da vida
participado, e sob a orientação do então Bispo de de cada um: nas crises de saúde, de desemprego,
Beja, D. Manuel Falcão, pareceu-nos, ao grupo de falecimentos, de desânimos, numa palavra, de
de 30 que lá nos encontrávamos, que chegara a dores e também de alegrias.
hora de pensar em nos constituirmos como
Movimento. Logo à partida, excluímos a hipótese APROVAÇÃO ECLESIAL
de sermos apenas uma «pia» associação, porque Em Maio de 2000, a Conferência Episcopal
não queríamos ficar parados, apenas com a Portuguesa aprovou o nosso Movimento. Sentimo-
consolação de estarmos juntos. Quisemos ser nos extremamente confortados com esse facto,
Movimento, precisamente para fazer uma porque sempre foi nossa intenção mantermo-nos
caminhada de mãos dadas, fraternalmente. «em Igreja», mesmo quando possamos discordar
Apenas por uma questão meramente legal de ou criticar alguma atitude que se nos afigura
registo de pessoa colectiva, foi necessário que menos evangélica da instituição à qual
ficasse «Associação Fraternitas Movimento». E foi pertencemos e que dá sentido ao nosso ser cristão.
no amadurecimento desta ideia que o nosso colega Muitos foram os Bispos, os Teólogos e os
Alberto Videira d’Assumpção, pintor de renome especialistas que nos acompanharam e continuam
nacional e internacional, se ofereceu para fazer o a acompanhar nesta nossa caminhada, e sempre
logotipo, tendo nós chegado a um acordo de que com enorme compreensão e sintonia. Muitos
3. espiral 3
foram os testemunhos que
pudemos dar desta nossa Sinais dos tempos
vivência, até nos meios de
comunicação social, embora por
vezes eles não tenham trans-
E se, perto de Outubro,
dedicássemos esta refle-
xão ao Papa João Paulo II – este
resignação tem mérito e atrai a
benevolência divina sobre toda a
Humanidade»! Assim, relembrou
mitido com fidelidade aquilo que mês era-lhe era tão querido, pois o testemunho de João Paulo II.
sentimos e vivemos. Inúmeras as nele foi eleito e coroado Papa, há É a continuidade renovada…
manifestações de apoio, rece- 28 anos –, e, no seguimento, a
bidas de todos os quadrantes Bento XVI? Vamos relembrar APELOS DO MUNDO
APELOS
dentro e fora do nosso país. algumas curiosidades, plenas de E se, com o aproximar do Dia
Claro que também nos che- doutrina actual. Mundial das Missões, ouvísse-
garam algumas vozes dis- Na festividade da Imaculada mos os apelos que nos chegam
cordantes, o que em nada nos Conceição de 2005, o jornal das terras de Missão?
assusta nem desanima. São «Abba» homenagiou o Papa Em Angola, médicos católi-
apenas sinal que estamos vivos, João Paulo II, inaugurando um cos e a associação «África
e é assim que queremos conjunto escultórico no coração Cuamm» desenvolvem grandes
continuar, até quando e onde de Madrid. Nele, aparece João esforços, em colaboração com
Deus nos conduzir. É n’Ele que Paulo II junto a um pedestal, no o Governo, de apoio aos mais
está a nossa Força e a nossa qual está, de pé, a Virgem Maria. pobres e no desenvolvimento –
Esperança. E confiamos que o O local foi escolhido porque ali novo nome da paz (Paulo VI) –,
Cónego Filipe está a interceder o Papa reuniu-se com milhares do sistema de saúde. Há imensos
por nós junto do Pai e não nos de peregrinos e canonizou cinco riscos para a saúde e muitos
deixará nunca desanimar. espanhóis, em 03.05.2002. É milhares de vítimas, provocadas
uma lição de fé e gratidão!... pela cólera, tuberculose e sida.
Bento XVI, atento aos sinais Desde 2000, «África
dos tempos e com o pensamento Cuamm» luta contra a tuberculo-
do seu antecessor de que «o se, nomeadamente nas provín-
Homem é o caminho da Igreja», cias de Uíge e Luanda. Na
e com a máxima de que «é capital, há 26 centros de
necessário tornar divino o que é tratamento e 14 laboratórios de
humano e bom», abençoou, no análises. Em 2005, houve
dia acima indicado, a chama dos 16.026 casos positivos dos 35
Jogos Olímpicos de Inverno de mil denunciados só naquelas
2006, que se celebraram em duas províncias!
Turim. O Papa afirmou, na Praça Em Moçambique, a cidade de
de S. Pedro: «Abençoo a tocha Moma, a terceira do país, situa-
olímpica; que esta chama se na costa. É uma das cidades
recorde os valores da paz e da mais pobres, de um dos países
fraternidade, que constituem o mais indigentes do mundo! Os
fundamento verdadeiro das médicos católicos reabilitaram
É justo salientar que este 10.º olimpíadas». inteiramente um hospital.
aniversário que festejamos não Dando continuidade à tradi- Todavia, os medicamentos e os
é o da Fraternitas, mas sim do ção dos seus antecessores, médicos são poucos, e os
primeiro e fundamental encontro Bento XVI visitou, na véspera de funcionários estão mal
de Julho de 1996, e foi aí que «Reis» (05.01.06), o «Presépio» preparados…
tudo começou. Não fora a montado pelos varredores da Há tempos, constou-me que
solicitude e a lúcida visão do cidade de Roma. Paulo VI um dos Bispos Eméritos
Cónego Filipe, e este caminho inaugurou as visitas em 1974. portugueses iria partir, como
não houvera começado! João Paulo II venerou-o 24 vezes. missionário, para um país de
E como diz o poeta espanhol: No Dia Mundial do Doente missão… Que grande Fé! Esse
“Caminhante, não há caminho! (12.02), Bento XVI afirmou na ouviu o Senhor: «Vinde para a
Faz-se caminho ao andar!” sua mensagem: «Asseguro-vos Minha Messe»!
Vasco Fernandes que cada prova acolhida com JosÉ silva pinto
4. 4 espiral
A PASTORAL DOS CHIAPAS
papado de Bento XVI, apresen-
Na diocese indígena de tando um papa amável, mode-
San Cristóbal de las Ca- rado e discreto, a região indígena
sas, província dos dos Chiapas é vítima duma
decisão arbitrária do Vaticano a
Chiapas, no México, hou-
cortar a possibilidade de ordenar
ve apenas oito ordena-
diáconos permanentes, frustran-
ções de sacerdotes nos do, assim, um pedido do arcebis-
últimos quarenta anos. po de San Cristóbal de las
Em contrapartida, no Casas, Felipe Arizmendi».
mesmo espaço de tempo O conflito entre o Vaticano e
entraram ao serviço 400 a diocese de San Cristóbal, na dores, quase só indígenas que
diáconos permanentes província sul-mexicana de não sabiam falar espanhol nem
casados. Roma teme que Chiapas, já fora notícia em ler nem escrever, foram sempre
uma tal situação tenha 1993, quando a cúria romana mantidos como escravos por
como objectivo final a forçou a resignação – dita estes «rancheros». Raramente
voluntária –, do bispo de então eram pagos em dinheiro. Uma
entrada ao serviço de
Samuel Ruiz. Dotado de uma parte do parco salário era-lhes
padres casados. A fim de
personalidade forte, Ruiz, bem no retida como renda das barracas
deter um tal movimento, sentido da mensagem de Cristo, onde eram instalados, o restante
Roma decretou também colocara-se ao lado da era pago em senhas para
uma paragem na orde- população indígena, extrema- fazerem as compras nas lojas
nação de diáconos. Por mente pobre, da diocese. caras dos latifundiários.
indeterminado.
tempo indeterminado . Por força destas circuns-
RAZÕES DA POBREZA tâncias, da corrupção generali-
Por: Walter Axtmann O substrato para esta zada e das promessas vãs dos
(De Kirche In) pobreza é a gorada reforma das sucessivos governos, a província
Tradução: João Simão
terras, impedida pela acção de dos Chiapas é a região mais
clãs familiares poderosos e de pobre do México.
grandes latifundiários, pela Enquanto turistas de todo o
corrupção generalizada e por mundo se espreguiçam nas
lutas políticas. praias de Acapulco e Cancun,
Realmente estava na lei que em Chiapas morre gente de
os gigantescos latifúndios teriam doenças banais como gripes e
de diminuir, mas nada mudou. diarreias. A mortalidade infantil
Mediante tácticas hábeis e o está acima da média nacional,
conluio de grupos de interesses, dois terços da população sofre
os agentes da autoridade locais de subnutrição. Tais condições
conseguiram torpedear a levaram ao surgimento do
reforma. Os índios, que trabalha- chamado Movimento Zapatista,
vam por um salário de fome, do «subcomandante Marcos»,
foram dominados por polícias que se apresenta sempre de cara
S ob o título «O Vaticano
não confia nos indígenas»,
o diário mexicano liberal de
privados armados, os chamados
«Guardias Blancas», ao serviço
dos grandes latifundiários.
tapada e cachimbo.
AMIGOS E INIMIGOS
esquerda «La Jornada» escrevia Agricultores incómodos eram Deve-se ao bispo Samuel Ruiz
em 19 de Abril de 2006: simplesmente abatidos por estes o facto de os Zapatistas, que
«Enquanto a máquina mediática desordeiros e grupos de assas- gozam de grande simpatia entre
romana noticia em grande sinos, os responsáveis nunca o povo – as suas fotos amare-
destaque o primeiro ano do foram conhecidos. Os trabalha- lecidas encontram-se à venda
página oficial na Internet: www.geocities.com/fraternitasmovimento * fraternitas@netcabo.pt * página oficial na Internet: www.geocities.com/
5. espiral 5
em quase todos os quiosques –, Mas também Arizmendi não ideologia que deseja a
terem sempre procurado não se pôde ou não quis afastar-se da instauração duma igreja
envolverem em conflitos arma- atmosfera da diocese de San autóctone. Por essa razão, a
dos, mas conseguir mudanças Cristóbal tão fortemente marca- assembleia das várias Congre-
por meios políticos. da pela personalidade de Ruiz. gações pronunciou-se a favor
Naturalmente o governo Numa carta de 20 de Julho duma suspensão da ordenação
observava, com má disposição de 2000 dirigida ao novo bispo, de diáconos permanentes a
crescente, as actividades do a Congregação para o Culto vigorar enquanto não for
bispo e da sua equipa. Divino tornava bem claro que eliminado o problema ideológico
Começou por denunciá-lo ao considera indesejável a conti- subjacente. Além disso, é
Vaticano, mas o efeito foi o nuação da «linha Ruiz», vista necessário reforçar a pastoral
contrário do que se pretendia: a como uma via especial dema- vocacional para um sacerdócio
notícia sobre a manipulação siado independente. Também celibatário (…) e, simulta-
romana desencadeou uma larga não deviam ser ordenados mais neamente, desistir da formação
onda de solidariedade com Ruiz. diáconos, pois o número de 400 de mais candidatos ao diaco-
Face ao levantamento zapatista relativamente aos cerca de 40 nado permanente». A ordenação
de 1 de Janeiro de 1994, o padres em actividade na diocese, de diáconos permanentes tende
nome do bispo Ruiz foi mesmo parte deles estrangeiros, era bem para o padre casado. Com isso
sugerido por ambas as partes desproporcionado. estar-se-ia a despertar nos fiéis
como mediador para a paz. Quando, apesar disso, uma esperança «sem que esta se
Com o objectivo de, pelo Arizmendi ordenou em 2002 possa tornar realidade».
menos, enfraquecer a posição alguns diáconos, recebeu novo
do bispo, Roma colocou-lhe na aviso da Congregação para o APELO A BENTO XVI
APELO BENTO
diocese um bispo auxiliar com Culto Divino: Se o número de Segundo o «Orientierung»,
direito de sucessão, o domi- diáconos permanentes conti- publicação dos jesuítas suíços,
nicano Raul Vera. Mas este foi nuasse a aumentar, poder-se-ia em 24 de Março de 2006, por
para o Vaticano «uma bomba criar a impressão de que estava ocasião duma procissão de
que não deflagrou», pois acabou a ser prosseguido o caminho do cerca de dez mil indígenas
por seguir as pegadas de Ruiz. bispo Ruiz. Daí a directiva de através da cidade de San
Uma vez que a transmissão de Roma: Durante cinco anos não Cristóbal de las Casas, foi
poderes deveria ter lugar no ano poderão ser ordenados mais também lida uma carta ao Papa
2000, os dois bispos prepara- diáconos na diocese. Bento XVI, na qual é solicitado o
ram cuidadosamente a suces- O bispo não ficou satisfeito. levantamento da dita proibição
são. Desde 1995 até 1999 Em 2005, por ocasião duma da ordenação de diáconos. Os
reuniu o sínodo diocesano sob visita a Roma, pediu o levanta- autores da carta salientavam
o tema «Do Vaticano II ao mento da proibição. Mas o que quão importante é para a
Terceiro Milénio», cujas afinal conseguiu foi o endureci- compreensão da sua fé a
deliberações pastorais foram mento da posição: a proibição pastoral de clérigos indígenas
globalmente levadas muito sério. será por tempo indeterminado. nas suas comunidades e que,
Como coroação deste trabalho, Este tom redondo da proibição nos últimos cinco anos, foram
103 indígenas foram ordenados romana mostra claramente que, formados 200 diáconos, cujo
diácono no ano 2000. para o Vaticano, não são os serviço às populações, com a
aspectos pastorais, mesmo prorrogação da proibição de
ORDENS DE ROMA «humanos», que são determi- ordenação, se desmoronará.
Tinha de haver um castigo: o nantes, mas a sacrossanta lei do De Valência, Espanha, onde
«ingrato» bispo auxiliar Raul celibato, hiperestilizada a dogma participava no 5.º Encontro de
Vera, em vez de suceder a ao longo da história. Famílias, o papa Bento XVI
Samuel Ruiz como estava Não se pode deixar de ver – anunciou que visitaria o México
previsto, foi transferido para diz a carta de Roma – que «cinco em 2009. Deus queira que os
Saltilho, no Norte do México. anos após a retirada do bispo cristãos de Chiapas não tenham
Para sucessor de Samuel Ruiz Samuel Ruiz do governo da de esperar tanto tempo por uma
era agora nomeado o bispo de diocese de San Cristóval de las – oxalá condescendente –,
Tapachula, Felipe Arizmendi. Casas, ainda predomina aquela resposta do Vaticano.
/fraternitasmovimento * fraternitas@netcabo.pt * página oficial na Internet: www.geocities.com/fraternitasmovimento * fraternitas@netcabo.pt
6. 6 espiral
CORREIO Breves...
Recebi também o boletim
Fraternitas que li com interesse. Falecimento:
Um recomeço com muito vigor O António Almeida Duarte, sócio n.º 18, residente em Lisboa
espiritual. e natural de Castro Daire, está de luto pelo falecimento da mâe
Abraço-vos fraternalmente. no passado dia 14 de Junho.
D. Carlos Azevedo (Bispo Foi sepultada no dia seguinte na referida Vila de Castro Daire,
Auxiliar de Lisboa) estando presentes alguns elementos da Fraternitas nas
cerimónias fúnebres.
Caríssimo.
Bem haja por me ter enviado o
n.º 23 de «Espiral». Nascimento:
Gostei de saber que já há mais O Luís e a Eduarda Cunha foram bafejados, no passado
de 100 sócios. dia 27 de Agosto, com o nascimento do seu 3.º neto, no caso,
Saudações às «cunhadas». a neta Sara (linda, como não podia deixar de ser!), da filha
Um abraço sincero. Maria Ângela e do Filipe, residentes em Aveiro.
D. Serafim de Sousa
Ferreira e Silva Ecos do Simpósio do Clero
(Bispo Emérito de Leiria-
Fátima) Realizou-se em Fátima, de 5 a 8 de Setembro, o V Simpósio
do Clero de Portugal. Teve como tema «O Presbitério em
Um abraço muito amigo,
comunhão ao serviço da comunhão eclesial». Como mote,
agradecendo mais um número de
afirmou que os presbíteros são homens dados ao povo de Deus
«Espiral», com votos de que
para viver a comunhão e construir em Igreja a comunidade.
prossigam, convictos e fraternos, na
As conclusões afirmam que o sacerdote enfrenta novos
inter-ajuda e na sensibilidade
desafios: «A interpretação da nova situação religiosa e cultural
evangélica a tantos sofredores!
em que o sacerdote é chamado a realizar o seu ministério e
Não podemos abandonar ninguém.
vocação, caracterizada pelo individualismo pós moderno de um
Sobretudo, não permitir que
homem dilacerado pela ruptura entre a cultura e a fé e
ninguém se sinta abandonado! E
confundido pela mudança de alguns paradigmas de
alguém que serviu - tendo a
pensamento, desafiou os presentes a viver o contraponto da
confiança da Igreja! - na primeira
comunhão, anunciando aos filhos da modernidade a referência
linha!
central da verdade do homem, Jesus Cristo. Destacou-se a
Um abraço muito amigo.
necessidade de redefinir e reafirmar uma identidade presbiteral
D. Januário Torgal
Ferreira (Bispo das Forças eucarística, aquela que resulta da intimidade com Jesus Cristo
Armadas) e da solidariedade com os irmãos.
Foi solicitada uma maior visibilidade pública do presbítero
Cumprimenta e agradece o no meio do mundo, onde leve a cabo a missão da profecia e da
envio do último número de Espiral. simpatia por esse mundo. Urge, ainda, rever a própria pregação
Cordialmente. para que esta seja significativa e verdadeira proposta de sentido.
Ressaltou-se, também, que muitas das solicitações pastorais
D. António Montes (Bispo
de Bragança-Miranda) dirigidas aos presbíteros resultam da inoperância de muitos
intervenientes ou agentes eclesiais com os quais o presbítero
De D. Manuel Martins, Bispo deve construir a comunhão eclesial e a corresponsabilidade
Emérito de Setúbal, recebemos uma pastoral.»
simpática carta em que como Olhou-se para a Trindade como modelo de
sempre se refere ao boletim corresponsabilidade. «O conceito de sinodalidade permitiu
«Espiral» e envia para a «Partilha pensar a Igreja como caminho conjunto onde todos são um só
fraterna» do nosso Movimento 100 corpo em Cristo.»
preciosos euros. Por fim, «olhando Cristo que dá a Vida, “que nos amou e Se
A nossa sentida gratidão ao entregou por nós como oferta”, e aprendendo com Ele como
Senhor D. Manuel por este gesto tão Bom Pastor, o presbítero é um homem dado ao povo, porque é
significativo. um homem totalmente entregue a Deus por amor do povo.»
7. espiral 7
CASA DO GAIATO
A «Obra da Rua» acolhe injustiça criam toda a espécie de a si próprias, degeneraram em
crianças e jovens, sem crueldade e marginalização. hábitos de vida, que as degra-
família ou com uma fa- dam sempre mais.
mília que não lhes dá CASA-MÃE As Casas do Gaiato são
A Casa de Paço de Sousa oásis. O trabalho simples,
apoio nem preparação
aparece depois doutras expe- acessível, é pedagogia acertada.
para a vida.
riências. Primeiramente, as Trabalham como quem brinca?
O sonho começou há
bastantes anos. O
Padre Américo visitava os bairros
colónias de férias. Um espaço
novo! É possível durante uns dias
uma experiência de vida a sério...
Todos sabemos que o trabalho é
exigente, condição de progresso
e felicidade. Quem estava
pobres da cidade do Porto, É uma gota no oceano. Não se abandonado, sem controlo, à
situados ali pela Sé e Miragaia. cura o mal: acende-se uma luz míngua de todos os valores,
É o Barredo. Ainda hoje, apesar no horizonte. encontra no trabalho uma forma
dos programas de recuperação Paço de Sousa concretiza o de valoração pessoal e resposta
social, esta zona é difícil. Há sonho. A primeira casa recebe os adequada para se integrar na
cinquenta anos, a gente bem seus hóspedes. Outras lhe sociedade. O trabalho simples,
não se arriscava por aquelas seguirão. A aldeia ganha formas. à medida das nossas forças, é
bandas. Tinha má fama. Era O projecto inicial é ambici-oso. contributo para o bem-estar
antro de miséria e de doenças. Os rapazes avessos à escola, à colectivo e a autoestima.
A tuberculose assentava ar- disciplina, rebeldes, vão
raiais... A fome, o desemprego, descobrir uma nova forma de TESTEMUNHO VIVO
a marginalidade aliavam-se. O vida. Pelo trabalho diário, Padre Américo morreu há
Padre Américo era visita assídua constroem o homem novo, cinquenta anos. A sua memória
aos doentes. A sua presença era descobrem poten-cialidades continua viva. São Nicolau, na
uma bênção: uma palavra, um ignoradas. Uma nova pedagogia Ribeira, lembrou a sua figura, a
conselho, um pouco de pão… trará frutos. E os rebeldes de sua palavra, os seus compromis-
A miséria imerecida daquela outrora são obreiros honestos sos, a sua vida. Velhinhos teste-
gente afrontava-o. Os rostos numa sociedade nova. munharam. Recordaram a figu-
macilentos e enfezados das Ventos novos sopram nas ra simples do padre, que
crianças tiravam-lhe o sono. Casas do Gaiato. Hoje novas distribuía sorrisos, esperança.
Vidas sem futuro! Portas técnicas repudiam os velhos Padre Américo é figura
fechadas! A exploração humana métodos. Nós aceitamos a actual: pedagogo, homem de
desta gente tornava o ambiente evolução. Sabemos que a ciência Deus. Tem fama de Santo. No
irrespirável. Que fazer? tem os seus caminhos. Mas a coração do povo, não há dúvida.
Havia outras certezas que os experiência também nos diz que A sua obra testemunha que só o
olhos negavam. «Não há nem sempre a evidência segue amor é forte para conseguir as
rapazes maus!» – dizia-se muitas os melhores caminhos. A Casa transformações necessárias, que
vezes para se convencer. As do Gaiato é uma realidade dão sentido à vida. Só o amor
situações, acumuladas, de complexa. As crianças e os salvará o mundo! Não faltam
jovens são retirados de meios para vencer a fome, o
meios sociais e humanos subdesenvolvimento, a miséria, a
onde a força domina, a exploração… O Padre Américo
violência é raínha, a entendia-se com a Providência,
mentira moeda corrente, que nunca lhe faltava. Só o amor
a explo-ração mais atroz aproximará as pessoas e vencerá
comummente aceite. as burocracias. Só o amor
Estas crianças são encontrará as respostas que
produ-to desta sociedade darão a paz verdadeira a todos
de consumo. Sempre os homens.
abandonadas, entregues Joaquim Soares
8. Assim nasceu a democracia
O cristianismo tem uma força capaz de restabelecer a paz, provou-o o arcebis-
Tutu, para
po anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz em 1984, com a «Comissão par a a
Verdade e a Reconciliação». Centenas de assassinos do regime do «apartheid»
foram depor e milhares de vítimas optaram pela reconciliação em vez da vin-
conversou
gança. A «De Kirche In» c onversou com ele.
Kirche: Iniciou há dez que aí não agiu bem. Parecia que a Comissão
anos o trabalho da Comis- estava do lado dos criminosos e não das vítimas.
são. Que balanço faz? K: A reparação às vítimas continua?
- Tutu: O facto de o mundo T: Infelizmente. Os muitos que sofreram nestes
ainda hoje se admirar com o alto anos não foram tratados de forma generosa. Há
nível da estabilidade política da vítimas que sofreram horrores indescritíveis e ainda
África do Sul deve-se à existência estamos em grande falta para com elas. O
da Comissão para a Verdade e Governo tem tentado esboçar alguns gestos,
a Reconciliação. Quando o como o de dar o nome dalgumas dessas vítimas a
«apartheid» acabou, muitos lugares públicos, escolas e ruas. Mas penso que
pensavam que, de imediato, os negros cairiam ainda não fizemos o suficiente.
sobre os brancos para vingarem as injustiças
sofridas. Isso não aconteceu. É um considerável OITENTA ANOS DE SEGREGAÇÃO
mérito da Comissão. 1910 – Após duas guerras contra os ingleses, as
Foi
K : Foi esse o seu maior êxito? colónias de então uniram-se num Estado: nascia a
T: Eu diria sim. Procurámos, por todas as formas África do Sul.
possíveis, instituir reconciliação e não esconder 1913 – 1948 - Conflitos entre os partidos dos
nem calar nada. Procurámos lançar luz sobre o negros e dos brancos. Em 1913, uma lei que proíbe
a aquisição de terras pelos negros.
passado sem esconder que praticámos coisas
1948 – O «apartheid» é aprovado como lei: os
horríveis uns contra os outros. cidadãos são classificados segundo a raça. Nelson
K: O que não correu bem? Mandela apela à desobediência civil.
T: A nossa maior falha foi não termos 1990-1994 – Fim do «apartheid». Mandela deixa
conseguido ganhar a colaboração dos brancos, a prisão e torna-se o primeiro Chefe de Estado
na medida que gostaríamos que tivesse sido. Mas multiracial do país.
uma grande dose de responsabilidade deveu-se
também aos líderes brancos de outrora, que não K:Como está a África do Sul 12 anos
esclareceram convenientemente a sua gente sobre após o fim do regime do «apartheid»?
as oportunidades que se lhes abriam: que os T: Temos muitos problemas. Faltam casas, há
negros ofereciam a reconciliação em vez de muito desemprego, violência, a população é
procurarem a vingança. Os brancos podiam dizimada pela sida. Mas o povo esquece
ultrapassar o passado, deitá-lo para trás, mas frequentemente que só desde há poucos anos
muitos viram nisso apenas uma humilhação. somos um país democrático.
Foi
K : Foi essa a razão porque os «grandes Quando se vê como o furacão Kathrina
nomes», os políticos do «apartheid», não desmascarou uma nação como os Estados
compareceram na Comissão? Unidos, talvez se compreenda quanto há a fazer
T: Sim. Para obter amnistia apareceu muito em prol duma ordem democrática estável.
peixe miúdo, mas apenas alguns grandes. Esse Quando se considera o ponto de que a África do
foi um dos pontos fracos. Outro foi o facto de não Sul partiu, o país sabe que pode atingir resultados
estarmos em condições de dar às vítimas do maravilhosos: mesmo aqueles que vivem situações
«apartheid» uma reparação imediata. Não houve dramáticas, não optaram por vingar-se dos
para isso uma autorização do Governo, como brancos, mas esperam que o governo faça alguma
aconteceu relativamente à amnistia. A questão coisa por eles. Porém o governo tem de agir
económica permaneceu nas mãos do Governo, energicamente – e para toda a nação.
espiral Boletim
da Associação Fraternitas Movimento
Responsável: Fernando Félix
Praceta dos Malmequeres, 4 - 3º Esq.
Massamá / 2745-816 Queluz
Nº 24 - Julho/Setembro de 2006
e-mail: fernfelix@gmail.com