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PERTURBAÇÕES       DO   DESENVOLVIMENTO




                                                    Dislexia:
                                                    Como identificar?
                                                    Como intervir?
                                                    PAULA TELES*



  A dislexia é talvez a causa mais frequente de baixo rendimento e insucesso escolar. Na grande
  maioria dos casos não é identificada, nem correctamente tratada. O objectivo deste artigo é dar
  a conhecer os conceitos básicos desta perturbação, de modo a permitir aos médicos de família conhe-
  cer e identificar, nas crianças, os sinais de risco precoces, colocar a hipótese do seu diagnóstico e   tências necessárias a essa aprendiza-
  encaminhá-las para uma avaliação e intervenção especializada.                                           gem? Quais os défices que a dificultam?
                                                                                                          Quais as componentes dos métodos ed-
  Palavras Chave: Dislexia; disortografia; perturbação da leitura e da escrita.                           ucativos que conduzem a um maior
                                                                                                          sucesso?
                                                                                                             Os Estados Unidos têm sido pionei-
                                                                          INTRODUÇÃO
                                                                           EDITORIAIS                     ros na investigação científica, na legis-
                                                                                                          lação educativa, na orientação sobre os
                                                                                                          métodos de ensino que provaram ser os
                                                                   saber ler é uma das apren-             mais eficientes. Na Europa não existe


                                                    O              dizagens mais importan-
                                                                   tes, porque é a chave que
                                                                   permite o acesso a todos
                                                    os outros saberes. A leitura e a escrita
                                                    são formas do processamento linguís-
                                                                                                          uma base legal comum que apoie as
                                                                                                          crianças disléxicas. A grande maioria
                                                                                                          continua sem ser diagnosticada e sem
                                                                                                          beneficiar de uma intervenção especia-
                                                                                                          lizada. No nosso país o Decreto-lei 319/
                                                    tico. Aprender a ler, embora seja uma                 /95, aplica-se às crianças com necessi-
                                                    competência complexa, é relativamente                 dades educativas especiais, mas não
                                                    fácil para a maioria das pessoas.                     faz qualquer referência em relação à
                                                    Contudo, um número significativo de                   metodologia reeducativa a adoptar.
                                                    pessoas, embora possuindo um nível                       Na grande maioria dos casos os alu-
                                                    de inteligência médio ou superior, mani-              nos dependem da «benevolência» dos
                                                    festa dificuldades na sua aprendizagem.               professores, desculpando a falta de cor-
                                                    Até há poucos anos a origem desta difi-               recção, a fluência leitora, a limitação
                                                    culdade era desconhecida, era uma in-                 vocabular, os erros ortográficos... Uma
                                                    capacidade invisível, um mistério, que                situação preocupante é a deficiente for-
                                                    gerou mitos e preconceitos estigmati-                 mação não só dos professores mas, o
                                                    zando as crianças, os jovens e os adul-               que é ainda mais grave, a deficiente for-
                                                    tos que a não conseguiam ultrapassar.                 mação dos responsáveis pela formação
                                                       Nos últimos anos os estudos realiza-               dos professores. Um sinal muito positi-
                                                    dos por neurocientistas, utilizando a                 vo é o interesse crescente que este tema
                                                    Ressonância Magnética Funcional,                      tem suscitado; nos últimos anos têm
                                                    (fMRI), permitiram observar o funciona-               sido realizados diversos congressos,
                                                    mento do cérebro durante as activida-                 seminários, jornadas...
                                                    des de leitura e escrita e obtiveram um                  Os resultados dos estudos recente-
                                                    conjunto bastante consistente de con-                 mente publicados pela OCDE, sobre o
                                                    clusões sobre as seguintes questões:                  nível de literacia e o sucesso escolar, co-
                *Psicóloga Educacional,
                                                    Como funciona o cérebro durante as                    locam Portugal nos últimos lugares
                especialista em dislexia            actividades de leitura? Quais as compe-               constituindo mais um sinal de alerta e

                                                                                                                    Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30   713
DOSSIER
PERTURBAÇÕES     DO   DESENVOLVIMENTO




 preocupação. Este artigo pretende ser        esta perturbação tem recebido diversas
 um contributo para a sinalização e           denominações: «cegueira verbal congé-
 orientação das crianças em risco, ou         nita», «dislexia congénita», «estrefossim-
 com dificuldades, nesta aprendizagem         bolia», «alexia do desenvolvimento»,
 tão determinante no percurso das suas        «dislexia constitucional», «parte do con-
 vidas.                                       tínuo das perturbações de linguagem,
    Em que medida este artigo pode in-        caracterizada por um défice no proces-
 teressar os médicos de família? Sendo        samento verbal dos sons»...
 o médico de família o especialista que          Nos anos 60, sob a influência das
 acompanha todos os elementos do agre-        correntes psicodinâmicas, foram mini-
 gado familiar, ao longo de toda a vida e,    mizados os aspectos biológicos da dis-
 sendo a dislexia uma perturbação com         lexia, atribuindo as dificuldades leitoras
 incidência familiar, encontra-se numa        a problemas emocionais, afectivos e
 situação privilegiada para poder inter-      «imaturidade»2. Em 1968, a Federação
 vir precocemente, logo que observe al-       Mundial de Neurologia utilizou pela pri-
 guns indicadores de risco na história        meira vez a expressão «dislexia do de-
 pessoal ou familiar. Não se pretende         senvolvimento», definindo-a como «um
 que o médico de família seja um «espe-       transtorno que se manifesta por dificul-
 cialista» nesta área, mas sim que conhe-     dades na aprendizagem da leitura, ape-
 ça os sinais de alerta, para os poder        sar das crianças serem ensinadas com
 identificar o mais precocemente possí-       métodos de ensino convencionais,
 vel e encaminhar para uma avaliação          terem inteligência normal e oportunida-
 especializada. A intervenção é um de-        des socioculturais adequadas»3. Em
 safio que se coloca a todos os responsá-     1994, O Manual de Diagnóstico e Es-
 veis pela saúde e desenvolvimento in-        tatística de Doenças Mentais, DSM IV,
 fantil: médicos, psicólogos, investiga-      inclui a dislexia nas perturbações de
 dores, professores das escolas superio-      aprendizagem, utiliza a denominação
 res de educação, professores, pais e         «perturbação da leitura e da escrita» e
 governantes.                                 estabelece os seguintes critérios de
    Este artigo propõe-se sumarizar os        diagnóstico4:
 resultados dos recentes estudos sobre        A. O rendimento na leitura/escrita,
 dislexia e a nova ciência da leitura. O          medido através de provas normali-
 seu objectivo é contribuir para um co-           zadas, situa-se substancialmente
 nhecimento actualizado desta pertur-             abaixo do nível esperado para a ida-
 bação, alertar e sensibilizar para os si-        de do sujeito, quociente de inteli-
 nais indiciadores de futuras dificulda-          gência e escolaridade própria para a
 des, possibilitar a avaliação e interven-        sua idade;
 ção precoce, em síntese, prevenir o          B. A perturbação interfere signifi-
 insucesso antes de acontecer.                    cativamente com o rendimento esco-
                                                  lar, ou actividades da vida quotidi-
                                                  ana que requerem aptidões de leitu-
       EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA,          ra/escrita;
      DEFINIÇÕES E CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO   C. Se existe um défice sensorial, as di-
                                                  ficuldades são excessivas em relação
 Em 1896, Pringle Morgan, descreveu o             às que lhe estariam habitualmente
 caso clínico de um jovem de 14 anos              associadas.
 que, apesar de ser inteligente, tinha           Em 2003, a Associação Internacional
 uma incapacidade quase absoluta em           de Dislexia adoptou a seguinte defi-
 relação à linguagem escrita, que desig-      nição: «Dislexia é uma incapacidade es-
 nou de «cegueira verbal»1. Desde então       pecífica de aprendizagem, de origem

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DOSSIER
                                                        PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




neurobiológica. É caracterizada por difi-     fofonémica) e a compreensão da mensa-
culdades na correcção e/ou fluência na        gem escrita. Para que um texto escrito
leitura de palavras e por baixa com-          seja compreendido tem que ser lido pri-
petência leitora e ortográfica. Estas difi-   meiro, isto é, descodificado. O défice fo-
culdades resultam de um défice fono-          nológico dificulta apenas a descodifica-
lógico, inesperado, em relação às outras      ção. Todas as competências cognitivas
capacidades cognitivas e às condições         superiores, necessárias à compreensão,
educativas. Secundariamente podem             estão intactas: a inteligência geral, o vo-
surgir dificuldades de compreensão            cabulário, a sintaxe, o discurso, o
leitora, experiência de leitura reduzida      raciocínio e a formação de conceitos.
que pode impedir o desenvolvimento do
vocabulário e dos conhecimentos               COMO FUNCIONA O CÉREBRO
gerais»5. Esta definição de dislexia é a      DURANTE A LEITURA?
actualmente aceite pela grande maioria        Sally Shaywitz e colaborabores (1998)
da comunidade científica.                     utilizaram a fMRI para estudar o fun-
                                              cionamento do cérebro, durante as tare-
                                              fas de leitura e identificaram três áreas,
          TEORIAS EXPLICATIVAS
               EDITORIAIS                     no hemisfério esquerdo, que desem-
                                              penham funções chave no processo de
Durante muitos anos a causa da disle-         leitura: o girus inferior frontal, a área
xia permaneceu um mistério. Os estu-          parietal-temporal e a área occipital-tem-
dos recentes têm sido convergentes, quer      poral (Fig. 1)8,9:
em relação à sua origem genética e neu-       • A região inferior-frontal é a área da
robiológica, quer em relação aos proces-      linguagem oral. É a zona onde se pro-
sos cognitivos que lhe estão subjacentes.     cessa a vocalização e articulação das
Têm sido formuladas diversas teorias          palavras, onde se inicia a análise dos fo-
em relação aos processos cognitivos res-      nemas. A subvocalização ajuda a leitu-
ponsáveis por estas dificuldades.             ra fornecendo um modelo oral das pa-
                                              lavras. Esta zona está particularmen-
1. Teoria do défice fonológico                te activa nos leitores iniciantes e dis-
Nos estudos sobre as causas das difi-         léxicos.
culdades leitoras a hipótese aceite pela      • A região parietal-temporal é a área
grande maioria dos investigadores é a         onde é feita a análise das palavras.
hipótese do défice fonológico6. De acor-      Realiza o processamento visual da for-
do com esta hipótese, a dislexia é causa-     ma das letras, a correspondência grafo-
da por um défice no sistema de proces-        fonémica, a segmentação e a fusão
samento fonológico motivado por a uma         silábica e fonémica. Esta leitura analíti-
«disrupção» no sistema neurológico ce-        ca processa-se lentamente, é a via uti-
rebral, ao nível do processamento             lizada pelos leitores iniciantes e dislé-
fonológico7. Este défice fonológico difi-     xicos.
culta a discriminação e processamento         • A região occipital-temporal é a área
dos sons da linguagem, a consciência          onde se processa o reconhecimento vi-
de que a linguagem é formada por pala-        sual das palavras, onde se realiza a
vras, as palavras por sílabas, as sílabas     leitura rápida e automática. É a zona
por fonemas e o conhecimento de que           para onde convergem todas as infor-
os caracteres do alfabeto são a repre-        mações dos diferentes sistemas sen-
sentação gráfica desses fonemas8.             soriais, onde se encontra armazenado
   A leitura integra dois processos           o «modelo neurológico da palavra». Este
cognitivos distintos e indissociáveis: a      modelo contem a informação relevante
descodificação (a correspondência gra-        sobre cada palavra, integra a ortografia

                                                        Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30   715
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PERTURBAÇÕES         DO   DESENVOLVIMENTO




                                                                            Região Parietal Temporal

                                                                              Análise das Palavras




         Região Inferior Frontal

      Articulação dos Fonemas

                                                                            Região Occipital Temporal

                                                                                Leitura Automática


 Figura 1. Áreas cerebrais envolvidas no processo de leitura.
 Adaptado de Sally Shaywitz8




 «como parece», a pronúncia «como soa»,                         das necessidades funcionais dos
 o significado «o que quer dizer». Quan-                        leitores ao longo do seu processo evo-
 to mais automaticamente for feita a                            lutivo.
 activação desta área, mais eficiente é o                          As crianças com dislexia apresentam
 processo leitor.                                               uma «disrupção» no sistema neurológi-
    Os leitores eficientes utilizam este                        co que dificulta o processamento fono-
 percurso rápido e automático para ler                          lógico e o consequente acesso ao siste-
 as palavras. Activam intensamente os                           ma de análise das palavras e ao siste-
 sistemas neurológicos que envolvem a                           ma de leitura automática. Para com-
 região parietal-temporal e a occipital-                        pensar esta dificuldade utilizam mais
 -temporal e conseguem ler as palavras                          intensamente a área da linguagem oral,
 instantaneamente (em menos de 150                              região inferior-frontal, e as áreas do
 milésimos de segundo).                                         hemisfério direito que fornecem pistas
    Os leitores disléxicos utilizam um                          visuais.
 percurso lento e analítico para descodi-
 ficar as palavras. Activam intensamente                        2. Teoria do défice de automatização
 o girus inferior frontal, onde vocalizam                       A teoria do défice de automatização refe-
 as palavras, e a zona parietal-temporal,                       re que a dislexia é caracterizada por um
 onde segmentam as palavras em                                  défice generalizado na capacidade de
 sílabas e em fonemas, fazem a tradução                         automatização10.Os disléxicos manifes-
 grafo-fonémica, a fusão fonémica e as                          tam evidentes dificuldades em automa-
 fusões silábicas até aceder ao seu signi-                      tizar a descodificação das palavras, em
 ficado.                                                        realizar uma leitura fluente, correcta e
    Os diferentes sub-sistemas desem-                           compreensiva.
 penham diferentes funções na leitura.                             As implicações educacionais desta
 O modo como são activados depende                              teoria propõem a realização de várias ta-

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DOSSIER
                                                      PERTURBAÇÕES     DO   DESENVOLVIMENTO




refas para automatizar a descodificação      los de risco, com influência na dislexia.
das palavras: treino da correspondên-        As cinco localizações foram encontra-
cia grafo-fonémica, da fusão fonémica,       das nos cromossomas 2p, 3p-q, 6p, 15q
da fusão silábica, leitura repetida de co-   e 18p18. Os resultados de estudos post-
lunas de palavras, de frases, de textos,     -mortem, realizados em cérebros de dis-
exercícios de leitura de palavras apre-      léxicos, mostraram diferenças micros-
sentadas durante breves instantes11.         cópicas e macroscópicas importan-
                                             tes19,20.
3. Teoria magnocelular                          Os resultados de estudos, realizados
A teoria magnocelular atribui a dislexia     em cérebros vivos, evidenciam diferen-
a um défice específico na transferência      ças semelhantes21.
das informações sensoriais dos olhos
para as áreas primárias do córtex12.
As pessoas com dislexia têm, de acor-
                                                    PREVALÊNCIA, DISTRIBUIÇÃO
do com esta teoria, baixa sensibilidade              POR SEXOS, PERSISTÊNCIA
face a estímulos com pouco contraste,
com baixas frequências espaciais ou al-      A dislexia é provavelmente a pertur-
tas-frequências temporais. Esta teoria       bação mais frequente entre a população
não identifica, nem faz quaisquer refe-      escolar, sendo referida uma prevalência
rências, a défices de convergência bino-     entre 5 a 17,5 %22. A prevalência é,
cular. O processo de descodificação          contudo, variável dependendo do grau
poderia ser facilitado se o contraste en-    de dificuldade dos diferentes idiomas.
tre as letras e a folha de papel fosse re-   No nosso país não existem estudos so-
duzido utilizando uma transparência          bre a prevalência.
azul, ou cinzenta, por cima da página13.        Em relação à distribuição por sexos
Esta teoria tem sido muito contestada        tem-se verificado uma evolução ao lon-
porque os resultados não são repro-          go dos tempos. Inicialmente era referi-
duzíveis10.                                  da uma maior prevalência no sexo mas-
                                             culino, nos últimos anos passou a ser
BASES NEUROBIOLÓGICAS DA DISLEXIA            referida uma distribuição igual em am-
Até há poucos anos pensava-se que a          bos os sexos23. 23 Um estudo publicado
dislexia era uma perturbação compor-         em Abril deste ano volta a referir que o
tamental que primariamente afectava a        número de rapazes com dislexia é, pelo
leitura. Actualmente sabe-se que a dis-      menos, duas vezes superior ao das ra-
lexia é uma perturbação parcialmente         parigas24.
herdada, com manifestações clínicas             Tem sido considerado que o défice
complexas, incluindo défices na leitu-       cognitivo que está na origem da dislexia
ra, no processamento fonológico, na          persiste ao longo da vida, ainda que as
memória de trabalho, na capacidade de        suas consequências e expressão variem
nomeação rápida, na coordenação sen-         sensivelmente. Recentemente foram re-
soriomotora, na automatização10, e no        alizados estudos, com o objectivo de ava-
processamento sensorial precoce15,16.        liar as modificações operadas nos sis-
   Vários estudos têm procurado en-          temas neurológicos cerebrais, após a in-
contrar no genoma humano a localiza-         tervenção utilizando programas multis-
ção dos genes responsáveis pela disle-       senssoriais, estruturados e cumulati-
xia. Diversos estudos têm demonstra-         vos. As imagens obtidas através da fMRI
do a hereditariedade da dislexia17. As       mostraram que os circuitos neurológi-
mais recentes pesquisas sobre genéti-        cos automáticos do hemisfério esquer-
ca e dislexia referem que existem, pre-      do tinham sido activados e o funciona-
sentemente, cinco localizações para ale-     mento cerebral tinha «normalizado»25.

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DOSSIER
PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




                 COMORBILIDADES
                   EDITORIAIS               3. A dislexia só pode ser
                                            diagnosticada e tratada depois
                                            do insucesso na leitura?
 Embora a base cognitiva da dislexia seja   O conhecimento do défice fonológico
 um défice fonológico é frequente a co-     subjacente à aprendizagem da leitura
 morbilidade com outras perturbações:       permite a identificação dos sinais de aler-
 perturbação da atenção com hiperacti-      ta e a consequente intervenção precoce.
 vidade (ADHD), perturbação específica
 da linguagem (PEL), discalculia, pertur-   4. A dislexia passa com o tempo?
 bação da coordenação motora, pertur-       A dislexia mantém-se ao longo da vida,
 bação do comportamento, perturbação        não é um atraso maturativo transitório.
 do humor, perturbação de oposição e        É uma perturbação neurológica que ne-
 desvalorização da autoestima. A ADHD       cessita de uma intervenção precoce e
 merece referência especial, por ser a      especializada28.
 perturbação que se associa com maior
 frequência26. Os estudos de gémeos,        5. Repetir o ano ajuda a ultrapassar
 mostram uma influência genética co-        a dificuldade?
 mum, já identificada no locus de risco     Repetir anos de escolaridade não ajuda
 6p, sendo maior para a dimensão de         a ultrapassar as dificuldades, pelo con-
 inatenção do que para a hiperactivi-       trário, pode criar dificuldades acresci-
 dade/impulsividade27.                      das a nível afectivo emocional: senti-
                                            mentos de frustração, ansiedade, des-
                                            valorização do autoconceito e da au-
      MITOS E CONHECIMENTO CIENTÍFICO
                EDITORIAIS
                                            toestima. O importante é que a criança
                                            seja avaliada e receba uma intervenção
 Até muito recentemente a dislexia era      especializada.
 uma incapacidade sem uma base or-
 gânica identificada, sendo apenas vi-      6. Deve evitar-se identificar as
 síveis as suas manifestações. O des-       crianças como disléxicas?
 conhecimento científico contribuiu para    Em alguns meios escolares e médicos
 o aparecimento de diversos mitos.          existe alguma relutância em avaliar e
                                            diagnosticar, em «rotular» as dificulda-
 1. Não existe dislexia?                    des de aprendizagem. Ignorar uma per-
 A dislexia existe, é uma incapacidade      turbação não ajuda a ultrapassá-la, pe-
 específica de aprendizagem, de origem      lo contrário, contribui para o seu agra-
 neurobiológica, caracterizada por difi-    vamento. Esta perspectiva reflecte a fal-
 culdades na aprendizagem da leitura e      ta de conhecimentos científicos sobre a
 escrita. O DSM IV inclui a dislexia nas    dislexia, sobre os métodos de ensino a
 perturbações de aprendizagem e adop-       utilizar e sobre os benefícios de uma in-
 ta a denominação de «Perturbação da        tervenção precoce e especializada29.
 Leitura e da Escrita».
                                            7. A dislexia é um problema visual?
 2. Não existem meios de                    As Associações Americanas de Pediatria
 diagnóstico da dislexia?                   e de Oftalmologia reafirmam que a
 Actualmente existem conhecimentos          dislexia não é causada por um proble-
 que permitem avaliar e diagnosticar as     ma de visão. A existência de erros de in-
 crianças com dislexia. Existem provas      versão, ver as letras ao contrário – p/b
 específicas para avaliar as diferentes     – são erros de origem fonológica (con-
 competências que integram o processo       fundem-se porque são duas consoantes
 leitor.                                    com o mesmo ponto de articulação,

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DOSSIER
                                                     PERTURBAÇÕES     DO   DESENVOLVIMENTO




uma surda e outra sonora) e não de ori-     cente à dislexia contribuiriam para o
gem visual30-32.                            surgimento de teorias explicativas e
                                            consequentes intervenções terapêuti-
8. A dislexia é causada por                 cas sem qualquer validação científica.
problemas de orientação espacial?
A dislexia é uma perturbação da lin-        1. Terapias baseadas em
guagem que tem na sua génese um défi-       interpretações psicológicas
ce fonológico. As dificuldades de orien-    Em 1895, Sigmund Freud afirmava:
tação espacial, lateralidade, identifica-   «Os mecanismos cognitivos dos fenóme-
ção direita e esquerda, psicomotoras e      nos mentais, normais e anormais, po-
grafomotoras são independentes da           dem ser explicados mediante o estudo
dislexia. Podem existir subgrupos que,      rigoroso dos sistemas cerebrais»35. Ape-
em comorbilidade, apresentem essas          sar de os seus estudos sobre neuroana-
perturbações33.                             tomia, não conseguiu obter respostas
                                            que lhe permitissem compreender em
9. A dislexia está relacionada com          profundidade os fenómenos psíquicos.
a inteligência?                             Perante a inexistência de meios com-
Dislexia é uma dificuldade específica de    preende-se que tenha recorrido a expli-
aprendizagem. Os critérios de diagnós-      cações puramente psicológicas, desvin-
tico do D.S.M-IV, referem explicitamen-     culadas da actividade biológica cere-
te «O rendimento na leitura/escrita         bral. Interrogamo-nos sobre o modo co-
situa-se substancialmente abaixo do         mo teria evoluído o seu pensamento se
nível esperado para o seu quociente de      tivesse tido acesso à neuroimagem, à
inteligência...»                            genética molecular e aos actuais conhe-
                                            cimentos sobre neurotransmissores.
10. A dislexia existe apenas em                A última década, a denominada dé-
algumas línguas?                            cada do cérebro, trouxe-nos uma imen-
Existe uma base neurocognitiva univer-      sidade de conhecimentos sobre os fenó-
sal para a dislexia. Sendo o défice pri-    menos e transtornos psíquicos de cuja
mário da dislexia um défice nas repre-      interpretação se tinha apropriado a psi-
sentações fonológicas manifesta-se em       canálise.
todas as línguas. As diferenças de com-        Actualmente, perante a esmagadora
petência leitora entre os disléxicos de-    evidência dos aspectos biológicos da
vem-se em parte, às diferentes ortogra-     actividade cerebral e dos estudos do ge-
fias... Nas línguas mais transparentes,     noma humano é impensável dar crédi-
em que a correspondência grafema-fo-        to às interpretações psicodinâmicas so-
nema é mais regular, como o italiano e      bre as perturbações de leitura e escrita.
o finlandês, são cometidos menos erros.
Nas línguas opacas, em que existem          2. Terapias Baseadas em défices
muitas irregularidades na correspon-        perceptivos
dência grafema-fonema, como a língua        Durante as décadas de 50 e 60 os estu-
inglesa, são cometidos mais erros. A lín-   dos sobre as perturbações de aprendi-
gua portuguesa é uma língua semi-           zagem procuraram encontrar explica-
-transparente34.                            ções a partir das perturbações percepti-
                                            vas, visuais e auditivas. Com base nes-
                                            tes pressupostos surgiram diversos
        TERAPIASDITORIAIS
              E CONTROVERSAS
                                            programas educativos. Treino da per-
                                            cepção visual de Frostig; treino da audi-
O desconhecimento, até datas recentes,      ção dicotómica de Tomátis; treino de de-
das causas e do tipo de défices subja-      senvolvimento motor de Delacato36,37...

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DOSSIER
PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




 3. Terapias baseadas em défices               específica que se baseia no conheci-
 visuais, psicomotores e problemas             mento da linguagem oral, é contudo
 posturais                                     uma competência com um grau de di-
 Diversos estudos referem que as crian-        ficuldade muito superior à da lingua-
 ças com dislexia têm os mesmos proble-        gem oral. A linguagem existe há cerca
 mas visuais das outras crianças38-40. As      de 100 mil anos, faz parte do nosso pa-
 Sociedades Americanas de Pediatria e de       trimónio genético. Aprende-se a falar
 Oftalmologia referem a independência          naturalmente, sem necessidade de en-
 entre a dislexia e problemas de visão e       sino explícito.
 alertam para a ineficácia do uso de lentes       Os sistemas de escrita, sendo pro-
 prismáticas e do treino de visão, como        dutos da evolução histórica e cultural,
 tratamento para dislexia31,32. A dislexia     são relativamente recentes na história
 não tem na sua origem um défice visual,       da humanidade, existindo apenas há
 pelo que não existe qualquer indicação        cerca de 5 mil anos. A escrita utiliza um
 para a utilização de lentes prismáticas41.    código gráfico que necessita de ser en-
 Em complementaridade com a prescri-           sinado explicitamente. Para decifrar o
 ção de lentes prismáticas, e estabelecen-     código escrito, é necessário tornar cons-
 do uma relação de causalidade entre dis-      ciente e explícito, o que na linguagem
 lexia e problemas psicomotores e postu-       oral era um processo mental implícito.
 rais, são propostos programas de treino          Os processos cognitivos envolvidos
 psicomotor, prescrita a utilização de lei-    na produção e compreensão da lingua-
 toris, apoios para os pés, palmilhas, sa-     gem falada diferem significativamente
 patos e colchões ortopédicos. Estas inter-    dos processos cognitivos envolvidos na
 venções proporcionam tratamentos pla-         leitura e na escrita.
 cebos extremamente gravosos, não só              A procura de uma explicação neuro-
 porque obrigam ao dispêndio de tempo          científica cognitiva, para a leitura, tem
 e dinheiro, mas principalmente porque         sido objecto de uma imensa quantidade
 adiam a recuperação e impedem uma in-         de estudos. Os resultados têm sido con-
 tervenção educativa especializada.            vergentes apresentando um conjunto
    Não existe nenhum marcador bioló-          bastante consistente de conclusões42:
 gico que, na prática clínica, se possa uti-
 lizar para estabelecer, ou confirmar, o       1. Quais as competências necessárias
 diagnóstico de dislexia. O diagnóstico        à aprendizagem da leitura?
 da dislexia é feito com base na história      Aprender a ler não é um processo natu-
 familiar e clínica, em testes psicométri-     ral. Contrariamente à linguagem oral a
 cos, em testes de consciência fonológi-       leitura não emerge naturalmente da in-
 ca, de linguagem, de leitura e da orto-       teracção com os pais e os outros adul-
 grafia. A realização de exames médicos,       tos, por mais estimulante que seja o
 electroencefalogramas, potenciais au-         meio a nível cultural. Para aprender a
 ditivos e visuais evocados, não tem           ler é necessário ter uma boa consciên-
 qualquer justificação, nem utilidade,         cia fonológica, isto é, o conhecimento
 para o diagnóstico e consequente inter-       consciente de que a linguagem é forma-
 venção na dislexia. Os exames de fMRI,        da por palavras, as palavras por sílabas,
 actualmente, ainda não são utilizados         as sílabas por fonemas e que os carac-
 como meio de diagnóstico.                     teres do alfabeto representam esses
                                               fonemas. A consciência fonológica é
                                               uma competência difícil de adquirir,
              LINGUAGEM E LEITURA
                   EDITORIAIS                  porque na linguagem oral não é per-
                                               ceptível a audição separada dos dife-
 A leitura é uma competência cultural          rentes fonemas. Quando ouvimos a

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DOSSIER
                                                     PERTURBAÇÕES     DO   DESENVOLVIMENTO




palavra «pai» ouvimos os três sons con-        Os factores motivacionais são muito
juntamente e não três sons individuali-     importantes no desenvolvimento da ca-
zados.                                      pacidade leitora dado que a melhoria
   Para ler é necessário conhecer o prin-   desta competência está altamente rela-
cípio alfabético, saber que as letras do    cionada com o querer, com a vontade
alfabeto têm um nome e representam          de persistir, pese embora as dificul-
um som da linguagem, saber encontrar        dades sentidas e a não obtenção de re-
as correspondências grafo-fonémicas,        sultados imediatos.
saber analisar e segmentar as palavras
em sílabas e fonemas, saber realizar as
                                                        SINAIS DE ALERTA
                                                           EDITORIAIS
fusões fonémicas e silábicas e encontrar
a pronúncia correcta para aceder ao
significado das palavras. Para realizar     Sendo a dislexia como uma perturbação
uma leitura fluente e compreensiva é        da linguagem, que tem na sua origem
ainda necessário realizar automatica-       dificuldades a nível do processamento
mente estas operações, isto é, sem aten-    fonológico, podem observar-se algumas
ção consciente e sem esforço. A capaci-     manifestações antes do início da apren-
dade de compreensão leitora está forte-     dizagem da leitura. A linguagem e as
mente relacionada com a compreensão         competências leitoras emergentes são
da linguagem oral, com o possuir um         os sinais preditores mais relevantes de
vocabulário oral rico e com a fluência e    futuras dificuldades para a aprendiza-
correcção leitora. Todas as competên-       gem da leitura; as competências per-
cias têm que ser integradas através do      ceptivas e motoras não são preditores
ensino e da prática.                        significativos.
                                               Existem alguns sinais que podem in-
2. Porque é que tantas crianças             diciar dificuldades futuras. Se esses si-
têm dificuldades em aprender a              nais forem observados e se persistirem
ler? Quais os défices que dificultam        ao longo de vários meses os pais devem
esta aprendizagem?                          procurar uma avaliação especializada.
As dificuldades na aprendizagem da          Não se pretende ser alarmista mas sim
leitura têm origem na existência de um      estar consciente de que, se uma criança
défice fonológico. As crianças com dis-     mais tarde tiver problemas, os anos per-
lexia, embora falem utilizando palavras,    didos não podem ser recuperados. A in-
sílabas e fonemas, não têm um conhe-        tervenção precoce é provavelmente o
cimento consciente destas unidades lin-     factor mais importante na recuperação
guísticas, apresentando um défice a ní-     dos leitores disléxicos. Sally Shaywitz
vel da consciência dos segmentos fono-      refere alguns sinais de alerta43 a que
lógicos da linguagem, um défice fono-       acrescentámos outros recolhidos da
lógico.                                     nossa experiência.
   As crianças que apresentam maiores
riscos de futuras dificuldades na apren-    1. Na primeira infância
dizagem da leitura são as que no jar-       • Os primeiros sinais indicadores de
dim-de-infância, na pré-primária e no       possíveis dificuldades na linguagem es-
início da escolaridade apresentam difi-     crita surgem a nível da linguagem oral.
culdades a nível da consciência silábi-     O atraso na aquisição da linguagem
ca e fonémica, da identificação das le-     pode ser um primeiro sinal de alerta
tras e dos sons que lhes correspondem,      para possíveis problemas de linguagem
do objectivo da leitura e que têm uma       e de leitura.
linguagem oral e um vocabulário po-         • As crianças começam a dizer as pri-
bres.                                       meiras palavras com cerca de um ano

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DOSSIER
PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




 de idade e a formar frases entre os 18      3. No primeiro ano de escolaridade
 meses e os dois anos. As crianças em        • Dificuldade em compreender que as
 situação de risco podem só dizer as         palavras se podem segmentar em
 primeiras palavras depois dos 15 meses      sílabas e fonemas.
 e dizer frases só depois dos dois anos.     • Dificuldade em associar as letras aos
 Este ligeiro atraso é frequentemente        seus sons, em associar a letra «éfe» com
 referido pelos pais como uma caracte-       o som [f].
 rística familiar. Os atrasos de linguagem   • Erros de leitura por desconhecimen-
 podem acontecer e acontecem em              to das regras de correspondência grafo-
 famílias, a dislexia também é uma per-      fonémica: vaca/faca; janela/chanela;
 turbação familiar.                          calo/galo...
 • Depois das crianças começarem a           • Dificuldade em ler monossílabos e
 falar surgem dificuldades de pronún-        em soletrar palavras simples: ao, os,
 cia, algumas referidas como «lingua-        pai, bola, rato...
 gem bebé», que continuam para além          • Maior dificuldade na leitura de pa-
 do tempo normal. Pelos cinco anos           lavras isoladas e de pseudopalavras
 de idade as crianças devem pronun-          «modigo».
 ciar correctamente a maioria das pa-        • Recusa ou insistência em adiar as
 lavras.                                     tarefas de leitura e escrita.
 • A dificuldade em pronunciar uma pa-       • Necessidade de acompanhamento
 lavra pela primeira vez, ou em pronun-      individual do professor para prosseguir
 ciar correctamente palavras complexas,      e concluir os trabalhos.
 pode ser apenas um problema de              • Relutância, lentidão e necessidade
 articulação. As incorrecções típicas da     de apoio dos pais na realização dos tra-
 dislexia são a omissão e a inversão de      balhos de casa.
 sons em palavras (fósforos/fosfos, pi-      • Queixas dos pais e dos professores
 pocas/popicas...).                          em relação às dificuldades de leitura e
                                             escrita.
 2. No jardim de infância e pré-primária     • História familiar de dificuldades de
 • Linguagem «bebé» persistente.             leitura e ortografia noutros membros
 • Frases curtas, palavras mal pronun-       da família.
 ciadas, com omissões e substituições de
 sílabas e fonemas.                          4. A partir do segundo ano de
 • Dificuldade em aprender: nomes de         escolaridade
 cores (verde, vermelho), de pessoas, de     a) Problemas de leitura
 objectos, de lugares...                     • Progresso muito lento na aquisição
 • Dificuldade em memorizar canções e        da leitura e ortografia.
 lengalengas.                                • Dificuldade, necessitando de recorrer
 • Dificuldade na aquisição dos con-         à soletração, quando tem que ler
 ceitos temporais e espaciais básicos:       palavras desconhecidas, irregulares e
 ontem/amanhã; manhã/a manhã; di-            com fonemas e sílabas semelhantes.
 reita/esquerda; depois/antes...             • Insucesso na leitura de palavras
 • Dificuldade em aperceber-se de que        multissilábicas. Quando está quase a
 as frases são formadas por palavras e       concluir a leitura da palavra, omite
 que as palavras se podem segmentar          fonemas e sílabas ficando um «buraco»
 em sílabas.                                 no meio da palavra: biblioteca/biote-
 • Não saber as letras do seu nome pró-      ca...
 prio.                                       • Substituição de palavras de pronún-
 • Dificuldade em aprender e recordar        cia difícil por outras com o mesmo signi-
 os nomes e os sons das letras.              ficado: carro/automóvel...

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DOSSIER
                                                     PERTURBAÇÕES     DO   DESENVOLVIMENTO




• Tendência para adivinhar as pa-           fonemas e sílabas.
lavras, apoiando-se no desenho e no         • Alterações na sequência fonémica e
contexto, em vez de as descodificar.        silábica.
• Melhor capacidade para ler palavras       • Necessidade de tempo extra, dificul-
em contexto do que para ler palavras        dade em dar respostas orais rápidas.
isoladas.
• Dificuldade em ler pequenas               c) Evidência de áreas fortes nos
palavras funcionais como «aí, ia, ao, ou,   processos cognitivos superiores
em, de...».                                 • Boa capacidade de raciocínio lógico,
• Dificuldades na leitura e interpre-       conceptualização, abstracção e imagi-
tação de problemas matemáticos.             nação.
• Desagrado e tensão durante a leitu-       • Maior facilidade de aprendizagem
ra oral, leitura sincopada, trabalhosa e    dos conteúdos compreendidos de que
sem fluência.                               memorizados sem integração numa es-
• Dificuldade em terminar os testes no      trutura lógica.
tempo previsto.                             • Melhor compreensão do vocabulário
• Erros ortográficos frequentes nas pa-     apresentado oralmente, do que do vo-
lavras com correspondências grafo-          cabulário escrito.
fonémicas irregulares.                      • Boa compreensão dos conteúdos
• Caligrafia imperfeita.                    quando lhe são lidos.
• Os trabalhos de casa parecem não ter      • Capacidade para ler e compreender
fim, ou com os pais recrutados como         melhor as palavras das suas áreas de
leitores.                                   interesse, que já leu, praticou, muitas
• Falta de prazer na leitura, evitando      vezes.
ler livros ou sequer pequenas frases.       • Melhores resultados nas áreas que
• A correcção leitora melhora com o         têm menor dependência da leitura:
tempo, mantém a falta de fluência e a       matemática, informática, artes vi-
leitura trabalhosa.                         suais...
• Baixa autoestima, com sofrimento,
que nem sempre é evidentes para aos         5. Sinais de alerta em jovens e adultos
outros.                                     a) Problemas na leitura
                                            • História pessoal de dificuldades na
b) Problemas de linguagem                   leitura e escrita.
• Discurso pouco fluente com pausas,        • Dificuldades de leitura persistentes.
hesitações, um’s...                         A correcção leitora melhora ao longo
• Pronúncia incorrecta de palavras          dos anos, mas a leitura continua a ser
longas, não familiares e complexas.         lenta, esforçada e cansativa.
• Uso de palavras imprecisas em subs-       • Dificuldades em ler e pronunciar pa-
tituição do nome exacto: a coisa, aqui-     lavras pouco comuns, estranhas, ou
lo, aquela cena...                          únicas, como nomes de pessoas, de
• Dificuldade em encontrar a palavra        ruas, de lugares, dos pratos, na lista do
exacta, humidade/humanidade...              restaurante...
• Dificuldade em recordar informações       • Não reconhecer palavras que leu ou
verbais, problemas de memória a cur-        ouviu quando as lê ou ouve no dia se-
to termo: datas, nomes, números de te-      guinte.
lefone, sequências temporais, algorit-      • Preferência por livros com poucas
mos da multiplicação…                       palavras por página e com muitos es-
• Dificuldades de discriminação e           paços em branco.
segmentação silábica e fonémica.            • Longas horas na realização dos tra-
• Omissão, adição e substituição de         balhos escolares.

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DOSSIER
PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




 • Penalização nos testes de escolha             É possível identificar a dislexia em
 múltipla.                                    crianças antes de iniciarem a aprendi-
 • A ortografia mantém-se desastrosa          zagem da leitura, se estes sinais forem
 preferindo utilizar palavras menos com-      observados atentamente, bem como em
 plexas, mais fáceis de escrever.             jovens e adultos que atingiram um
 • Falta de apetência para a leitura          determinado nível de eficiência, mas
 recreativa.                                  que continuam a ler lentamente, com
 • Sacrifício frequente da vida social        esforço e com persistentes dificuldades
 para estudar as matérias curriculares.       ortográficas. Se apenas alguns destes
 • Sentimentos de embaraço e des-             sinais forem identificados, não é moti-
 conforto quando tem que ler algo oral-       vo para alarme: todas as pessoas se en-
 mente com tendência a evitar essas           ganam às vezes; há sim que estar aten-
 situações.                                   to à existência de um padrão persis-
                                              tente ao longo de um longo período.
 b) Problemas de linguagem
 • Persistência das dificuldades na lin-
 guagem oral.
                                                             AVALIAÇÃO
                                                             EDITORIAIS
 • Pronúncia incorrecta de nomes de
 pessoas e lugares, saltar por cima de        Se existe suspeita da existência de dé-
 partes de palavras.                          fices fonológicos e ou de dificuldades de
 • Dificuldade em recordar datas, nú-         leitura e escrita, deve ser realizada uma
 meros de telefone, nomes de pessoas,         avaliação. É importante avaliar para di-
 de lugares...                                agnosticar, para delinear as dificul-
 • Confusão de palavras com pronún-           dades específicas, as áreas fortes e para
 cias semelhantes.                            intervir. A avaliação pode ser feita em
 • Dificuldade em recordar as palavras,       qualquer idade; os testes são seleccio-
 «está mesmo na ponta da língua».             nados de acordo com a idade.
 • Vocabulário expressivo inferior ao vo-        Não existe um teste único que possa
 cabulário compreensivo.                      ser usado para avaliar a dislexia, de-
 • Evita utilizar palavras que teme pro-      vendo ser realizados testes que avaliem
 nunciar mal.                                 as competências fonológicas, a lingua-
                                              gem compreensiva e expressiva (a nível
 c) Evidência de áreas fortes nos             oral e escrito), o funcionamento inte-
 processos cognitivos superiores              lectual, o processamento cognitivo e as
 • A manutenção das áreas fortes evi-         aquisições escolares. Os modelos de
 denciadas durante a escolaridade.            avaliação que se revelam mais eficientes
 • Melhoria muito significativa quando        são os que conduzem directamente à
 lhe é facultado tempo suplementar nos        implementação de estratégias de inter-
 exames.                                      venção que tenham em conta os dados
 • Boa capacidade de aprendizagem,            obtidos na avaliação44-49.
 talento especial para níveis elevados de
 conceptualização.
 • Ideias criativas com muita originali-
                                                            INTERVENÇÃO
                                                             EDITORIAIS
 dade.
 • Sucesso profissional em áreas alta-        Avaliar sem intervir não faz sentido,
 mente especializadas como a medicina,        porque não permite ultrapassar as di-
 direito, ciências políticas, finanças, ar-   ficuldades. Após a avaliação e com
 quitectura...                                bases nos resultados obtidos são im-
 • Boas capacidades de empatia, resi-         plementadas as medidas de intervenção
 liência e de adaptação.                      adequadas a cada caso.

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DOSSIER
                                                      PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




1. A importância da intervenção             2. É possível melhorar as
precoce                                     competências leitoras?
A identificação e intervenção precoce       Sendo a dislexia uma perturbação de
são o segredo do sucesso na apren-          origem neurobiológica e genética, sendo
dizagem da leitura. A identificação de      as diferenças cerebrais e os processos
um problema é a chave que permite a         cognitivos «herdados» pode inferir-se
sua resolução. Quanto mais cedo um          que as dificuldades das crianças com
problema for identificado mais rapida-      dislexia são permanentes e imutáveis?
mente se pode obter ajuda. A iden-          Pensamos que não; acreditamos que é
tificação, sinalização e avaliação das      possível introduzir melhorias através de
crianças que evidenciam sinais de fu-       uma intervenção especializada. Como já
turas dificuldades antes do início da       referimos, os resultados dos estudos de
escolaridade permite a implementação        Sally Shaywitz provam que é possível
de programas de intervenção precoce         «reorganizar» os circuitos neurológicos
que irão prevenir ou minimizar o in-        se for implementado um programa
sucesso.                                    reeducativo concebido com base nos
    Na geração passada pensava-se que       novos conhecimentos neurocientíficos.
o processo de aprender a ler e escrever        Os novos conhecimentos sobre o mo-
não começava, e não devia começar,          do como os leitores iniciantes apren-
antes das crianças iniciarem a escolari-    dem a ler e sobre os défices que impe-
dade formal. O processo de aprendiza-       dem o sucesso nesta aprendizagem ti-
gem da leitura começa bastante cedo,        veram implicações importantes nas
em muitos casos antes da pré-primária.      práticas educativas. Actualmente verifi-
Estudos recentes comprovam que as           ca-se um grande consenso, quer em
crianças que apresentam dificuldades        relação aos princípios orientadores, es-
no início da aprendizagem da leitura e      tratégias educativas, quer em relação
escrita dificilmente recuperam se não ti-   aos conteúdos, o que ensinar.
verem uma intervenção precoce e espe-
cializada. Os maus leitores no primeiro     3. Quais os princípios orientadores
ano continuam invariavelmente sendo         componentes dos métodos educativos
maus leitores, e as dificuldades acu-       que conduzem a um maior sucesso?
mulam-se ao longo dos anos. Após os         Estudos realizados por diversos investi-
nove anos de idade, o tempo e o esforço     gadores mostraram que os métodos
dispendidos na reeducação aumentam          multissensoriais, estruturados e cumu-
exponencialmente42.                         lativos, são a intervenção mais eficien-
    Stanovich refere no seu conhecido       te47,48,51-54. As crianças disléxicas, para
artigo sobre o «Efeito de Mateus» que os    além do défice fonológico, apresentam
ricos ficam cada vez mais ricos e os        dificuldades na memória auditiva e vi-
pobres cada vez mais pobres, asso-          sual, bem como dificuldade de automa-
ciando-o com as dificuldades em             tização Os métodos de ensino multis-
adquirir as competências leitoras pre-      sensoriais ajudam as crianças a apren-
coces50. Estas consequências são múlti-     der utilizando mais do que um sentido,
plas: atitudes negativas em relação às      enfatizando os aspectos cinestésicos da
actividades de leitura, desvalorização      aprendizagem e integrando o ouvir e o
do autoconceito escolar e pessoal, baixo    ver com o dizer e o escrever.
rendimento escolar, baixo nível de             A Associação Internacional de Disle-
vocabulário, diminuição de actividades      xia promove activamente a utilização
de leitura, perda de oportunidades          dos métodos multissensoriais, indica
de desenvolver estratégias de com-          os princípios e os conteúdos educativos
preensão...                                 a ensinar:

                                                      Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30   727
DOSSIER
PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




 Aprendizagem multissensorial: A leitu-      tigo, facultando-me a possibilidade de
 ra e a escrita são actividades multis-      partilhar com os seus leitores os co-
 sensoriais. As crianças têm que olhar       nhecimentos e experiência que ao lon-
 para as letras impressas, dizer, ou sub-    go dos anos tenho construído.
 vocalizar, os sons, fazer os movimentos        À minha colega Dr.a Leonor Macha-
 necessários à escrita e usar os conheci-    do, minha «parceira» de estudo e traba-
 mentos linguísticos para aceder ao sen-     lho, pelos comentários pertinentes.
 tido das palavras. São utilizadas em si-       À Dr.a Luísa Carvalho, pela disponibi-
 multâneo as diferentes vias de acesso       lidade e empenhamento na revisão
 ao cérebro; os neurónios estabelecem        deste artigo.
 interligações entre si facilitando a           A todos os profissionais que comigo
 aprendizagem e a memorização.               têm colaborado, às crianças disléxicas
                                             e às suas famílias, pelo apoio, colabo-
 Estruturado e cumulativo: A organização     ração e estímulo.
 dos conteúdos a aprender segue a se-
 quência do desenvolvimento linguístico
 e fonológico. Inicia-se com os elemen-
                                                      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
                                                              EDITORIAIS
 tos mais fáceis e básicos e progride
 gradualmente para os mais difíceis. Os         1. Pringle-Morgan W. A case of congenital
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 explícita e conscientemente, nunca por         4. American Psychiatric Association. DSM
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                                             Perturbações Mentais. Lisboa: Climepsi Edi-
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 vem ser treinadas até à sua automati-       Functional disruption in the organization of
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 compreensão do texto.                          11. Nicolson RI, Fawcett AJ. Automaticity:
                                             a new framework for dyslexia research. Cogni-
 Agradecimentos                              tion 1990; 35:159-82.
 À Revista Portuguesa de Clínica Geral,         12. Willows D, Kruk E, Corcos E (eds). Vi-
 por me ter convidado a escrever este ar-    sual processes in reading and reading disabili-


728   Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
DOSSIER
                                                               PERTURBAÇÕES     DO   DESENVOLVIMENTO




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                                                                Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30   729
DOSSIER
PERTURBAÇÕES    DO   DESENVOLVIMENTO




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 vances in Theory and Practice. Kluwer Aca-
                                                    prática. Lisboa: Distema® Editora (no prelo).
 demic Publishers; 1999. p. 207-19.
     46. Church RP, Marjorie A, Fessler, Bender
                                                    Recursos
 M. Diagnosis and remediation of dyslexia. In
 Shapiro BK, Accardo PJ, Capute AJ. Specific        • Consultório de Psicologia Educacional -
 reading disability. A view of the Spectrum. Ti-      Método Distema
 monium, Maryland: York Press, Inc;1998. p.           Rua República da Bolívia n.º 22 - Dto.
 171-96.                                              1500 - 547 Lisboa
     47. Broomfield H, Combley M. Overcoming          Tel. 21 715 12 60,
 dyslexia. A practical handbook for the class-        E-mail: distema@netcabo.pt
 room. London; Whurr Publishers; 1997. p. 45-       • Centro de Desenvolvimento Infantil
 -61.                                                 Diferenças - Tel. 21 837 16 99
     48. Snowling M, Stackhouse J. Dyslexia,        • Consulta de Desenvolvimento
 speech and language. London: Whurr Pub-              Clínica Gerações
 lishers;1997. p. 45-128.                             Tel. 21 358 39 10
     49. Kaufman L. Testing for dyslexia. The In-   • Equipas de Apoio Educativo
 ternational Dyslexia Association (IDA). Fact         Ministério da Educação
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 rences in the acquisition of literacy. Reading     E-mail: paula.teles@netcabo.pt
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 nitiva da leitura. O ensino da leitura. Lisboa:
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 itora Ltda; 2001. p. 177-97.




730   Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30

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Como identificar e intervir na dislexia

  • 1. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO Dislexia: Como identificar? Como intervir? PAULA TELES* A dislexia é talvez a causa mais frequente de baixo rendimento e insucesso escolar. Na grande maioria dos casos não é identificada, nem correctamente tratada. O objectivo deste artigo é dar a conhecer os conceitos básicos desta perturbação, de modo a permitir aos médicos de família conhe- cer e identificar, nas crianças, os sinais de risco precoces, colocar a hipótese do seu diagnóstico e tências necessárias a essa aprendiza- encaminhá-las para uma avaliação e intervenção especializada. gem? Quais os défices que a dificultam? Quais as componentes dos métodos ed- Palavras Chave: Dislexia; disortografia; perturbação da leitura e da escrita. ucativos que conduzem a um maior sucesso? Os Estados Unidos têm sido pionei- INTRODUÇÃO EDITORIAIS ros na investigação científica, na legis- lação educativa, na orientação sobre os métodos de ensino que provaram ser os saber ler é uma das apren- mais eficientes. Na Europa não existe O dizagens mais importan- tes, porque é a chave que permite o acesso a todos os outros saberes. A leitura e a escrita são formas do processamento linguís- uma base legal comum que apoie as crianças disléxicas. A grande maioria continua sem ser diagnosticada e sem beneficiar de uma intervenção especia- lizada. No nosso país o Decreto-lei 319/ tico. Aprender a ler, embora seja uma /95, aplica-se às crianças com necessi- competência complexa, é relativamente dades educativas especiais, mas não fácil para a maioria das pessoas. faz qualquer referência em relação à Contudo, um número significativo de metodologia reeducativa a adoptar. pessoas, embora possuindo um nível Na grande maioria dos casos os alu- de inteligência médio ou superior, mani- nos dependem da «benevolência» dos festa dificuldades na sua aprendizagem. professores, desculpando a falta de cor- Até há poucos anos a origem desta difi- recção, a fluência leitora, a limitação culdade era desconhecida, era uma in- vocabular, os erros ortográficos... Uma capacidade invisível, um mistério, que situação preocupante é a deficiente for- gerou mitos e preconceitos estigmati- mação não só dos professores mas, o zando as crianças, os jovens e os adul- que é ainda mais grave, a deficiente for- tos que a não conseguiam ultrapassar. mação dos responsáveis pela formação Nos últimos anos os estudos realiza- dos professores. Um sinal muito positi- dos por neurocientistas, utilizando a vo é o interesse crescente que este tema Ressonância Magnética Funcional, tem suscitado; nos últimos anos têm (fMRI), permitiram observar o funciona- sido realizados diversos congressos, mento do cérebro durante as activida- seminários, jornadas... des de leitura e escrita e obtiveram um Os resultados dos estudos recente- conjunto bastante consistente de con- mente publicados pela OCDE, sobre o clusões sobre as seguintes questões: nível de literacia e o sucesso escolar, co- *Psicóloga Educacional, Como funciona o cérebro durante as locam Portugal nos últimos lugares especialista em dislexia actividades de leitura? Quais as compe- constituindo mais um sinal de alerta e Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 713
  • 2. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO preocupação. Este artigo pretende ser esta perturbação tem recebido diversas um contributo para a sinalização e denominações: «cegueira verbal congé- orientação das crianças em risco, ou nita», «dislexia congénita», «estrefossim- com dificuldades, nesta aprendizagem bolia», «alexia do desenvolvimento», tão determinante no percurso das suas «dislexia constitucional», «parte do con- vidas. tínuo das perturbações de linguagem, Em que medida este artigo pode in- caracterizada por um défice no proces- teressar os médicos de família? Sendo samento verbal dos sons»... o médico de família o especialista que Nos anos 60, sob a influência das acompanha todos os elementos do agre- correntes psicodinâmicas, foram mini- gado familiar, ao longo de toda a vida e, mizados os aspectos biológicos da dis- sendo a dislexia uma perturbação com lexia, atribuindo as dificuldades leitoras incidência familiar, encontra-se numa a problemas emocionais, afectivos e situação privilegiada para poder inter- «imaturidade»2. Em 1968, a Federação vir precocemente, logo que observe al- Mundial de Neurologia utilizou pela pri- guns indicadores de risco na história meira vez a expressão «dislexia do de- pessoal ou familiar. Não se pretende senvolvimento», definindo-a como «um que o médico de família seja um «espe- transtorno que se manifesta por dificul- cialista» nesta área, mas sim que conhe- dades na aprendizagem da leitura, ape- ça os sinais de alerta, para os poder sar das crianças serem ensinadas com identificar o mais precocemente possí- métodos de ensino convencionais, vel e encaminhar para uma avaliação terem inteligência normal e oportunida- especializada. A intervenção é um de- des socioculturais adequadas»3. Em safio que se coloca a todos os responsá- 1994, O Manual de Diagnóstico e Es- veis pela saúde e desenvolvimento in- tatística de Doenças Mentais, DSM IV, fantil: médicos, psicólogos, investiga- inclui a dislexia nas perturbações de dores, professores das escolas superio- aprendizagem, utiliza a denominação res de educação, professores, pais e «perturbação da leitura e da escrita» e governantes. estabelece os seguintes critérios de Este artigo propõe-se sumarizar os diagnóstico4: resultados dos recentes estudos sobre A. O rendimento na leitura/escrita, dislexia e a nova ciência da leitura. O medido através de provas normali- seu objectivo é contribuir para um co- zadas, situa-se substancialmente nhecimento actualizado desta pertur- abaixo do nível esperado para a ida- bação, alertar e sensibilizar para os si- de do sujeito, quociente de inteli- nais indiciadores de futuras dificulda- gência e escolaridade própria para a des, possibilitar a avaliação e interven- sua idade; ção precoce, em síntese, prevenir o B. A perturbação interfere signifi- insucesso antes de acontecer. cativamente com o rendimento esco- lar, ou actividades da vida quotidi- ana que requerem aptidões de leitu- EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA, ra/escrita; DEFINIÇÕES E CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO C. Se existe um défice sensorial, as di- ficuldades são excessivas em relação Em 1896, Pringle Morgan, descreveu o às que lhe estariam habitualmente caso clínico de um jovem de 14 anos associadas. que, apesar de ser inteligente, tinha Em 2003, a Associação Internacional uma incapacidade quase absoluta em de Dislexia adoptou a seguinte defi- relação à linguagem escrita, que desig- nição: «Dislexia é uma incapacidade es- nou de «cegueira verbal»1. Desde então pecífica de aprendizagem, de origem 714 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
  • 3. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO neurobiológica. É caracterizada por difi- fofonémica) e a compreensão da mensa- culdades na correcção e/ou fluência na gem escrita. Para que um texto escrito leitura de palavras e por baixa com- seja compreendido tem que ser lido pri- petência leitora e ortográfica. Estas difi- meiro, isto é, descodificado. O défice fo- culdades resultam de um défice fono- nológico dificulta apenas a descodifica- lógico, inesperado, em relação às outras ção. Todas as competências cognitivas capacidades cognitivas e às condições superiores, necessárias à compreensão, educativas. Secundariamente podem estão intactas: a inteligência geral, o vo- surgir dificuldades de compreensão cabulário, a sintaxe, o discurso, o leitora, experiência de leitura reduzida raciocínio e a formação de conceitos. que pode impedir o desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos COMO FUNCIONA O CÉREBRO gerais»5. Esta definição de dislexia é a DURANTE A LEITURA? actualmente aceite pela grande maioria Sally Shaywitz e colaborabores (1998) da comunidade científica. utilizaram a fMRI para estudar o fun- cionamento do cérebro, durante as tare- fas de leitura e identificaram três áreas, TEORIAS EXPLICATIVAS EDITORIAIS no hemisfério esquerdo, que desem- penham funções chave no processo de Durante muitos anos a causa da disle- leitura: o girus inferior frontal, a área xia permaneceu um mistério. Os estu- parietal-temporal e a área occipital-tem- dos recentes têm sido convergentes, quer poral (Fig. 1)8,9: em relação à sua origem genética e neu- • A região inferior-frontal é a área da robiológica, quer em relação aos proces- linguagem oral. É a zona onde se pro- sos cognitivos que lhe estão subjacentes. cessa a vocalização e articulação das Têm sido formuladas diversas teorias palavras, onde se inicia a análise dos fo- em relação aos processos cognitivos res- nemas. A subvocalização ajuda a leitu- ponsáveis por estas dificuldades. ra fornecendo um modelo oral das pa- lavras. Esta zona está particularmen- 1. Teoria do défice fonológico te activa nos leitores iniciantes e dis- Nos estudos sobre as causas das difi- léxicos. culdades leitoras a hipótese aceite pela • A região parietal-temporal é a área grande maioria dos investigadores é a onde é feita a análise das palavras. hipótese do défice fonológico6. De acor- Realiza o processamento visual da for- do com esta hipótese, a dislexia é causa- ma das letras, a correspondência grafo- da por um défice no sistema de proces- fonémica, a segmentação e a fusão samento fonológico motivado por a uma silábica e fonémica. Esta leitura analíti- «disrupção» no sistema neurológico ce- ca processa-se lentamente, é a via uti- rebral, ao nível do processamento lizada pelos leitores iniciantes e dislé- fonológico7. Este défice fonológico difi- xicos. culta a discriminação e processamento • A região occipital-temporal é a área dos sons da linguagem, a consciência onde se processa o reconhecimento vi- de que a linguagem é formada por pala- sual das palavras, onde se realiza a vras, as palavras por sílabas, as sílabas leitura rápida e automática. É a zona por fonemas e o conhecimento de que para onde convergem todas as infor- os caracteres do alfabeto são a repre- mações dos diferentes sistemas sen- sentação gráfica desses fonemas8. soriais, onde se encontra armazenado A leitura integra dois processos o «modelo neurológico da palavra». Este cognitivos distintos e indissociáveis: a modelo contem a informação relevante descodificação (a correspondência gra- sobre cada palavra, integra a ortografia Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 715
  • 4. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO Região Parietal Temporal Análise das Palavras Região Inferior Frontal Articulação dos Fonemas Região Occipital Temporal Leitura Automática Figura 1. Áreas cerebrais envolvidas no processo de leitura. Adaptado de Sally Shaywitz8 «como parece», a pronúncia «como soa», das necessidades funcionais dos o significado «o que quer dizer». Quan- leitores ao longo do seu processo evo- to mais automaticamente for feita a lutivo. activação desta área, mais eficiente é o As crianças com dislexia apresentam processo leitor. uma «disrupção» no sistema neurológi- Os leitores eficientes utilizam este co que dificulta o processamento fono- percurso rápido e automático para ler lógico e o consequente acesso ao siste- as palavras. Activam intensamente os ma de análise das palavras e ao siste- sistemas neurológicos que envolvem a ma de leitura automática. Para com- região parietal-temporal e a occipital- pensar esta dificuldade utilizam mais -temporal e conseguem ler as palavras intensamente a área da linguagem oral, instantaneamente (em menos de 150 região inferior-frontal, e as áreas do milésimos de segundo). hemisfério direito que fornecem pistas Os leitores disléxicos utilizam um visuais. percurso lento e analítico para descodi- ficar as palavras. Activam intensamente 2. Teoria do défice de automatização o girus inferior frontal, onde vocalizam A teoria do défice de automatização refe- as palavras, e a zona parietal-temporal, re que a dislexia é caracterizada por um onde segmentam as palavras em défice generalizado na capacidade de sílabas e em fonemas, fazem a tradução automatização10.Os disléxicos manifes- grafo-fonémica, a fusão fonémica e as tam evidentes dificuldades em automa- fusões silábicas até aceder ao seu signi- tizar a descodificação das palavras, em ficado. realizar uma leitura fluente, correcta e Os diferentes sub-sistemas desem- compreensiva. penham diferentes funções na leitura. As implicações educacionais desta O modo como são activados depende teoria propõem a realização de várias ta- 716 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
  • 5. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO refas para automatizar a descodificação los de risco, com influência na dislexia. das palavras: treino da correspondên- As cinco localizações foram encontra- cia grafo-fonémica, da fusão fonémica, das nos cromossomas 2p, 3p-q, 6p, 15q da fusão silábica, leitura repetida de co- e 18p18. Os resultados de estudos post- lunas de palavras, de frases, de textos, -mortem, realizados em cérebros de dis- exercícios de leitura de palavras apre- léxicos, mostraram diferenças micros- sentadas durante breves instantes11. cópicas e macroscópicas importan- tes19,20. 3. Teoria magnocelular Os resultados de estudos, realizados A teoria magnocelular atribui a dislexia em cérebros vivos, evidenciam diferen- a um défice específico na transferência ças semelhantes21. das informações sensoriais dos olhos para as áreas primárias do córtex12. As pessoas com dislexia têm, de acor- PREVALÊNCIA, DISTRIBUIÇÃO do com esta teoria, baixa sensibilidade POR SEXOS, PERSISTÊNCIA face a estímulos com pouco contraste, com baixas frequências espaciais ou al- A dislexia é provavelmente a pertur- tas-frequências temporais. Esta teoria bação mais frequente entre a população não identifica, nem faz quaisquer refe- escolar, sendo referida uma prevalência rências, a défices de convergência bino- entre 5 a 17,5 %22. A prevalência é, cular. O processo de descodificação contudo, variável dependendo do grau poderia ser facilitado se o contraste en- de dificuldade dos diferentes idiomas. tre as letras e a folha de papel fosse re- No nosso país não existem estudos so- duzido utilizando uma transparência bre a prevalência. azul, ou cinzenta, por cima da página13. Em relação à distribuição por sexos Esta teoria tem sido muito contestada tem-se verificado uma evolução ao lon- porque os resultados não são repro- go dos tempos. Inicialmente era referi- duzíveis10. da uma maior prevalência no sexo mas- culino, nos últimos anos passou a ser BASES NEUROBIOLÓGICAS DA DISLEXIA referida uma distribuição igual em am- Até há poucos anos pensava-se que a bos os sexos23. 23 Um estudo publicado dislexia era uma perturbação compor- em Abril deste ano volta a referir que o tamental que primariamente afectava a número de rapazes com dislexia é, pelo leitura. Actualmente sabe-se que a dis- menos, duas vezes superior ao das ra- lexia é uma perturbação parcialmente parigas24. herdada, com manifestações clínicas Tem sido considerado que o défice complexas, incluindo défices na leitu- cognitivo que está na origem da dislexia ra, no processamento fonológico, na persiste ao longo da vida, ainda que as memória de trabalho, na capacidade de suas consequências e expressão variem nomeação rápida, na coordenação sen- sensivelmente. Recentemente foram re- soriomotora, na automatização10, e no alizados estudos, com o objectivo de ava- processamento sensorial precoce15,16. liar as modificações operadas nos sis- Vários estudos têm procurado en- temas neurológicos cerebrais, após a in- contrar no genoma humano a localiza- tervenção utilizando programas multis- ção dos genes responsáveis pela disle- senssoriais, estruturados e cumulati- xia. Diversos estudos têm demonstra- vos. As imagens obtidas através da fMRI do a hereditariedade da dislexia17. As mostraram que os circuitos neurológi- mais recentes pesquisas sobre genéti- cos automáticos do hemisfério esquer- ca e dislexia referem que existem, pre- do tinham sido activados e o funciona- sentemente, cinco localizações para ale- mento cerebral tinha «normalizado»25. Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 717
  • 6. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO COMORBILIDADES EDITORIAIS 3. A dislexia só pode ser diagnosticada e tratada depois do insucesso na leitura? Embora a base cognitiva da dislexia seja O conhecimento do défice fonológico um défice fonológico é frequente a co- subjacente à aprendizagem da leitura morbilidade com outras perturbações: permite a identificação dos sinais de aler- perturbação da atenção com hiperacti- ta e a consequente intervenção precoce. vidade (ADHD), perturbação específica da linguagem (PEL), discalculia, pertur- 4. A dislexia passa com o tempo? bação da coordenação motora, pertur- A dislexia mantém-se ao longo da vida, bação do comportamento, perturbação não é um atraso maturativo transitório. do humor, perturbação de oposição e É uma perturbação neurológica que ne- desvalorização da autoestima. A ADHD cessita de uma intervenção precoce e merece referência especial, por ser a especializada28. perturbação que se associa com maior frequência26. Os estudos de gémeos, 5. Repetir o ano ajuda a ultrapassar mostram uma influência genética co- a dificuldade? mum, já identificada no locus de risco Repetir anos de escolaridade não ajuda 6p, sendo maior para a dimensão de a ultrapassar as dificuldades, pelo con- inatenção do que para a hiperactivi- trário, pode criar dificuldades acresci- dade/impulsividade27. das a nível afectivo emocional: senti- mentos de frustração, ansiedade, des- valorização do autoconceito e da au- MITOS E CONHECIMENTO CIENTÍFICO EDITORIAIS toestima. O importante é que a criança seja avaliada e receba uma intervenção Até muito recentemente a dislexia era especializada. uma incapacidade sem uma base or- gânica identificada, sendo apenas vi- 6. Deve evitar-se identificar as síveis as suas manifestações. O des- crianças como disléxicas? conhecimento científico contribuiu para Em alguns meios escolares e médicos o aparecimento de diversos mitos. existe alguma relutância em avaliar e diagnosticar, em «rotular» as dificulda- 1. Não existe dislexia? des de aprendizagem. Ignorar uma per- A dislexia existe, é uma incapacidade turbação não ajuda a ultrapassá-la, pe- específica de aprendizagem, de origem lo contrário, contribui para o seu agra- neurobiológica, caracterizada por difi- vamento. Esta perspectiva reflecte a fal- culdades na aprendizagem da leitura e ta de conhecimentos científicos sobre a escrita. O DSM IV inclui a dislexia nas dislexia, sobre os métodos de ensino a perturbações de aprendizagem e adop- utilizar e sobre os benefícios de uma in- ta a denominação de «Perturbação da tervenção precoce e especializada29. Leitura e da Escrita». 7. A dislexia é um problema visual? 2. Não existem meios de As Associações Americanas de Pediatria diagnóstico da dislexia? e de Oftalmologia reafirmam que a Actualmente existem conhecimentos dislexia não é causada por um proble- que permitem avaliar e diagnosticar as ma de visão. A existência de erros de in- crianças com dislexia. Existem provas versão, ver as letras ao contrário – p/b específicas para avaliar as diferentes – são erros de origem fonológica (con- competências que integram o processo fundem-se porque são duas consoantes leitor. com o mesmo ponto de articulação, 718 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
  • 7. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO uma surda e outra sonora) e não de ori- cente à dislexia contribuiriam para o gem visual30-32. surgimento de teorias explicativas e consequentes intervenções terapêuti- 8. A dislexia é causada por cas sem qualquer validação científica. problemas de orientação espacial? A dislexia é uma perturbação da lin- 1. Terapias baseadas em guagem que tem na sua génese um défi- interpretações psicológicas ce fonológico. As dificuldades de orien- Em 1895, Sigmund Freud afirmava: tação espacial, lateralidade, identifica- «Os mecanismos cognitivos dos fenóme- ção direita e esquerda, psicomotoras e nos mentais, normais e anormais, po- grafomotoras são independentes da dem ser explicados mediante o estudo dislexia. Podem existir subgrupos que, rigoroso dos sistemas cerebrais»35. Ape- em comorbilidade, apresentem essas sar de os seus estudos sobre neuroana- perturbações33. tomia, não conseguiu obter respostas que lhe permitissem compreender em 9. A dislexia está relacionada com profundidade os fenómenos psíquicos. a inteligência? Perante a inexistência de meios com- Dislexia é uma dificuldade específica de preende-se que tenha recorrido a expli- aprendizagem. Os critérios de diagnós- cações puramente psicológicas, desvin- tico do D.S.M-IV, referem explicitamen- culadas da actividade biológica cere- te «O rendimento na leitura/escrita bral. Interrogamo-nos sobre o modo co- situa-se substancialmente abaixo do mo teria evoluído o seu pensamento se nível esperado para o seu quociente de tivesse tido acesso à neuroimagem, à inteligência...» genética molecular e aos actuais conhe- cimentos sobre neurotransmissores. 10. A dislexia existe apenas em A última década, a denominada dé- algumas línguas? cada do cérebro, trouxe-nos uma imen- Existe uma base neurocognitiva univer- sidade de conhecimentos sobre os fenó- sal para a dislexia. Sendo o défice pri- menos e transtornos psíquicos de cuja mário da dislexia um défice nas repre- interpretação se tinha apropriado a psi- sentações fonológicas manifesta-se em canálise. todas as línguas. As diferenças de com- Actualmente, perante a esmagadora petência leitora entre os disléxicos de- evidência dos aspectos biológicos da vem-se em parte, às diferentes ortogra- actividade cerebral e dos estudos do ge- fias... Nas línguas mais transparentes, noma humano é impensável dar crédi- em que a correspondência grafema-fo- to às interpretações psicodinâmicas so- nema é mais regular, como o italiano e bre as perturbações de leitura e escrita. o finlandês, são cometidos menos erros. Nas línguas opacas, em que existem 2. Terapias Baseadas em défices muitas irregularidades na correspon- perceptivos dência grafema-fonema, como a língua Durante as décadas de 50 e 60 os estu- inglesa, são cometidos mais erros. A lín- dos sobre as perturbações de aprendi- gua portuguesa é uma língua semi- zagem procuraram encontrar explica- -transparente34. ções a partir das perturbações percepti- vas, visuais e auditivas. Com base nes- tes pressupostos surgiram diversos TERAPIASDITORIAIS E CONTROVERSAS programas educativos. Treino da per- cepção visual de Frostig; treino da audi- O desconhecimento, até datas recentes, ção dicotómica de Tomátis; treino de de- das causas e do tipo de défices subja- senvolvimento motor de Delacato36,37... Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 719
  • 8. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO 3. Terapias baseadas em défices específica que se baseia no conheci- visuais, psicomotores e problemas mento da linguagem oral, é contudo posturais uma competência com um grau de di- Diversos estudos referem que as crian- ficuldade muito superior à da lingua- ças com dislexia têm os mesmos proble- gem oral. A linguagem existe há cerca mas visuais das outras crianças38-40. As de 100 mil anos, faz parte do nosso pa- Sociedades Americanas de Pediatria e de trimónio genético. Aprende-se a falar Oftalmologia referem a independência naturalmente, sem necessidade de en- entre a dislexia e problemas de visão e sino explícito. alertam para a ineficácia do uso de lentes Os sistemas de escrita, sendo pro- prismáticas e do treino de visão, como dutos da evolução histórica e cultural, tratamento para dislexia31,32. A dislexia são relativamente recentes na história não tem na sua origem um défice visual, da humanidade, existindo apenas há pelo que não existe qualquer indicação cerca de 5 mil anos. A escrita utiliza um para a utilização de lentes prismáticas41. código gráfico que necessita de ser en- Em complementaridade com a prescri- sinado explicitamente. Para decifrar o ção de lentes prismáticas, e estabelecen- código escrito, é necessário tornar cons- do uma relação de causalidade entre dis- ciente e explícito, o que na linguagem lexia e problemas psicomotores e postu- oral era um processo mental implícito. rais, são propostos programas de treino Os processos cognitivos envolvidos psicomotor, prescrita a utilização de lei- na produção e compreensão da lingua- toris, apoios para os pés, palmilhas, sa- gem falada diferem significativamente patos e colchões ortopédicos. Estas inter- dos processos cognitivos envolvidos na venções proporcionam tratamentos pla- leitura e na escrita. cebos extremamente gravosos, não só A procura de uma explicação neuro- porque obrigam ao dispêndio de tempo científica cognitiva, para a leitura, tem e dinheiro, mas principalmente porque sido objecto de uma imensa quantidade adiam a recuperação e impedem uma in- de estudos. Os resultados têm sido con- tervenção educativa especializada. vergentes apresentando um conjunto Não existe nenhum marcador bioló- bastante consistente de conclusões42: gico que, na prática clínica, se possa uti- lizar para estabelecer, ou confirmar, o 1. Quais as competências necessárias diagnóstico de dislexia. O diagnóstico à aprendizagem da leitura? da dislexia é feito com base na história Aprender a ler não é um processo natu- familiar e clínica, em testes psicométri- ral. Contrariamente à linguagem oral a cos, em testes de consciência fonológi- leitura não emerge naturalmente da in- ca, de linguagem, de leitura e da orto- teracção com os pais e os outros adul- grafia. A realização de exames médicos, tos, por mais estimulante que seja o electroencefalogramas, potenciais au- meio a nível cultural. Para aprender a ditivos e visuais evocados, não tem ler é necessário ter uma boa consciên- qualquer justificação, nem utilidade, cia fonológica, isto é, o conhecimento para o diagnóstico e consequente inter- consciente de que a linguagem é forma- venção na dislexia. Os exames de fMRI, da por palavras, as palavras por sílabas, actualmente, ainda não são utilizados as sílabas por fonemas e que os carac- como meio de diagnóstico. teres do alfabeto representam esses fonemas. A consciência fonológica é uma competência difícil de adquirir, LINGUAGEM E LEITURA EDITORIAIS porque na linguagem oral não é per- ceptível a audição separada dos dife- A leitura é uma competência cultural rentes fonemas. Quando ouvimos a 720 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
  • 9. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO palavra «pai» ouvimos os três sons con- Os factores motivacionais são muito juntamente e não três sons individuali- importantes no desenvolvimento da ca- zados. pacidade leitora dado que a melhoria Para ler é necessário conhecer o prin- desta competência está altamente rela- cípio alfabético, saber que as letras do cionada com o querer, com a vontade alfabeto têm um nome e representam de persistir, pese embora as dificul- um som da linguagem, saber encontrar dades sentidas e a não obtenção de re- as correspondências grafo-fonémicas, sultados imediatos. saber analisar e segmentar as palavras em sílabas e fonemas, saber realizar as SINAIS DE ALERTA EDITORIAIS fusões fonémicas e silábicas e encontrar a pronúncia correcta para aceder ao significado das palavras. Para realizar Sendo a dislexia como uma perturbação uma leitura fluente e compreensiva é da linguagem, que tem na sua origem ainda necessário realizar automatica- dificuldades a nível do processamento mente estas operações, isto é, sem aten- fonológico, podem observar-se algumas ção consciente e sem esforço. A capaci- manifestações antes do início da apren- dade de compreensão leitora está forte- dizagem da leitura. A linguagem e as mente relacionada com a compreensão competências leitoras emergentes são da linguagem oral, com o possuir um os sinais preditores mais relevantes de vocabulário oral rico e com a fluência e futuras dificuldades para a aprendiza- correcção leitora. Todas as competên- gem da leitura; as competências per- cias têm que ser integradas através do ceptivas e motoras não são preditores ensino e da prática. significativos. Existem alguns sinais que podem in- 2. Porque é que tantas crianças diciar dificuldades futuras. Se esses si- têm dificuldades em aprender a nais forem observados e se persistirem ler? Quais os défices que dificultam ao longo de vários meses os pais devem esta aprendizagem? procurar uma avaliação especializada. As dificuldades na aprendizagem da Não se pretende ser alarmista mas sim leitura têm origem na existência de um estar consciente de que, se uma criança défice fonológico. As crianças com dis- mais tarde tiver problemas, os anos per- lexia, embora falem utilizando palavras, didos não podem ser recuperados. A in- sílabas e fonemas, não têm um conhe- tervenção precoce é provavelmente o cimento consciente destas unidades lin- factor mais importante na recuperação guísticas, apresentando um défice a ní- dos leitores disléxicos. Sally Shaywitz vel da consciência dos segmentos fono- refere alguns sinais de alerta43 a que lógicos da linguagem, um défice fono- acrescentámos outros recolhidos da lógico. nossa experiência. As crianças que apresentam maiores riscos de futuras dificuldades na apren- 1. Na primeira infância dizagem da leitura são as que no jar- • Os primeiros sinais indicadores de dim-de-infância, na pré-primária e no possíveis dificuldades na linguagem es- início da escolaridade apresentam difi- crita surgem a nível da linguagem oral. culdades a nível da consciência silábi- O atraso na aquisição da linguagem ca e fonémica, da identificação das le- pode ser um primeiro sinal de alerta tras e dos sons que lhes correspondem, para possíveis problemas de linguagem do objectivo da leitura e que têm uma e de leitura. linguagem oral e um vocabulário po- • As crianças começam a dizer as pri- bres. meiras palavras com cerca de um ano Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 723
  • 10. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO de idade e a formar frases entre os 18 3. No primeiro ano de escolaridade meses e os dois anos. As crianças em • Dificuldade em compreender que as situação de risco podem só dizer as palavras se podem segmentar em primeiras palavras depois dos 15 meses sílabas e fonemas. e dizer frases só depois dos dois anos. • Dificuldade em associar as letras aos Este ligeiro atraso é frequentemente seus sons, em associar a letra «éfe» com referido pelos pais como uma caracte- o som [f]. rística familiar. Os atrasos de linguagem • Erros de leitura por desconhecimen- podem acontecer e acontecem em to das regras de correspondência grafo- famílias, a dislexia também é uma per- fonémica: vaca/faca; janela/chanela; turbação familiar. calo/galo... • Depois das crianças começarem a • Dificuldade em ler monossílabos e falar surgem dificuldades de pronún- em soletrar palavras simples: ao, os, cia, algumas referidas como «lingua- pai, bola, rato... gem bebé», que continuam para além • Maior dificuldade na leitura de pa- do tempo normal. Pelos cinco anos lavras isoladas e de pseudopalavras de idade as crianças devem pronun- «modigo». ciar correctamente a maioria das pa- • Recusa ou insistência em adiar as lavras. tarefas de leitura e escrita. • A dificuldade em pronunciar uma pa- • Necessidade de acompanhamento lavra pela primeira vez, ou em pronun- individual do professor para prosseguir ciar correctamente palavras complexas, e concluir os trabalhos. pode ser apenas um problema de • Relutância, lentidão e necessidade articulação. As incorrecções típicas da de apoio dos pais na realização dos tra- dislexia são a omissão e a inversão de balhos de casa. sons em palavras (fósforos/fosfos, pi- • Queixas dos pais e dos professores pocas/popicas...). em relação às dificuldades de leitura e escrita. 2. No jardim de infância e pré-primária • História familiar de dificuldades de • Linguagem «bebé» persistente. leitura e ortografia noutros membros • Frases curtas, palavras mal pronun- da família. ciadas, com omissões e substituições de sílabas e fonemas. 4. A partir do segundo ano de • Dificuldade em aprender: nomes de escolaridade cores (verde, vermelho), de pessoas, de a) Problemas de leitura objectos, de lugares... • Progresso muito lento na aquisição • Dificuldade em memorizar canções e da leitura e ortografia. lengalengas. • Dificuldade, necessitando de recorrer • Dificuldade na aquisição dos con- à soletração, quando tem que ler ceitos temporais e espaciais básicos: palavras desconhecidas, irregulares e ontem/amanhã; manhã/a manhã; di- com fonemas e sílabas semelhantes. reita/esquerda; depois/antes... • Insucesso na leitura de palavras • Dificuldade em aperceber-se de que multissilábicas. Quando está quase a as frases são formadas por palavras e concluir a leitura da palavra, omite que as palavras se podem segmentar fonemas e sílabas ficando um «buraco» em sílabas. no meio da palavra: biblioteca/biote- • Não saber as letras do seu nome pró- ca... prio. • Substituição de palavras de pronún- • Dificuldade em aprender e recordar cia difícil por outras com o mesmo signi- os nomes e os sons das letras. ficado: carro/automóvel... 724 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
  • 11. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO • Tendência para adivinhar as pa- fonemas e sílabas. lavras, apoiando-se no desenho e no • Alterações na sequência fonémica e contexto, em vez de as descodificar. silábica. • Melhor capacidade para ler palavras • Necessidade de tempo extra, dificul- em contexto do que para ler palavras dade em dar respostas orais rápidas. isoladas. • Dificuldade em ler pequenas c) Evidência de áreas fortes nos palavras funcionais como «aí, ia, ao, ou, processos cognitivos superiores em, de...». • Boa capacidade de raciocínio lógico, • Dificuldades na leitura e interpre- conceptualização, abstracção e imagi- tação de problemas matemáticos. nação. • Desagrado e tensão durante a leitu- • Maior facilidade de aprendizagem ra oral, leitura sincopada, trabalhosa e dos conteúdos compreendidos de que sem fluência. memorizados sem integração numa es- • Dificuldade em terminar os testes no trutura lógica. tempo previsto. • Melhor compreensão do vocabulário • Erros ortográficos frequentes nas pa- apresentado oralmente, do que do vo- lavras com correspondências grafo- cabulário escrito. fonémicas irregulares. • Boa compreensão dos conteúdos • Caligrafia imperfeita. quando lhe são lidos. • Os trabalhos de casa parecem não ter • Capacidade para ler e compreender fim, ou com os pais recrutados como melhor as palavras das suas áreas de leitores. interesse, que já leu, praticou, muitas • Falta de prazer na leitura, evitando vezes. ler livros ou sequer pequenas frases. • Melhores resultados nas áreas que • A correcção leitora melhora com o têm menor dependência da leitura: tempo, mantém a falta de fluência e a matemática, informática, artes vi- leitura trabalhosa. suais... • Baixa autoestima, com sofrimento, que nem sempre é evidentes para aos 5. Sinais de alerta em jovens e adultos outros. a) Problemas na leitura • História pessoal de dificuldades na b) Problemas de linguagem leitura e escrita. • Discurso pouco fluente com pausas, • Dificuldades de leitura persistentes. hesitações, um’s... A correcção leitora melhora ao longo • Pronúncia incorrecta de palavras dos anos, mas a leitura continua a ser longas, não familiares e complexas. lenta, esforçada e cansativa. • Uso de palavras imprecisas em subs- • Dificuldades em ler e pronunciar pa- tituição do nome exacto: a coisa, aqui- lavras pouco comuns, estranhas, ou lo, aquela cena... únicas, como nomes de pessoas, de • Dificuldade em encontrar a palavra ruas, de lugares, dos pratos, na lista do exacta, humidade/humanidade... restaurante... • Dificuldade em recordar informações • Não reconhecer palavras que leu ou verbais, problemas de memória a cur- ouviu quando as lê ou ouve no dia se- to termo: datas, nomes, números de te- guinte. lefone, sequências temporais, algorit- • Preferência por livros com poucas mos da multiplicação… palavras por página e com muitos es- • Dificuldades de discriminação e paços em branco. segmentação silábica e fonémica. • Longas horas na realização dos tra- • Omissão, adição e substituição de balhos escolares. Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 725
  • 12. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO • Penalização nos testes de escolha É possível identificar a dislexia em múltipla. crianças antes de iniciarem a aprendi- • A ortografia mantém-se desastrosa zagem da leitura, se estes sinais forem preferindo utilizar palavras menos com- observados atentamente, bem como em plexas, mais fáceis de escrever. jovens e adultos que atingiram um • Falta de apetência para a leitura determinado nível de eficiência, mas recreativa. que continuam a ler lentamente, com • Sacrifício frequente da vida social esforço e com persistentes dificuldades para estudar as matérias curriculares. ortográficas. Se apenas alguns destes • Sentimentos de embaraço e des- sinais forem identificados, não é moti- conforto quando tem que ler algo oral- vo para alarme: todas as pessoas se en- mente com tendência a evitar essas ganam às vezes; há sim que estar aten- situações. to à existência de um padrão persis- tente ao longo de um longo período. b) Problemas de linguagem • Persistência das dificuldades na lin- guagem oral. AVALIAÇÃO EDITORIAIS • Pronúncia incorrecta de nomes de pessoas e lugares, saltar por cima de Se existe suspeita da existência de dé- partes de palavras. fices fonológicos e ou de dificuldades de • Dificuldade em recordar datas, nú- leitura e escrita, deve ser realizada uma meros de telefone, nomes de pessoas, avaliação. É importante avaliar para di- de lugares... agnosticar, para delinear as dificul- • Confusão de palavras com pronún- dades específicas, as áreas fortes e para cias semelhantes. intervir. A avaliação pode ser feita em • Dificuldade em recordar as palavras, qualquer idade; os testes são seleccio- «está mesmo na ponta da língua». nados de acordo com a idade. • Vocabulário expressivo inferior ao vo- Não existe um teste único que possa cabulário compreensivo. ser usado para avaliar a dislexia, de- • Evita utilizar palavras que teme pro- vendo ser realizados testes que avaliem nunciar mal. as competências fonológicas, a lingua- gem compreensiva e expressiva (a nível c) Evidência de áreas fortes nos oral e escrito), o funcionamento inte- processos cognitivos superiores lectual, o processamento cognitivo e as • A manutenção das áreas fortes evi- aquisições escolares. Os modelos de denciadas durante a escolaridade. avaliação que se revelam mais eficientes • Melhoria muito significativa quando são os que conduzem directamente à lhe é facultado tempo suplementar nos implementação de estratégias de inter- exames. venção que tenham em conta os dados • Boa capacidade de aprendizagem, obtidos na avaliação44-49. talento especial para níveis elevados de conceptualização. • Ideias criativas com muita originali- INTERVENÇÃO EDITORIAIS dade. • Sucesso profissional em áreas alta- Avaliar sem intervir não faz sentido, mente especializadas como a medicina, porque não permite ultrapassar as di- direito, ciências políticas, finanças, ar- ficuldades. Após a avaliação e com quitectura... bases nos resultados obtidos são im- • Boas capacidades de empatia, resi- plementadas as medidas de intervenção liência e de adaptação. adequadas a cada caso. 726 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
  • 13. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO 1. A importância da intervenção 2. É possível melhorar as precoce competências leitoras? A identificação e intervenção precoce Sendo a dislexia uma perturbação de são o segredo do sucesso na apren- origem neurobiológica e genética, sendo dizagem da leitura. A identificação de as diferenças cerebrais e os processos um problema é a chave que permite a cognitivos «herdados» pode inferir-se sua resolução. Quanto mais cedo um que as dificuldades das crianças com problema for identificado mais rapida- dislexia são permanentes e imutáveis? mente se pode obter ajuda. A iden- Pensamos que não; acreditamos que é tificação, sinalização e avaliação das possível introduzir melhorias através de crianças que evidenciam sinais de fu- uma intervenção especializada. Como já turas dificuldades antes do início da referimos, os resultados dos estudos de escolaridade permite a implementação Sally Shaywitz provam que é possível de programas de intervenção precoce «reorganizar» os circuitos neurológicos que irão prevenir ou minimizar o in- se for implementado um programa sucesso. reeducativo concebido com base nos Na geração passada pensava-se que novos conhecimentos neurocientíficos. o processo de aprender a ler e escrever Os novos conhecimentos sobre o mo- não começava, e não devia começar, do como os leitores iniciantes apren- antes das crianças iniciarem a escolari- dem a ler e sobre os défices que impe- dade formal. O processo de aprendiza- dem o sucesso nesta aprendizagem ti- gem da leitura começa bastante cedo, veram implicações importantes nas em muitos casos antes da pré-primária. práticas educativas. Actualmente verifi- Estudos recentes comprovam que as ca-se um grande consenso, quer em crianças que apresentam dificuldades relação aos princípios orientadores, es- no início da aprendizagem da leitura e tratégias educativas, quer em relação escrita dificilmente recuperam se não ti- aos conteúdos, o que ensinar. verem uma intervenção precoce e espe- cializada. Os maus leitores no primeiro 3. Quais os princípios orientadores ano continuam invariavelmente sendo componentes dos métodos educativos maus leitores, e as dificuldades acu- que conduzem a um maior sucesso? mulam-se ao longo dos anos. Após os Estudos realizados por diversos investi- nove anos de idade, o tempo e o esforço gadores mostraram que os métodos dispendidos na reeducação aumentam multissensoriais, estruturados e cumu- exponencialmente42. lativos, são a intervenção mais eficien- Stanovich refere no seu conhecido te47,48,51-54. As crianças disléxicas, para artigo sobre o «Efeito de Mateus» que os além do défice fonológico, apresentam ricos ficam cada vez mais ricos e os dificuldades na memória auditiva e vi- pobres cada vez mais pobres, asso- sual, bem como dificuldade de automa- ciando-o com as dificuldades em tização Os métodos de ensino multis- adquirir as competências leitoras pre- sensoriais ajudam as crianças a apren- coces50. Estas consequências são múlti- der utilizando mais do que um sentido, plas: atitudes negativas em relação às enfatizando os aspectos cinestésicos da actividades de leitura, desvalorização aprendizagem e integrando o ouvir e o do autoconceito escolar e pessoal, baixo ver com o dizer e o escrever. rendimento escolar, baixo nível de A Associação Internacional de Disle- vocabulário, diminuição de actividades xia promove activamente a utilização de leitura, perda de oportunidades dos métodos multissensoriais, indica de desenvolver estratégias de com- os princípios e os conteúdos educativos preensão... a ensinar: Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 727
  • 14. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO Aprendizagem multissensorial: A leitu- tigo, facultando-me a possibilidade de ra e a escrita são actividades multis- partilhar com os seus leitores os co- sensoriais. As crianças têm que olhar nhecimentos e experiência que ao lon- para as letras impressas, dizer, ou sub- go dos anos tenho construído. vocalizar, os sons, fazer os movimentos À minha colega Dr.a Leonor Macha- necessários à escrita e usar os conheci- do, minha «parceira» de estudo e traba- mentos linguísticos para aceder ao sen- lho, pelos comentários pertinentes. tido das palavras. São utilizadas em si- À Dr.a Luísa Carvalho, pela disponibi- multâneo as diferentes vias de acesso lidade e empenhamento na revisão ao cérebro; os neurónios estabelecem deste artigo. interligações entre si facilitando a A todos os profissionais que comigo aprendizagem e a memorização. têm colaborado, às crianças disléxicas e às suas famílias, pelo apoio, colabo- Estruturado e cumulativo: A organização ração e estímulo. dos conteúdos a aprender segue a se- quência do desenvolvimento linguístico e fonológico. Inicia-se com os elemen- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS EDITORIAIS tos mais fáceis e básicos e progride gradualmente para os mais difíceis. Os 1. Pringle-Morgan W. A case of congenital conceitos ensinados devem ser revistos word blindness. Br Med J 1896; 2: 1378. 2. Chiland C. La Maladie nommée dyslexie sistematicamente para manter e re- existe-t-elle? In: L’enfant de 6 ans et son avenir. forçar a sua memorização. Paris: Puf 1973. p. 203-48. 3. World Federation of Neurology. Report of Ensino directo, explícito: Os diferentes Research Group on Developmental Dyslexia conceitos devem ser ensinados directa, (1968). In Critchley, M. The Dyslexic Child. London: Heinmann Medical; 1970. explícita e conscientemente, nunca por 4. American Psychiatric Association. DSM dedução. IV: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Lisboa: Climepsi Edi- Ensino diagnóstico: Deve ser realizada tores; 1996. uma avaliação diagnóstica das com- 5. Lyon R, Shaywitz SE. A definition of dyslexia. Ann Dyslexia 2003; 53:1-14. petências adquiridas e a adquirir. 6. Rack J. Dyslexia: The phonological deficit hypothesis. In: Lundberg I, Tonnessen F E, Ensino sintético e analítico: Devem ser Austad I (eds). Dyslexia: Advances in theory and realizados exercícios de ensino explíci- practice. Kluwer Academic Publishers; 1999. p to da «fusão fonémica», «fusão silábica», 34-39. 7. Zeffiro TJ, Eden G. The neural basis of «segmentação silábica» e «segmentação developmental dyslexia – The phonological pro- fonémica». cessing systems. Ann Dyslexia 2000: 8-14. 8. Shaywitz S. Overcoming Dyslexia. New Automatização das competências apren- York: Alfred A. Knopf; 2003. p. 53-58. didas: As competências aprendidas de- 9. Shaywitz SE, Shaywitz BA, Pugh KR, Ful- bright RK, Constable RT, Mencl WE, et al. vem ser treinadas até à sua automati- Functional disruption in the organization of zação, isto é, até à sua realização, sem the brain for reading in dyslexia. Proc Natl Acad atenção consciente e com o mínimo de Sci USA 1998; 95:2636-41. esforço e de tempo. A automatização irá 10. Fawcett AJ, Nicolson RI. Automatization disponibilizar a atenção para aceder à deficits in balance for dyslexic children. Percept Mot Skills 1992; 75:507-29. compreensão do texto. 11. Nicolson RI, Fawcett AJ. Automaticity: a new framework for dyslexia research. Cogni- Agradecimentos tion 1990; 35:159-82. À Revista Portuguesa de Clínica Geral, 12. Willows D, Kruk E, Corcos E (eds). Vi- por me ter convidado a escrever este ar- sual processes in reading and reading disabili- 728 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30
  • 15. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO ties. Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates; 27. Willcut EG, Pennington BF, DeFries JC. 1993. Cit. in Lundberg I, Tonnessen FE, Aus- Twin study of the etiology of comorbidity be- tad I (eds). Dyslexia: Advances in theory and tween reading disability and attention–defi- practice. Dordrecht: Kluwer Academic Pub- cit/hyperactivity disorder. Am J Med Genet lishers; 1999. p. 32-34. 2000; 96:293-301. 13. Lovegrove W, Williams M. Visual tem- 28. Scarborough HS. Continuity between poral processing deficits in specific reading childhood dyslexia and adult reading. Br J Psy- disability. In: Willows D, Kruk E, Corcos E (Edi- chol 1984; 75:329-48. tores). Visual processes in reading and reading 29. Shaywitz S. Should my child be evalu- disabilities. Hillsdale: Lawrence Erlbaum As- ated? In Shaywitz S. Overcoming Dyslexia. New sociates; 1993. p. 311-329. York: Alfred A. Knopf; 2003. p. 122-7. 14. Ramus F, Rosen S, Dakin SC, Day BL, 30. Vellutino FR. Dyslexia: Theory and re- Castellote JM, White S, Frith U. Theories of de- search. Cambridge: MIT Press; 1979. velopmental dyslexia: insights from a multiple 31. Learning disabilities, dyslexia, and vi- case study of dyslexic adults. Brain 2003; sion: a subject review. Committee on Children 126:841-65. with Disabilities, American Academy of Pedia- 15. Lovegrove W. Weakness intransient vi- trics (AAP) and American Academy of Ophthal- sual system: A causal fact in dyslexia? Ann N mology (AAO), American Association for Pedia- Y Acad Sci 1993; 682: 57-69. tric Ophthalmology and Strabismus (AAPOS). 16. Zeffiro TJ, Eden G. The neural basis of Pediatrics 1998; 102:1217-9. developmental dyslexia – Early sensory pro- 32. A Joint Statement of the American cessing systems. Ann Dyslexia 2000: 17-22. Academy of Pediatrics, American Association 17. Hallgren B. Specific dyslexia (congeni- for Pediatric Ophthalmology and Strabismus, tal word-blindness); a clinical and genetic and American Academy of Ophthalmology. study. Acta Neurol Scand Suppl. 1950; 65:1- Learning Disabilities, Dyslexia, and Vision, -287. 1998. 18. Pennington BF. Update on genetics of 33. Dickman GC, Scarborough HS. Identi- dyslexia and comorbidity. Ann Dyslexia 2003; fying and helping preschoolers who are at-risk 53:19-21. for dyslexia: The role of parents. Perspectives 19. Galaburda AM, Sherman GF, Rosen GD, 2004; 30(2):7-10. Aboitiz F, Geschwind N. Developmental dysle- 34. Goswami U. Phonology, reading develop- xia: four consecutive patients with cortical ment, and dyslexia: a cross-linguistic perspecti- anomalies. Ann Neurol 1985; 18:222-33. ve. Ann Dyslexia 2002; 52:141-60. 20. Galaburda A. Ordinary and extraordi- 35. Freud S. Exploded Manuscript: Project nary brain development: anatomical variation for a Scientific Psychology. Conflict & Culture, in developmental dyslexia. Ann Dyslexia 1989; Library of Congress Exhibition, 1895. 39:67-80. 36. Tomátis A. Education and Dyslexia. 21. Sherman GF, Caroline DC. Neuroana- France-Quebec: Les Editions; 1978. tomy of dyslexia. Perspectives 2003;29(2):9-13. 37. Morais J. A arte de ler, psicologia cog- 22. Shaywitz SE. Dyslexia .NEJM 1998; nitiva da leitura. O ensino da leitura. Lisboa: 338:307-12. Edições Cosmos; 1997. p. 239-71. 23. Shaywitz SE, Shaywitz BA, Fletcher JM, 38. Golberg HK, Drash PW. The disabled Escobar MD. Prevalence of reading disability in reader. J Pediatr Ophthalmol 1968; 5:11-24. boys and girls: results of the Connecticut study. 39. Helveston EM, Weber JC, Miller K, JAMA 1990; 264:998-1002. Robertson K, Hohberger G, Estes R et al. Vi- 24. Rutter M, Caspi A, Fergusson D, Hor- sual function and academic performance. Am wood LJ, Goodman R, Maughan B et al. Sex J Ophthalmol. 1985; 99:346-55. differences in developmental reading disabili- 40. Levine MD. Reading disability: do the ty: new findings from 4 epidemiological studies. eyes have it? Pediatrics 1984; 73:869-70. JAMA 2004; 291:2007-12. 41. Morais J. A arte de ler, psicologia cog- 25. Shaywitz B. et al. Development of left- nitiva da leitura. São os problemas de leitura -occipital-temporal brain system for skilled de natureza visual? Lisboa: Edições Cosmos; reading, following a phonological based inter- 1997. p. 205-07. vention in children. Presented in the Organi- 42. Lyon R. Report on Learning Disabilities zation of Human Brain Mapping, Annual Mee- Research. National Institute of Child Health ting, New York, June 2003. and Human Development (NICHD); 1997. 26. Cantwell DP, Baker L. Association be- 43. Shaywitz S. Clues to dyslexia in early tween attention deficit-hyperactivity disorder childhood. In Shaywitz S. Overcoming Dysle- and learning disorders. J Learn Disabil 1991; xia. New York: Alfred A. Knopf; 2003. p. 122- 24:88-95. -27. Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30 729
  • 16. DOSSIER PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO 44. Thomson ME, Watkins EJ. Dyslexia, a Bibliografia Recomendada teaching handbook. London: Whurr Publi- Morais, J. A arte de ler, psicologia cognitiva shers; 1990. p. 17-25. da leitura. Lisboa: Edições Cosmos; 1997. 45. Malatesha RJ. A diagnostic procedure Shaywitz S. Overcoming Dyslexia. New York: based on reading component model. In Lund- Alfred A. Knopf; 2003. berg I, Tonnessen FE, Austad I. Dyslexia: Ad- Teles P, Machado L. Dislexia - Da teoria à vances in Theory and Practice. Kluwer Aca- prática. Lisboa: Distema® Editora (no prelo). demic Publishers; 1999. p. 207-19. 46. Church RP, Marjorie A, Fessler, Bender Recursos M. Diagnosis and remediation of dyslexia. In Shapiro BK, Accardo PJ, Capute AJ. Specific • Consultório de Psicologia Educacional - reading disability. A view of the Spectrum. Ti- Método Distema monium, Maryland: York Press, Inc;1998. p. Rua República da Bolívia n.º 22 - Dto. 171-96. 1500 - 547 Lisboa 47. Broomfield H, Combley M. Overcoming Tel. 21 715 12 60, dyslexia. A practical handbook for the class- E-mail: distema@netcabo.pt room. London; Whurr Publishers; 1997. p. 45- • Centro de Desenvolvimento Infantil -61. Diferenças - Tel. 21 837 16 99 48. Snowling M, Stackhouse J. Dyslexia, • Consulta de Desenvolvimento speech and language. London: Whurr Pub- Clínica Gerações lishers;1997. p. 45-128. Tel. 21 358 39 10 49. Kaufman L. Testing for dyslexia. The In- • Equipas de Apoio Educativo ternational Dyslexia Association (IDA). Fact Ministério da Educação Sheet 2000. 50. Stanovich KE. Matthew effects in rea- ding: some consequences of individual diffe- Endereço para correspondência: rences in the acquisition of literacy. Reading E-mail: paula.teles@netcabo.pt Research Quarterly 1986; 21:360-407. 51. Henry MK. Multissensorial teaching. The International Dyslexia Association (IDA). Fact Sheet 2000. 52. Shaywitz S. Helping your child to be- come a reader. In Shaywitz S. Overcoming Dyslexia. New York: Alfred A. Knopf; 2003. p.169-230. 53. Morais J. A arte de ler, psicologia cog- nitiva da leitura. O ensino da leitura. Lisboa: Edições Cosmos; 1997. p. 241-72. 54. Snowling MJ. Dislexia. Ajudando a su- perar a dislexia. São Paulo: Livraria Santos Ed- itora Ltda; 2001. p. 177-97. 730 Rev Port Clin Geral 2004;20:713-30