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CURRÍCULO E ENSINO: UMA DOSAGEM DO PRESCRITÍVEL
Grupo de Estudos e Pesquisa Filosofia: Por Quê? *

* Franco Decarlo & Marcelino Silva
Instituto Superior de Estudos e Pesquisa em Filosofia e Ciências – ISEF

filpq.isef@pop.com.br

Olhemos em nossa volta: não conseguimos identificar nada do que se aproxima de
nós; vemos nomes e codinomes, vemos códigos e códigos de barra, vemos
conceitos – há tantos conceitos! São tantos conceitos que podemos escolher
qualquer um sem obedecer a nenhum critério, pois seja lá o que for escolhido será
bem aceito pela sociedade.
– Serei eu uma carta fora do baralho? Ou será que me tornei um peão que não
consegue se encaixar em nenhum tabuleiro de xadrez? É assim que me sinto,
porque não consigo decifrar os códigos e porque não aceito os conceitos. Talvez o
Módulo Decifrador de Códigos que me foi implantado no decorrer da minha vida
(ideologias) está danificado ou não me pertence. Penso ser o momento de procurar
ou replantar outro Módulo Decifrador de Códigos e procurar a „minha identidade‟,
talvez eu consiga uma „original‟.
É nessa perspectiva que fazemos aqui uma conexão da educação com os aparelhos
ideológicos de Estado. O filósofo francês Louis Althusser já defendia, em seu
famoso ensaio A Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado, o entendimento
do conflito entre as classes dominantes e dominadas, como já havia proposto Karl
Marx em seu Manifesto do Partido Comunista. Mas Althusser vai muito mais além.
Althusser vê no sistema social certos dispositivos que, ao serem acionados, tendem
a manter as classes dominantes no Poder. Os chamados aparelhos ideológicos de
Estado têm como finalidade manter e gerar a reprodução social. Como esses
dispositivos são ideológicos, ocorre então uma sujeição do sujeito a essas
ideologias; o sujeito que é submetido a essa sujeição não percebe que está sendo
sujeitado, pois essas ideologias são constituídas por crenças que o faz aceitar que
as estruturas sociais existentes são boas, necessárias e desejáveis.
Althusser comenta que “... o AIE que assumiu a posição dominante nas formações
capitalistas maduras, após uma violenta luta de classe política e ideológica contra o
antigo aparelho ideológico do Estado dominante, foi o escolar” – (Althusser, 2001,
p. 84).
Durante todo o período Medieval, a Igreja constituía o aparelho ideológico
dominante. A religião era justificadora e confortadora, e temos um exemplo
ideológico de manipulação em massa na harmonização da fé e da razão. O esforço
da Igreja de unir a religião com a filosofia conseguiu por muito tempo manter e
justificar a riqueza para os nobres e para a própria Igreja, justificando
„racionalmente‟ que a riqueza seria dada e sustentada por Deus e que a pobreza
seria um caminho de purificação: o homem poderia ser pobre, mas o seu espírito
poderia ser „rico‟ em virtudes, e assim alcançaria as bênçãos de Deus. Mas
surgiram de dentro da própria Igreja forças ideológicas desejando uma reforma
religiosa, como a de Lutero, e somando-se ao desejo da burguesia de assumir o
poder político, juntos conseguiram desestabilizar aquele aparelho ideológico
dominante – a Igreja, que era tão poderoso.
Agora, na modernidade, a escola assumiu o papel de aparelho ideológico
dominante, e como a permanência histórica da sociedade capitalista depende da
reprodução de seus componentes econômicos, como a força de trabalho e os
meios de produção para o giro do capital, os Aparelhos Ideológicos de Estado têm
como sua força principal a escola, pois é nela que o sujeito permanecerá a melhor
parte de sua vida formativa. A escola tornou-se um mecanismo e instituição
encarregada de garantir que o sistema dominante não seja contestado, e se algo
sair de errado (manifestações, badernas, etc.) surgirá uma das forças que
constituem o Aparelho Repressor de Estado – como a polícia.
Com esse esclarecimento althusseriano sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado,
analisemos o comportamento do sujeito na sua formação inicial em relação às
ideologias. A família é considerada por Althusser como o primeiro aparelho
ideológico capaz de socializar o indivíduo, iniciando sua educação e sua
socialização já nos primeiros anos de vida. A partir de um ano de idade, a criança
inicia um processo de autonomia (engatinhar, pegar e soltar objetos, etc.); estas
são habilidades que vão se desenvolvendo através de estímulos fornecidos pelo
meio ambiente em que ela vive, e é neste período também que a criança começa a
desenvolver certos valores, como os de „certo‟ e „errado‟: ao impedirem que uma
criança mexa na televisão ou no aparelho de som, por exemplo, implicitamente os
pais estão dizendo „isto é certo‟ ou „aquilo é errado‟). E esse papel repressor cabe
justamente aos pais ou responsáveis pela criação da criança; ao cumprirem esse
papel repressor, os pais iniciam um processo de „impedimento‟ do desejo de
conhecer e de aprender da criança através da experiência, como por exemplo, do
desejo infindável da criança de levar objetos a boca, ou lambuzar-se com
alimentos... ou até mesmo com as fezes.
Já no decorrer do desenvolvimento vocal da criança surgem vários e vários

porquês; esse fato ocorre porque a criança tem a necessidade de se posicionar no
meio social, principalmente em se definir sexualmente („serei menino ou menina?‟).
Pelo fato de ser constrangedor para a criança perguntar sobre uma questão sexual,
então ela „desvia‟ as suas preocupações para outras questões, e surgem vários

porquês (esses desejos são explicados pela psicanálise como fases evolutivas ou de
desenvolvimento sexual infantil). O adulto, ao reprimir a criança em excesso, em
alguma dessas fases, poderá „instalar‟ na criança uma barreira, de forma
inconsciente, de modo que o desejo de saber será reprimido, instalando-se no
inconsciente do sujeito.
A criança, com mais ou menos sete anos de idade, entrará para a escola, e não irá
mais demonstrar tais preocupações; o que pode ocorrer é que a investigação
sexual recaia sobre o domínio da repressão. Não toda, mas parte dessa
investigação „sublima-se‟ em desejo de saber. A sublimação aparece após a
remoção de certa repressão. As crianças deixam de lado a questão sexual por uma
necessidade própria à sua constituição formativa/subjetiva. E porque não podem
mais saber sobre a sexualidade, procedem (não de modo consciente) a um
deslocamento dos interesses sexuais para os não-sexuais, desviam a energia aí
concentrada para objetos não sexuais. Mas não podem deixar de perguntar, pois a
força da pulsão continua estimulando essas crianças: perguntam então sobre outras
coisas, para poder continuar pensando sobre as suas questões fundamentais. E
assim, continua a formação do conhecimento da criança na escola.
E é na escola que se dá a maior dominação ideológica, através de professores que
serão necessariamente repressores, do espaço físico (que pode ser comparado com
o de uma prisão) e com as disciplinas „humanizadoras‟ e socializantes (Ensino
Religioso, Educação Moral e Cívica, Estudos Sociais, Geografia, História) e as
disciplinas técnológicas (Ciências, Física, Matemática, Química); a escola consegue
assim domesticar, adestrar, e moldar bons cidadãos, para suprir a demanda do
sistema capitalista dominante.
* * * * *
Antes de abordarmos a temática curricular, vejamos a „idéia‟ de Michel Foucault
sobre os conceitos de „ideologia‟ e „repressão‟, que caracteriza a Microfísica do

Poder. E a grande questão seria: o que está por trás das relações sociais? Ou até
mesmo: qual o efeito verdadeiro no interior dos discursos? Foucault descreve a
noção de „ideologia‟ como algo que é de difícil utilização, e com a qual devemos
ter precauções, pois “queira-se ou não, ela está sempre em oposição virtual a
alguma coisa que seria a verdade” – (Foucault, 1998, p. 07).
Tomemos, por exemplo, a relação entre o aluno e o professor que está implicada
no discurso professoral: quando o professor avalia uma redação „medíocre‟ do
aluno, mas assim mesmo lhe diz que está bom e que precisa melhorar pouca coisa,
ou quando a redação está „excelente‟ e o professor agrada o aluno com notinhas
de incentivo. Nos dois casos ele exerce o poder de educar o aluno. Talvez de forma
inconsciente pudesse estar dizendo: „não desista, você está bom, mais precisa
melhorar para ser aceito na sociedade‟, ou „muito bem você está se tornando um
bom cidadão, pois está correspondendo às exigências do sistema social‟.
Já a noção de dominação, do exercício do poder, na visão de Foucault, é mais
maldosa e vem com uma questão: “se o poder fosse somente repressivo, se não
fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que seria obedecido?” –
(Foucault, 1998, p. 07). Foucault a responde com simplicidade: “o que faz com
que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só
como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao
prazer, forma saber, produz discurso.” – (Idem, p. 07). Socialmente a repressão
não funciona sozinha, necessita de uma ação ideológica para se instalar e se
manter, assim o professor mantém o poder na sala de aula reproduzindo a
ideologia dominante.
Com essa formação do conhecimento durante a fase escolar (no meio social mais
geral também) surgiram várias críticas às metodologias e à formação curricular no
ensino escolar. Tomás Tadeu da Silva desenvolveu uma pesquisa sobre as teorias
do currículo, pela qual começa perguntando: o que é uma „teoria‟? Para da Silva,
em geral, estaria implícita, na noção de teoria, a suposição de que a teoria
„descobre‟ o „real‟, de que haveria uma correspondência entre a „teoria‟ e a
„realidade‟. De uma forma ou de outra, a noção envolvida seria sempre
representacional, especular. A teoria representaria, refletiria, espelharia a realidade,
a teoria seria uma representação.
Como a teoria seria algo representacional, então a „teoria do currículo‟ (como
defende da Silva) deveria começar por supor que existiria, „lá fora‟, esperando para
ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada „currículo‟. O currículo
seria o objeto que precederia a teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo,
descrevê-lo e explicá-lo. – (Cf. T. T. da Silva, 1999).
Com a necessidade de especializar o currículo num campo profissional, surgiram as
teorias sobre o currículo. Os professores de diversas áreas estiveram e estão de
uma forma ou de outra ligados ao currículo, antes mesmo do surgimento de uma
palavra especializada como „currículo‟. O termo curriculum, no sentido que damos
hoje, só passou a ser utilizado em países europeus recentemente sobre influência
da literatura educacional norte americana. E foi baseado nessa literatura que esse
termo surgiu para denominar um campo especializado de estudos. No entanto,
esse campo de pesquisa surgiu nos Estados Unidos pela necessidade de se formar
uma burocracia estatal ligada à educação; os estabelecimentos educacionais
tornaram-se um objeto próprio de estudo científico, a extensão educacional foi se
desenvolvendo em níveis cada vez mais altos e em segmentos cada vez maiores
com relação à população. A preocupação com uma identificação nacional estava
relacionada com as excessivas ondas de imigração, e correlacionada com crescente
industrialização e urbanização americana.
E ao comprar essa „literatura americana‟ o Brasil herdou, literalmente, uma
educação industrializada, até porque foi durante a evolução industrial brasileira
que surgiu o interesse pela formação profissional no âmbito da educação: surge, no
Brasil, a educação tecnicista do século XVIII. A preocupação dos „especialistas‟ da
educação era com a adaptação e formação de mão de obra operária utilizando
homens do campo, com isso a educação (escola) tornou-se uma usina, com
fabricação em massa de mão de obra para suprir o sistema industrial.
O ensino escolar é uma forma de doutrinação (não somente para o mercado de
trabalho) para levar a criança passivamente à aceitação de uma ideologia que a
mantém „democraticamente no seu lugar„, como vimos com Althusser. E todas as
crianças que aceitam e não lutam contra essa ideologia recebem um certificado,
como vimos com Foucault: e com isso as escolas exercem o processo social que
conduz à superposição dos sujeitos sociais nas classes já estabelecidas. As escolas
iniciam os jovens ao consumo disciplinado onde o „Ter„ e o „Ser„ são questões de

Status; submetem o sujeito a uma idéia de que „lá fora„ existe algo de valor que
pode ser medido e produzido e que é bom, agradável e de fácil aceitação. E isso é
uma manifestação dos Aparelhos Ideológicos.
Se levarmos em consideração o „desejo de saber‟ do indivíduo, como explica a
psicanálise e a relação de poder ideológico, fica muito fácil „pedagogizar‟ o sujeito
em sua formação inicial escolar. A „pulsão‟ de saber do indivíduo posssibilita a
preparação de certos tipos de „conhecimento‟ que o conduzirão com segurança por
uma formação conformadora, e se ele assimilar bem os „conteúdos ideológicos‟ se
sentirá confortável e possivelmente se conformará com a „posição‟ em que o
Estado o colocar. Com isso, fica a cargo dos Aparelhos Ideológicos de Estado a
manutenção e a ordem do sistema capitalista.
E como um programa, os Aparelhos Ideológicos de Estado tem uma ação múltipla
e „mutagênica‟, tendo o poder de reagir a qualquer „anomalia‟. Tudo que tenha a
pretensão de destruir o AIE será combatido e poderá se tornar „mais um
aparelhamento‟. A diferença é que será um novo modelo que vai envolver e
moldar o sujeito aos moldes dessa nova perspectiva. Como a criação, elaboração e
adaptação dos currículos estão nas „mãos‟ do Estado, tudo que se correlacionar
com os grupos de profissionais que elaboram e aprovam os currículos, estará
„impregnado‟ de ideologias, impostas pelo sistema político vigente, pois é de seu
profundo interesse que se mantenha e fortaleça o sistema capitalista. Onde uma
minoria detém o poder econômico e vive em verdadeiras mansões com três ou
mais carros importados, „ruminando‟ poder e „arrotando‟ discursos comoventes e
encantadores, ludibriando inúmeros sujeitos que vivem na mais profunda miséria,
que ficam felizes e satisfeitos quando recebem uma cesta de alimentos para saciar a
fome.
Há uma necessidade político-cultural de se criar e instalar vírus nos „programas
ideológicos de Estado‟ para que haja uma possibilidade de destruição desse
sistema ideológico que é passado através do currículo, e estes vírus poderão agir
através da sociedade civil; para isso, é importante que sejam retiradas diretamente
das „mãos‟ dos governantes a formação e aprovação dos currículos e que sejam
submetê-los a instituições, compostas por professores, graduados e pós-graduados,
com sua preocupação própria em relação ao desenvolvimento sócio-educacional
de que participamos.
Agora estamos cercados de „repressão‟, estamos tentando sublimar essa „repressão‟
em „saberes‟, porém não conseguimos nos identificar com eles; que tal, então,
largá-los de vez, para procurarmos outras „identidades‟ em outros saberes?
Referências Bibliográficas
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado . Rio de Janeiro: Graal
Editora, 2001.
SILVA, Tomás T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do

currículo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1999.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal Editora, 1998.

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  • 1. CURRÍCULO E ENSINO: UMA DOSAGEM DO PRESCRITÍVEL Grupo de Estudos e Pesquisa Filosofia: Por Quê? * * Franco Decarlo & Marcelino Silva Instituto Superior de Estudos e Pesquisa em Filosofia e Ciências – ISEF filpq.isef@pop.com.br Olhemos em nossa volta: não conseguimos identificar nada do que se aproxima de nós; vemos nomes e codinomes, vemos códigos e códigos de barra, vemos conceitos – há tantos conceitos! São tantos conceitos que podemos escolher qualquer um sem obedecer a nenhum critério, pois seja lá o que for escolhido será bem aceito pela sociedade. – Serei eu uma carta fora do baralho? Ou será que me tornei um peão que não consegue se encaixar em nenhum tabuleiro de xadrez? É assim que me sinto, porque não consigo decifrar os códigos e porque não aceito os conceitos. Talvez o Módulo Decifrador de Códigos que me foi implantado no decorrer da minha vida (ideologias) está danificado ou não me pertence. Penso ser o momento de procurar ou replantar outro Módulo Decifrador de Códigos e procurar a „minha identidade‟, talvez eu consiga uma „original‟. É nessa perspectiva que fazemos aqui uma conexão da educação com os aparelhos ideológicos de Estado. O filósofo francês Louis Althusser já defendia, em seu famoso ensaio A Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado, o entendimento do conflito entre as classes dominantes e dominadas, como já havia proposto Karl Marx em seu Manifesto do Partido Comunista. Mas Althusser vai muito mais além. Althusser vê no sistema social certos dispositivos que, ao serem acionados, tendem a manter as classes dominantes no Poder. Os chamados aparelhos ideológicos de Estado têm como finalidade manter e gerar a reprodução social. Como esses dispositivos são ideológicos, ocorre então uma sujeição do sujeito a essas ideologias; o sujeito que é submetido a essa sujeição não percebe que está sendo
  • 2. sujeitado, pois essas ideologias são constituídas por crenças que o faz aceitar que as estruturas sociais existentes são boas, necessárias e desejáveis. Althusser comenta que “... o AIE que assumiu a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classe política e ideológica contra o antigo aparelho ideológico do Estado dominante, foi o escolar” – (Althusser, 2001, p. 84). Durante todo o período Medieval, a Igreja constituía o aparelho ideológico dominante. A religião era justificadora e confortadora, e temos um exemplo ideológico de manipulação em massa na harmonização da fé e da razão. O esforço da Igreja de unir a religião com a filosofia conseguiu por muito tempo manter e justificar a riqueza para os nobres e para a própria Igreja, justificando „racionalmente‟ que a riqueza seria dada e sustentada por Deus e que a pobreza seria um caminho de purificação: o homem poderia ser pobre, mas o seu espírito poderia ser „rico‟ em virtudes, e assim alcançaria as bênçãos de Deus. Mas surgiram de dentro da própria Igreja forças ideológicas desejando uma reforma religiosa, como a de Lutero, e somando-se ao desejo da burguesia de assumir o poder político, juntos conseguiram desestabilizar aquele aparelho ideológico dominante – a Igreja, que era tão poderoso. Agora, na modernidade, a escola assumiu o papel de aparelho ideológico dominante, e como a permanência histórica da sociedade capitalista depende da reprodução de seus componentes econômicos, como a força de trabalho e os meios de produção para o giro do capital, os Aparelhos Ideológicos de Estado têm como sua força principal a escola, pois é nela que o sujeito permanecerá a melhor parte de sua vida formativa. A escola tornou-se um mecanismo e instituição encarregada de garantir que o sistema dominante não seja contestado, e se algo sair de errado (manifestações, badernas, etc.) surgirá uma das forças que constituem o Aparelho Repressor de Estado – como a polícia. Com esse esclarecimento althusseriano sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado, analisemos o comportamento do sujeito na sua formação inicial em relação às ideologias. A família é considerada por Althusser como o primeiro aparelho
  • 3. ideológico capaz de socializar o indivíduo, iniciando sua educação e sua socialização já nos primeiros anos de vida. A partir de um ano de idade, a criança inicia um processo de autonomia (engatinhar, pegar e soltar objetos, etc.); estas são habilidades que vão se desenvolvendo através de estímulos fornecidos pelo meio ambiente em que ela vive, e é neste período também que a criança começa a desenvolver certos valores, como os de „certo‟ e „errado‟: ao impedirem que uma criança mexa na televisão ou no aparelho de som, por exemplo, implicitamente os pais estão dizendo „isto é certo‟ ou „aquilo é errado‟). E esse papel repressor cabe justamente aos pais ou responsáveis pela criação da criança; ao cumprirem esse papel repressor, os pais iniciam um processo de „impedimento‟ do desejo de conhecer e de aprender da criança através da experiência, como por exemplo, do desejo infindável da criança de levar objetos a boca, ou lambuzar-se com alimentos... ou até mesmo com as fezes. Já no decorrer do desenvolvimento vocal da criança surgem vários e vários porquês; esse fato ocorre porque a criança tem a necessidade de se posicionar no meio social, principalmente em se definir sexualmente („serei menino ou menina?‟). Pelo fato de ser constrangedor para a criança perguntar sobre uma questão sexual, então ela „desvia‟ as suas preocupações para outras questões, e surgem vários porquês (esses desejos são explicados pela psicanálise como fases evolutivas ou de desenvolvimento sexual infantil). O adulto, ao reprimir a criança em excesso, em alguma dessas fases, poderá „instalar‟ na criança uma barreira, de forma inconsciente, de modo que o desejo de saber será reprimido, instalando-se no inconsciente do sujeito. A criança, com mais ou menos sete anos de idade, entrará para a escola, e não irá mais demonstrar tais preocupações; o que pode ocorrer é que a investigação sexual recaia sobre o domínio da repressão. Não toda, mas parte dessa investigação „sublima-se‟ em desejo de saber. A sublimação aparece após a remoção de certa repressão. As crianças deixam de lado a questão sexual por uma necessidade própria à sua constituição formativa/subjetiva. E porque não podem mais saber sobre a sexualidade, procedem (não de modo consciente) a um deslocamento dos interesses sexuais para os não-sexuais, desviam a energia aí
  • 4. concentrada para objetos não sexuais. Mas não podem deixar de perguntar, pois a força da pulsão continua estimulando essas crianças: perguntam então sobre outras coisas, para poder continuar pensando sobre as suas questões fundamentais. E assim, continua a formação do conhecimento da criança na escola. E é na escola que se dá a maior dominação ideológica, através de professores que serão necessariamente repressores, do espaço físico (que pode ser comparado com o de uma prisão) e com as disciplinas „humanizadoras‟ e socializantes (Ensino Religioso, Educação Moral e Cívica, Estudos Sociais, Geografia, História) e as disciplinas técnológicas (Ciências, Física, Matemática, Química); a escola consegue assim domesticar, adestrar, e moldar bons cidadãos, para suprir a demanda do sistema capitalista dominante. * * * * * Antes de abordarmos a temática curricular, vejamos a „idéia‟ de Michel Foucault sobre os conceitos de „ideologia‟ e „repressão‟, que caracteriza a Microfísica do Poder. E a grande questão seria: o que está por trás das relações sociais? Ou até mesmo: qual o efeito verdadeiro no interior dos discursos? Foucault descreve a noção de „ideologia‟ como algo que é de difícil utilização, e com a qual devemos ter precauções, pois “queira-se ou não, ela está sempre em oposição virtual a alguma coisa que seria a verdade” – (Foucault, 1998, p. 07). Tomemos, por exemplo, a relação entre o aluno e o professor que está implicada no discurso professoral: quando o professor avalia uma redação „medíocre‟ do aluno, mas assim mesmo lhe diz que está bom e que precisa melhorar pouca coisa, ou quando a redação está „excelente‟ e o professor agrada o aluno com notinhas de incentivo. Nos dois casos ele exerce o poder de educar o aluno. Talvez de forma inconsciente pudesse estar dizendo: „não desista, você está bom, mais precisa melhorar para ser aceito na sociedade‟, ou „muito bem você está se tornando um bom cidadão, pois está correspondendo às exigências do sistema social‟. Já a noção de dominação, do exercício do poder, na visão de Foucault, é mais maldosa e vem com uma questão: “se o poder fosse somente repressivo, se não
  • 5. fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que seria obedecido?” – (Foucault, 1998, p. 07). Foucault a responde com simplicidade: “o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso.” – (Idem, p. 07). Socialmente a repressão não funciona sozinha, necessita de uma ação ideológica para se instalar e se manter, assim o professor mantém o poder na sala de aula reproduzindo a ideologia dominante. Com essa formação do conhecimento durante a fase escolar (no meio social mais geral também) surgiram várias críticas às metodologias e à formação curricular no ensino escolar. Tomás Tadeu da Silva desenvolveu uma pesquisa sobre as teorias do currículo, pela qual começa perguntando: o que é uma „teoria‟? Para da Silva, em geral, estaria implícita, na noção de teoria, a suposição de que a teoria „descobre‟ o „real‟, de que haveria uma correspondência entre a „teoria‟ e a „realidade‟. De uma forma ou de outra, a noção envolvida seria sempre representacional, especular. A teoria representaria, refletiria, espelharia a realidade, a teoria seria uma representação. Como a teoria seria algo representacional, então a „teoria do currículo‟ (como defende da Silva) deveria começar por supor que existiria, „lá fora‟, esperando para ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada „currículo‟. O currículo seria o objeto que precederia a teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo e explicá-lo. – (Cf. T. T. da Silva, 1999). Com a necessidade de especializar o currículo num campo profissional, surgiram as teorias sobre o currículo. Os professores de diversas áreas estiveram e estão de uma forma ou de outra ligados ao currículo, antes mesmo do surgimento de uma palavra especializada como „currículo‟. O termo curriculum, no sentido que damos hoje, só passou a ser utilizado em países europeus recentemente sobre influência da literatura educacional norte americana. E foi baseado nessa literatura que esse termo surgiu para denominar um campo especializado de estudos. No entanto, esse campo de pesquisa surgiu nos Estados Unidos pela necessidade de se formar
  • 6. uma burocracia estatal ligada à educação; os estabelecimentos educacionais tornaram-se um objeto próprio de estudo científico, a extensão educacional foi se desenvolvendo em níveis cada vez mais altos e em segmentos cada vez maiores com relação à população. A preocupação com uma identificação nacional estava relacionada com as excessivas ondas de imigração, e correlacionada com crescente industrialização e urbanização americana. E ao comprar essa „literatura americana‟ o Brasil herdou, literalmente, uma educação industrializada, até porque foi durante a evolução industrial brasileira que surgiu o interesse pela formação profissional no âmbito da educação: surge, no Brasil, a educação tecnicista do século XVIII. A preocupação dos „especialistas‟ da educação era com a adaptação e formação de mão de obra operária utilizando homens do campo, com isso a educação (escola) tornou-se uma usina, com fabricação em massa de mão de obra para suprir o sistema industrial. O ensino escolar é uma forma de doutrinação (não somente para o mercado de trabalho) para levar a criança passivamente à aceitação de uma ideologia que a mantém „democraticamente no seu lugar„, como vimos com Althusser. E todas as crianças que aceitam e não lutam contra essa ideologia recebem um certificado, como vimos com Foucault: e com isso as escolas exercem o processo social que conduz à superposição dos sujeitos sociais nas classes já estabelecidas. As escolas iniciam os jovens ao consumo disciplinado onde o „Ter„ e o „Ser„ são questões de Status; submetem o sujeito a uma idéia de que „lá fora„ existe algo de valor que pode ser medido e produzido e que é bom, agradável e de fácil aceitação. E isso é uma manifestação dos Aparelhos Ideológicos. Se levarmos em consideração o „desejo de saber‟ do indivíduo, como explica a psicanálise e a relação de poder ideológico, fica muito fácil „pedagogizar‟ o sujeito em sua formação inicial escolar. A „pulsão‟ de saber do indivíduo posssibilita a preparação de certos tipos de „conhecimento‟ que o conduzirão com segurança por uma formação conformadora, e se ele assimilar bem os „conteúdos ideológicos‟ se sentirá confortável e possivelmente se conformará com a „posição‟ em que o
  • 7. Estado o colocar. Com isso, fica a cargo dos Aparelhos Ideológicos de Estado a manutenção e a ordem do sistema capitalista. E como um programa, os Aparelhos Ideológicos de Estado tem uma ação múltipla e „mutagênica‟, tendo o poder de reagir a qualquer „anomalia‟. Tudo que tenha a pretensão de destruir o AIE será combatido e poderá se tornar „mais um aparelhamento‟. A diferença é que será um novo modelo que vai envolver e moldar o sujeito aos moldes dessa nova perspectiva. Como a criação, elaboração e adaptação dos currículos estão nas „mãos‟ do Estado, tudo que se correlacionar com os grupos de profissionais que elaboram e aprovam os currículos, estará „impregnado‟ de ideologias, impostas pelo sistema político vigente, pois é de seu profundo interesse que se mantenha e fortaleça o sistema capitalista. Onde uma minoria detém o poder econômico e vive em verdadeiras mansões com três ou mais carros importados, „ruminando‟ poder e „arrotando‟ discursos comoventes e encantadores, ludibriando inúmeros sujeitos que vivem na mais profunda miséria, que ficam felizes e satisfeitos quando recebem uma cesta de alimentos para saciar a fome. Há uma necessidade político-cultural de se criar e instalar vírus nos „programas ideológicos de Estado‟ para que haja uma possibilidade de destruição desse sistema ideológico que é passado através do currículo, e estes vírus poderão agir através da sociedade civil; para isso, é importante que sejam retiradas diretamente das „mãos‟ dos governantes a formação e aprovação dos currículos e que sejam submetê-los a instituições, compostas por professores, graduados e pós-graduados, com sua preocupação própria em relação ao desenvolvimento sócio-educacional de que participamos. Agora estamos cercados de „repressão‟, estamos tentando sublimar essa „repressão‟ em „saberes‟, porém não conseguimos nos identificar com eles; que tal, então, largá-los de vez, para procurarmos outras „identidades‟ em outros saberes?
  • 8. Referências Bibliográficas ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado . Rio de Janeiro: Graal Editora, 2001. SILVA, Tomás T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1999. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal Editora, 1998.