Este documento discute a abordagem racional dos corrimentos vaginais. A infecção vaginal é a principal causa dos corrimentos, decorrente frequentemente de candidíase, vaginose bacteriana ou tricomoníase. O diagnóstico correto depende de aspectos clínicos, pH, exame a fresco e cultura. O tratamento deve ser baseado no diagnóstico e inclui antifúngicos tópicos para candidíase, metronidazol para vaginose e tricomoníase.
Em um local de crime com óbito muitas perguntas devem ser respondidas. Quem é...
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1. ATUALIZAÇÃO
Abordagem Racional dos Corrimentos Vaginais
Current Approach of Vaginal Discharge
Emilia Moreira Jalil
Nilma Antas Neves
Hilton Pina
Universidade Federal da Bahia, Hospital Universitário Professor Edgard Santos – Serviço de Ginecologia
positivos (exame físico), mas também a utilização
Resumo de métodos diagnósticos com fins específicos e, por
fim, a prescrição do tratamento adequado.
O corrimento vaginal é um dos principais sintomas Desde receitas populares até medicações de
referidos em consultórios de ginecologia. Sua aborda- última geração, várias opções vêm sendo utilizadas
gem correta depende da identificação das principais no tratamento dos corrimentos vaginais, muitas
causas de corrimento e de como fazer um diagnóstico vezes ineficazes por serem impróprias para o caso
fidedigno, permitindo uma conduta mais coerente e da paciente.
eficaz. A infecção vaginal é responsável pela maio- Qual será a conduta do ginecologista frente
ria dos corrimentos, decorrente freqüentemente de às diversas apresentações clínicas dos corrimen-
candidíase, vaginose bacteriana ou tricomoníase. tos? Este artigo buscou fazer um levantamento
Estima-se que a freqüência dos corrimentos seja de atual de dados sobre as causas de corrimento e
5-15% em clínicas ginecológicas em geral, enquanto como fazer um diagnóstico fidedigno, permitindo
que, em clínicas especializadas em doenças sexual- uma conduta mais coerente e eficaz.
mente transmissíveis (DST), possa atingir 32-64%.
Não é possível diferenciar as causas de vaginite ape-
nas pelos aspectos clínicos, entretanto alguns autores Principais Causas
mostram que aspectos como sinais inflamatórios, odor
de peixe e medida do pH são capazes de aumentar a
Os corrimentos vaginais incluem as mais
sensibilidade no rastreamento dos corrimentos. Uma
diversas etiologias, infecciosas ou não. A infecção
análise criteriosa dos métodos diagnósticos disponí-
vaginal é sua principal causa, decorrente, frequen-
veis mostra aqueles mais adequados a depender da
suspeita clínica. Por fim, o tratamento adequado deve temente, de candidíase, vaginose bacteriana ou
ser instituído, baseado no diagnóstico correto, a fim tricomoníase. As causas não infecciosas abrangem
de que o sucesso terapêutico seja atingido. o corrimento fisiológico (por exemplo, durante o
período ovulatório), processos alérgicos, vaginite
PALAVRAS-CHAVE: Corrimento vaginal. Doença se- atrófica (por deficiência estrogênica) e a vaginose
xualmente transmissível. Abordagem sindrômica. citolítica (Quan, 2000).
Introdução Epidemiologia
A queixa de corrimento genital se consti- A real freqüência dos corrimentos na popula-
tui em um dos principais sintomas referidos no ção em geral é difícil de ser mensurada, porém esti-
consultório de ginecologia. A abordagem médica ma-se que seja de 5-15% em clínicas ginecológicas
correta nestes casos envolve não apenas o apro- em geral, enquanto que, em clínicas especializadas
fundamento na sintomatologia e busca de sinais em doenças sexualmente transmissíveis (DST),
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2. Abordagem Racional dos Corrimentos Vaginais
possa atingir 32-64%. Observa-se maior freqüência de lactobacilos no exame a fresco; evidência de
na população sexualmente ativa e na raça negra citólise e pH entre 3,5 e 4,5
(Ching & Nguyen, 2004). A vaginite descamativa inflamatória (VDI),
Em estudo realizado na zona rural do Nor- patologia pouco conhecida, vem sendo consi-
deste brasileiro, observou-se uma alta prevalência derada não como um diagnóstico propriamente
de vaginose bacteriana (VB) e tricomoníase (15% e dito, mas como uma apresentação clínica de
10%, respectivamente), sendo que 51% das mulhe- diversas desordens, tais como líquen plano e o
res apresentaram pelo menos uma DST (de Lima pênfigo vulgar (Murphy, 2004). Trata-se de uma
Soares et al., 2003). vaginite exsudativa difusa, apresentando-se
com irritação vaginal ou dispareunia. Ao exame
físico, são observadas regiões eritematosas nas
paredes vaginais com fluxo aumentado. O exame
Como Diagnosticar? da secreção demonstra número elevado de leu-
cócitos e células epiteliais escamosas imaturas,
Tendo em vista a alta freqüência dos cor- além de diminuição dos lactobacilos. Trabalhos
rimentos vaginais e sua variedade de etiologias, têm descrito a VDI como a forma mais grave de
torna-se imprescindível o diagnóstico correto. Ini- uma entidade descrita recentemente, a vaginite
cialmente, deve-se atentar para as características aeróbica. Ela está associada a microorganismos
clínicas do corrimento. A candidíase típica mani- aeróbicos, principalmente estreptococo do grupo
festa-se com um fluxo esbranquiçado, grumoso, B e Escherichia coli (Donder et al., 2002).
associada a ardor e prurido vulvar, dispareunia e
sintomas urinários. Já a tricomoníase caracteriza-
se por um corrimento amarelo-esverdeado, abun-
dante, bolhoso, com odor fétido.
Avaliação Comparativa dos Métodos Diagnósticos
Existem alguns critérios diagnósticos para a
vaginose bacterina, chamados critérios de Amsel Devido ao fato de se realizar o exame de ci-
- vide Quadro 1 (Amsel et al., 1983). tologia oncótica cérvico-vaginal, com a coloração
de Papanicolau, rotineiramente para a prevenção
Quadro 1 - Vaginose Bacteriana. do câncer de colo uterino, muitas vezes utiliza-se
Critérios de Amsel também esse exame para avaliação da microflora
vaginal. Porém, o exame de Papanicolau apresen-
• Fluxo homogêneo, branco-acinzentado
tou baixa sensibilidade no diagnóstico de candidí-
• pH vaginal maior que 4,5
ase e de vaginose bacteriana quando comparado
• Teste das aminas positivo aos critérios de Amsel e cultura para Candida (66%
• Presença de células guia (clue cells) e 21%, respectivamente).
O mesmo teste mostrou ter uma especificidade
O que é observado na prática, no entanto, mais elevada para candidíase e VB, respectivamente
é que não é possível diferenciar as causas de 86 e 99% (Avilés et al., 2001). Padrão semelhante foi
vaginite apenas pelos aspectos clínicos. Apesar observado em outro estudo, quando comparou-se
disso, um levantamento realizado evidenciou que o exame de Papanicolau com a detecção por PCR
a presença de sinais inflamatórios torna maior (Protein Chain Reaction) no diagnóstico de tricomo-
a suspeita de candidíase, enquanto que o odor níase: baixa sensibilidade (60%) e boa especificidade
de peixe aumenta a probabilidade de vaginose (97%) (Lobo et al., 2003). Tendo em vista os dados
bacteriana (Anderson et al., 2004). Outro estu- acima citados, pode-se concluir que um resultado
do mostrou um aumento na sensibilidade no negativo no Papanicolau não exclui quaisquer das
rastreamento das vaginites, especialmente da causas infecciosas de corrimentos, sendo um exame
vaginose bacteriana, quando foram associados inadequado para seu diagnóstico.
sintomas clínicos e medida do pH maior que 4,5 Estudo realizado utilizando a microscopia
(Thinkhamrop et al., 1999). a fresco para o diagnóstico das infecções vaginais
A vaginose citolítica é uma entidade fre- obteve os seguintes resultados de sensibilidade
qüente, apesar de pouco reconhecida, muitas vezes (S) e especificidade (E): candidíase (S39%;E90%),
confundida com candidíase devido às suas caracte- tricomoníase (S75%;E96%) e vaginose bacteriana
rísticas clínicas, apesar da vaginose citolítica não (S76%;E70%) (Ferris et al., 1995). Dessa forma, apesar
apresentar hiperemia vulvar. Seu diagnóstico é de, na prática, ser muito utilizado, deve-se atentar
feito na ausência de microorganismos como Tricho- que o método a fresco apresenta baixa sensibilidade
monas, Gardnerella e Candida; número aumentado para as vaginites infecciosas.
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3. Abordagem Racional dos Corrimentos Vaginais
O exame a fresco é o exame com menor sen- A VB associada ao Mobiluncus pode ser trata-
sibilidade no diagnóstico de tricomonas (Spiegel, da adequadamente com o esquema de Metronida-
1989). Se há suspeita clínica de tricomoníase zol 500 mg - 3 vezes ao dia (Nygaard et al., 1991).
com microscopia negativa, deve-se dispor de No caso de VB associada à Ureaplasma ou
exame diagnóstico mais sensível, como a cultura Micoplasma, o tratamento recomendado é Azitro-
(Cevahir, 2002). micina 1 g, via oral, dose única (Frias et al., 2001).
Para o diagnóstico de vaginose bacteriana, a Os estudos mais recentes apontam para uma re-
cultura para Gardnerella vaginalis não é útil, tendo sistência do Atopobium vaginae ao Metronidazol,
em vista que este microorganismo pode ser obtido a sugerindo ser este agente uma possível causa de
partir da vagina de mais de 50% das mulheres normais falha no tratamento (Ferris et al., 2004).
(Hay, 2002). O Micoplasma hominis e o Ureaplasma Alguns trabalhos têm sido realizados a fim de
urealyticum fazem parte da flora mista presente na esclarecer qual o papel dos lactobacilos na etiopatoge-
vaginose, sendo seu diagnóstico feito através de cultu- nia, prevenção e tratamento da VB (Reid & Bocking,
ra e exames imunoenzimáticos (Frias et al., 2001). Para 2003). Para o tratamento das recorrências de VB, o
o diagnóstico de Mobiluncus, patógeno fortemente CDC sugere utilizar outro regime recomendado, sem
preditivo para VB, pode-se utilizar a coloração de haver, entretanto, tratamento de manutenção. O uso
Gram (Burns et al., 1992). Um outro agente que vem de tinidazol, na dose única de 2 g via oral, vem sendo
sendo identificado freqüentemente na flora da VB é o estudado para os casos de VB recorrente, com bons
Atopobium vaginae, porém ainda sem papel definido resultados (Baylson et al., 2004).
em sua patogênese (Verhelst et al., 2004).
Em relação à Candidíase, cultura positiva com Tricomoníase
ausência de sintomatologia não é indicação para trata- O tratamento considerado como de 1ª escolha
mento, já que 10-20% das mulheres possuem Candida é Metronidazol 2 g, VO, em dose única. Estudos
sp. em sua flora normal (Workowski & Levine, 2002). mostram que a terapêutica tópica não é tão efe-
Porém, torna-se indispensável no caso de vulvovagini- tiva quanto aquelas que utilizam a via sistêmica.
te recorrente, tanto para confirmar o diagnóstico clíni- Gestantes acima do 1º trimestre podem utilizar o
co, como também para identificar espécies incomuns, esquema por via oral. É imprescindível orientar a
que são resistentes aos tratamentos habituais. abstinência sexual e tratar o parceiro, por se tratar
de doença sexualmente transmissível.
Tratamento
Após ter sido feito o diagnóstico etiológico, é Candidíase
essencial adotar uma conduta terapêutica adequada. A terapêutica para a candidíase dispõe de
Os dados abaixo foram baseados nas orientações do duas vias (tópica e sistêmica), sendo a eficácia
Ministério da Saúde - Brasil e do CDC - Center of Di- semelhante em ambas. Em nossa experiência, a
seases Control/EUA (Workowski & Levine, 2002). preferência pela via tópica se deve ao alívio mais
rápido dos sintomas e ao efeito local e psicológico
Vaginose Bacteriana para as pacientes. Independente do tratamento es-
O tratamento deve ser prescrito para todas colhido (vide Quadro 2), deve-se chamar a atenção
as pacientes sintomáticas, para as gestantes e para para o fato de não ser necessária a utilização das
pacientes que irão se submeter ao procedimento duas vias simultaneamente. A terapêutica sistêmi-
invasivo. Neste último caso, ainda há controvérsia ca deve ser implementada nos casos recorrentes ou
se deve ser feita a profilaxia para todas as pacientes de difícil controle.
ou o tratamento após terem sido rastreadas. Estudos Quadro 2 - Tratamento da Candidíase.
realizados mostram não haver melhora na resposta
terapêutica, nem diminuição de recorrências em Tópico
pacientes que tiveram seus parceiros tratados, não • Clotrimazol creme a 1%, por 7-14 dias
sendo, portanto, recomendado o tratamento siste- • Clotrimazol óvulos de 100 mg, por 7 dias
mático dos mesmos. • Miconazol creme a 2%, por 7 dias
Os tratamentos de 1ª escolha são Metronidazol • Nistatina creme, por 14 dias
(500 mg, via oral, 12/12 h ou gel a 0,75%, uma aplicação • Isoconazol creme, por 7 dias
vaginal ao dia, por 5 dias) ou Clindamicina (creme a 2%,
Oral
uma aplicação vaginal ao dia, por 7 dias). Para gestan-
• Fluconazol 150 mg em dose única
tes, o esquema recomendado e comprovado por vários
estudos é Metronidazol 250 mg, de 8/8 h, por 7 dias ou • Itraconazol 400 mg, 12/12 h, duas doses
Clindamicina 300 mg, VO, 12/12 h, por 7 dias. • Cetoconazol 200 mg, 12/12 h, por 5 dias
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4. Abordagem Racional dos Corrimentos Vaginais
Nos casos mais severos, recorrentes, cau- gynecologic clinics, while it ranges from 32-64% at
sados por Cândida não-albicans ou em pacientes sexually transmitted diseases clinics. It’s not possi-
imunocomprometidas (candidíase complicada), o ble to differentiate the discharge cause by clinical
tratamento deve ser mantido por um tempo maior. aspects, however some authors showed that aspects
Costumamos utilizar em nosso serviço ácido bórico like inflammatory signs, fishy odor and pH mea-
a 3% em óvulos ou nistatina por 14 dias naqueles surement were capable to rise discharge screening
casos em que foram detectadas espécies de Cân- sensibility. A judicious analysis of the diagnostic
dida não-albicans. available methods can show those more appro-
As opções para as gestantes incluem mico- priated depending on the clinical suspect. At last,
nazol, terconazol ou clotrimazol tópico durante the proper treatment must be established, based
sete dias. Investigação e tratamento dos parceiros on correct diagnosis, so that therapeutic success
sexuais não são recomendados rotineiramente, can be reached.
porém alguns autores preconizam sua realização
nos casos de candidíase vaginal recorrente. KEYWORDS: Vaginal discharge. Sexually trans-
mitted diseases. Syndromic approach.
Vaginose Citolítica
O tratamento consiste em elevar o pH va-
ginal, utilizando duchas de bicarbonato de sódio
(30-60 g em 1 L de água morna, 2 a 3 vezes por
Leituras Suplementares
semana, durante 2 semanas). Nosso serviço costu-
ma dispor também de creme vaginal com tampão 1. Amsel R, Totten PA, Spiegel CA, et al. Nonspe-
borato pH 8,0 por 10 dias ou Clindamicina creme cific vaginitis: Diagnostic criteria and microbial
a 2% por 7 dias. Nas recidivas, o tampão pode ser and epidemiologic associations. Am J Med 1983;
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Vaginite Inflamatória Descamativa
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Entidade de reconhecimento complexo, é
3. Avilés AGP Zaragoza CO, Barrera LT, et al. Is the
,
também de difícil tratamento. Alguns estudos têm
Papanicolaou smear as aid for diagnosing some
mostrado, no entanto, boa resposta com corticoste-
sexually transmitted infections? Aten Primaria
róides associados à Clindamicina, via vaginal, por 14
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dias, podendo-se manter, em longo prazo, duas vezes
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por semana ou mensalmente (Murphy, 2004).
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