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NÃO E NÃO. NINGUÉM DIVIDE O PARÁ.

Como o Pará enfrentou o primeiro plebiscito de
   divisão territorial da História do Brasil.
Cenário
Foi a primeira vez. Antes, os Estados eram divididos e novos eram criados por uma lei
proposta pelo Governo e aprovada pelo Congresso. Com a Constituição de 1988, isso
mudou e a população passou a ter direito de decidir se quer ou não a divisão
territorial. Coube ao Pará entrar para a História como o primeiro Estado em que os
seus habitantes deveriam votar “sim” ou “não” às propostas de divisão para a criação
dos novos Estados do Tapajós e do Carajás.
O Estado do Tapajós levaria 58% do território atual do Pará. O Estado do Carajás, mais
25%. Restaria ao Pará remanescente apenas 17%. Não é só. O Pará ficaria sem os
minérios de Carajás, sem a hidrelétrica de Tucuruí e a futura Belo Monte, sem as
grandes mineradoras e exportadoras localizadas no Carajás e no Tapajós, sem a
floresta e suas riquezas, ficando com a maior parte da população numa área menor.
Ou seja, perderia praticamente suas características amazônicas, sua identidade
histórica e seus maiores potenciais econômicos, permanecendo com todos os
problemas.
Solução
O que poderia ser um problema, tornou-se uma solução. A maior concentração da
população paraense nos 17% de território restante após a divisão seria decisiva para o
resultado do plebiscito. O desafio era fazer com que a maioria dessas pessoas não
fosse atraída pelo argumento, duvidoso, de que a divisão era a melhor solução para
todos.
O Pará ficaria com o menor território, mas com a maior população. Dos 7 milhões de
habitantes do Pará, restariam 4,8 milhões de habitantes após a divisão. Desses, quase
a metade vive na Região Metropolitana de Belém.
A estratégia foi concentrar a campanha no convencimento dessa maioria, que
representa mais da metade da população do Pará. Além de convencer a votar Não, a
campanha tinha outro desafio: fazer o eleitor dessa parte do Pará a comparecer às
urnas. Os divisionistas tinham motivações para comparecer em peso e votar pela
divisão. Os demais, em princípio, teriam que ser motivados a “perder” um fim de
semana e sair em defesa da integridade territorial.
Campanha
A campanha do Não virou a campanha do Não e Não, por conta da união contra o que
seria o “adversário comum”. Para sensibilizar os eleitores a não embarcarem no canto
da sereia divisionista, a campanha buscou equilibrar a razão e a emoção. Os
argumentos racionais eram muitos, mas poderiam ser rebatidos por contra-
argumentos. O apelo emocional, porém, não poderia ser respondido. E esse foi o
grande acerto da campanha. O paraense sabe como o paraense é orgulhoso da sua
terra, das suas tradições, da sua comida, da sua música, da sua fala peculiar. Ele tem
orgulho também dos paraenses que conquistam posições de destaque no cenário
nacional. Artistas como Dira Paes, Fafá de Belém, Leila Pinheiro, Gaby
Amarantos, além do jogador Ganso e os artistas locais, ídolos do
tecnobrega, apareceram de graça nos comerciais. Ao unir tudo isso nos filmes, nos
clipes, dando suporte ao grito “Não e não, ninguém divide o Pará!”, a campanha
levantou voo e contagiou aqueles que, inicialmente, não tinham posições firmes ou
informações quanto às vantagens e desvantagens da divisão. A campanha passou
informações importantes para desmistificar os argumentos divisionistas, mas foi
mesmo o coração paraense que decidiu o plebiscito.
Resultado
No dia 11 de dezembro de 2011, os eleitores foram às urnas e disseram não à divisão
e à criação dos Estados do Carajás e do Tapajós. O resultado foi inequívoco: 66,6%
disseram não ao Carajás e 66,08% disseram não ao Tapajós. A abstenção, que era a
outra preocupação da campanha pelo Não, ficou dentro da normalidade: 25,71%.
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Casenãoe não

  • 1. NÃO E NÃO. NINGUÉM DIVIDE O PARÁ. Como o Pará enfrentou o primeiro plebiscito de divisão territorial da História do Brasil.
  • 2. Cenário Foi a primeira vez. Antes, os Estados eram divididos e novos eram criados por uma lei proposta pelo Governo e aprovada pelo Congresso. Com a Constituição de 1988, isso mudou e a população passou a ter direito de decidir se quer ou não a divisão territorial. Coube ao Pará entrar para a História como o primeiro Estado em que os seus habitantes deveriam votar “sim” ou “não” às propostas de divisão para a criação dos novos Estados do Tapajós e do Carajás. O Estado do Tapajós levaria 58% do território atual do Pará. O Estado do Carajás, mais 25%. Restaria ao Pará remanescente apenas 17%. Não é só. O Pará ficaria sem os minérios de Carajás, sem a hidrelétrica de Tucuruí e a futura Belo Monte, sem as grandes mineradoras e exportadoras localizadas no Carajás e no Tapajós, sem a floresta e suas riquezas, ficando com a maior parte da população numa área menor. Ou seja, perderia praticamente suas características amazônicas, sua identidade histórica e seus maiores potenciais econômicos, permanecendo com todos os problemas.
  • 3. Solução O que poderia ser um problema, tornou-se uma solução. A maior concentração da população paraense nos 17% de território restante após a divisão seria decisiva para o resultado do plebiscito. O desafio era fazer com que a maioria dessas pessoas não fosse atraída pelo argumento, duvidoso, de que a divisão era a melhor solução para todos. O Pará ficaria com o menor território, mas com a maior população. Dos 7 milhões de habitantes do Pará, restariam 4,8 milhões de habitantes após a divisão. Desses, quase a metade vive na Região Metropolitana de Belém. A estratégia foi concentrar a campanha no convencimento dessa maioria, que representa mais da metade da população do Pará. Além de convencer a votar Não, a campanha tinha outro desafio: fazer o eleitor dessa parte do Pará a comparecer às urnas. Os divisionistas tinham motivações para comparecer em peso e votar pela divisão. Os demais, em princípio, teriam que ser motivados a “perder” um fim de semana e sair em defesa da integridade territorial.
  • 4. Campanha A campanha do Não virou a campanha do Não e Não, por conta da união contra o que seria o “adversário comum”. Para sensibilizar os eleitores a não embarcarem no canto da sereia divisionista, a campanha buscou equilibrar a razão e a emoção. Os argumentos racionais eram muitos, mas poderiam ser rebatidos por contra- argumentos. O apelo emocional, porém, não poderia ser respondido. E esse foi o grande acerto da campanha. O paraense sabe como o paraense é orgulhoso da sua terra, das suas tradições, da sua comida, da sua música, da sua fala peculiar. Ele tem orgulho também dos paraenses que conquistam posições de destaque no cenário nacional. Artistas como Dira Paes, Fafá de Belém, Leila Pinheiro, Gaby Amarantos, além do jogador Ganso e os artistas locais, ídolos do tecnobrega, apareceram de graça nos comerciais. Ao unir tudo isso nos filmes, nos clipes, dando suporte ao grito “Não e não, ninguém divide o Pará!”, a campanha levantou voo e contagiou aqueles que, inicialmente, não tinham posições firmes ou informações quanto às vantagens e desvantagens da divisão. A campanha passou informações importantes para desmistificar os argumentos divisionistas, mas foi mesmo o coração paraense que decidiu o plebiscito.
  • 5. Resultado No dia 11 de dezembro de 2011, os eleitores foram às urnas e disseram não à divisão e à criação dos Estados do Carajás e do Tapajós. O resultado foi inequívoco: 66,6% disseram não ao Carajás e 66,08% disseram não ao Tapajós. A abstenção, que era a outra preocupação da campanha pelo Não, ficou dentro da normalidade: 25,71%.