A denúncia descreve que os pacientes são proprietários de um motel onde adolescentes foram levados e submetidos à exploração sexual por outros corréus. A defesa alega que os pacientes não tinham conhecimento dos atos e que a denúncia é inepta. O relator entende que a denúncia não é inepta, mas que é necessária a análise do conjunto probatório, o que não é possível no habeas corpus.
Apelação cível. ação de obrigação de fazer cc indenização por danos morais e ...
Habeas corpus . crimes contra a liberdade sexual
1. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 188.559 - PE (2010/0196708-3)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de
habeas corpus impetrado em benefício de Dulce Maria Cabral Calado e
Ailton Soares da Silva, em que se aponta como autoridade coatora o
Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Narram os autos que os pacientes, juntamente com outros corréus,
foram denunciados como incursos no art. 244-A, § 1º, da Lei n. 8.069/1990,
c/c os arts. 29 e 71, caput, ambos do Código Penal (fls. 76/88). A inicial
acusatória imputa-lhes as seguintes condutas (fl. 84):
[...] em relação a Dulce Maria Cabral Calado: sua conduta consistiu em
igualmente submeter os adolescentes E. L. L. e "C." à prostituição e
consequente exploração sexual que se consumou com a manutenção de
atos sexuais na forma já descrita e continuada e em concurso de
agentes, o que se efetivou com os contatos sexuais mantidos pelos
acusados [...] na forma já narrada, sendo a referida denunciada sócia
(proprietária) do estabelecimento denominado Olinda Motel, local onde
houve o ingresso, permanência e exploração sexual dos adolescentes,
[...]
[...] em relação ao denunciado Ailton Soares da Silva, sua conduta
consistiu em igualmente submeter os adolescentes E. L. L. e "C." à
prostituição e consequente exploração sexual que se consumou com a
manutenção de atos sexuais na forma já descrita e continuada e em
concurso de agentes, o que se efetivou com os contatos sexuais
mantidos pelos acusados [...] na forma já narrada, sendo o referido
denunciado sócio (proprietário) do estabelecimento denominado Olinda
Motel, local onde houve o ingresso, permanência e exploração sexual dos
adolescentes, [...]
Em 17/12/2009 a magistrada singular da 3ª Vara Criminal da
comarca de Olinda/PE recebeu a inicial acusatória oferecida pelo Parquet
estadual e decretou a prisão preventiva dos acusados, custódia que foi
revogada em 11/1/2010, a pedido da defesa dos pacientes (fls. 159/161 -
Ação Penal n. 0009548-29.2009.8.17.0990).
Ainda inconformada, a defesa impetrou habeas corpus na colenda
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2. Superior Tribunal de Justiça
Corte de origem, objetivando o trancamento da ação penal por ausência de
justa causa, mas a ordem foi denegada (fls. 481/491).
Daí a presente impetração, em que se alega constrangimento ilegal
consistente na instauração de ação penal contra os pacientes. Alegam os
impetrantes a ausência de elemento fático ou jurídico apto a justificar a
propositura da ação penal em relação aos acusados.
Aduzem ausência de justa causa para o prosseguimento da ação
penal, dada a inexistência de indícios de autoria e prova da materialidade do
crime. Sustentam que os pacientes não tinham ciência da permanência dos
menores no motel de que são proprietários. Alegam que um dos corréus,
funcionário do estabelecimento, o qual, segundo a denúncia, foi quem
conduziu os menores ao recinto, assim o fez sem o conhecimento dos
pacientes, aproveitando-se da condição de funcionário, que lhe dava livre
acesso. Sustentam que não há prova de que os corréus pagaram pelo uso do
estabelecimento para o cometimento dos crimes, nem de que os pacientes
consentiram com a prática dos delitos.
Alegam a inexistência de dolo na conduta imputada aos pacientes, a
qual não pode ser punida na forma culposa.
Sustentam os impetrantes, ainda, inépcia formal e material da
denúncia, uma vez que o membro do Ministério Público deixou de descrever o
ato praticado pelos pacientes, capaz de configurar o crime imputado na
acusação, impossibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Postulam, então, a concessão da ordem para que seja cassado o
acórdão hostilizado e trancada a ação penal proposta em desfavor dos
pacientes.
Não houve pedido liminar.
O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls.
513/519):
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3. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS . CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL.
ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA EXORDIAL ACUSATÓRIA.
INOCORRÊNCIA: NÃO É INEPTA A DENÚNCIA QUE TRAZ TODAS AS
INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA
EM SUA AMPLITUDE. O RECONHECIMENTO DO DOLO
NECESSARIAMENTE DEMANDARIA A ANÁLISE DO CONJUNTO
PROBATÓRIO, VEDADA NA VIA ESTREITA DO WRIT. A CONDUTA
ATRIBUÍDA AOS PACIENTES SERÁ ANALISADA DURANTE A
INSTRUÇÃO PROCESSUAL. HAVENDO INDÍCIOS DE AUTORIA E
MATERIALIDADE, DEVE O MINISTÉRIO PÚBLICO OFERECER
DENÚNCIA, ANTE O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO
PENAL. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.
É o relatório.
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4. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 188.559 - PE (2010/0196708-3)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):
A ordem deve ser concedida.
Antes de apreciar o mérito da impetração, consultei o sítio eletrônico
do Tribunal de Justiça de Pernambuco e obtive a informação de que a
instrução criminal ainda não fora encerrada, tendo sido designada audiência
de instrução e julgamento para o dia 28/2/2012.
Buscam os impetrantes o trancamento da ação penal sob dois
fundamentos:
a) inépcia formal da denúncia; e
b) ausência de justa causa para o seu prosseguimento.
Sobre a inépcia da denúncia, cabe conferir, no que interessa,
trechos da inicial acusatória apresentada em desfavor dos acusados (fls.
76/88):
[...]
1. Em datas específicas a ficarem consignadas no curso da instrução
processual, porém tendo sido três datas específicas nos meses de março
e abril de 2009, os denunciados, conforme condutas a seguir
demonstradas submeteram os adolescentes E.L.L. com catorze anos de
idade e qualificação nos autos (fls. 07 do inquérito policial), e "C", com
mesma faixa etária e qualificação em fase de juntada aos autos, a
prostituição e consequente exploração sexual, o que foi efetivado por
pelo menos três vezes consecutivas, em três datas distintas, no interior
do estabelecimento representado por "motel" e denominado "Olinda
Motel", este pertencente aos dois últimos acusados e situado na Vila
Popular, em Olinda, mesmo local onde foram reiteradamente
consumados os crimes de forma continuada.
2. Conforme se depreende dos autos, o denunciado Wellington
Silva de Lima é funcionário do "Olinda Motel" e age sob as
determinações dos acusados Dulce Maria Cabral Calado e Ailton
Soares da Silva, proprietários do estabelecimento, havendo entre
eles a hierarquia decorrente da relação trabalhista e sendo as ações
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5. Superior Tribunal de Justiça
rotineiras de Wellington lá adotadas, evidentemente, ante delegação
e representação dos dois proprietários, pois exerce a função de
camareiro no referido motel.
3. Em data situada no início do mês de março de 2009,
aproximadamente às 20h, as vítimas E.L.L. e C., que são adolescentes,
estavam conversando em via pública no bairro de Peixinhos em Olinda,
ocasião em que os denunciados Wellington Silva de Lima e Bruno Fortes
Barbosa de Lucena se aproximaram de ambas e, após meticulosa e
premeditada conversa havida, convenceram-nas e corromperam-nas à
prática de atos sexuais mediante pagamento de recompensa financeira
materializada na importância de R$ 40,00 (quarenta reais) para cada uma
delas, após o que as induziram ao interior do estabelecimento já
mencionado (Olinda Motel), onde ambos as esperaram para a
consequente manutenção dos atos sexuais ilegalmente contratados.
4. Na data supracitada os dois acusados ocuparam um dos
apartamentos do motel pertencente aos dois últimos denunciados
que são sócios do empreendimento, e lá mantiveram atos de
natureza sexual com as vítimas [...]
5. Aproximadamente quinze dias depois, em meados de março de
2009, novamente o acusado Wellington Silva de Lima, agindo em
concurso com Bruno Fortes, telefonou para a vítima "C", assim a
induzindo e também induzindo a vítima E.L.L. a que ambas efetivassem,
como de fato efetivaram, novo comparecimento ao "Olinda Motel",
também no mesmo horário noturno, para igual manutenção de atos
sexuais mediante pagamento de R$ 40,00 (quarenta reais) para cada
uma delas, o que então ocorreu e os dois acusados lá as recepcionaram,
conduziram-nas a uma das suítes do motel e então passaram a mantes
atos sexuais [...]
6. No início de abril de 2009, em data específica a ser igualmente
configurada no curso da instrução processual, Wellington Silva,
novamente agindo em concurso com Bruno Fortes, voltou a manter
contato telefônico com a vítima "C" e, a partir desta, com a vítima E.L.L.,
induzindo ambas novamente a terceiro encontro sexual no ambiente
interno do Olinda Motel, assim se repetindo o mesmo modo de agir, cujo
encontro ocorreu aproximadamente às 17h da referida data.
[...]
13. Os denunciados Dulce Maria e Ailton Soares são os
proprietários do Olinda Motel, havendo sociedade entre ambos
relativamente ao referido empreendimento empresarial, local onde
por pelo menos três vezes houve o ingresso e hospedagem dos
adolescentes acima qualificados e onde foram sexualmente
explorados através de nítida conduta de prostituição, tendo havido
inclusive pagamento de importância monetária na forma já descrita.
Referido estabelecimento, e por consequência os denunciados,
obtém vantagens financeiras consistentes no aluguel dos
apartamentos a seus frequentadores que lá mantém atos sexuais,
estando clarividente que não há absolutamente nenhum tipo de
controle quanto ao ingresso e permanência de adolescentes no
local, o que inclusive se agrava quando o próprio quadro funcional
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do estabelecimento, ora representado pelo primeiro denunciado,
para lá conduz (e efetivamente conduziu) adolescentes, tudo sob a
estrutura hierárquica e empresarial dos dois últimos acusados.
[...]
15. As condutas delituosas dos denunciados então, portanto, assim
delineadas:
[...]
15.3 em relação a a Dulce Maria Cabral Calado: sua conduta
consistiu em igualmente submeter os adolescentes E. L. L. e "C." à
prostituição e consequente exploração sexual que se consumou
com a manutenção de atos sexuais na forma já descrita e
continuada e em concurso de agentes, o que se efetivou com os
contatos sexuais mantidos pelos acusados Wellington Silva de Lima
e Bruno Fortes Barbosa de Lucena na forma já narrada, sendo a
referida denunciada sócia (proprietária) do estabelecimento
denominado Olinda Motel, local onde houve o ingresso,
permanência e exploração sexual dos adolescentes, estando
capitulada no artigo 244-A, parágrafo primeiro, da Lei n. 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente), combinado com os artigo
(sic) 29, caput ; e artigo 71, caput , ambos do Código Penal.
15.4 em relação ao denunciado Ailton Soares da Silva, sua
conduta consistiu em igualmente submeter os adolescentes E. L. L.
e "C." à prostituição e consequente exploração sexual que se
consumou com a manutenção de atos sexuais na forma já descrita e
continuada e em concurso de agentes, o que se efetivou com os
contatos sexuais mantidos pelos acusados Wellington Silva de Lima
e Bruno Fortes Barbosa de Lucena na forma já narrada, sendo o
referido denunciado sócio (proprietário) do estabelecimento
denominado Olinda Motel, local onde houve o ingresso,
permanência e exploração sexual dos adolescentes, estando
capitulada no artigo 244-A, parágrafo primeiro, da Lei n. 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente), combinado com os artigo
(sic) 29, caput ; e artigo 71, caput , ambos do Código Penal.
Conforme se vê, a inicial acusatória apresentada pelo Ministério
Público estadual atribuiu aos pacientes Dulce Maria e Ailton Soares a conduta
de exploração sexual apenas pelo fato de eles serem os proprietários do
estabelecimento (motel) para o qual os corréus Wellington Silva de Lima e
Bruno Fortes Barbosa de Lucena conduziram os menores a fim de praticar os
atos libidinosos descritos na denúncia.
Da detida leitura da exordial acusatória, denota-se a atribuição de
uma responsabilidade de natureza objetiva, uma vez que não se demonstrou
em que consistiu o vínculo entre os pacientes Dulce Maria e Ailton Soares e a
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7. Superior Tribunal de Justiça
conduta dos corréus Wellington Silva de Lima e Bruno Fortes Barbosa, nem a
adesão daqueles aos crimes praticados, tendo o Parquet estadual se limitado
a afirmar que os pacientes "são proprietários do motel", sem especificar que
vantagens eles auferiam com as condutas atribuídas na acusação,
impossibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa.
A questão é semelhante a que ocorre nos crimes societários,
quando se faz uma acusação genérica, sem delimitar a correspondência
concreta entre o agente e a conduta atribuída, configurando uma
responsabilidade de cunho eminentemente objetivo.
A respeito, Eugênio Pacelli de Oliveira ensina-nos que:
[...]
Questão diversa ocorre quando a acusação, depois de narrar a
existência de vários fatos típicos, ou mesmo de várias condutas que
contribuem ou estão abrangidas pelo núcleo de um único tipo penal,
imputá-las, genericamente, a todos os integrantes da sociedade, sem que
se possa saber, efetivamente, quem teria agido de tal ou qual maneira.
Nesse caso, e porque na própria peça acusatória estaria declinada a
existência de várias condutas diferentes na realização do crime (ou
crimes), praticadas por vários agentes, sem especificação da
correspondência concreta entre uma (conduta) e outro (agente), seria
possível constatar a dificuldade tanto para o exercício amplo da defesa
quanto para a individualização das penas. A hipótese seria de inépcia da
inicial, por ausência de especificação da medida da autoria ou da
participação, por incerteza quando à realização dos fatos.
(Curso de Processo Penal. 15ª ed., Lumen Juris, págs. 171/172)
A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido da necessidade
de se demonstrar o vínculo entre o agente e o fato criminoso que lhe é
imputado, sob pena de ofensa à ampla defesa:
HABEAS CORPUS . CRIMES PREVISTOS NA LEI DE LICITAÇÕES.
INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA
RELAÇÃO DO PACIENTE COM O FATO DELITUOSO.
INADMISSIBILIDADE.
1. A denúncia deve conter elementos mínimos de individualização da
conduta do acusado, com a exposição do fato criminoso e todas as suas
circunstâncias, como exige o art. 41, do CPP.
2. A descrição do delito previsto no parágrafo único do art. 89 da Lei nº
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8.666/93, exige, ao menos sucintamente, que fique consignado de qual
forma teria o agente contribuído para a dispensa da licitação fora dos
casos legais.
3. É inadmissível que o órgão acusatório deixe de estabelecer
vínculo mínimo entre denunciado e o fato criminoso a ele imputado,
sob pena de ofensa o princípio constitucional da ampla defesa.
4. Ordem concedida.
(HC n. 169.288/MS, Ministro Og Fernandes, DJe 16/11/2010 – grifo
nosso)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . ESTELIONATO. AÇÃO
PENAL. TRANCAMENTO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ORDEM
CONCEDIDA.
1. A denúncia deve atender os requisitos do art. 41 do Código de
Processo Penal – expondo o fato tido como delituoso, suas
circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime, o
pedido de condenação e a apresentação do rol de testemunhas –, sob
pena de ser considerada inepta.
2. Na hipótese, a denúncia não atende os requisitos do art. 41 do
CPP, uma vez que o órgão de acusação não demonstrou o vínculo
do denunciado com a atividade ilícita supostamente desenvolvida,
seja descrevendo, com elementos concretos, qual a conduta do
paciente, como concorreu para o delito, seja demonstrando a sua
adesão subjetiva à vontade do co-réu.
3. Ordem concedida para anular o processo em relação ao paciente, a
partir da denúncia, sem prejuízo de que outra seja ofertada com
descrição circunstanciada da conduta a ele atribuída.
(HC n. 111.073/SC, Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 9/12/2008 –
grifo nosso)
Reconhecida a inépcia formal da denúncia, fica prejudicada a
análise da alegação de justa causa para o prosseguimento da ação penal.
Em face do exposto, concedo a ordem impetrada para trancar a
ação penal em relação aos pacientes Dulce Maria Cabral Calado e Ailton
Soares da Silva, sem prejuízo de que outra seja ofertada com descrição
circunstanciada da conduta a eles atribuída.
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