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Artigo publicado por na sua coluna em O GLOBO, de 02/08/1981, p. 8. Gentilmente indicado ao KCE
peloSr.FernandoMarinho.
* Otto de Oliveira Lara Resende, jornalista e escritor brasileiro, membro da Academia Brasileira de
Letras.SãoJoãodel-Rei,1demaiode1922–RiodeJaneiro,28dedezembrode1992.
"Diziaum amigo meu que os tradutoreserama causa de grande partedos males
dahumanidade".PauloRónai
Reuniu-se no Rio, há poucos dias, um congresso internacional de professores de
francês. Pelo escasso noticiário que vi na imprensa (e sou um leitor atento de jornais e
revistas), estiveram presentes cerca de 60 nações. Encerrado o encontro, estive com
dois jornalistas franceses que vinham ao Brasil pela primeira vez. Tinham vindo cobrir
o congresso. Pouco me disseram sobre o que decidiram os professores, reunidos a
cada três anos por iniciativa de uma associação internacional empenhada no
conhecimento e na difusão da língua francesa. Antes do Rio, a última reunião foi em
Bruxelas, cidade em que o francês é língua oficial, mas vive acossado pelo flamengo,
semfalarnosnumerososdialetosemquesetrancamteimosasminorias.
Quase simultaneamente abriu-se em Brasília um congresso internacional de
esperanto, que se pretende uma língua capaz de levar-nos todos de volta à véspera da
Torre de Babel. O seu engenhoso inventor, o médico polonês Zamenhof, teve mais
sorte do que outros colegas de utopia idiomática. O volapuque, por exemplo, que é
outra tentativa de comunicação universal, também do século XIX, mal passou de seu
criador, o padre alemão Martin Schleyer. No Brasil, já teríamos perdido a memória da
simples existência do volapuque, se não fosse um verso de Carlos Drummond de
Andrade.
O Esperanto não é uma língua de farrapos, pelo menos aos olhos de nossas
autoridades, que prestigiaram o congresso de Brasília. O Presidente não pôde
comparecer. Mas a imprensa, o rádio e a televisão noticiaram que o Vice-Presidente
Língua legal
por Otto Lara Resende*
(Aureliano Chaves) interrompeu o repouso na sua fazenda em Minas e foi bater um
papo, quem sabe em Esperanto, com os congressistas decididos a pacificar o mundo à
sombradopreceitozamenhofianodeumsórebanhoeumsóidioma.Nãodeixadeser
curiosa a existência de tantos sacerdotes a celebrar na ara da língua única
internacional.
Sou um pecador de muitos pecados, mas de repente a omissão do Esperanto
ganha em mim proporções dramáticas. O tempo é pouco para aprender tudo que
desejo saber e principalmente tudo que preciso conhecer. Nunca me esqueci da
admiração com que, menino, tomei conhecimento de que Machado de Assis, aos 69
anos, já prometido de morte, insistia em estudar grego. Alguns anos depois, João
Guimarães Rosa me contaria como é que, médico em Barbacena, mergulhava de
manhãzinha numa banheira de água gelada, a fim de chicotear o corpo e preparar o
espírito para o aprendizado autodidático das línguas que o levaram ao Itamaraty.
Pouco antes de morrer, os olhos claros rindo quase fechados, Rosa me confidenciou
que estava estudando o vietnamita arcaico, não por causa da guerra do Vietnam, mas
paraconheceraricaliteraturavietnamitaantiga.
Não sei se gostaria de conhecer todas as línguas, mas gostaria de conhecer bem,
à perfeição ao menos uma só língua, fosse ela qual fosse, inclusive e sobretudo a
portuguesa-brasileira. O dom de entender e de falar línguas estrangeiras, sabe-se que
éumtalentosecundário.Bastadizerqueestáaoalcancedequalquerportariadehotel
e de outras úteis profissões que, sem desdouro, dispensam nível intelectual acima da
cota zero. Afinal, a língua é um instrumento de expressão. Onde não há o que dizer,
não é preciso língua nenhuma. Os poliglotas acabam sabendo e empregando uma
forma coloquial de uma só língua, ainda que sujeita a umas tantas variáveis. Falo dos
poliglotas que papagueiam meia dúzia de frases feitas, suficientes para entreter, por
exemplo,comumilustredesconhecido,umaconversameteorológica.
Alheias ao esnobismo dos adultos, as crianças só falam mais de uma língua se de
fato isto lhes é indispensável, se o convívio reclama delas mais de um instrumento de
comunicação. E porque falam por necessidade, falam também à vontade. De resto,
necessária, a língua acaba se impondo ao mais empedernido monoglota. Basta ver a
facilidadecomqueosbrasileirosricoscompramegastamemParisouemNovaYork.O
conhecimentodofrancêsedoinglêsédispensável;sónãosedispensaodinheiro,ouo
dólar, senha de circulação universal, que confirma a viabilidade do Esperanto, pelo
menosdoEsperantomonetário.
Os dois jornalistas franceses com quem falei estavam mais preocupados com as
tendências da cultura brasileira neste momento do que propriamente com o
predomínio ou a decadência de sua língua materna no Brasil e no mundo. Como bons
franceses, sabiam pouco do nosso país. Ou melhor: sabiam o essencial. Hospedados
em Copacabana, tinham sido alertados para não se deixarem roubar. Viam-se
cercados de pivetes, trombadinhas e assaltantes. Por mal dos pecados, um deles
perdeuosóculosquandofalavacomigo.Levementeculpado,revisteibolsoporbolsoe
concluícomalívioqueaindadestaveznãofuieu.
Gostaria de saber o que se concluiu no congresso de língua francesa no Rio,
como também gostaria de conhecer os debates de universal confraternização que
ergueram sua voz em Brasília. No Esperanto há um radical latino de esperança. Tudo
que contribui para o entendimento dos homens é positivo. No Brasil estamos
precisando de um cânon, de um código para que nos entendamos. O caminho
democrático pode passar pelo Esperanto e – quem sabe um dia? – chegamos assim à
Constituição, depois de passar pela Constituinte. Afinal, a nossa crise tem sido
diagnosticada também como crise de palavras. Escrevemos e falamos cada vez com
mais desleixo, com mais pobreza vocabular. Até a linguagem oficial perdeu-se numa
algaravia cujos solecismos ofendem pessoalmente um linguista da competência de
AbgarRenault.
Foi-se o tempo em que Ruy chovia torrencialmente no Senado a sua polêmica
sobre a redação do Código Civil. Um código se faz hoje do pé para a mão. Tudo é legal,
no sentido estrito, da lei, e no sentido amplo, de tudo bem. Mas temos de reconhecer
que a indigência linguística não é só brasileira. Os franceses também se queixam e
ainda recentemente uma revista de Paris divulgava um inquérito desanimador, feito
entre jovens, e concluía que será preciso reaprender o francês. Nos Estados Unidos
não é diferente. Com o orgulho que lhes é próprio, os franceses dizem que o inglês se
impõecomolínguadocomércio,enquantoofrancêséveículodecultura.Agentesabe
que não é bem assim. Num livro de 1947, "Território de Epidauro", Pedro Nava
denunciava uma campanha contra a França, com a "tentativa de obstar a difusão do
livro francês e a sugestão criminosa e parricida da eliminação da língua francesa como
disciplina obrigatória dos nossos cursos ginasiais". Não sei se Pedro Nava ainda
subscreve esta indignação francófila. Quanto a mim, fiz a minha opção: caminho para
oEsperantobásico,vésperadosilêncio.
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Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
 

Lingua legal

  • 1. Artigo publicado por na sua coluna em O GLOBO, de 02/08/1981, p. 8. Gentilmente indicado ao KCE peloSr.FernandoMarinho. * Otto de Oliveira Lara Resende, jornalista e escritor brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras.SãoJoãodel-Rei,1demaiode1922–RiodeJaneiro,28dedezembrode1992. "Diziaum amigo meu que os tradutoreserama causa de grande partedos males dahumanidade".PauloRónai Reuniu-se no Rio, há poucos dias, um congresso internacional de professores de francês. Pelo escasso noticiário que vi na imprensa (e sou um leitor atento de jornais e revistas), estiveram presentes cerca de 60 nações. Encerrado o encontro, estive com dois jornalistas franceses que vinham ao Brasil pela primeira vez. Tinham vindo cobrir o congresso. Pouco me disseram sobre o que decidiram os professores, reunidos a cada três anos por iniciativa de uma associação internacional empenhada no conhecimento e na difusão da língua francesa. Antes do Rio, a última reunião foi em Bruxelas, cidade em que o francês é língua oficial, mas vive acossado pelo flamengo, semfalarnosnumerososdialetosemquesetrancamteimosasminorias. Quase simultaneamente abriu-se em Brasília um congresso internacional de esperanto, que se pretende uma língua capaz de levar-nos todos de volta à véspera da Torre de Babel. O seu engenhoso inventor, o médico polonês Zamenhof, teve mais sorte do que outros colegas de utopia idiomática. O volapuque, por exemplo, que é outra tentativa de comunicação universal, também do século XIX, mal passou de seu criador, o padre alemão Martin Schleyer. No Brasil, já teríamos perdido a memória da simples existência do volapuque, se não fosse um verso de Carlos Drummond de Andrade. O Esperanto não é uma língua de farrapos, pelo menos aos olhos de nossas autoridades, que prestigiaram o congresso de Brasília. O Presidente não pôde comparecer. Mas a imprensa, o rádio e a televisão noticiaram que o Vice-Presidente Língua legal por Otto Lara Resende*
  • 2. (Aureliano Chaves) interrompeu o repouso na sua fazenda em Minas e foi bater um papo, quem sabe em Esperanto, com os congressistas decididos a pacificar o mundo à sombradopreceitozamenhofianodeumsórebanhoeumsóidioma.Nãodeixadeser curiosa a existência de tantos sacerdotes a celebrar na ara da língua única internacional. Sou um pecador de muitos pecados, mas de repente a omissão do Esperanto ganha em mim proporções dramáticas. O tempo é pouco para aprender tudo que desejo saber e principalmente tudo que preciso conhecer. Nunca me esqueci da admiração com que, menino, tomei conhecimento de que Machado de Assis, aos 69 anos, já prometido de morte, insistia em estudar grego. Alguns anos depois, João Guimarães Rosa me contaria como é que, médico em Barbacena, mergulhava de manhãzinha numa banheira de água gelada, a fim de chicotear o corpo e preparar o espírito para o aprendizado autodidático das línguas que o levaram ao Itamaraty. Pouco antes de morrer, os olhos claros rindo quase fechados, Rosa me confidenciou que estava estudando o vietnamita arcaico, não por causa da guerra do Vietnam, mas paraconheceraricaliteraturavietnamitaantiga. Não sei se gostaria de conhecer todas as línguas, mas gostaria de conhecer bem, à perfeição ao menos uma só língua, fosse ela qual fosse, inclusive e sobretudo a portuguesa-brasileira. O dom de entender e de falar línguas estrangeiras, sabe-se que éumtalentosecundário.Bastadizerqueestáaoalcancedequalquerportariadehotel e de outras úteis profissões que, sem desdouro, dispensam nível intelectual acima da cota zero. Afinal, a língua é um instrumento de expressão. Onde não há o que dizer, não é preciso língua nenhuma. Os poliglotas acabam sabendo e empregando uma forma coloquial de uma só língua, ainda que sujeita a umas tantas variáveis. Falo dos poliglotas que papagueiam meia dúzia de frases feitas, suficientes para entreter, por exemplo,comumilustredesconhecido,umaconversameteorológica. Alheias ao esnobismo dos adultos, as crianças só falam mais de uma língua se de fato isto lhes é indispensável, se o convívio reclama delas mais de um instrumento de comunicação. E porque falam por necessidade, falam também à vontade. De resto, necessária, a língua acaba se impondo ao mais empedernido monoglota. Basta ver a facilidadecomqueosbrasileirosricoscompramegastamemParisouemNovaYork.O conhecimentodofrancêsedoinglêsédispensável;sónãosedispensaodinheiro,ouo dólar, senha de circulação universal, que confirma a viabilidade do Esperanto, pelo menosdoEsperantomonetário. Os dois jornalistas franceses com quem falei estavam mais preocupados com as tendências da cultura brasileira neste momento do que propriamente com o predomínio ou a decadência de sua língua materna no Brasil e no mundo. Como bons franceses, sabiam pouco do nosso país. Ou melhor: sabiam o essencial. Hospedados
  • 3. em Copacabana, tinham sido alertados para não se deixarem roubar. Viam-se cercados de pivetes, trombadinhas e assaltantes. Por mal dos pecados, um deles perdeuosóculosquandofalavacomigo.Levementeculpado,revisteibolsoporbolsoe concluícomalívioqueaindadestaveznãofuieu. Gostaria de saber o que se concluiu no congresso de língua francesa no Rio, como também gostaria de conhecer os debates de universal confraternização que ergueram sua voz em Brasília. No Esperanto há um radical latino de esperança. Tudo que contribui para o entendimento dos homens é positivo. No Brasil estamos precisando de um cânon, de um código para que nos entendamos. O caminho democrático pode passar pelo Esperanto e – quem sabe um dia? – chegamos assim à Constituição, depois de passar pela Constituinte. Afinal, a nossa crise tem sido diagnosticada também como crise de palavras. Escrevemos e falamos cada vez com mais desleixo, com mais pobreza vocabular. Até a linguagem oficial perdeu-se numa algaravia cujos solecismos ofendem pessoalmente um linguista da competência de AbgarRenault. Foi-se o tempo em que Ruy chovia torrencialmente no Senado a sua polêmica sobre a redação do Código Civil. Um código se faz hoje do pé para a mão. Tudo é legal, no sentido estrito, da lei, e no sentido amplo, de tudo bem. Mas temos de reconhecer que a indigência linguística não é só brasileira. Os franceses também se queixam e ainda recentemente uma revista de Paris divulgava um inquérito desanimador, feito entre jovens, e concluía que será preciso reaprender o francês. Nos Estados Unidos não é diferente. Com o orgulho que lhes é próprio, os franceses dizem que o inglês se impõecomolínguadocomércio,enquantoofrancêséveículodecultura.Agentesabe que não é bem assim. Num livro de 1947, "Território de Epidauro", Pedro Nava denunciava uma campanha contra a França, com a "tentativa de obstar a difusão do livro francês e a sugestão criminosa e parricida da eliminação da língua francesa como disciplina obrigatória dos nossos cursos ginasiais". Não sei se Pedro Nava ainda subscreve esta indignação francófila. Quanto a mim, fiz a minha opção: caminho para oEsperantobásico,vésperadosilêncio. www.intraespo.org/brasil www.falesperanto.com.br Organização Mundial para o Desenvolvimento da Economia Esperantista