1. Como conceber o
Ambiente equilibrando
o hoje e o amanha?
A Livre Iniciativa Económica, o Desenvolvimento Sustentável
e o Ambiente
Uma reflexão sobre os fundamentos da consagração
constitucional do ambiente e algumas das suas implicações.
José Maria de Figueiredo Cabral da Camara
Nº 18664
Direito do Ambiente
2. Como conceber o Ambiente equilibrando o hoje e o amanha?
Introdução
O objectivo desta exposição é a delimitação do ambiente enquanto
bem jurídico constitucionalmente consagrado, confrontando-o com outros
valores constitucionais, a meu ver estritamente conexos com ele, e assim
conseguir descortinar quais os fundamentos dessa consagração na Lei
Fundamental. O que é o ambiente e quais as suas funções, de que forma se
conjuga o ambiente com o desenvolvimento sustentável a nível de fins
prosseguidos. Na sequência descobre-se que um dos valores constitucionais
que se encontra, o mais das vezes, “do lado de lá da barricada” é a livre
iniciativa económica privada, isto porque, como resulta óbvio, é a liberdade
constitucional que de maior forma põe em causa o ambiente. Assim, decidi
também expor no fim deste trabalho, uma pequena reflexão critica quanto à
politica europeia (UE) relativamente à abertura dos mercados a nível
mundial e como isso, em função das politicas ambientais dos membros da
UE, põe em causa a livre iniciativa económica, podendo a longo prazo pôr
de igual modo em risco o desenvolvimento sustentável e mesmo o
ambiente e as suas politicas.
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Resulta da CRP como sendo tarefa fundamental do Estado a
promoção da qualidade de vida através da efectivação de, entre outros, os
direitos ambientais ( art. 9º ali. d) CRP) bem como a defesa da natureza e
do ambiente ( art. 9º ali. e) CRP). A livre iniciativa económica privada é
concebida como direito económico ( art. 61º/1 CRP) e como um principio
fundamental da organização económica ( art. 80º ali. c) CRP). Na
prossecução das suas tarefas fundamentais, surge como incumbência
prioritária a promoção da qualidade de vida de acordo com uma estratégia
de desenvolvimento sustentável (art. 81º ali. a) CRP).O ambiente surge
ainda como direito-dever social ( art. 66º/1 CRP) conjugado também com
uma estratégia de desenvolvimento sustentável ( art. 66º/2 CRP).
Em primeiro lugar é mister perceber do que fala a CRP quando refere
o “ambiente”. Refere-se a um “direito do ambiente” tomando este como
objectivo em si mesmo, ou seja, tutelando o “meio ambiente” como bem
jurídico directamente, numa visão “ecocêntrica”? Ou refere-se a um
“direito ao Ambiente” para o qual parte de outros valores constitucionais,
máxime a qualidade de vida ou a vida stricto sensu, numa visão
“antropocêntrica” do ambiente? O artigo 66º da CRP e o artigo 5º/2 do DL
11/87, de 7 de Abril, a Lei de Bases do Ambiente (LBA) parecem indicar
que esta ultima resposta será a correcta, que o Estado prossegue um
ambiente em função, ou melhor, como uma das formas de garantir a
qualidade de vida, consagrando um verdadeiro “direito ao ambiente” nos
termos ali previstos “humano, sadio e ecologicamente equilibrado” ( art.
66º/1 CRP). Também a alínea d) do artigo 9º da CRP parece indicar a
mesma solução. Porém, na alínea imediatamente subsequente, propõe o
ambiente como bem jurídico próprio, como um valor em si mesmo, que
cabe ao estado defender.
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Ora, sendo o ambiente um valor em si mesmo, poderá colidir com
outros valores ou bens constitucionalmente protegidos, mesmo com os
valores a que os artigos 66º/1 e 9º alínea d), ambos da CRP, inicialmente o
põem ao serviço como um meio de os garantir, nomeadamente a qualidade
de vida ou, no extremo, a vida em si mesmo. Cumpre tomar posição, o
ambiente em qualquer dos seus componentes – natural ou humano como
definidos na LBA – é uma decorrência do Homem, ou seja, o ambiente é
do Homem e para o Homem. Isto significa que o bem jurídico ambiente é
uma decorrência da exigência humana de ele existir – mais ou menos – nos
termos prescritos pelo artigo 61º/1 CRP “humano, sadio e ecologicamente
equilibrado”. Estabelecer o ambiente como um fim em si mesmo – p.e.
estabelecer determinada espécie animal com protegida por se incluir na
componente ambiental natural (art. 6º ali. f) LBA) e que essa defesa (art. 7º
LBA) é uma exigência ambiental, esgotando o seu fim na protecção da
espécie – é violar os valores do sistema constitucional – levando a, no
limite, sancionar um homem faminto por capturar aquela espécie protegida.
Conferir protecção ao ambiente enquanto bem jurídico autónomo,
apenas se pode entender como uma decorrência de um outro valor: o do
desenvolvimento sustentável, tomando este como a medida da satisfação
das necessidades das gerações actuais sem comprometer as gerações
futuras. Esta ideia de compromisso, a par da ideia de equilíbrio, é essencial
para se compreender o ambiente enquanto conceito e consequentemente
como ramo de direito – mais ou menos – autónomo.
A preocupação ambiental é decorrência directa e inevitável da
precepção a que a sociedade chegou de que a acção humana tinha
consequências nefastas no seu “habitat”. A poluição do ar, a contaminação
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das aguas, a desflorestação a utilização de combustíveis fosseis etc. etc.
levou a que em certo ponto da historia – não muito longínquo – o Homem
tomasse noção das consequências dessas acções e assim criou um conjunto
de meios e mecanismos – mais ou menos – capazes de regular essas acções
e suas consequências, a nível internacional – Protocolo de Quioto, Agenda
21, Rio + 10, Protocolo de Montereal – e a nível nacional com a regulação
ambiental.
Ora esta preocupação ambiental apenas pode ser entendida como um
compromisso com o futuro, e não se fala do futuro dos animais ou das
plantas, mas no futuro do Homem no seu “habitat” natural – que é o
Planeta Terra – e esse futuro consiste, sem mais, nas gerações vindouras. E
então, se para cumprir este compromisso, do Homem presente com o
Homem futuro, necessário se mostrar garantir também o futuro dos animais
e das plantas, então não temos um ambiente como fim em si mesmo, mas
com um fim específico: o de garantir às gerações vindouras, uma qualidade
ambiental se possível melhor, e se impossível igual ou equivalente.
Nestes temos, em nome desse compromisso, a que se poderá chamar
compromisso intergeracional, consagra-se a exigência de um
desenvolvimento sustentável – racional de forma a assegurar o amanha – e
vertentes ambientais que pela sua importância a nível de “habitat” humano,
se mostram imprescindíveis para cumprir essa obrigação assumida com a
geração vindoura, ora na minha perspectiva é esse o alcance do artigo 9º
alínea e) da CRP, a consagração legal desta tarefa fundamental do Homem
presente.
Ajuda a este raciocínio o principio consagrado na LBA no seu artigo
3º alínea b), o princípio do equilíbrio, que põe como finalidade da
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conservação da natureza o desenvolvimento sustentável exigindo, como o
próprio nome indica, um equilíbrio entre as acções e/ou limitações de
ambiente e as consequências que dai advenham para a sociedade de hoje e
de amanha. No fundo consagra a ponderação de custos-benefícios – p.e.
uma acção presente com consequências ambientais futuras, ponderar se os
benefícios para o hoje, não são manifestamente inferiores aos custos que se
irão repercutir no amanha.
Pode-se assim entender que existem de facto restrições de outros
valores constitucionais em nome do ambiente, sem nunca perder de vista
esta fundamentação “antropocêntrica, e aquele que é, o mais das vezes,
sacrificado é a livre inciativa económica privada.
Os maiores focos de poluição são provenientes das actividades
económicas – como se disse supra, da acção humana – que hoje são
essenciais ao desenvolvimento e subsistência tando, do homem como
individuo no seu “habitat” – não se pode exigir que se deixe de utilizar o
fogo, ou meios de transporte motorizados, ou que passe a usar velas para
iluminação, etc. – mas também são exigências do “homem social”, ou seja
da sociedade – p.e. necessidade de produção em massa industrial, agrícola,
energética com todas as consequências – pelo que não se pode, em nome
do ambiente elimina-los.
Não sendo possível eliminar toda a poluição da terra, necessário se
mostrava regula-la, e assim criaram-se as denominadas “políticas de
ambiente” para desenvolver o prescrito nos artigos 9º e 66º CRP, criou-se a
já citada Lei de Bases do Ambiente com os instrumentos previstos nos
artigos 27º e seguintes, a nível nacional, e celebraram-se inúmeros acordos
e protocolos – alguns já referidos supra – a nível internacional, pois este
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compromisso de equilíbrio apenas será cumprido se interiorizado,
respeitado e aplicado a nível mundial.
Assim, tornou-se o acesso às actividades económicas – industrais,
agrícolas etc. – de certa forma condicionado, não no sentido empregue ao
“Condicionamento Industrial” que vigorava no Estado Novo, que limitava
o acesso a determinadas actividades económicas em função de razoes de
economia proteccionista. Condicionado, no sentido de “sujeito a condição”
em matéria ambiental, ou seja, essa actividade não poderá ter
consequencias tais que ponham em causa os fins que a protecção ambiental
defende – maxime a qualidade de vida, e, depois de feita a ponderação
custos-beneficios que manda o principio do equilíbrio (artigo 3º alínea b)
LBA) e o compromisso intergeracional. Por cá, formula encontrada para
regular exigência de, por um lado garantir a efectivação do ambiente, e por
outro a livre iniciativa económica, foi a sujeição de determinadas
actividades a um procedimento administrativo (p.e. artigo 27º/1 alinea h) da
LBA) – logo, levado a cabo pela Administração Publica – de forma a
garantir, por um lado, que tal actividade não viola os princípios/valores
referidos, e por outro, que seja exigido, dentro do razoável, ao particular o
respeito pelos valores e práticas que minimizem ou excluam as
consequências da actividade económica visada. A este procedimento
administrativo dá-se o nome de Procedimento Autorizativo Global (PAG),
e consiste numa declaração de um organismo – publico, ou privado com
poderes públicos – que coordena os “sub-procedimentos” que irão preceder
a emissão da licença/autorização para a actividade. Dentro da PAG, o mais
relevante de todos os “sub-procedimentos” é a Avaliação de Impacto
Ambiental (AIA), decorrência do LBA (artigo 30º), e é emitida sob a forma
de uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA), – que será uma acto
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prévio no sentido que a continuidade do PAG está dependente da decisão
da AIA – estando prevista no DL 69/2000, de 3 de Maio.
Desta forma o nosso ordenamento jurídico encontrou a maneira
conjugar o respeito pela livre iniciativa económica e o ambiente
respeitando o equilíbrio que exige a confrontação entre estes dois valores.
Contudo, nem tudo são rosas… Como foi inicialmente referido a
abertura dos mercados/comercio a nível mundial coloca questões na
confrontação destes dois valores que podem pôr em risco o caminho
percorrido nesta área. As actividades económicas que se realizam no
espaço europeu, estão, nestes dias, sujeitos a enormes “condicionalismos”
legais que, muitos em nome do ambiente, obrigam os agentes a produzirem
os seus produtos e/ou serviços com maiores custos e, consequentemente,
menor competitividade, face a outras áreas do globo que produzem com
muito menores custos. Não se criticam muitas das regras que vigoram no
espaço europeu, muitas delas são de facto indispensáveis e da maior
importância para o consumidor – p.e. regras de segurança alimentar –
contudo, outras nem tanto serão de louvar, pois caem num extremismo que
chega a ser ridículo, e encapotadas pela bandeira do ambiente, aquele
conceito de ambiente que acima se rejeitou, o ambiente como fim em si
mesmo, que leva a resultados que poem em causa outros valores,
nomeadamente aqueles que me propus a estudar.
Em causa o exemplo da produção de ovos na UE, cuja Directiva do
Conselho 1999/74/CE, criou novas regras para as gaiolas, segundo as quais,
essas jaulas para os animais produtores deveriam respeitar certas medidas e
condições de forma a promover o “bem-estar animal”. Ora, não se vê neste
tipo de regulamentação qualquer vantagem para as gerações presentes, nem
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para as gerações futuras, e colocam condicionantes graves aos agentes
económicos que actuam nessa área de actividade, violando a sua liberdade
de iniciativa económica. Esta liberdade, apenas pode ser limitada, em razão
do ambiente, verificados que sejam os pressupostos acima referidos. Daqui,
em primeiro lugar, referir que as limitações propostas à actividade em
função do “bem-estar” deste animal em concreto não trazem benefícios de
forma alguma aos fins a que o ambiente se propõe de acordo com o artigo
66º da CRP “humano, sadio e ecologicamente equilibrado” – nada prova
que o aquelas medidas melhoram de forma significativa a qualidade dos
ovos – nem tão pouco, melhor, de forma alguma traz vantagens do ponto de
vista objectivo para alegar uma restrição desta liberdade em nome do
compromisso intergeracional nos termos em que é supra referido.
Como este exemplo outros há, que a maior parte das vezes são
agravados pela concorrência desregulada e selvática de outros mercados,
cujos produtos acabam por ser postos à disposição do consumidor, ao lado
dos produtos homologados pela UE, mas por metade do preço…
Estas regulamentações, que ao abrigo de uma concepção chique,
politicamente correcta do ambiente que se demonstra errada e abusiva põe
em causa a economia, os países, as empresas e, em última instância, as
pessoas, violando de forma grosseira e silenciosa os seus direitos e
liberdades.
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