Resultado do concurso para professor em Pernambuco
Artigo quadriciclo - vf iii
1. O perigo de um “lazer”
• Henrique Mariano
No verão passado, passei um final de semana em casa de amigos na Praia de
Tamandaré. Naquela oportunidade, fiquei estarrecido com a quantidade de
quadriciclos circulando na areia da praia em alta velocidade, na maioria das vezes
sendo conduzidos por adolescentes entre 12 e 16 anos. Em Tamandaré é
impossível andar na praia, como também se tornou ato de grande risco as crianças
brincarem naquele local, porquanto a qualquer momento elas podem ser atingidas
por esse tipo de veículo.
Nesse feriado de São João, fui para Gravatá e lá, apesar de não ser área de praia,
não foi diferente. Impressiona a quantidade desse transporte (quadriciclos), típico
de área rural. Os condutores, em sua maioria adolescentes, fazem das vias públicas
de barro que interligam os diversos condomínios residenciais pista oficial de rali,
sem qualquer respeito aos transeuntes e desprovidos de qualquer material de
proteção – como, por exemplo, capacete –, colocando não apenas a própria vida
em risco, como expondo a perigo a vida de outrem.
A forma atual de utilização desse veículo em Pernambuco corrobora um ditado
popular: é um estado de guerra de todos contra todos....
Os poderes públicos municipal e estadual não podem se omitir de fiscalizar essa
prática absurda, que virou, na maioria das vezes, símbolo de ostentação de riqueza
e de desrespeito à vida humana.
Na legislação brasileira, o cuidado com esse tipo de transporte é bastante rigoroso.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB – Lei nº 9.503/97) classifica o quadriciclo
como sendo veículo automotor de passageiros e de cargas (art. 96, I, a, c/c Anexo
I/ art. 96, II, a, 6, b, 4) – inclusive, muitos fabricantes o classificam como sendo
de uso off-road (isto é, fora da estrada) ou como equipamento agrícola. Portanto,
os quadriciclos só podem circular em propriedades rurais privadas.
Por ser também um meio de transporte de cargas, só pode ser conduzido por quem
tenha habilitação própria (art. 144 do CTB) e qualquer habilitação só pode ser
adquirida por pessoa penalmente imputável (art. 140, I). Logo, só podem dirigir os
maiores de 18 anos (art. 27 do Código Penal) – ressalte-se que nem mesmo a
emancipação civil legitima a condução de veículo por quem não preencha tal
condição.
2. Outrossim, a habilitação (ou a permissão para dirigir) não constitui o único requisito
a autorizar um veículo a transitar em via pública – uma série de equipamentos de
segurança devem constar no transporte, notadamente nos quadriciclos (art. 1º, V,
da Resolução nº 14/98 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN).
Não obstante, ainda que preencham todos esses requisitos, os quadriciclos são
legalmente proibidos de circular em área pública no Estado de Pernambuco –
proibição esta expressa no art. 1º da Resolução nº 8/2010 do Conselho Estadual de
Trânsito de Pernambuco (CETRAN/PE). Tal proibição considera, entre outras coisas,
a crescente circulação desse tipo de veículo nas vias terrestres urbanas e rurais de
Pernambuco, abertas à circulação; bem como o fato de os mesmos não possuírem
o Certificado de Adequação à legislação de Trânsito (CAT), não sendo, então,
homologados pelo Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) – do que
decorre o fato de não possuírem o Registro Nacional de Veículos Automotores
(RENAVAM). Tudo isso culmina na impossibilidade de serem emplacados e
licenciados.
Segundo a Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados e dos
Municípios estabelecer e implantar políticas de educação para a segurança do
trânsito (que consiste não apenas na movimentação de veículos, mas de pessoas
também, conforme o Anexo I do CTB). O CTB distribui entre esses entes
federativos a competência no gerenciamento do trânsito, mas todos têm, no âmbito
de sua circunscrição, a obrigação de observar a legislação própria, de fiscalizar e de
policiar ostensivamente o trânsito.
No caso de Pernambuco, os órgãos estaduais e municipais de trânsito têm
obrigação de fiscalizar e gerenciar as medidas administrativas cabíveis no caso da
utilização de quadriciclos, sendo da competência do Departamento Estadual de
Trânsito (DETRAN/PE) viabilizar o acesso desses órgãos aos sistemas próprios de
aplicação das medidas administrativas, tudo conforme a Resolução nº 8/2010 do
CETRAN/PE.
Entrementes, não se percebe qualquer atuação desses órgãos e do Detran para
coibir os recorrentes e visíveis abusos na utilização desses veículos, conforme
prescreve o ordenamento jurídico. Basta observar o intenso tráfego desses veículos
em áreas públicas, principalmente em praias – registre-se que a utilização desse
tipo de transporte é até oferecida e divulgada publicamente como “atração
turística” – arriscando a vida de turistas, população nativa, crianças, adolescentes,
jovens, adultos e idosos.
3. Já está mais do que na hora de o Estado e os municípios exercerem suas
obrigações com o mesmo rigor que lhes impõe a legislação específica, para que
haja respeito à vida e ao direito de locomoção da população e dos turistas, que
compreende não só o direito de ir e vir, mas também de permanecer onde está,
com segurança, livre da iminência de ser atingido, ferido ou, mais grave ainda, ser
fatalmente vitimado.
• Henrique Mariano é advogado e Presidente da OAB/PE
(henriquemariano@oabpe.org.br)