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1
FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS – FMU
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação – CPPG
JESSE GERVA DE ALMEIDA
Advogado, Professor de Direito Comercial e Associado de um escritório de advocacia
especializado em Direito Societário.
Rua Teodoro Sampaio, n.º 352 – 6º andar – conjunto 68, São Paulo-SP, CEP 05406-000
Fone: (11) 9976-2928 - Fax (11) 3088-6745
e-mail: adv-jgerva@hotmail.com
R.A.172187.
A HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES E A
COMPATIBILIZAÇÃO COM A NECESSIDADE DE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO E TECNOLÓGICO
Artigo desenvolvido ao Programa de Pós
Graduação - Especialização - “lato sensu”
em Direito Empresarial da UniFMU para
obtenção do grau de pós-graduado, sob
orientação do Prof. Ms. Manuel Nabais da
Furriela
SÃO PAULO
2008
2
FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS – FMU
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação – CPPG
JESSE GERVA DE ALMEIDA
A HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES E A
COMPATIBILIZAÇÃO COM A NECESSIDADE DE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO E TECNOLÓGICO
Artigo desenvolvido ao Programa de Pós Graduação – Especialização - “lato sensu” em
Direito Empresarial da UniFMU para obtenção do grau de pós-graduado, sob orientação
do Prof. Ms. Manuel Nabais da Furriela
Aprovado pelo professor orientador em 29/08/08.
_________________________________________
Prof. Ms. Manuel Nabais da Furriela
Orientador
3
São Paulo, 29 de agosto de 2008.
DECLARAÇÃO DE INEDITISMO
Declaro para os devidos fins e efeitos que o artigo A harmonização dos interesses dos
consumidores e compatibilização com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico de minha autoria nunca foi publicado em qualquer meio seja
ele impresso ou digital.
____________________________
Jesse Gerva de Almeida
4
Àquele que deu Seu Filho unigênito para
todo que Nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna.
Aos meus primeiros e eternos professores:
D. Mabel, Dr. Joeli, Joeli Jr e Jonnathan
Gerva.
To those who are part of me: Gerva-Lewis-
Balfour. You live within my heart.
À minha fonte de inspiração: Lelayne.
A todos que de alguma forma participaram
deste trabalho, em especial os alunos da
Fundação Bradesco.
5
A Justiça é a manifestação do correto, do natural.
O Direito, em contrapartida, é a positivação de normas.
Portanto este não se confunde com aquela.
O grande número de leis é a prova de que o povo não se respeita.
Toda vez que a caneta do legislador toca o papel, uma lágrima da Justiça toca o solo.
O autor
6
RESUMO
O CDC é uma norma tipicamente protecionista. Por tal razão, para defendermos os
direitos do consumidor, basta que abramos o código e façamos uma leitura gramatical e
literal: ao fornecedor incumbe cumprir suas obrigações e, ao consumidor, gozar seus
direitos.
Classificado pela lei como a parte mais frágil da relação de consumo, o consumidor tem
a nítida impressão que a lei o protegeu de tal maneira que não lhe caberia qualquer
ônus.
Todavia, com base na doutrina e na jurisprudência, buscaremos demonstrar que a norma
prima mais pela boa-fé e pelo equilíbrio do elo que ligam as duas partes da relação do
que por uma proteção desmedida e irrestrita do consumidor.
ABSTRACT
Brazilian Consumers Code is a typic protecionist law. Therefore, to defend the
consumer’s rights, we only need to open the code and do a grammatical and literal
reading: suppliers must fulfill with their obligations and, consumers enjoy their rights.
Classified by the law as the most fragile side of the relationship of consumption, the
consumer has the distinct idea that the law protected him so much that he does not have
any burden.
Nevertheless, based on the doctrine and jurisprudence, we will find out that this code
gives much more value to the good faith and to a real balance of this bond than to a
unrestricted protection of the consumer.
PALAVRAS-CHAVES: Direito do Consumidor; boa-fé; práticas realmente abusivas;
publicidade permitida; obrigações do consumidor; a relativização do “pacta sunt
servanda”; ética; função social da empresa.
7
SUMÁRIO
RESUMO..........................................................................................................................6
ABSTRACT .....................................................................................................................6
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................8
I – HARMONIZAÇÃO: PRINCÍPIOS E DIREITOS BÁSICOS ............................11
1.1 BOA-FÉ, EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO.....................................................................12
1.2 HIPOSSUFICIÊNCIA E ÔNUS DA PROVA..................................................................14
II – RESPONSABILIDADE.........................................................................................18
2.1 CAUSAS EXCLUDENTES .........................................................................................19
III – PRÁTICAS COMERCIAIS.................................................................................23
3.1 DANO MORAL NA COBRANÇA DE DÍVIDAS.............................................................24
IV – CONTRATOS .......................................................................................................27
4.1 A VALIDADE DO “PACTA SUNT SERVANDA” E A TEORIA DA IMPREVISÃO .............29
V – A NOVA EMPRESARIALIDADE.......................................................................34
5.1 O CDC À LUZ DA NOVA EMPRESARIALIDADE ......................................................34
5.2 A VALORAÇÃO DA ÉTICA E DA MORAL .................................................................36
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................39
8
INTRODUÇÃO
O agrupamento humano traz diversas vantagens. Uma vez notado este fato, o homem
passou a criar grupos, cada qual com sua finalidade específica, v.g., defesa, segurança,
produção, comércio, etc. Todavia, ao lado dos benefícios, existem também
desvantagens na mesma proporção, razão pela qual a comunidade cria normas para
nortear as condutas de seus membros. Logo após uma norma ser criada (quando não
antes), a sociedade cria punições face às infrações cometidas por seus pares.
Em que pese a lei ordinária nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 ter sido fruto de uma
intensa pressão popular que atingiu a Europa Ocidental e as Américas1
no século XX,
principalmente na década de 50, as discussões sobre a defesa às normas de consumo
tem origens muito mais remotas. Alguns códigos antigos, como o de Hamurabi, que
trouxe pela primeira vez a idéia de proporcionalidade, ao prever o “olho por olho, dente
por dente”, já traziam em seu bojo alguns artigos protecionistas.
Ao estudarmos os institutos relacionados ao diploma legal que visa tornar nítida a
necessidade do respeito à balança da justiça nas relações de consumo (leia-se Código de
Defesa do Consumidor), analisaremos os aspectos comerciais dos agrupamentos,
sobretudo os relacionados àqueles que de fato configuram excessos nas relações
contratuais.
O contrato se destina concretamente a tornar efetiva a circulação de riqueza. Pressupõe
a igualdade das partes e tem como seu substrato material uma operação econômica. Este
é o elemento objetivo do contrato. Uma parte oferta e a outra compra; uma parte dá
publicidade aos seus produtos e serviços e a outra decide o que lhe interessa. O litígio
surge quando uma delas (o fornecedor, segundo a lei), não cumpre adequadamente sua
parte. É o que o legislador regula e coíbe ao descrever as práticas e cláusulas abusivas.
O Estado, enquanto ente fiscalizador, deve assegurar o tão almejado equilíbrio nas
relações, seja ele no âmbito trabalhista, seja no comercial. Vale ressaltarmos que a
dinâmica na qual vive a sociedade atualmente não permite, de fato, a elaboração de
contratos individuais. Tendo em mente a globalização, o uso destes moldes viabiliza a
1
FILOMENO, José Gerado Brito. Manual de direitos do consumidor. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 60: “Nessa linha de orientações, por exemplo, na Suécia em 1970 surgiram dois diplomas legais
distintos, a saber: a chamada ‘Lag Om Otillbürling Marknadsfüring’ (i.e., lei de proteção ao consumidor)
e ‘Lag Om Marknadarad’ (lei sobre a concorrência desleal). Também o México tem lei específica a
respeito do tema (‘Ley de Proteción Al Consumidor’), o mesmo ocorrendo com Portugal, Espanha,
Venezuela, etc”.
Soma-se ainda a elaboração de códigos e a evolução normativa em países em todo o mundo, a saber:
Itália em 1942, EUA em 1961, Suécia em 1970, Alemanha em 1976, França em 1977, Portugal em 1981 e
Espanha em 1984.
9
rapidez nas negociações e minimiza os riscos de conflitos de sistemas jurídicos. É a
conveniência e o conforto da sociedade moderna. O fornecedor se vale de um contrato
padrão e o consumidor está sujeito a menos riscos, uma vez que todos a seu redor
celebraram contratos iguais aos seus.
Diferentemente de outros diplomas, o CDC traz conceitos claros que traçam as margens
da relação que visa proteger. Em seus artigos 2º e 3º, o legislador traz os conceitos de
consumidor, fornecedor, produto e serviço. O que se busca apresentar neste artigo tem
como lastro a relação de consumo, qual seja, aquela que liga alguém que se enquadra no
conceito de consumidor2
a alguém que perfaz os dizeres de fornecedor, por meio da
prestação de um serviço ou na aquisição de um produto.
Faz-se mister trazer estes pontos à baila, haja vista que nem toda relação de compra e
venda será abarcada por esta norma. A venda de carros de uma fábrica a uma
concessionária ou a venda de uma televisão usada a um amigo, por exemplo, são
contratos de compra e venda, mas regulados pelo Código Civil. O mesmo Código, em
seu art. 966, prescreve que empresário é “aquele que exerce a atividade econômica
organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”. Isto nos permite concluir
que todo empresário é fornecedor, mas por vezes a norma utilizada na lide será outra
que não esta em estudo.
Segundo prescrito no art. 4º, III, CDC, um dos pilares da Política Nacional de Relações
de Consumo é a “harmonização dos interesses dos particulares das relações de consumo
com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico” do país.
Porém, isto não significa dizer que a balança representativa do Direito deve ser
descuidada, sob pena de ver o fornecedor em condição extremamente mais favorável
que o consumidor, tradicionalmente parte mais fraca. No mesmo sentido, sob pena de
impedir o crescimento da indústria e do comércio, o Poder Judiciário não pode tender
para o descumprimento das normas para beneficiar o consumidor. Ao fazê-lo estaria
pré-julgando.
Nessa toada, não podemos ver as práticas comerciais serem tratadas como as
“offshores”, as cooperativas e a terceirização, ou seja, classificadas de abusivas antes
mesmos de serem analisadas.
O presente artigo vem justamente estudar os parâmetros daquilo que é abusivo, os
direitos e deveres das partes, da interpretação do CDC sob luz da nova
empresarialidade, da necessidade de basear a relação como um todo no princípio da
2
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
“Consumidor – aquele que compra para gastar em uso próprio”.
10
boa-fé e da responsabilização do verdadeiro causador do dano, sem deixar de lado os
reflexos das indenizações descabidas advindas de sentenças judiciais.
11
I – HARMONIZAÇÃO: PRINCÍPIOS E DIREITOS BÁSICOS
Dentro deste novo panorama que mescla o consumo em massa, a ética e o marketing,
deve-se parabenizar os comerciantes pelo desenvolvimento constante de técnicas para
melhor tratar seus consumidores e mantê-los fieis a suas marcas, produtos e serviços.
Tais técnicas advêm de constantes análises sobre o comportamento, o perfil psicológico
e sociológico, considerando as diferenças regionais, crenças e hábitos, além das
tendências externas.
Engana-se quem pensa que os desejos do consumidor e o marketing empresarial não
podem conviver. Na verdade, um depende do outro e ambos buscam o bem estar do
consumidor, que através de sua liberdade de escolha, decide o que lhe convém e dá as
diretrizes do mercado.
Conforme enfatiza Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamim3
: “A sociedade de
consumo é uma realidade inegável. Mas, muito mais que uma sociedade puramente
acadêmica ou abstrata, é um fenômeno que afeta a vida de todos os cidadãos”.
O CDC visa garantir o equilíbrio na relação de consumo e não desenvolver uma cultura
paternalista que inviabilize o comércio no país. Busca-se exigir do fornecedor critérios
que garantam a qualidade dos produtos e serviços e dar ao consumidor mecanismos de
manter-se em pé de igualdade.
O objetivo maior da lei é incluir na relação de consumo características que permitam os
níveis idéias, sem que se vislumbre ameaça desabusada ao fornecedor. Afinal, para a
plena saúde da economia, é mister que permita um cenário razoável dentro da livre
concorrência. Neste caso, os direitos e deveres, a oferta e a procura, consumidor e
fornecedor são beneficiados.
Ao questionar o suposto caráter excessivamente protecionista da lei, Fabio Nusdeo4
assevera que: “Isto não significa, é claro, que a contrario sensu tal relação deva ser
desfavorável à outra parte: o fornecedor”. É exatamente o ponto que busca, o que
entendemos por equilíbrio inteligente.
3
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 251.
4
CRETELLA, José Junior e outros autores. Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1992. p. 20.
12
1.1 Boa-fé, educação e divulgação
Conforme se depreende da leitura dos art. 2º e 3º, consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire produtos ou serviços como destinatário final e fornecedor é toda
pessoa física ou jurídica, ainda que despersonalizada, que pratica atos de comércio.
Em que pese o princípio da boa-fé não estar definido no CDC, certamente é o mais
importante. Todas as relações, bem como seus litígios serão analisados à sua luz.
Em alguns pontos o legislador utilizou-se da expressão boa-fé e em outras se valeu de
termos como “que sabe ou deveria saber” e “independentemente da existência de
culpa”. Seja qual for a terminologia e seja explícita ou não, este é o espírito da norma.
Este princípio traduz-se na maneira como as partes agem no contrato, como exigem da
outra suas contraprestações, bem como aquilo que pleiteiam em juízo. É isto que
encontramos no texto da lei, como um dos objetivos da Política Nacional de Relações
de Consumo:
“III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo
e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios
nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal),
sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores.” (CDC, art. 4º).
Isto implica dizer que não apenas o fornecedor deve agir de boa-fé. Para o consumidor
este é um direito e um dever. Ao pleitear a revisão de um contrato, deve-se analisar se o
consumidor usou de boa-fé no momento da contratação, sob pena de vê-lo auferir
vantagem indevida; ao proceder a troca ou o conserto de um produto ou um serviço,
deve-se analisar se não foi o consumidor que deu causa ao problema; ao presumir que o
consumidor é a parte mais fraca, sem instrução ou merecedor da justiça gratuita, deve-se
verificar dados objetivos, deixando de lado o Positivismo Puro de Kelsen.
Ao notar-se a ausência de boa-fé de uma das partes para obtenção de vantagem sobre a
outra parte, de acordo com o CC, o juiz não lhe dará ganho de causa, haja vista que
ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.
Há cerca de dois anos foi veiculada uma publicidade5
, tema da campanha de uma loja de
eletrodomésticos que trazia a pergunta “Quer pagar quanto?”. Evidentemente que em
razão de ser vaga, a chamada deu margem a discussões.
5
Não devemos confundir propaganda (meio de divulgar idéias políticas, religiosas, etc) com publicidade
(meio de incitação ao consumo). Logo, ao questionarmos a maneira como a informação foi dirigida à
massa, dizemos que houve publicidade subliminar, enganosa ou abusiva.
13
Se a pergunta deixa a critério do consumidor quanto ele quer pagar, de acordo com a
leitura gramatical da lei, nada impediria que alguém comprasse um aparelho de DVD
por R$ 1,00. E foi isso que ocorreu na Bahia. Um advogado dirigiu-se a uma destas
lojas e exigiu que o aparelho fosse vendido por esta quantia.
Os arts. 36 e 37 trazem os princípios da identificação e da veracidade e cuidam da forma
como a publicidade deve ser feita. Coíbe-se as modalidades subliminar (art.36, caput),
enganosa (art. 37, §1º) e abusiva (art. 37, §2º). No caso em comento, estaríamos diante
de uma publicidade enganosa, pois teria sido capaz de induzir a erro o consumidor a
respeito do preço do produto. Será?
Quando nos deparamos diante de um evento com este, devemos nos perguntar:
considerando o público alvo, a maneira como a informação está disposta seria capaz de
induzi-lo a erro? Parece-nos que a resposta é negativa.
A frase “Quer pagar quanto?” sugere a intenção da loja em negociar até que o cliente
esteja satisfeito com o preço apresentado e não de que o cliente possa levar o que quiser
pelo preço que desejar. Não age de boa-fé o consumidor que se diz enganado ao ouvir
tal chamada. Afinal, o público alvo não eram crianças de 0 a 5 anos.
Acaso este raciocínio não fizesse sentido, certamente os órgãos de defesa e o Ministério
Público já teriam se posicionado no sentido de retirar do ar a publicidade de uma bebida
energética que diz que após ingeri-la o consumidor ganhará asas (frise-se que quando
veiculada na TV, aquele que a ingere o líquido de fato voa). Vez que a bebida não é
autorizada para menores de 18 anos, presume-se que com esta idade o indivíduo tenha
discernimento para entender que a empresa está a se valer de uma metáfora.
A publicidade por si não é ilegal. Na verdade ela é essencial para o desenvolvimento da
economia e do comércio, pois é através dela que a população toma conhecimento dos
produtos que estão no mercado, compara preços e qualidade e se beneficia dos efeitos
da livre concorrência.
Dentro do mesmo espírito, encontramos no art. 4º, IV, os princípios da “educação e
informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com
vista à melhoria do mercado de consumo”.
De maneira ainda mais explícita, o legislador trouxe no art. 6º, II, à título de direito
básico do consumidor “a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos
produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”.
O Banco Central, após reconhecer a aplicação da norma em comento às relações
bancárias, baixou uma resolução (nº 2878/01, chamada por alguns de CDC do Cliente
Bancário), que entre suas principais medidas transfere para o banco o ônus de provar
14
que os clientes foram informados dos detalhes das operações, inclusive com uma cópia
do documento assinado.
Conforme expresso acima, o fornecedor tem a obrigação de informar todos os detalhes
sobre o produto ou serviço que põe no mercado. Em contrapartida, o consumidor tem o
dever de se informar até mesmo para ter garantida sua liberdade de escolha.
No caso do fornecedor oferecer produtos ou serviços que acarretem qualquer risco à
saúde, deverá informar o potencial comprador de todos os seus riscos. Se este produto
for industrial, as informações devem estar de forma escrita.
Após diversas ações judiciais e lides dirigidas ao Poder Judiciário, o legislador impôs às
indústrias tabagistas o ônus de informar em qualquer publicidade televisiva ou
impressa, os riscos que o cigarro causa ao consumidor.
Se um dia esse foi um tema de grande celeuma, talvez pela ausência de dados
comprobatórios sobre os riscos do cigarro, hoje não deveria mais ser. Uma vez que o
fornecedor expôs de forma clara e adequada toda informação devida, educou o
consumidor e fez ampla divulgação dos risos à saúde que seu produto pode causar, cabe
ao consumidor exercer sua liberdade de escolha de fumar ou não.
Ora, após a indústria cumprir tudo o que a lei lhe impôs, recolher a altíssima carga
tributária e não ver seu produto relacionado na lista de substâncias entorpecentes, a que
título seria o fornecedor condenado a pagar indenizações aos fumantes? Não nos parece
coerente.
1.2 Hipossuficiência e ônus da prova
Conforme positivado no art. 333 do CPC, o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao
fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor.
Provar, nada mais é, que convencer os envolvidos sobre a verdade respeitante a alguma
coisa. A corroborar este raciocínio, o artigo 818 da CLT afirma categoricamente: “A
prova das alegações incumbe à parte que as fizer”.
Em que pese a falsa interpretação do leigo, o CDC manteve esta regra no inciso VIII do
art. 6º, criando apenas três ressalvas.
Inverte-se o ônus da prova: para facilitação da defesa de seus direitos, quando for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente (frise-se ainda que estas
hipóteses estão em nítido confronto com a Carta Magna, que dispõe sobre a
impossibilidade de obrigar o réu a produzir prova contra si).
15
A título de ilustração, se a decisão de uma demanda depender de um teste químico-
industrial, o magistrado pode determinar que o fornecedor o apresente. A complexidade
do teste, seus custos e os segredos industriais que o protegem, impossibilitam que o
consumidor o faça. Nada mais justo que o fornecedor viabilize a prova.
Porém, em uma lide envolvendo um contrato bancário em que a alegação for
simplesmente juros abusivos, descabe a inversão, pois ambos podem arcar com o ônus
de contratar um contador. Bastaria uma simples conta matemática e a prova já poderia
ser apresentada à juízo.
E o que significa verossimilhança? Conforme prescrito no art. 273, I, CPC, nada mais é
do que a qualidade de um fato que indica a verdade de tal forma que justifica que o juiz
antecipe sua decisão ou dispense outras provas. Esta indicação necessariamente precisa
ser clara, objetiva, inequívoca, sendo descabido o uso de situações análogas como
exemplo, bem como leis que não se aplicam ao caso concreto ou ainda o eventual
resultado de uma prova futura a ser produzida.
Nessa toada, v.g., se uma ação estiver em curso e o réu apresentar uma reconvenção, a
simples alegação desta segunda ação não envolve de verossimilhança a matéria alegada.
Deve-se provar todos os argumentos apresentados. É nesse sentido que decidem os
tribunais pátrios6
:
“TUTELA ANTECIPADA – alienação fiduciária – revisão contratual –
manutenção da posse do bem nas mãos do devedor fiduciário – obstáculo ao
exercício do direito de ação do arrendante – descabimento. A manutenção na
posse do bem pelo devedor-fiduciante, constituído em mora, implica a ofensa
ao preceito constitucional contido no artigo 5º, inciso XXXV, à medida que
visa obstar à outra parte o acesso ao Judiciário na defesa de seus direitos
contratuais ou legais. (AI 873.458-00/0 – 11ª Câm. – Rel. Juiz ARTUR
MARQUES – J.17.1.2005)”.
6
“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – revisão contratual – tutela antecipada – manutenção do bem na
posse do devedor – pendência de ação de busca e apreensão com liminar concedida – mora – não
descaracterização – descabimento. Simples demanda revisional, quando já em mora o autor, não
impede a apreensão liminar do bem litigioso, em ação de busca e apreensão. Ausência de requisito da
verossimilhança da alegação (“fumus boni iuris”). Antecipação de tutela indeferida. (AI 880.816-00/4 –
11ª Câm. – Rel. Des. MENDES GOMES – J.21.2.2005)”
“TUTELA ANTECIPADA – alienação fiduciária – requisitos – verossimilhança da alegação e
fundado receio de dano irreparável – ausência – descabimento. Pedido de antecipação de tutela
consistente na manutenção da posse exercida sobre o veículo financiado, objeto da alienação fiduciária
em garantia, bem como na expedição de ofícios aos órgãos de proteção ao crédito e aos Cartórios de
Protesto, para evitar a anotação de qualquer restrição em nome da autora. Ausência dos requisitos legais.
Necessidade de prova inequívoca, demonstrando a verossimilhança das alegações da autora, bem como
do risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Exegese do artigo 273 do Código de Processo Civil.
(AI 880.823-00/0, 8ª Câm. – Rel. Des. RUY COPPOLA – J.3.3.2005 (quanto à revisão contratual)).”
16
Quanto à hipossuficiência, temos como a característica que reside na qualidade do
consumidor que não possui recursos suficientes para litigar em iguais condições. A
Carta Magna estabelece que aquele que provar a insuficiência de recursos
receberá assistência jurídica integral e gratuita. Do contrário, os menos
privilegiados e as pessoas desprovidas economicamente jamais teriam
seu direito analisado pela Justiça. Tal direito foi regulado pela lei
1060/50, com redação nova pela lei 7110/86.
Ao incluir este direito na Carta Magna, o constituinte tacitamente não recepcionou o art.
4º da lei 1060/50. Enquanto a lei entende como pobre aquele que se
declarar pobre, a CF/88 prevê a necessidade de prova efetiva de
insuficiência de recursos, v.g., por declaração de movimentação da
Receita Federal. Desta forma, em um processo judicial, por ser uma
declaração individual, o legislador exige declaração do próprio
consumidor. Note que o art. 1º da lei 7110/86 exige que haja uma
declaração provando tal condição. Em seguida, em seu art. 2º a lei prevê
sanções civis, administrativas e penas se a declaração for
comprovadamente falsa.
Deduz-se, portanto, que a mera menção em petição formulada pelo
patrono da parte não tem caráter probante, não atribuindo a ele os
benefícios da lei.
Esse tem sido o entendimento apresentado pelos tribunais nacionais:
“Indefiro os benefícios da Justiça Gratuita uma vez que a
Constituição Federal prevê que o ‘Estado prestará assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência
de recursos’ (inciso LXXV, caput, art.5º). A lei nº 1060/50
parcialmente regulamentou a questão, e permitiu em seu
artigo 5º, que o Juiz indefira o pedido, se tiver fundadas
razões. Certo é que as taxas e custas de processos estão
atreladas ao princípio da retributividade. Caso não sejam
custeadas as despesas pelas partes interessadas, estas serão
suportadas por toda a sociedade, por meio de pagamento de
impostos. Estatísticas das mais variadas vertentes dão conta
de que a pobreza no Brasil não abrange indistintamente
trabalhadores com menor poder aquisitivo, lembrando que
tratamos de uma pirâmide social, em que os paradigmas têm o
valor relativo de acordo com a renda média. E a renda média,
aliás, do brasileiro, não chega atualmente aos R$ 883,00, de
acordo com recentes estimativas do IBGE, o que leva em
conta todo o plexo de trabalhadores brasileiros, inclusive os
mais abastados. De outro lado, a grande maioria da população
arca com taxas de fornecimento de água e de energia elétrica,
que versam serviços essenciais. Tendo em vista que o réu não
preenche o perfil desta pessoa pobre, indefiro o pedido de
concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, principalmente
porque não comprovou de forma documental sua pobreza na
17
acepção jurídica do termo e porque não trouxe subsídios
suficientes que permitissem a verificação do perfil social do
réu. Note-se que deve trazer qualificação detalhada no plano
processual, o que se torna mais enfático ao se tratar de pedido
de justiça gratuita. (...)” (6ª Vara Cível de Guarulhos -
224.01.2007.032286-0 – Banco Itaú S.A. x André Figueiredo
Rodrigues – 10/06/08)”.
Ausentes estas condições, usa-se a regra também nas relações consumeiristas, qual seja,
o ônus de provar incumbe a que alega.
18
II – RESPONSABILIDADE
O conceito de responsabilidade surge em razão da necessidade de atribuir a alguém o
ônus de fazer ou não fazer algo, bem como as conseqüências de uma ação ou omissão. É
como se fosse uma capa que paira sobre os ombros daquele que é encarregado de
determinado ato que não realiza ou daquele que se omite diante de uma obrigação de
fazer. Justamente por ser uma “capa”, a depender da situação, pode ocorrer a mudança
de um sujeito para outro.
Para o CDC, o conceito interessa basicamente quando há uma infração ou desrespeito a
uma norma. O autor do dano deve então responder pelas conseqüências prejudiciais de
suas ações. Nas palavras de Maria Helena Diniz7
: “A responsabilidade serviria,
portanto, para traduzir a posição daquele que não executou o seu dever”.
Em suma, traduz-se na estreita relação entre atos, conseqüências e responsáveis. O art.
927, CC, assim dispõe: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”.
No caso da Lei Consumeirista, ao dispor sobre responsabilidade nos arts. 12 e ss, o
legislador optou pela teoria que dispensa a comprovação de culpa para responsabilizar o
fornecedor. Sendo assim, comprovada a participação do fornecedor, o dano e o defeito,
o ônus recairá sobre ele. É o que chamamos de responsabilidade objetiva.
Note que, assim como nos demais institutos jurídicos, o legislador previu um prazo para
que esta responsabilidade fosse questionada e a reparação de danos fosse atribuída a seu
responsável. Conforme disposto no art. 27, o prazo é de 5 (cinco) anos contados do
conhecimento do dano e de sus autoria. Passado este período, fica afastada a
possibilidade do consumidor pleitear seus direitos.
Este prazo prescricional não se confunde com os prazos decadenciais previstos no art.
26, CDC: 30 dias para produtos e serviços não duráveis e 90 dias para produtos e
serviços duráveis, ambos contados da entrega efetiva do produto ou o término da
execução dos serviços.
7
Curso de Direito Civil Brasileiro: v.7: responsabilidade civil. 18ª. ed. rev., aum. e atual. de acordo com
o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 39.
19
2.1 Causas excludentes
A responsabilidade, porém, não é absoluta e não haverá atribuição de culpa ao
fabricante se ele conseguir comprovar que houve uma excludente. Se o fizer, as
conseqüências da ação ou omissão não recairão contra si.
A doutrina e a jurisprudência não são pacíficas quanto às hipóteses de excludente, vez
que alguns doutrinadores elencam outras possibilidades além das legais.
Encontramos nos §3º do art. 12 e §3º do art. 14, CDC, as hipóteses legais em que o
fornecedor não será responsabilizado quando. Dá-se a excludente quando o fornecedor
provar:
a) que não colocou o produto no mercado;
Seja a que título for, seja gratuito ou não, em caráter definitivo ou teste, o fornecedor
responderá pelos danos que o produto vier a causar.
Entretanto, esta inclusão do produto no mercado deve, necessariamente, ser voluntária e
consciente. Logo, se o produto foi colocado à disposição do público por ter sido
roubado ou furtado da empresa, por exemplo, descabe falar em responsabilidade.
Em razão do alto índice de desrespeito às normas pertinentes ao direito imaterial,
entendemos que também devem ser incluídos nesta excludente os produtos falsificados
ou pirateados que trazem a marca da empresa. É clarividente que o empresário jamais
desejou participar desta relação de consumo e é estranho a ela. Assim, nas esferas civil e
penal quem deve responder pelos defeitos e danos seria somente o vendedor.
b) que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
Os pressupostos da indenização nesta esfera advêm da relação entre defeito e dano. Por
conseguinte, se inexistir defeito que diminua a quantidade ou qualidade, o que faz
desaparecer o dano, não se fala em indenização.
Se inexiste defeito, então o dano é conseqüência de sua má utilização, desde que o
fornecedor prove, entre outras coisas, que forneceu os devidos esclarecimentos.
Fabio Ulhoa Coelho utiliza-se do seguinte exemplo8
: “certo desinfetante pode ser tóxico
para pessoas alérgicas. A rigor o produto não apresenta nenhum problema (defeito ou
vício), mas apenas produz efeitos nocivos em determinados consumidores”. Prossegue o
doutrinador: “não é qualquer característica intrínseca à mercadoria ou ao serviço que irá
torná-los mais ou menos seguros, mas sim a suficiência e adequabilidade das
informações prestadas pelo fornecedor”.
8
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito da empresa. 18ª. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 96.
20
Deduz-se que cabe ao fornecedor informar as possíveis reações. No caso de riscos
considerados normais e previsíveis (ex: uma faca), não há esta necessidade.
c) a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro.
Note que o legislador inseriu a expressão exclusiva, que não se confunde com a
concorrente, ou seja, aquela que rompe o nexo de ação e reação, desaparecendo a
causalidade.
Quiçá parte do folclore das faculdades de direito, citemos o exemplo da senhora que
teria colocado um gato para secar no forno de microondas, que resultou na sua explosão.
Estamos diante de um excludente, vez que o aparelho foi usado pela suposta vítima de
forma indevida para fins não recomendados.
O mesmo se aplica aos chamados surfistas de trem. O contrato de transporte de
passageiros é perfeitamente enquadrado no CDC, recaindo sobre passageiros e
transportadora seus direitos e obrigações. Considerando que a empresa espera que o
passageiro viaje do lado de dentro do trem, todo aquele que clandestinamente se
aventura a viajar do lado de forma está a atrair para si toda e qualquer responsabilidade.
O Código de Proteção suscita a dúvida na doutrina sobre a taxatividade das excludentes.
Grande parte da doutrina defende a tese de que, assim como em outras situações, aplica-
se subsidiariamente o CC. Passemos as teses defendidas:
a) culpa concorrente: o julgador pode se valer da culpa concorrente quando a vítima
conhecia o eventual defeito do produto e mesmo assim fez uso dele. Em razão de o
consumidor ter agido de forma consciente e voluntária, o nexo de causalidade não foi
alterado, mas indubitavelmente houve cooperação para a ocorrência do dano.
Sobre a culpa concorrente, há dois entendimentos. O primeiro no sentido de mitigar a
responsabilidade do fornecedor, pois a própria vítima concorreu para que o resultado
ocorresse, e outro no sentido de isentar o fornecedor de qualquer responsabilidade, sob
pena de se instituir o enriquecimento ilícito.
Possivelmente movido pelo inenarrável espírito paternalista, o magistrado, caso se filie
à primeira corrente, poderá mitigar o quanto da indenização por esta intervenção do
consumidor.
b) caso fortuito e força maior: "a regra no nosso direito é que o caso fortuito e a força
maior excluem a responsabilidade civil. O CDC não os elenca entre as causas
excludentes de responsabilidade, mas também não os nega. Logo, parece-nos que o
21
sistema tradicional não foi afastado neste ponto, mantendo-se então, a capacidade do
caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar"9
.
E de fato estas hipóteses não poderiam ser descartadas. Conforme o regime
constitucional vigente, a proibição somente advém de lei. Na omissão desta, a regra
conduz à lícitude.
Sobre esta possibilidade, encontramos na doutrina o exemplo da empresa de leite em pó
que tem suas embalagens violadas por um maníaco que inclui veneno ao pó.
Inegavelmente, estamos diante de um exemplo de culpa de terceiro, mas por ser um
acontecimento inevitável e imprevisível, também pode ser classificado como força
maior.
Outra ilustração se refere à responsabilidade do fornecedor de eletrodoméstico.
Contraria o bom senso atribuir-lhe culpa no caso de um raio que gera uma explosão no
aparelho e conseqüente incêndio no apartamento. Não há elo entre o efeito e o dano.
c) normas imperativas e exercício regular de direito: seguindo a linha majoritária dos
exegetas, acreditamos não ser coerente punir o empresário se este agiu exatamente
como determina a lei, ainda que ele causa danos ao consumidor.
Nos limites estabelecidos em lei, encontramos o exercício regular de direito do credor
ver a contraprestação do devedor cumprida. Os eventuais inconvenientes por vezes
pleiteados pelos consumidores, v.g., em indenizações por dano moral em razão da
cobrança de dívidas, são sem dúvida abrangidos por esta excludente.
d) risco do desenvolvimento: inserida nesta gleba de teses não previstas, encontramos a
teoria do risco do desenvolvimento (também conhecido pela sua expressão inglesa
“development risk”).
Nos dizeres de James Marins10
:"(...) consiste na possibilidade de que um determinado
produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda
que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época
de sua introdução, ocorrendo, todavia, que, posteriormente, decorrido determinado
período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito,
somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar
danos aos consumidores".
Em poucas palavras, representa aquele risco desconhecido mesmo após diversos testes
quando o produto foi colocado no mercado. As conseqüências somente foram
9
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Op. cit., p. 67.
10
MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT, 1993, p. 128.
22
conhecidas após um certo período de uso do produto e do serviço, pois a tecnologia da
época não possibilitou sua descoberta.
Pelo fato de o empresário ter prestado todas as informações de forma adequada e pela
impossibilidade da potencialidade dos riscos ter sido antevista, entendemos que esta
seria uma causa excludente de responsabilidade, pois ultrapassa a ciência e a pesquisa.
Ressalta-se que a infração penal tipificada no art. 64, CDC (“deixar de comunicar à
autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos
cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado”), não colide com a tese
apresentada.
Somente se busca punir aquele empresário que descobriu o defeito após a colocação no
mercado e se calou. Não é esta a linha que estamos a defender.
Ainda que tais fatores não foram prevenidos, afinal eram desconhecidos, o art. 12, § 3o
,
CDC não adotou a teoria do risco do desenvolvimento como causa eximente de
responsabilidade civil.
e) previsão contratual: consiste na livre disposição das partes de eximir a outra da
responsabilidade de prejuízos decorrentes da obrigação. Os riscos ficam a cargo da
vítima.
Há grande discussão sobre a validade desta cláusula. Todavia, em respeito ao princípio
da autonomia da vontade, excluídas as situações em que houver vício, ilicitude do
objeto ou conflito com ordem pública, defendemos sua viabilidade, ainda que contrarie
o interesse social.
23
III – PRÁTICAS COMERCIAIS
A livre concorrência é mais do que apenas não impedir a abertura de novas empresas ou
impedir o surgimento de cartéis. É na verdade permitir que o mercado construa suas
próprias regras e somente admitir a intervenção estatal quando houver dano ainda que
potencial. A prática comercial é lícita, alimenta o mercado de consumo, divulga bens e
serviços e distribui a riqueza.
Ao nos depararmos com seu exercício, devemos analisar a abusividade sob a ótica da
transparência e liberdade para que se evidencie se realmente há vício. Isso inclui, entre
tantas outras, a maneira de expor e negociar um produto ou um serviço, a forma de
cobrar uma dívida e a administração dos registros de devedores inadimplentes.
O art. 39, talvez a parte mais importante do capítulo V do CDC, tem um rol aberto, pois
seria impossível prever todos os abusos que o comerciante pode cometer. Essa é a razão
para encontrarmos em seu caput a expressão “dentre outras”.
Para que não corramos o risco de mover uma demanda sem pedido ou sem interesse de
agir, façamos uma leitura mais ampla das hipóteses previstas no dispositivo
mencionado.
É o que encontramos, v.g., no inciso I do artigo, que prescreve ser proibido “condicionar
o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço,
bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.
Ao condicionar a venda, o fornecedor retira do consumidor um de seus direitos básicos:
a livre escolha, o que torna o negócio anulável11
.
Recentemente a maior empresa de computação do mundo sofreu um processo sob a
alegação de que estaria a fornecer produtos condicionados a outros. Ocorre que, em
razão da tecnologia usada ser de ponta, não há outra empresa que consiga produzir
produtos compatíveis. Logo, caso o consumidor compre o computador ‘z’ terá que
comprar o programa ‘z’. Caso contrário, seu aparelho não irá funcionar.
Em uma simples exegese do inciso lemos que se houver uma justa causa, não é vedada a
venda condicionada. O exemplo acima expressa exatamente isto.
O que se busca coibir é, por exemplo, a situação em que ‘X’ precisa contratar a abertura
de uma conta-corrente, mas para fazê-lo o gerente lhe impõe, como condição a
11
Encontramos igual disposição na resolução BACEN 2878/01: art. 17 - É vedada a contratação de
quaisquer operações condicionadas ou vinculadas a realização de outras operações ou a aquisição de
outros bens e serviços.
24
contratação de um seguro de vida. Em juízo, ‘X’ pode requerer a declaração de nulidade
do contrato de seguro, pois foi contratado em razão de uma venda casada.
Sobre este segundo exemplo há ainda divergência quanto à devolução de todos os
valores pagos pelo seguro de vida, vez que foi obrigado a assiná-lo. Se o cliente tivesse
sofrido algum dano no período assegurado certamente exigiria o recebimento da
indenização. Logo, ao rescindi-lo, não seriam devidos os valores do período em que
gozou do benefício.
Outro inciso muitas vezes mal-interpretado é o III, que se refere ao que denominamos
mala direta. Afirma ser vedado “enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação
prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço”.
Mais adiante no art. 40, parágrafo único, lemos que “os serviços prestados e os produtos
remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se
às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento”.
Daí conclui-se que a abusividade não está em enviar produtos ou fornecer serviços sem
que haja solicitação. O problema surge no momento em que o fornecedor tentaria
obrigar o consumidor a pagar por ele. Esta sim é a conduta que se visa coibir.
A lei equipara este produto ou serviço à amostra grátis, inexistindo obrigação de
pagamento por ausência de vontade do cliente. Isto vale para cartões de natal, produtos
de estética, revistas periódicas, etc.
Entretanto, ao tomarmos como exemplo o envio de um cartão de crédito, vislumbramos
uma situação diversa. Aquele que o recebe não está obrigado a pagar a anuidade, mas ao
fazer uso dele expressa sua vontade. Neste momento o contrato se perfaz e nasce uma
contraprestação, qual seja, o dever de pagar os débitos nos termos do contrato.
3.1 Dano moral na cobrança de dívidas
Novamente partindo de uma premissa lícita, o legislador restringe um direito ao
descrever seus limites. Da mesma forma que a publicidade, os contratos de adesão e as
práticas comerciais, a cobrança de dívidas é lícita e autorizada pelo ordenamento. Não o
fosse, por que razão os devedores adimplentes honrariam seus compromissos se não
pudessem ser compelidos a fazê-lo?
O Código de Proteção do Consumidor não proíbe a cobrança em si, conduta legítima do
credor. Ele apenas veda a cobrança vexatória, indevida, abusiva cujos limites estão
previstos no art. 160, I do CC/1916, trazidos pelo Novo Código no art. 188, I, que
prescreve: “não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício
regular de um direito reconhecido”.
25
Tal qual no direito constitucional de permanecer calado (art. 5º, LXII, CF), ninguém
pode ser punido por exercer um direito, neste caso o de cobrar. A punição só é justa
quando fica provado que houve excesso em seu exercício.
Rotineiramente nos deparamos com casos de inadimplentes que se sentem ameaçados,
constrangidos, com seus direitos violados quando recebem uma comunicação de dívida.
As proibições legais referem-se às exposição ao ridículo (ex: recados com colegas de
trabalho), constrangimento (ex: aluno ser impedido de fazer prova) e ameaça física ou
moral (ex: ver fechado o balão de oxigênio que mantém vivo o paciente sem recursos).
As demais formas de cobrança são lícitas e não geram justificativa para reparação por
danos morais. Ademais, a mesma Constituição que prima pela proteção do consumidor
(art. 5º, XXXII), garante ao fornecedor o direito de ver apreciado pelo Judiciário as
demandas que exigem a intervenção estatal (art. 5º, XXXIII e XXXIV).
O Diploma Consumeirista, na verdade, apenas exige do credor lisura e discrição. É
prudente que antes de iniciar um processo de cobrança, o fornecedor tome alguns
cuidados como, por exemplo, não cobrar dívida indevida, sob pena de ter que restituir o
valor pago em dobro, com correção e juros, salvo hipótese de engano justificável, v.g.,
homônimos que fizeram uma compra de valor semelhante no mesmo local.
No ato de informar o devedor a existência de débitos, não se admite, v.g., o envio de
correspondência com dizeres em vermelho na parte de fora do envelope “cobrança -
urgente”. Os demais passos judiciais são públicos e dispensam quaisquer delongas. Uma
vez que se tornou inadimplente, o consumidor deu causa à cobrança, tornando-a justa e
devida.
Uma outra ferramenta colocada à disposição do credor é a inclusão do nome do devedor
nos órgãos de proteção ao crédito. A depender dos valores da dívida, os efeitos de uma
inadimplência podem prejudicar diversas entidades financeiras ou creditícias do
mercado. Justamente para evitar este risco, permite-se que a inclusão no SPC (Serviço
de Proteção ao Crédito) e a SERASA (Centralização dos Serviços dos Bancos).
Registre-se que ainda que o devedor ingresse com uma ação judicial e pleiteie em
caráter liminar a exclusão de seu nome, o pedido somente será plausível se a ação
questionar o valor cobrado tiver lastro em sólida jurisprudência dos tribunais superiores
e vier acompanhada do depósito do valor considerado incontroverso.
Este entendimento vem acompanhado da majoritária jurisprudência, a saber:
“EMENTA: Civil. Serviços de proteção ao crédito. Registro no rol de
devedores. Hipóteses de impedimento. A recente orientação da Segunda Seção
26
desta Corte acerca dos juros remuneratórios e da comissão de permanência
(Resp’s nº 271.214-RS, 407.97-RS e 420.111-RS), e a relativa freqüência com
que devedores de quantias elevadas buscam, abusivamente, impedir o registro de
seus nomes nos cadastros restritivos de crédito só e só por terem ajuizado ação
revisional de seus débitos, sem nada pagar ou depositar, recomendam que esse
impedimento deve ser aplicado com cautela, segundo prudente exame do juiz,
atendendo-se às peculiaridades de cada caso.
Para tanto, deve-se ter necessária e concomitantemente, a presença desses três
elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência
integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a
contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em
jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas parte do débito, deposite
o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao
prudente arbítrio do magistrado.
Código de Defesa do Consumidor veio amparar o hipossuficiente, em defesa de
seus direitos, não servindo, contudo, de escudo para perpetuação de dívidas.
Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido”.
E justamente por ser um direito do credor, é infundada a tese de indenização por danos
morais. Como dissemos, é o exercício regular de seu direito. Faz-se mister transcrever o
entendimento já pacificado nos tribunais pátrios:
“INDENIZAÇÃO –Dano moral – inadimplência – execução – ato ilícito. A
execução de título vencido e a denúncia ao serviço de proteção ao crédito
constituem exercício regular de direito do credor, o que obsta a propositura
de pedido reparatório, já que não há ato ilícito. TAMG, Ap. Civ.nº 126.630-0,
4ª Câm.Cív., Rel. Juiz Ferreira Esteves, ac. Unânime de 13.5.92, in JUIS –
Jurisprudência Informatizada Saraiva, CD-Rom nº 9 – 3º trimestre/97”.
A palavra indenizar deriva do latim “dene”. Busca restaurar a situação ao momento
anterior ao ato ilícito, ao dano. Como não se pode voltar no tempo, compensa-se a
ofensa por dinheiro. Contudo, se não houve ato ilícito, não há o que ser compensado,
indenizado.
27
IV – CONTRATOS
Segundo a doutrina mais clássica, contrato é acordo de vontade. Nas palavras de
Aurélio Buarque de Holanda, “é o acordo entre duas ou mais pessoas que entre si
transferem direito ou se sujeitam a uma obrigação”.
As pessoas se obrigam a cumprir uma determinada ação ou omissão em razão de lei ou
de contrato. Aqui se incluem os contratos de adesão e, assim como os demais, depois de
acordado, resulta em ato jurídico perfeito.
Na hipótese de uma das partes discordar das condições oferecidas pela outra parte, cabe
àquela não aceitá-las. Afinal, ninguém está obrigado a contratar. A Carta Maior é
taxativa neste sentido ao incluir no rol do art. 5º, XX, que “ninguém poderá ser
compelido a associar-se ou permanecer associado” e art. 8º, V, “filiar-se ou manter-se
filiado”. Valemos-nos de simples analogia para corroborar o raciocínio exposto.
Todavia, o que a lei, o Direito e a sociedade não podem conceber é a instabilidade de
um acordo em que o consumidor solicita os serviços de uma empresa, por entender que
eles são interessantes, cômodos e viáveis e, após receber a prestação, questionar a
validade da contraprestação. Isso seria admitir e oficializar o enriquecimento ilícito, ou
seja, o acréscimo de bens em detrimento de outrem sem que haja fundamento jurídico.
Em que pese alguns juristas defenderem a idéia de que a Teoria da Imprevisão (a ser
abordada neste capítulo) se contrapõe à obrigatoriedade do contrato firmado e daria
lastro aos direitos do consumidor, tais como a revisão, entendemos que ela na verdade
somente confirma a sua responsabilidade.
Não seria justo que o consumidor se vinculasse a um contrato que não assinou, seja pela
alteração de cláusulas e índices, seja pela alteração da situação em que foi formalizado.
Ele somente se vincula àquele que desejou. Logo, caso não haja qualquer destas
situações e o contrato seja executado exatamente nos moldes iniciais, não há que se
falar em alteração.
Talvez o tipo de contrato mais discutido sobre sua obrigatoriedade, descumprimento de
seus termos e abusividade é o descrito no art. 54 e §§, CDC. Diz a lei:
“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo”.
28
Em suma, contrato de adesão é aquele cuja elaboração das cláusulas compete à apenas
uma das partes. A outra somente o assina e, ao fazê-lo, demonstra sua vontade e ratifica
o ato.
Entendemos que se esta espécie de contrato fosse ilegal, o legislador teria prescrito. Se
não o fez, presume-se legal. As partes o assinam e após sua celebração estão vinculas a
ele, somente se excepcionando se for comprovado que houve alguma espécie de vício:
erro, dolo, coação, lesão, fraude, etc.
Esta obrigatoriedade irreversível em razão da palavra dada é traduzida na máxima latina
“pacta sunt servanda” – o contrato faz lei entre as partes. Sua revisão por meio de um
processo judicial é um contra-senso, vez que sua adesão foi de livre e espontânea
vontade. Por esta razão o pedido de revisão carece de interesse processual.
A título de exemplo, verifiquemos um contrato de arrendamento mercantil (“leasing”).
O consumidor escolhe o carro, procura uma instituição financeira e o indica para a
arrendante (banco). Este lhe oferece as condições, tais como valores e datas de
pagamento para a contraprestação. O cliente analisa e aceita, retira o carro e o mantém
em posse direta, enquanto o banco detém a propriedade e a posse indireta.
Teria sido a vontade do legislador dar a este consumidor o direito de obter uma liminar
para discutir judicialmente a validade deste contrato, para não pagar as parcelas até que
haja transito em julgado? Enquanto isso, como fica o crédito e o capital disponibilizado
pelo banco? O Código Civil não isenta o consumir de agir de forma correta, senão
vejamos: “Art. 422, CC. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão
do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Nesse sentido decide a jurisprudência:
“CONTRATO – Cláusulas contratuais – Pedido judicial para modificação de
seu conteúdo – Inadmissibilidade – Justificação da Intervenção Judicial para
decretação da nulidade ou resolução da avenca. O princípio da
intangibilidade do conteúdo dos contratos significa impossibilidade de
revisão pelo juiz, ou de liberação por ato seu.
As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for
a razão invocada por uma das partes.
Se ocorrerem motivos que justificam a intervenção judicial em lei permitida,
há de realizar-se para decretação da nulidade ou da resolução do contrato,
nunca para a modificação de seu conteúdo. (RT 714/163)”
Soma-se ainda o disposto no art. 51, incisos X e XIII, que considera nulas as cláusulas
que “permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira
unilateral” ou que “autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a
qualidade do contrato, após sua celebração”. A contrário senso, as tentativas de
alteração unilaterais por parte do consumidor também devem ser consideradas nulas.
29
As hipóteses de excepcionar o “pacta sunt servanda” não podem ser banalizadas.
Parece-nos que não foi essa a intenção do legislador. Admitir esta alteração unilateral
infundada é rasgar todo o Diploma Consumeirista e sobretudo distorcer o princípio
regulador do código, qual seja, a boa-fé.
4.1 A validade do “pacta sunt servanda” e a teoria da imprevisão
O“pacta sunt servanda” é um marco regulador das relações contratuais. Se por um lado
ele somente atinge os contratantes, por outro ele cria uma obrigação que vale como lei
para as partes.
Este conceito é refletido no princípio de que o contrato é intangível, a menos que ambas
as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa de caso fortuito ou força maior.
Leciona Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro12
:
“Fora dessas hipóteses, ter-se-á a intangibilidade contratual. Esse princípio da
força obrigatória funda-se na regra de que o contrato é lei entre as partes,
desde que estipulado validamente (RT 543:243; 498:93), com observância
dos requisitos legais.
Se os contratantes ajustarem os termos do negócio, não se poderá alterar seu
conteúdo, nem mesmo judicialmente, qualquer que seja o motivo alegado por
uma das partes, e o inadimplemento do avençado autoriza o credor a executar
o patrimônio do devedor por meio do poder judiciário, deste que não tenha
havido força maior ou caso fortuito”.
Segundo Orlando Gomes13
, o direito contratual deve ser visto à luz de quatro princípios:
autonomia da vontade, consensualismo, força obrigatória e boa-fé. Se os contratantes
aceitaram livremente as condições, ainda que desvantajosas, não cabe ao Judiciário a
libertação desta obrigação.
A liberdade na contratação na forma de contratação é elemento essencial, com mais
importância quando nos deparamos com relações particulares. Assevera o criador do
projeto do CC de 1916:
“O modo, pelo qual se manifestam as partes não tem forma rigorosa, em
geral. Qualquer que seja a forma, o contrato gera obrigações salvo se a lei
exige forma especial, ou as partes convencionam estabelecê-la.
A manifestação da vontade pode ser tácita, quando a lei não exige que seja
expressa. A expressão poderá constar de algum escrito, de palavra oral ou de
gesto. Qualquer porém, que seja o modo de manifestar a vontade, nos
contratos, deve ser inequívoco. O consentimento não se presume. É tácito,
quando se induz, claramente, de atos que não seriam praticados, sem o ânimo
de aceitar a situação criada pelo contrato” (Clóvis Beviláqua - Código Civil
dos Estados Unidos do Brasil).
12
Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º volume, 8ª ed. aum. e atual, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 57.
13
Contratos, 7ª ed. São Paulo: Forense, p.144
30
As cláusulas estão para o contrato como os parágrafos estão para a lei. As partes devem
honrar com sua obrigação exatamente da maneira como foi acordado. Justamente para
que o fornecedor, dito parte mais forte na relação, não obtivesse vantagem sobre o
consumidor, o legislador descreveu como nulas as cláusulas que: “Art. 51 - XIII -
autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do
contrato, após sua celebração.”
Se a alteração unilateral é nula para o fornecedor, também o é para o consumidor.
Qualquer modificação deve passar pela manifestação volitiva das partes para que possa
integrar o contrato, sob pena de ser uma alteração arbitrária.
A atribuição típica do Poder Legislativo é criar normas, ao passo que a do Poder
Judiciário é executá-las. Para que se possa garantir a segurança jurídica das relações
comerciais de maneira séria e equilibrada, faz-se mister que estas parcelas do Poder
coexistam de forma pacífica. Os magistrados não devem ignorar os contratos celebrados
conforme a lei vigente. Certamente haverá prejuízo na confiança e na expectativa do
meio social.
Diante deste quadro, qual seria a aplicação da relativização do “pacta sunt servanda”?
A resposta inicia no estudo do art. 104, CC, que dispõe:
“A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.”
Se houver desrespeito a estes elementos, o contrato não irá gerar efeito para as partes,
independentemente do que foi acordado. Neste ponto se enquadram, por exemplo, os
contratos celebrados com menores de idade, aqueles que tenham como objeto
substâncias entorpecentes ou que negociem herança de pessoas vivas.
Também não obrigará os contratantes aquelas obrigações que forem alteradas por razões
externas a ponto de torná-las inviáveis. Esta correção é um direito básico do consumidor
previsto no art. 6º, V, CDC, a saber: “V - a modificação das cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Encontramos na doutrina o exemplo dos contratos celebrados na década de 90 que
tinham como lastro a moeda americana. A variação ocorria em razão do dólar. Em
janeiro, v.g., o consumidor pagava R$ 300,00 (o equivalente a U$ 100,00). No mês
31
seguinte poderia pagar R$ 290,00 ou R$ 310,00. A oscilação respeitava uma margem
admissível.
Devido a fatores político-econômicos, em menos de 24 horas, o dólar aumentou de R$
1,00 para R$ 2,00, o que fez com que milhares de pessoas tivessem seu orçamento
absolutamente prejudicado. Não é plausível exigir de alguém que pagava sua
contraprestação entre R$ 290,00 e R$ 310,00, passar a pagar no mês seguinte R$
600,00, ou seja, o dobro.
Para garantir os interesses coletivos14, o Ministério Público e o Poder Judiciário
relativizaram as conseqüências geradas nestas obrigações. Todos os envolvidos se
beneficiaram: os bancos não ficaram à mercê de inadimplentes e da enxurrada de
mandados de segurança e liminares, os consumidores puderam cumprir com suas
obrigações e o Estado interveio para garantir a segurança jurídica necessária.
Note que a variação mencionada acima estava prevista no contrato e foi aceita pelas
partes. Em um mês o cliente bancário lucrava R$ 10,00 e no outro quem lucrava era o
banco. A relativização se faz necessária quando ocorram “fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas”. Foi o que houve.
Uma outra situação em que o legislador suavizou a maneira de cumprir com o
compromisso é a descrita no art. 46, CC. Prescreve a lei:
“Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento
prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de
modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.
Nas duas hipóteses citadas acima, a não obrigatoriedade do consumidor advém da má-fé
do fornecedor que por alguma razão tenta tirar proveito ilícito da relação. Logo, ainda
que tenhamos um contrato válido, o consumidor somente estará obrigado a responder
pela parte lícita ou pela que teve conhecimento e anuiu.
14
Interesses ou direitos coletivos são os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art.
81, parágrafo único, II do CDC).
A lei indica como titulares desses interesses ou direitos coletivos pessoais determináveis. Isto quer dizer
que as pessoas podem até não ser determinadas em um dado momento, mas existe a possibilidade de
serem. Não é como nos direitos difusos, que como acabamos de estudar, esta possibilidade de
identificação, ainda que “a posteriori”, inexiste.
Estas pessoas estão solidariamente relacionadas por um liame, uma ligação, de ordem formal, jurídica. É
a chamada relação jurídica base. Elas estão ligadas entre si ou com a parte contrária, como veremos logo
a seguir.
A situação a que estas pessoas estão expostas é indivisível, é coesa, ou seja, o resultado será igual para
todo o grupo.
32
Este é o alcance da relativização do “pacta sunt servanda”. Se não houve boa-fé de
uma das partes ou se não se respeitou a lei, o contrato não obriga as partes. Contudo,
fora estas hipóteses, a revisão contratual imposta por uma das partes traduz-se em
abusividade.
A obtenção do lucro é absolutamente legal e inerente à atividade comercial. Por esta
razão que os bancos entregam um valor e recebem outro maior. Essa diferença é o
próprio espírito da atividade creditícia e a revisão, por vezes requerida pelo particular e
concedida pelo Judiciário, vai de encontro a esta lógica, criando enormes prejuízos à
economia e à sociedade.
Diferentemente do exemplo mencionado acima, muito se discute sobre o reajuste sobre
os valores de planos de saúde frente o estatuto do idoso (Lei 10.741/03). Alguns
consumidores pleiteiam isenção do reajuste da mensalidade de cerca de até 185% do
contrato firmado após o cliente completar 60 anos.
Note que a cláusula que prevê esta alteração está expressa no contrato. Seu termo não
deve ser visto como fato superveniente, pois de fato não é. Em recentes julgamentos, os
ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros defenderam esta posição.
Os contratos desta natureza são de risco e este deve ser suportado pelas partes de igual
maneira. Cabe ao consumidor pagar e dispor (usando ou não) dos serviços de saúde, ao
passo que a empresa vê aumentados os seus custos e recair sobre si o ônus de manter
inalterada a prestação do serviço. Neste sentido têm decidido os tribunais pátrios:
“(...) Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados
anteriormente a ela, será essa lei (retroativa mínima) porque vai interferir na
causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no artigo 5º,
XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei
infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de
direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva (...) - (STF –
ADI 493 – DF Tribunal Pleno – Rel. Min. Moreira Alves – Publ. em 4-9-92)”
“ESTATUTO DO IDOSO – EFEITOS RETROATIVOS –
IMPOSSIBILIDADE. Os reajustes das mensalidades do plano de saúde, em
razão de mudança de faixa etária, desde que expresso no contrato, não
configuram abusividade, nos termos da Lei nº 9.656/98. Não verificada
abusividade ou ilegalidade da cláusula de reajuste por faixa etária, os pedidos
anulatório e consignatório devem ser julgados improcedentes. O Estatuto do
Idoso não pode produzir efeitos retroativos para alcançar situação já
consolidada sob a égide de uma ordem jurídica anterior. (TJ – MG – Ap.Civ.
1.0024.04.261889-2/002 – 14ª Câm.Civ. - Rel. Des. Renato Martins Jacob –
Publ. em 30-3-20007)”
As empresas questionam a validade da revisão, face o disposto no art. 6º da LICC,
diante do princípio da retroatividade das normas, e art. 15 da lei 9.656/98 c/c art. 1º da
Resolução 6/98 do CONSU, vez que os reajustes estavam previstos.
33
Esta alteração unilateral requerida pelo consumidor é arbitrária e fere o ato jurídico
perfeito e o negócio jurídico, pois, por amor ao argumento, ainda que houvesse qualquer
correção a ser feita, os contratos foram celebrados nos termos da legislação vigente e a
esta ordem jurídica é que eles devem respeito.
34
V – A NOVA EMPRESARIALIDADE
5.1 O CDC à luz da nova empresarialidade
Das lições recebidas do professor Adalberto Simão Filho15
notamos que houve uma
sensível mudança na maneira como a atividade empresarial deve (ou deveria) ser vista.
Em uma análise que ultrapassa as linhas frias da lei, vislumbramos na expressão
“empresarialidade” a atividade empresarial em movimento.
Ao mesmo tempo em que a empresa atrai para si a responsabilidade de seus atos perante
terceiros, sua atividade gera renda para si e para outros, diversos negócios são feitos em
razão de sua existência e não só o empresário, mas toda a comunidade ganha com o
comércio desenvolvido.
Em um simples paralelo com o Direito Trabalhista, valemos-nos dos dizeres de Cássio
Mesquita de Barros, que comenta sobre a visão equivocada de parte da magistratura16
:
“O juiz trabalhista é rígido na aplicação da lei e quer dar razão ao reclamante de
qualquer jeito. Vê um sujeito poderoso e diz: 'Esse tem que pagar'”.
Esta postura que anteriormente classificamos de extremamente protecionista, vem na
contramão da justiça (do latim “juris dicta” – dizer o direito) e retira da relação
justamente aquilo que se propõe: a imparcialidade e o equilíbrio.
A Carta Magna de 1988 trouxe alguns aspectos subjetivos sobre a propriedade, cujo
conceito é refletido nos estudos de Roberto Senise Lisboa, que leciona: “... a
propriedade, inclusive a empresarial, deverá realmente atender a sua função social,
sendo exercida a atividade de fornecimento de produtos e serviços no mercado de
consumo em um sistema econômico no qual prevalece a livre concorrência sem o abuso
da posição dominante de mercado, proporcionado-se meios para a efetiva defesa do
consumidor e a redução das diligências sociais”17
.
Sob pena de se tornar um país demasiadamente intervencionista, a Constituição prevê a
livre concorrência no mesmo ato em que impede que o empresário utilize sua
propriedade de maneira maléfica.
Nesta inclusão no ordenamento jurídico, o constituinte reconheceu a importância da
atividade para toda a população local. Em que pese o lucro estar associado à
empresarialidade, a finalidade maior que se busca é a da atividade econômica de
15
Dir.: Curso de Dir. Cent. Univ. Fac. Metrop. Unidas – UniFMU, São Paulo, a.17, 2003, passim.
16
Revista Visão Jurídica n 27, ISSN 1809-7170, p. 10.
17
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p.16.
35
maneira organizada. Frise-se que ainda que a finalidade fosse o lucro em si, não haveria
irregularidade alguma, haja vista não se tratar de uma atividade vedada.
Da mesma forma que os diplomas modernos são dotados de aspectos humanísticos,
cabe uma interpretação mais ampla do CDC, sob pena de inviabilizar a atividade
comercial. Esta compreensão tem reflexos quando nos deparamos com a idéia
preconcebida da hipersuficiência do fornecedor, que, por vezes, gera indenizações
demasiadamente desproporcionais e incompatíveis com o mercado.
Das lições de Alfredo Rocco extraímos que o estabelecimento comercial não se limita a
uma simples soma do capital e trabalho, mas sim da soma capital e trabalho com a
finalidade produtiva. Afirma o autor18
que “a organização dos vários elementos da
produção atinge um certo grau de eficiência, o valor do complexo organizado é superior
ao da soma dos diferentes elementos que o compõem”.
Entre estes elementos encontramos os bens incorpóreos (marca, sinais, direito ao ponto,
serviços prestados), aviamento19
, clientela, nome, reputação, etc. Muito embora esses
elementos não possam ser expressos em números, ao medirmos a dimensão da empresa,
certamente eles estão incluídos. O mesmo se dá com o passivo.
Ocorre que, ao decidir pelo pedido por vezes infundado e desmedido feito pelo
consumidor em juízo, o magistrado não considera o que é patrimônio, o que é líquido e
qual dimensão do dano. Simplesmente soma os valores apresentamos, os confronta com
a dimensão conhecida da empresa e, distanciando-se de sua função típica ao se esquivar
da possibilidade de flexibilização da norma, presenteia particulares com indenizações
volumosas. Esse seria o objetivo da norma?
O protecionismo do Diploma em estudo não pode desconsiderar os princípios éticos, de
boa-fé e de bons costumes, quiçá mais subjetivos, mas não menos importantes. O
mesmo se dá quando indagamos sobre a possibilidade de se pedir indenização de um ato
de ente público. Ora, se o ato foi da entidade, não é plausível que toda a sociedade seja
punida. Afinal, o dinheiro que o ofendido receberá advém dos cofres públicos.
Ademais, se o dano foi causado por ato do administrador enquanto pessoa, a disciplina
deveria recair sobre este e não sobre a sociedade. Frise-se que não estamos a defender a
deturpada tese da desconsideração da personalidade jurídica, que por sinal nos opomos.
Diversos são os casos em que esta matéria é levantada como preliminar. O legislador foi
claro ao prever as suas hipóteses, quais sejam, quando houver abuso de direito, excesso
18
ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Campinas, LZN, 2003. p.310.
19
Aviamento é a aptidão para a lucratividade que é gerada pela organização pontual do complexo de bens
materiais e imateriais e dos fatores de produção pelo empresário.
36
de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social
ou falência. Na ausência destas hipóteses, o afastamento da personalidade jurídica é
indevido.
A discussão que se busca provocar refere-se ao nascimento da política do dano moral
amplamente difundida na América do Norte. Já se pagou indenizações para um
assaltante que pulou o muro da casa e bateu a cabeça no chão em razão de não haver
piso antiderrapante, também para a para-normal que perdeu seus poderes em um exame
de raio-x em uma clínica médica, entre outros absurdos.
Se houve crime, que o Judiciário aplique a pena ao culpado; se houve infração
administrativa, que se proteja a sociedade de eventuais danos futuros; se houve dano
material, que se corrija os efeitos do ato. Porém a sociedade brasileira deve refletir sobre
a forma equivocada que o fornecedor ainda é visto.
Debrucemos-nos por um instante sobre o conceito de indenizar. Do latim “dene”, o
instituto traz a idéia de reparar a situação ao momento anterior ao dano. Todavia, a
culpa presumida que acompanha o fornecedor por vezes dá ao consumidor um direito
que ele não tinha ou o coloca em clara oportunidade de enriquecimento sem causa.
5.2 A valoração da ética e da moral
Com maestria e em poucas linhas Renato Nalini define ética como “a ciência do
comportamento moral dos homens na sociedade”20
.
Ao discorrer sobre o tema, o jurista Brito Filomeno traz à baila: “a preocupação com a
Ética, seja em sua conotação filosóficos-social, seja profissional, deve permear e
delimitar os objetivos globais e parciais de um programa de marketing social de forma
que, entre os instrumentos adequados, possa encontrar-se a constante informação sobre
a empresa”21
.
Uma prova de que o legislador primou pelo respeito à dinamicidade das relações é o
chamado “recall”. Se para o consumidor ele é um direito, para o fornecedor trata-se de
uma oportunidade de corrigir eventuais desconformidades, manter a qualidade de seus
produtos e serviços, ratificar sua imagem e marketing e, claro, garantir a segurança do
negócio jurídico.
20
Ética geral e profissional, 3ª ed. São Paulo: RT, 2001, p.36.
21
FILOMENO, José Gerado Brito. Op.cit., p. 38.
37
Dentro deste conceito denominado Nova Empresarialidade, a falta de ética, a
despreocupação com o meio ambiente e com a imagem da empresa são exceções. O
empresário competente, comparado ao bom pai de família (“bonus pater familiae”),
não pode ser equiparado ao mero comerciante de não prima pelo desenvolvimento
social e finge desconhecer sua função social.
Nas palavras de Javier Fernandez Merino encontramos que: “la empresa es el elemento
fundamental de la economia moderna, al haberse convertido em instrumento
imprescindible para la realización de las actividades mercantiles e industriais em masa
o em serie. La empresa es um elemento de la organización económica sometida a um
régimen jurídico integrado por várias disciplinas (laboral, hipotecario, fiscal, etc).22
”
Fatos recentes como o desmoronamento de um prédio no Rio de Janeiro em 1998 (no
qual se usou areia da praia), o rompimento do piso nas obras da estação de metro
Pinheiros em São Paulo (no qual se suspeita que houve supressão dos critérios de
segurança em nome de uma pressa por fatores políticos) e a fraude nos prédios
prometidos e pagos que não foram construídos na capital paulista, não devem cair no
esquecimento na nação.
Aquele fornecedor de produtos e prestador de serviços que tenta esquivar-se do ônus
que lhe compete e pratica atrocidades sociais deve ser punido severamente. Essa é a
justiça que se busca.
Em contrapartida, a empresa que celebra um contrato com um particular, expõe todos os
fatores, obrigações e contraprestações, fornece uma via dos termos e vê sua proposta ser
ratificada pelo consumidor, não pode ficar ao acaso e aos desmandos do Judiciário.
Tal qual a ética nas relações particulares, o respeito pelo ato jurídico perfeito válido e
desprovido de vício, deve ter suas exceções reduzidas ao limite plausível. Do contrário,
todos os negócios jurídicos dependerão de homologação judicial para se ter validade, o
que geraria prejuízos para o comércio e a sociedade.
22
apud MERINO, Javier Fernandez. “Temas de derecho mercantil”, Madrid: Dykinson, 1997, p.35.
38
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realidade mudou. O consumidor conhece e exige seus direitos. O empresário já não
comete erros primários, não se sujeita a qualquer irregularidade em nome do lucro e
respeita a sociedade, o meio ambiente e o consumidor. Nessa nova ótica, o Judiciário
deve dar à empresa o valor que de fato tem, sob pena de colocar toda a sociedade em
risco.
A expressão efeito dominó se faz mais clara no exemplo de uma empresa tabagista que
é condenada a pagar uma indenização milionária, mesmo tendo apresentado todos os
riscos normais do consumo do produto.
A depender do valor da condenação e da situação financeira da empresa que, frise-se,
cumpriu com sua obrigação legal, pode haver a falência. Neste quadro, o empresário vê
seu negócio descarrilar, o comércio vinculado a ele segue no mesmo sentido, seus
vendedores não tem para onde destinar o estoque, os empregados são demitidos, etc. Os
fatos exigem de nós uma visão macro.
Com a realidade trazida pela função social da empresa, o lucro deixou de ser o único
elemento norteador, que, aliás, é sensivelmente maior quando o empresário agrega
atividades sociais, culturais e outras relacionadas ao meio ambiente.
Por todo o estudo apresentado, concluímos que a compreensão sobre o princípio da boa-
fé objetiva deve permear toda e qualquer relação contratual. Este é o padrão de conduta
que se espera dos contratantes.
O respeito à ordem jurídica se dá quando as partes negociam pensando no outro lado da
relação como um parceiro, que da mesma forma se esquiva de atos não leais, abusivos e
que possibilitem desvantagens excessivas.
Logo, aquele que violar a boa-fé objetiva (o padrão de comportamento esperado pelo
parceiro contratual) ou qualquer um dos deveres anexos ao contrato criados por ela
(dever de cuidado, de cooperação e de informação), está atuando com abusividade, seja
ele consumidor ou fornecedor.
Concluindo o raciocínio, sem a pretensão de esgotar a matéria, mas apenas no desejo de
somar elementos para a discussão, acreditamos ter conseguido dar nossa contribuição
para uma mais ampla compreensão sobre o tema. Quiçá a nomenclatura mais correta
seria Código de Defesa da Relação de Consumo.
39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito da empresa. 18 ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
COSTA, Wagner Veneziani. Dicionário Jurídico. São Paulo: WWC, 2003.
CRETELLA, José Junior; et.al. Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1992.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: v.7: responsabilidade civil. 18
ed. rev., aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004.
__________________. Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º volume, 8 ed. aum. e atual,
São Paulo: Saraiva, 1993.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
FILOMENO, José Gerado Brito. Manual de direitos do consumidor. 9 ed. São Paulo:
Atlas, 2007.
GOMES, Orlando. Contratos, 7 ed. São Paulo: Forense, 2002.
GRINOVER, Ada Pelegrini e outros autores. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007.
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT,
1993.
MERINO, Javier Fernandez. “Temas de derecho mercantil”, Madrid: Dykinson, 1997.
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional, 3 ed. São Paulo: RT, 2001.
Revista Visão Jurídica n 27, ISSN 1809-7170, São Paulo, 2008.
ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Campinas, LZN, 2003.
SIMÃO, Adalberto Filho: Dir.: Curso de Dir. Cent. Univ. Fac. Metrop. Unidas –
UniFMU, São Paulo, a.17, 2003.

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A harmonia entre consumidores e empresas no CDC

  • 1. 1 FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS – FMU Centro de Pesquisa e Pós-Graduação – CPPG JESSE GERVA DE ALMEIDA Advogado, Professor de Direito Comercial e Associado de um escritório de advocacia especializado em Direito Societário. Rua Teodoro Sampaio, n.º 352 – 6º andar – conjunto 68, São Paulo-SP, CEP 05406-000 Fone: (11) 9976-2928 - Fax (11) 3088-6745 e-mail: adv-jgerva@hotmail.com R.A.172187. A HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES E A COMPATIBILIZAÇÃO COM A NECESSIDADE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TECNOLÓGICO Artigo desenvolvido ao Programa de Pós Graduação - Especialização - “lato sensu” em Direito Empresarial da UniFMU para obtenção do grau de pós-graduado, sob orientação do Prof. Ms. Manuel Nabais da Furriela SÃO PAULO 2008
  • 2. 2 FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS – FMU Centro de Pesquisa e Pós-Graduação – CPPG JESSE GERVA DE ALMEIDA A HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES E A COMPATIBILIZAÇÃO COM A NECESSIDADE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TECNOLÓGICO Artigo desenvolvido ao Programa de Pós Graduação – Especialização - “lato sensu” em Direito Empresarial da UniFMU para obtenção do grau de pós-graduado, sob orientação do Prof. Ms. Manuel Nabais da Furriela Aprovado pelo professor orientador em 29/08/08. _________________________________________ Prof. Ms. Manuel Nabais da Furriela Orientador
  • 3. 3 São Paulo, 29 de agosto de 2008. DECLARAÇÃO DE INEDITISMO Declaro para os devidos fins e efeitos que o artigo A harmonização dos interesses dos consumidores e compatibilização com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico de minha autoria nunca foi publicado em qualquer meio seja ele impresso ou digital. ____________________________ Jesse Gerva de Almeida
  • 4. 4 Àquele que deu Seu Filho unigênito para todo que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Aos meus primeiros e eternos professores: D. Mabel, Dr. Joeli, Joeli Jr e Jonnathan Gerva. To those who are part of me: Gerva-Lewis- Balfour. You live within my heart. À minha fonte de inspiração: Lelayne. A todos que de alguma forma participaram deste trabalho, em especial os alunos da Fundação Bradesco.
  • 5. 5 A Justiça é a manifestação do correto, do natural. O Direito, em contrapartida, é a positivação de normas. Portanto este não se confunde com aquela. O grande número de leis é a prova de que o povo não se respeita. Toda vez que a caneta do legislador toca o papel, uma lágrima da Justiça toca o solo. O autor
  • 6. 6 RESUMO O CDC é uma norma tipicamente protecionista. Por tal razão, para defendermos os direitos do consumidor, basta que abramos o código e façamos uma leitura gramatical e literal: ao fornecedor incumbe cumprir suas obrigações e, ao consumidor, gozar seus direitos. Classificado pela lei como a parte mais frágil da relação de consumo, o consumidor tem a nítida impressão que a lei o protegeu de tal maneira que não lhe caberia qualquer ônus. Todavia, com base na doutrina e na jurisprudência, buscaremos demonstrar que a norma prima mais pela boa-fé e pelo equilíbrio do elo que ligam as duas partes da relação do que por uma proteção desmedida e irrestrita do consumidor. ABSTRACT Brazilian Consumers Code is a typic protecionist law. Therefore, to defend the consumer’s rights, we only need to open the code and do a grammatical and literal reading: suppliers must fulfill with their obligations and, consumers enjoy their rights. Classified by the law as the most fragile side of the relationship of consumption, the consumer has the distinct idea that the law protected him so much that he does not have any burden. Nevertheless, based on the doctrine and jurisprudence, we will find out that this code gives much more value to the good faith and to a real balance of this bond than to a unrestricted protection of the consumer. PALAVRAS-CHAVES: Direito do Consumidor; boa-fé; práticas realmente abusivas; publicidade permitida; obrigações do consumidor; a relativização do “pacta sunt servanda”; ética; função social da empresa.
  • 7. 7 SUMÁRIO RESUMO..........................................................................................................................6 ABSTRACT .....................................................................................................................6 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................8 I – HARMONIZAÇÃO: PRINCÍPIOS E DIREITOS BÁSICOS ............................11 1.1 BOA-FÉ, EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO.....................................................................12 1.2 HIPOSSUFICIÊNCIA E ÔNUS DA PROVA..................................................................14 II – RESPONSABILIDADE.........................................................................................18 2.1 CAUSAS EXCLUDENTES .........................................................................................19 III – PRÁTICAS COMERCIAIS.................................................................................23 3.1 DANO MORAL NA COBRANÇA DE DÍVIDAS.............................................................24 IV – CONTRATOS .......................................................................................................27 4.1 A VALIDADE DO “PACTA SUNT SERVANDA” E A TEORIA DA IMPREVISÃO .............29 V – A NOVA EMPRESARIALIDADE.......................................................................34 5.1 O CDC À LUZ DA NOVA EMPRESARIALIDADE ......................................................34 5.2 A VALORAÇÃO DA ÉTICA E DA MORAL .................................................................36 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................39
  • 8. 8 INTRODUÇÃO O agrupamento humano traz diversas vantagens. Uma vez notado este fato, o homem passou a criar grupos, cada qual com sua finalidade específica, v.g., defesa, segurança, produção, comércio, etc. Todavia, ao lado dos benefícios, existem também desvantagens na mesma proporção, razão pela qual a comunidade cria normas para nortear as condutas de seus membros. Logo após uma norma ser criada (quando não antes), a sociedade cria punições face às infrações cometidas por seus pares. Em que pese a lei ordinária nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 ter sido fruto de uma intensa pressão popular que atingiu a Europa Ocidental e as Américas1 no século XX, principalmente na década de 50, as discussões sobre a defesa às normas de consumo tem origens muito mais remotas. Alguns códigos antigos, como o de Hamurabi, que trouxe pela primeira vez a idéia de proporcionalidade, ao prever o “olho por olho, dente por dente”, já traziam em seu bojo alguns artigos protecionistas. Ao estudarmos os institutos relacionados ao diploma legal que visa tornar nítida a necessidade do respeito à balança da justiça nas relações de consumo (leia-se Código de Defesa do Consumidor), analisaremos os aspectos comerciais dos agrupamentos, sobretudo os relacionados àqueles que de fato configuram excessos nas relações contratuais. O contrato se destina concretamente a tornar efetiva a circulação de riqueza. Pressupõe a igualdade das partes e tem como seu substrato material uma operação econômica. Este é o elemento objetivo do contrato. Uma parte oferta e a outra compra; uma parte dá publicidade aos seus produtos e serviços e a outra decide o que lhe interessa. O litígio surge quando uma delas (o fornecedor, segundo a lei), não cumpre adequadamente sua parte. É o que o legislador regula e coíbe ao descrever as práticas e cláusulas abusivas. O Estado, enquanto ente fiscalizador, deve assegurar o tão almejado equilíbrio nas relações, seja ele no âmbito trabalhista, seja no comercial. Vale ressaltarmos que a dinâmica na qual vive a sociedade atualmente não permite, de fato, a elaboração de contratos individuais. Tendo em mente a globalização, o uso destes moldes viabiliza a 1 FILOMENO, José Gerado Brito. Manual de direitos do consumidor. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 60: “Nessa linha de orientações, por exemplo, na Suécia em 1970 surgiram dois diplomas legais distintos, a saber: a chamada ‘Lag Om Otillbürling Marknadsfüring’ (i.e., lei de proteção ao consumidor) e ‘Lag Om Marknadarad’ (lei sobre a concorrência desleal). Também o México tem lei específica a respeito do tema (‘Ley de Proteción Al Consumidor’), o mesmo ocorrendo com Portugal, Espanha, Venezuela, etc”. Soma-se ainda a elaboração de códigos e a evolução normativa em países em todo o mundo, a saber: Itália em 1942, EUA em 1961, Suécia em 1970, Alemanha em 1976, França em 1977, Portugal em 1981 e Espanha em 1984.
  • 9. 9 rapidez nas negociações e minimiza os riscos de conflitos de sistemas jurídicos. É a conveniência e o conforto da sociedade moderna. O fornecedor se vale de um contrato padrão e o consumidor está sujeito a menos riscos, uma vez que todos a seu redor celebraram contratos iguais aos seus. Diferentemente de outros diplomas, o CDC traz conceitos claros que traçam as margens da relação que visa proteger. Em seus artigos 2º e 3º, o legislador traz os conceitos de consumidor, fornecedor, produto e serviço. O que se busca apresentar neste artigo tem como lastro a relação de consumo, qual seja, aquela que liga alguém que se enquadra no conceito de consumidor2 a alguém que perfaz os dizeres de fornecedor, por meio da prestação de um serviço ou na aquisição de um produto. Faz-se mister trazer estes pontos à baila, haja vista que nem toda relação de compra e venda será abarcada por esta norma. A venda de carros de uma fábrica a uma concessionária ou a venda de uma televisão usada a um amigo, por exemplo, são contratos de compra e venda, mas regulados pelo Código Civil. O mesmo Código, em seu art. 966, prescreve que empresário é “aquele que exerce a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”. Isto nos permite concluir que todo empresário é fornecedor, mas por vezes a norma utilizada na lide será outra que não esta em estudo. Segundo prescrito no art. 4º, III, CDC, um dos pilares da Política Nacional de Relações de Consumo é a “harmonização dos interesses dos particulares das relações de consumo com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico” do país. Porém, isto não significa dizer que a balança representativa do Direito deve ser descuidada, sob pena de ver o fornecedor em condição extremamente mais favorável que o consumidor, tradicionalmente parte mais fraca. No mesmo sentido, sob pena de impedir o crescimento da indústria e do comércio, o Poder Judiciário não pode tender para o descumprimento das normas para beneficiar o consumidor. Ao fazê-lo estaria pré-julgando. Nessa toada, não podemos ver as práticas comerciais serem tratadas como as “offshores”, as cooperativas e a terceirização, ou seja, classificadas de abusivas antes mesmos de serem analisadas. O presente artigo vem justamente estudar os parâmetros daquilo que é abusivo, os direitos e deveres das partes, da interpretação do CDC sob luz da nova empresarialidade, da necessidade de basear a relação como um todo no princípio da 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. “Consumidor – aquele que compra para gastar em uso próprio”.
  • 10. 10 boa-fé e da responsabilização do verdadeiro causador do dano, sem deixar de lado os reflexos das indenizações descabidas advindas de sentenças judiciais.
  • 11. 11 I – HARMONIZAÇÃO: PRINCÍPIOS E DIREITOS BÁSICOS Dentro deste novo panorama que mescla o consumo em massa, a ética e o marketing, deve-se parabenizar os comerciantes pelo desenvolvimento constante de técnicas para melhor tratar seus consumidores e mantê-los fieis a suas marcas, produtos e serviços. Tais técnicas advêm de constantes análises sobre o comportamento, o perfil psicológico e sociológico, considerando as diferenças regionais, crenças e hábitos, além das tendências externas. Engana-se quem pensa que os desejos do consumidor e o marketing empresarial não podem conviver. Na verdade, um depende do outro e ambos buscam o bem estar do consumidor, que através de sua liberdade de escolha, decide o que lhe convém e dá as diretrizes do mercado. Conforme enfatiza Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamim3 : “A sociedade de consumo é uma realidade inegável. Mas, muito mais que uma sociedade puramente acadêmica ou abstrata, é um fenômeno que afeta a vida de todos os cidadãos”. O CDC visa garantir o equilíbrio na relação de consumo e não desenvolver uma cultura paternalista que inviabilize o comércio no país. Busca-se exigir do fornecedor critérios que garantam a qualidade dos produtos e serviços e dar ao consumidor mecanismos de manter-se em pé de igualdade. O objetivo maior da lei é incluir na relação de consumo características que permitam os níveis idéias, sem que se vislumbre ameaça desabusada ao fornecedor. Afinal, para a plena saúde da economia, é mister que permita um cenário razoável dentro da livre concorrência. Neste caso, os direitos e deveres, a oferta e a procura, consumidor e fornecedor são beneficiados. Ao questionar o suposto caráter excessivamente protecionista da lei, Fabio Nusdeo4 assevera que: “Isto não significa, é claro, que a contrario sensu tal relação deva ser desfavorável à outra parte: o fornecedor”. É exatamente o ponto que busca, o que entendemos por equilíbrio inteligente. 3 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 251. 4 CRETELLA, José Junior e outros autores. Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1992. p. 20.
  • 12. 12 1.1 Boa-fé, educação e divulgação Conforme se depreende da leitura dos art. 2º e 3º, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire produtos ou serviços como destinatário final e fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, ainda que despersonalizada, que pratica atos de comércio. Em que pese o princípio da boa-fé não estar definido no CDC, certamente é o mais importante. Todas as relações, bem como seus litígios serão analisados à sua luz. Em alguns pontos o legislador utilizou-se da expressão boa-fé e em outras se valeu de termos como “que sabe ou deveria saber” e “independentemente da existência de culpa”. Seja qual for a terminologia e seja explícita ou não, este é o espírito da norma. Este princípio traduz-se na maneira como as partes agem no contrato, como exigem da outra suas contraprestações, bem como aquilo que pleiteiam em juízo. É isto que encontramos no texto da lei, como um dos objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo: “III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.” (CDC, art. 4º). Isto implica dizer que não apenas o fornecedor deve agir de boa-fé. Para o consumidor este é um direito e um dever. Ao pleitear a revisão de um contrato, deve-se analisar se o consumidor usou de boa-fé no momento da contratação, sob pena de vê-lo auferir vantagem indevida; ao proceder a troca ou o conserto de um produto ou um serviço, deve-se analisar se não foi o consumidor que deu causa ao problema; ao presumir que o consumidor é a parte mais fraca, sem instrução ou merecedor da justiça gratuita, deve-se verificar dados objetivos, deixando de lado o Positivismo Puro de Kelsen. Ao notar-se a ausência de boa-fé de uma das partes para obtenção de vantagem sobre a outra parte, de acordo com o CC, o juiz não lhe dará ganho de causa, haja vista que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Há cerca de dois anos foi veiculada uma publicidade5 , tema da campanha de uma loja de eletrodomésticos que trazia a pergunta “Quer pagar quanto?”. Evidentemente que em razão de ser vaga, a chamada deu margem a discussões. 5 Não devemos confundir propaganda (meio de divulgar idéias políticas, religiosas, etc) com publicidade (meio de incitação ao consumo). Logo, ao questionarmos a maneira como a informação foi dirigida à massa, dizemos que houve publicidade subliminar, enganosa ou abusiva.
  • 13. 13 Se a pergunta deixa a critério do consumidor quanto ele quer pagar, de acordo com a leitura gramatical da lei, nada impediria que alguém comprasse um aparelho de DVD por R$ 1,00. E foi isso que ocorreu na Bahia. Um advogado dirigiu-se a uma destas lojas e exigiu que o aparelho fosse vendido por esta quantia. Os arts. 36 e 37 trazem os princípios da identificação e da veracidade e cuidam da forma como a publicidade deve ser feita. Coíbe-se as modalidades subliminar (art.36, caput), enganosa (art. 37, §1º) e abusiva (art. 37, §2º). No caso em comento, estaríamos diante de uma publicidade enganosa, pois teria sido capaz de induzir a erro o consumidor a respeito do preço do produto. Será? Quando nos deparamos diante de um evento com este, devemos nos perguntar: considerando o público alvo, a maneira como a informação está disposta seria capaz de induzi-lo a erro? Parece-nos que a resposta é negativa. A frase “Quer pagar quanto?” sugere a intenção da loja em negociar até que o cliente esteja satisfeito com o preço apresentado e não de que o cliente possa levar o que quiser pelo preço que desejar. Não age de boa-fé o consumidor que se diz enganado ao ouvir tal chamada. Afinal, o público alvo não eram crianças de 0 a 5 anos. Acaso este raciocínio não fizesse sentido, certamente os órgãos de defesa e o Ministério Público já teriam se posicionado no sentido de retirar do ar a publicidade de uma bebida energética que diz que após ingeri-la o consumidor ganhará asas (frise-se que quando veiculada na TV, aquele que a ingere o líquido de fato voa). Vez que a bebida não é autorizada para menores de 18 anos, presume-se que com esta idade o indivíduo tenha discernimento para entender que a empresa está a se valer de uma metáfora. A publicidade por si não é ilegal. Na verdade ela é essencial para o desenvolvimento da economia e do comércio, pois é através dela que a população toma conhecimento dos produtos que estão no mercado, compara preços e qualidade e se beneficia dos efeitos da livre concorrência. Dentro do mesmo espírito, encontramos no art. 4º, IV, os princípios da “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vista à melhoria do mercado de consumo”. De maneira ainda mais explícita, o legislador trouxe no art. 6º, II, à título de direito básico do consumidor “a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”. O Banco Central, após reconhecer a aplicação da norma em comento às relações bancárias, baixou uma resolução (nº 2878/01, chamada por alguns de CDC do Cliente Bancário), que entre suas principais medidas transfere para o banco o ônus de provar
  • 14. 14 que os clientes foram informados dos detalhes das operações, inclusive com uma cópia do documento assinado. Conforme expresso acima, o fornecedor tem a obrigação de informar todos os detalhes sobre o produto ou serviço que põe no mercado. Em contrapartida, o consumidor tem o dever de se informar até mesmo para ter garantida sua liberdade de escolha. No caso do fornecedor oferecer produtos ou serviços que acarretem qualquer risco à saúde, deverá informar o potencial comprador de todos os seus riscos. Se este produto for industrial, as informações devem estar de forma escrita. Após diversas ações judiciais e lides dirigidas ao Poder Judiciário, o legislador impôs às indústrias tabagistas o ônus de informar em qualquer publicidade televisiva ou impressa, os riscos que o cigarro causa ao consumidor. Se um dia esse foi um tema de grande celeuma, talvez pela ausência de dados comprobatórios sobre os riscos do cigarro, hoje não deveria mais ser. Uma vez que o fornecedor expôs de forma clara e adequada toda informação devida, educou o consumidor e fez ampla divulgação dos risos à saúde que seu produto pode causar, cabe ao consumidor exercer sua liberdade de escolha de fumar ou não. Ora, após a indústria cumprir tudo o que a lei lhe impôs, recolher a altíssima carga tributária e não ver seu produto relacionado na lista de substâncias entorpecentes, a que título seria o fornecedor condenado a pagar indenizações aos fumantes? Não nos parece coerente. 1.2 Hipossuficiência e ônus da prova Conforme positivado no art. 333 do CPC, o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Provar, nada mais é, que convencer os envolvidos sobre a verdade respeitante a alguma coisa. A corroborar este raciocínio, o artigo 818 da CLT afirma categoricamente: “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Em que pese a falsa interpretação do leigo, o CDC manteve esta regra no inciso VIII do art. 6º, criando apenas três ressalvas. Inverte-se o ônus da prova: para facilitação da defesa de seus direitos, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente (frise-se ainda que estas hipóteses estão em nítido confronto com a Carta Magna, que dispõe sobre a impossibilidade de obrigar o réu a produzir prova contra si).
  • 15. 15 A título de ilustração, se a decisão de uma demanda depender de um teste químico- industrial, o magistrado pode determinar que o fornecedor o apresente. A complexidade do teste, seus custos e os segredos industriais que o protegem, impossibilitam que o consumidor o faça. Nada mais justo que o fornecedor viabilize a prova. Porém, em uma lide envolvendo um contrato bancário em que a alegação for simplesmente juros abusivos, descabe a inversão, pois ambos podem arcar com o ônus de contratar um contador. Bastaria uma simples conta matemática e a prova já poderia ser apresentada à juízo. E o que significa verossimilhança? Conforme prescrito no art. 273, I, CPC, nada mais é do que a qualidade de um fato que indica a verdade de tal forma que justifica que o juiz antecipe sua decisão ou dispense outras provas. Esta indicação necessariamente precisa ser clara, objetiva, inequívoca, sendo descabido o uso de situações análogas como exemplo, bem como leis que não se aplicam ao caso concreto ou ainda o eventual resultado de uma prova futura a ser produzida. Nessa toada, v.g., se uma ação estiver em curso e o réu apresentar uma reconvenção, a simples alegação desta segunda ação não envolve de verossimilhança a matéria alegada. Deve-se provar todos os argumentos apresentados. É nesse sentido que decidem os tribunais pátrios6 : “TUTELA ANTECIPADA – alienação fiduciária – revisão contratual – manutenção da posse do bem nas mãos do devedor fiduciário – obstáculo ao exercício do direito de ação do arrendante – descabimento. A manutenção na posse do bem pelo devedor-fiduciante, constituído em mora, implica a ofensa ao preceito constitucional contido no artigo 5º, inciso XXXV, à medida que visa obstar à outra parte o acesso ao Judiciário na defesa de seus direitos contratuais ou legais. (AI 873.458-00/0 – 11ª Câm. – Rel. Juiz ARTUR MARQUES – J.17.1.2005)”. 6 “ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – revisão contratual – tutela antecipada – manutenção do bem na posse do devedor – pendência de ação de busca e apreensão com liminar concedida – mora – não descaracterização – descabimento. Simples demanda revisional, quando já em mora o autor, não impede a apreensão liminar do bem litigioso, em ação de busca e apreensão. Ausência de requisito da verossimilhança da alegação (“fumus boni iuris”). Antecipação de tutela indeferida. (AI 880.816-00/4 – 11ª Câm. – Rel. Des. MENDES GOMES – J.21.2.2005)” “TUTELA ANTECIPADA – alienação fiduciária – requisitos – verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável – ausência – descabimento. Pedido de antecipação de tutela consistente na manutenção da posse exercida sobre o veículo financiado, objeto da alienação fiduciária em garantia, bem como na expedição de ofícios aos órgãos de proteção ao crédito e aos Cartórios de Protesto, para evitar a anotação de qualquer restrição em nome da autora. Ausência dos requisitos legais. Necessidade de prova inequívoca, demonstrando a verossimilhança das alegações da autora, bem como do risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Exegese do artigo 273 do Código de Processo Civil. (AI 880.823-00/0, 8ª Câm. – Rel. Des. RUY COPPOLA – J.3.3.2005 (quanto à revisão contratual)).”
  • 16. 16 Quanto à hipossuficiência, temos como a característica que reside na qualidade do consumidor que não possui recursos suficientes para litigar em iguais condições. A Carta Magna estabelece que aquele que provar a insuficiência de recursos receberá assistência jurídica integral e gratuita. Do contrário, os menos privilegiados e as pessoas desprovidas economicamente jamais teriam seu direito analisado pela Justiça. Tal direito foi regulado pela lei 1060/50, com redação nova pela lei 7110/86. Ao incluir este direito na Carta Magna, o constituinte tacitamente não recepcionou o art. 4º da lei 1060/50. Enquanto a lei entende como pobre aquele que se declarar pobre, a CF/88 prevê a necessidade de prova efetiva de insuficiência de recursos, v.g., por declaração de movimentação da Receita Federal. Desta forma, em um processo judicial, por ser uma declaração individual, o legislador exige declaração do próprio consumidor. Note que o art. 1º da lei 7110/86 exige que haja uma declaração provando tal condição. Em seguida, em seu art. 2º a lei prevê sanções civis, administrativas e penas se a declaração for comprovadamente falsa. Deduz-se, portanto, que a mera menção em petição formulada pelo patrono da parte não tem caráter probante, não atribuindo a ele os benefícios da lei. Esse tem sido o entendimento apresentado pelos tribunais nacionais: “Indefiro os benefícios da Justiça Gratuita uma vez que a Constituição Federal prevê que o ‘Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos’ (inciso LXXV, caput, art.5º). A lei nº 1060/50 parcialmente regulamentou a questão, e permitiu em seu artigo 5º, que o Juiz indefira o pedido, se tiver fundadas razões. Certo é que as taxas e custas de processos estão atreladas ao princípio da retributividade. Caso não sejam custeadas as despesas pelas partes interessadas, estas serão suportadas por toda a sociedade, por meio de pagamento de impostos. Estatísticas das mais variadas vertentes dão conta de que a pobreza no Brasil não abrange indistintamente trabalhadores com menor poder aquisitivo, lembrando que tratamos de uma pirâmide social, em que os paradigmas têm o valor relativo de acordo com a renda média. E a renda média, aliás, do brasileiro, não chega atualmente aos R$ 883,00, de acordo com recentes estimativas do IBGE, o que leva em conta todo o plexo de trabalhadores brasileiros, inclusive os mais abastados. De outro lado, a grande maioria da população arca com taxas de fornecimento de água e de energia elétrica, que versam serviços essenciais. Tendo em vista que o réu não preenche o perfil desta pessoa pobre, indefiro o pedido de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, principalmente porque não comprovou de forma documental sua pobreza na
  • 17. 17 acepção jurídica do termo e porque não trouxe subsídios suficientes que permitissem a verificação do perfil social do réu. Note-se que deve trazer qualificação detalhada no plano processual, o que se torna mais enfático ao se tratar de pedido de justiça gratuita. (...)” (6ª Vara Cível de Guarulhos - 224.01.2007.032286-0 – Banco Itaú S.A. x André Figueiredo Rodrigues – 10/06/08)”. Ausentes estas condições, usa-se a regra também nas relações consumeiristas, qual seja, o ônus de provar incumbe a que alega.
  • 18. 18 II – RESPONSABILIDADE O conceito de responsabilidade surge em razão da necessidade de atribuir a alguém o ônus de fazer ou não fazer algo, bem como as conseqüências de uma ação ou omissão. É como se fosse uma capa que paira sobre os ombros daquele que é encarregado de determinado ato que não realiza ou daquele que se omite diante de uma obrigação de fazer. Justamente por ser uma “capa”, a depender da situação, pode ocorrer a mudança de um sujeito para outro. Para o CDC, o conceito interessa basicamente quando há uma infração ou desrespeito a uma norma. O autor do dano deve então responder pelas conseqüências prejudiciais de suas ações. Nas palavras de Maria Helena Diniz7 : “A responsabilidade serviria, portanto, para traduzir a posição daquele que não executou o seu dever”. Em suma, traduz-se na estreita relação entre atos, conseqüências e responsáveis. O art. 927, CC, assim dispõe: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. No caso da Lei Consumeirista, ao dispor sobre responsabilidade nos arts. 12 e ss, o legislador optou pela teoria que dispensa a comprovação de culpa para responsabilizar o fornecedor. Sendo assim, comprovada a participação do fornecedor, o dano e o defeito, o ônus recairá sobre ele. É o que chamamos de responsabilidade objetiva. Note que, assim como nos demais institutos jurídicos, o legislador previu um prazo para que esta responsabilidade fosse questionada e a reparação de danos fosse atribuída a seu responsável. Conforme disposto no art. 27, o prazo é de 5 (cinco) anos contados do conhecimento do dano e de sus autoria. Passado este período, fica afastada a possibilidade do consumidor pleitear seus direitos. Este prazo prescricional não se confunde com os prazos decadenciais previstos no art. 26, CDC: 30 dias para produtos e serviços não duráveis e 90 dias para produtos e serviços duráveis, ambos contados da entrega efetiva do produto ou o término da execução dos serviços. 7 Curso de Direito Civil Brasileiro: v.7: responsabilidade civil. 18ª. ed. rev., aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 39.
  • 19. 19 2.1 Causas excludentes A responsabilidade, porém, não é absoluta e não haverá atribuição de culpa ao fabricante se ele conseguir comprovar que houve uma excludente. Se o fizer, as conseqüências da ação ou omissão não recairão contra si. A doutrina e a jurisprudência não são pacíficas quanto às hipóteses de excludente, vez que alguns doutrinadores elencam outras possibilidades além das legais. Encontramos nos §3º do art. 12 e §3º do art. 14, CDC, as hipóteses legais em que o fornecedor não será responsabilizado quando. Dá-se a excludente quando o fornecedor provar: a) que não colocou o produto no mercado; Seja a que título for, seja gratuito ou não, em caráter definitivo ou teste, o fornecedor responderá pelos danos que o produto vier a causar. Entretanto, esta inclusão do produto no mercado deve, necessariamente, ser voluntária e consciente. Logo, se o produto foi colocado à disposição do público por ter sido roubado ou furtado da empresa, por exemplo, descabe falar em responsabilidade. Em razão do alto índice de desrespeito às normas pertinentes ao direito imaterial, entendemos que também devem ser incluídos nesta excludente os produtos falsificados ou pirateados que trazem a marca da empresa. É clarividente que o empresário jamais desejou participar desta relação de consumo e é estranho a ela. Assim, nas esferas civil e penal quem deve responder pelos defeitos e danos seria somente o vendedor. b) que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; Os pressupostos da indenização nesta esfera advêm da relação entre defeito e dano. Por conseguinte, se inexistir defeito que diminua a quantidade ou qualidade, o que faz desaparecer o dano, não se fala em indenização. Se inexiste defeito, então o dano é conseqüência de sua má utilização, desde que o fornecedor prove, entre outras coisas, que forneceu os devidos esclarecimentos. Fabio Ulhoa Coelho utiliza-se do seguinte exemplo8 : “certo desinfetante pode ser tóxico para pessoas alérgicas. A rigor o produto não apresenta nenhum problema (defeito ou vício), mas apenas produz efeitos nocivos em determinados consumidores”. Prossegue o doutrinador: “não é qualquer característica intrínseca à mercadoria ou ao serviço que irá torná-los mais ou menos seguros, mas sim a suficiência e adequabilidade das informações prestadas pelo fornecedor”. 8 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito da empresa. 18ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 96.
  • 20. 20 Deduz-se que cabe ao fornecedor informar as possíveis reações. No caso de riscos considerados normais e previsíveis (ex: uma faca), não há esta necessidade. c) a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro. Note que o legislador inseriu a expressão exclusiva, que não se confunde com a concorrente, ou seja, aquela que rompe o nexo de ação e reação, desaparecendo a causalidade. Quiçá parte do folclore das faculdades de direito, citemos o exemplo da senhora que teria colocado um gato para secar no forno de microondas, que resultou na sua explosão. Estamos diante de um excludente, vez que o aparelho foi usado pela suposta vítima de forma indevida para fins não recomendados. O mesmo se aplica aos chamados surfistas de trem. O contrato de transporte de passageiros é perfeitamente enquadrado no CDC, recaindo sobre passageiros e transportadora seus direitos e obrigações. Considerando que a empresa espera que o passageiro viaje do lado de dentro do trem, todo aquele que clandestinamente se aventura a viajar do lado de forma está a atrair para si toda e qualquer responsabilidade. O Código de Proteção suscita a dúvida na doutrina sobre a taxatividade das excludentes. Grande parte da doutrina defende a tese de que, assim como em outras situações, aplica- se subsidiariamente o CC. Passemos as teses defendidas: a) culpa concorrente: o julgador pode se valer da culpa concorrente quando a vítima conhecia o eventual defeito do produto e mesmo assim fez uso dele. Em razão de o consumidor ter agido de forma consciente e voluntária, o nexo de causalidade não foi alterado, mas indubitavelmente houve cooperação para a ocorrência do dano. Sobre a culpa concorrente, há dois entendimentos. O primeiro no sentido de mitigar a responsabilidade do fornecedor, pois a própria vítima concorreu para que o resultado ocorresse, e outro no sentido de isentar o fornecedor de qualquer responsabilidade, sob pena de se instituir o enriquecimento ilícito. Possivelmente movido pelo inenarrável espírito paternalista, o magistrado, caso se filie à primeira corrente, poderá mitigar o quanto da indenização por esta intervenção do consumidor. b) caso fortuito e força maior: "a regra no nosso direito é que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil. O CDC não os elenca entre as causas excludentes de responsabilidade, mas também não os nega. Logo, parece-nos que o
  • 21. 21 sistema tradicional não foi afastado neste ponto, mantendo-se então, a capacidade do caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar"9 . E de fato estas hipóteses não poderiam ser descartadas. Conforme o regime constitucional vigente, a proibição somente advém de lei. Na omissão desta, a regra conduz à lícitude. Sobre esta possibilidade, encontramos na doutrina o exemplo da empresa de leite em pó que tem suas embalagens violadas por um maníaco que inclui veneno ao pó. Inegavelmente, estamos diante de um exemplo de culpa de terceiro, mas por ser um acontecimento inevitável e imprevisível, também pode ser classificado como força maior. Outra ilustração se refere à responsabilidade do fornecedor de eletrodoméstico. Contraria o bom senso atribuir-lhe culpa no caso de um raio que gera uma explosão no aparelho e conseqüente incêndio no apartamento. Não há elo entre o efeito e o dano. c) normas imperativas e exercício regular de direito: seguindo a linha majoritária dos exegetas, acreditamos não ser coerente punir o empresário se este agiu exatamente como determina a lei, ainda que ele causa danos ao consumidor. Nos limites estabelecidos em lei, encontramos o exercício regular de direito do credor ver a contraprestação do devedor cumprida. Os eventuais inconvenientes por vezes pleiteados pelos consumidores, v.g., em indenizações por dano moral em razão da cobrança de dívidas, são sem dúvida abrangidos por esta excludente. d) risco do desenvolvimento: inserida nesta gleba de teses não previstas, encontramos a teoria do risco do desenvolvimento (também conhecido pela sua expressão inglesa “development risk”). Nos dizeres de James Marins10 :"(...) consiste na possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo, todavia, que, posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores". Em poucas palavras, representa aquele risco desconhecido mesmo após diversos testes quando o produto foi colocado no mercado. As conseqüências somente foram 9 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Op. cit., p. 67. 10 MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT, 1993, p. 128.
  • 22. 22 conhecidas após um certo período de uso do produto e do serviço, pois a tecnologia da época não possibilitou sua descoberta. Pelo fato de o empresário ter prestado todas as informações de forma adequada e pela impossibilidade da potencialidade dos riscos ter sido antevista, entendemos que esta seria uma causa excludente de responsabilidade, pois ultrapassa a ciência e a pesquisa. Ressalta-se que a infração penal tipificada no art. 64, CDC (“deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado”), não colide com a tese apresentada. Somente se busca punir aquele empresário que descobriu o defeito após a colocação no mercado e se calou. Não é esta a linha que estamos a defender. Ainda que tais fatores não foram prevenidos, afinal eram desconhecidos, o art. 12, § 3o , CDC não adotou a teoria do risco do desenvolvimento como causa eximente de responsabilidade civil. e) previsão contratual: consiste na livre disposição das partes de eximir a outra da responsabilidade de prejuízos decorrentes da obrigação. Os riscos ficam a cargo da vítima. Há grande discussão sobre a validade desta cláusula. Todavia, em respeito ao princípio da autonomia da vontade, excluídas as situações em que houver vício, ilicitude do objeto ou conflito com ordem pública, defendemos sua viabilidade, ainda que contrarie o interesse social.
  • 23. 23 III – PRÁTICAS COMERCIAIS A livre concorrência é mais do que apenas não impedir a abertura de novas empresas ou impedir o surgimento de cartéis. É na verdade permitir que o mercado construa suas próprias regras e somente admitir a intervenção estatal quando houver dano ainda que potencial. A prática comercial é lícita, alimenta o mercado de consumo, divulga bens e serviços e distribui a riqueza. Ao nos depararmos com seu exercício, devemos analisar a abusividade sob a ótica da transparência e liberdade para que se evidencie se realmente há vício. Isso inclui, entre tantas outras, a maneira de expor e negociar um produto ou um serviço, a forma de cobrar uma dívida e a administração dos registros de devedores inadimplentes. O art. 39, talvez a parte mais importante do capítulo V do CDC, tem um rol aberto, pois seria impossível prever todos os abusos que o comerciante pode cometer. Essa é a razão para encontrarmos em seu caput a expressão “dentre outras”. Para que não corramos o risco de mover uma demanda sem pedido ou sem interesse de agir, façamos uma leitura mais ampla das hipóteses previstas no dispositivo mencionado. É o que encontramos, v.g., no inciso I do artigo, que prescreve ser proibido “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. Ao condicionar a venda, o fornecedor retira do consumidor um de seus direitos básicos: a livre escolha, o que torna o negócio anulável11 . Recentemente a maior empresa de computação do mundo sofreu um processo sob a alegação de que estaria a fornecer produtos condicionados a outros. Ocorre que, em razão da tecnologia usada ser de ponta, não há outra empresa que consiga produzir produtos compatíveis. Logo, caso o consumidor compre o computador ‘z’ terá que comprar o programa ‘z’. Caso contrário, seu aparelho não irá funcionar. Em uma simples exegese do inciso lemos que se houver uma justa causa, não é vedada a venda condicionada. O exemplo acima expressa exatamente isto. O que se busca coibir é, por exemplo, a situação em que ‘X’ precisa contratar a abertura de uma conta-corrente, mas para fazê-lo o gerente lhe impõe, como condição a 11 Encontramos igual disposição na resolução BACEN 2878/01: art. 17 - É vedada a contratação de quaisquer operações condicionadas ou vinculadas a realização de outras operações ou a aquisição de outros bens e serviços.
  • 24. 24 contratação de um seguro de vida. Em juízo, ‘X’ pode requerer a declaração de nulidade do contrato de seguro, pois foi contratado em razão de uma venda casada. Sobre este segundo exemplo há ainda divergência quanto à devolução de todos os valores pagos pelo seguro de vida, vez que foi obrigado a assiná-lo. Se o cliente tivesse sofrido algum dano no período assegurado certamente exigiria o recebimento da indenização. Logo, ao rescindi-lo, não seriam devidos os valores do período em que gozou do benefício. Outro inciso muitas vezes mal-interpretado é o III, que se refere ao que denominamos mala direta. Afirma ser vedado “enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço”. Mais adiante no art. 40, parágrafo único, lemos que “os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento”. Daí conclui-se que a abusividade não está em enviar produtos ou fornecer serviços sem que haja solicitação. O problema surge no momento em que o fornecedor tentaria obrigar o consumidor a pagar por ele. Esta sim é a conduta que se visa coibir. A lei equipara este produto ou serviço à amostra grátis, inexistindo obrigação de pagamento por ausência de vontade do cliente. Isto vale para cartões de natal, produtos de estética, revistas periódicas, etc. Entretanto, ao tomarmos como exemplo o envio de um cartão de crédito, vislumbramos uma situação diversa. Aquele que o recebe não está obrigado a pagar a anuidade, mas ao fazer uso dele expressa sua vontade. Neste momento o contrato se perfaz e nasce uma contraprestação, qual seja, o dever de pagar os débitos nos termos do contrato. 3.1 Dano moral na cobrança de dívidas Novamente partindo de uma premissa lícita, o legislador restringe um direito ao descrever seus limites. Da mesma forma que a publicidade, os contratos de adesão e as práticas comerciais, a cobrança de dívidas é lícita e autorizada pelo ordenamento. Não o fosse, por que razão os devedores adimplentes honrariam seus compromissos se não pudessem ser compelidos a fazê-lo? O Código de Proteção do Consumidor não proíbe a cobrança em si, conduta legítima do credor. Ele apenas veda a cobrança vexatória, indevida, abusiva cujos limites estão previstos no art. 160, I do CC/1916, trazidos pelo Novo Código no art. 188, I, que prescreve: “não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.
  • 25. 25 Tal qual no direito constitucional de permanecer calado (art. 5º, LXII, CF), ninguém pode ser punido por exercer um direito, neste caso o de cobrar. A punição só é justa quando fica provado que houve excesso em seu exercício. Rotineiramente nos deparamos com casos de inadimplentes que se sentem ameaçados, constrangidos, com seus direitos violados quando recebem uma comunicação de dívida. As proibições legais referem-se às exposição ao ridículo (ex: recados com colegas de trabalho), constrangimento (ex: aluno ser impedido de fazer prova) e ameaça física ou moral (ex: ver fechado o balão de oxigênio que mantém vivo o paciente sem recursos). As demais formas de cobrança são lícitas e não geram justificativa para reparação por danos morais. Ademais, a mesma Constituição que prima pela proteção do consumidor (art. 5º, XXXII), garante ao fornecedor o direito de ver apreciado pelo Judiciário as demandas que exigem a intervenção estatal (art. 5º, XXXIII e XXXIV). O Diploma Consumeirista, na verdade, apenas exige do credor lisura e discrição. É prudente que antes de iniciar um processo de cobrança, o fornecedor tome alguns cuidados como, por exemplo, não cobrar dívida indevida, sob pena de ter que restituir o valor pago em dobro, com correção e juros, salvo hipótese de engano justificável, v.g., homônimos que fizeram uma compra de valor semelhante no mesmo local. No ato de informar o devedor a existência de débitos, não se admite, v.g., o envio de correspondência com dizeres em vermelho na parte de fora do envelope “cobrança - urgente”. Os demais passos judiciais são públicos e dispensam quaisquer delongas. Uma vez que se tornou inadimplente, o consumidor deu causa à cobrança, tornando-a justa e devida. Uma outra ferramenta colocada à disposição do credor é a inclusão do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito. A depender dos valores da dívida, os efeitos de uma inadimplência podem prejudicar diversas entidades financeiras ou creditícias do mercado. Justamente para evitar este risco, permite-se que a inclusão no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e a SERASA (Centralização dos Serviços dos Bancos). Registre-se que ainda que o devedor ingresse com uma ação judicial e pleiteie em caráter liminar a exclusão de seu nome, o pedido somente será plausível se a ação questionar o valor cobrado tiver lastro em sólida jurisprudência dos tribunais superiores e vier acompanhada do depósito do valor considerado incontroverso. Este entendimento vem acompanhado da majoritária jurisprudência, a saber: “EMENTA: Civil. Serviços de proteção ao crédito. Registro no rol de devedores. Hipóteses de impedimento. A recente orientação da Segunda Seção
  • 26. 26 desta Corte acerca dos juros remuneratórios e da comissão de permanência (Resp’s nº 271.214-RS, 407.97-RS e 420.111-RS), e a relativa freqüência com que devedores de quantias elevadas buscam, abusivamente, impedir o registro de seus nomes nos cadastros restritivos de crédito só e só por terem ajuizado ação revisional de seus débitos, sem nada pagar ou depositar, recomendam que esse impedimento deve ser aplicado com cautela, segundo prudente exame do juiz, atendendo-se às peculiaridades de cada caso. Para tanto, deve-se ter necessária e concomitantemente, a presença desses três elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado. Código de Defesa do Consumidor veio amparar o hipossuficiente, em defesa de seus direitos, não servindo, contudo, de escudo para perpetuação de dívidas. Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido”. E justamente por ser um direito do credor, é infundada a tese de indenização por danos morais. Como dissemos, é o exercício regular de seu direito. Faz-se mister transcrever o entendimento já pacificado nos tribunais pátrios: “INDENIZAÇÃO –Dano moral – inadimplência – execução – ato ilícito. A execução de título vencido e a denúncia ao serviço de proteção ao crédito constituem exercício regular de direito do credor, o que obsta a propositura de pedido reparatório, já que não há ato ilícito. TAMG, Ap. Civ.nº 126.630-0, 4ª Câm.Cív., Rel. Juiz Ferreira Esteves, ac. Unânime de 13.5.92, in JUIS – Jurisprudência Informatizada Saraiva, CD-Rom nº 9 – 3º trimestre/97”. A palavra indenizar deriva do latim “dene”. Busca restaurar a situação ao momento anterior ao ato ilícito, ao dano. Como não se pode voltar no tempo, compensa-se a ofensa por dinheiro. Contudo, se não houve ato ilícito, não há o que ser compensado, indenizado.
  • 27. 27 IV – CONTRATOS Segundo a doutrina mais clássica, contrato é acordo de vontade. Nas palavras de Aurélio Buarque de Holanda, “é o acordo entre duas ou mais pessoas que entre si transferem direito ou se sujeitam a uma obrigação”. As pessoas se obrigam a cumprir uma determinada ação ou omissão em razão de lei ou de contrato. Aqui se incluem os contratos de adesão e, assim como os demais, depois de acordado, resulta em ato jurídico perfeito. Na hipótese de uma das partes discordar das condições oferecidas pela outra parte, cabe àquela não aceitá-las. Afinal, ninguém está obrigado a contratar. A Carta Maior é taxativa neste sentido ao incluir no rol do art. 5º, XX, que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado” e art. 8º, V, “filiar-se ou manter-se filiado”. Valemos-nos de simples analogia para corroborar o raciocínio exposto. Todavia, o que a lei, o Direito e a sociedade não podem conceber é a instabilidade de um acordo em que o consumidor solicita os serviços de uma empresa, por entender que eles são interessantes, cômodos e viáveis e, após receber a prestação, questionar a validade da contraprestação. Isso seria admitir e oficializar o enriquecimento ilícito, ou seja, o acréscimo de bens em detrimento de outrem sem que haja fundamento jurídico. Em que pese alguns juristas defenderem a idéia de que a Teoria da Imprevisão (a ser abordada neste capítulo) se contrapõe à obrigatoriedade do contrato firmado e daria lastro aos direitos do consumidor, tais como a revisão, entendemos que ela na verdade somente confirma a sua responsabilidade. Não seria justo que o consumidor se vinculasse a um contrato que não assinou, seja pela alteração de cláusulas e índices, seja pela alteração da situação em que foi formalizado. Ele somente se vincula àquele que desejou. Logo, caso não haja qualquer destas situações e o contrato seja executado exatamente nos moldes iniciais, não há que se falar em alteração. Talvez o tipo de contrato mais discutido sobre sua obrigatoriedade, descumprimento de seus termos e abusividade é o descrito no art. 54 e §§, CDC. Diz a lei: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
  • 28. 28 Em suma, contrato de adesão é aquele cuja elaboração das cláusulas compete à apenas uma das partes. A outra somente o assina e, ao fazê-lo, demonstra sua vontade e ratifica o ato. Entendemos que se esta espécie de contrato fosse ilegal, o legislador teria prescrito. Se não o fez, presume-se legal. As partes o assinam e após sua celebração estão vinculas a ele, somente se excepcionando se for comprovado que houve alguma espécie de vício: erro, dolo, coação, lesão, fraude, etc. Esta obrigatoriedade irreversível em razão da palavra dada é traduzida na máxima latina “pacta sunt servanda” – o contrato faz lei entre as partes. Sua revisão por meio de um processo judicial é um contra-senso, vez que sua adesão foi de livre e espontânea vontade. Por esta razão o pedido de revisão carece de interesse processual. A título de exemplo, verifiquemos um contrato de arrendamento mercantil (“leasing”). O consumidor escolhe o carro, procura uma instituição financeira e o indica para a arrendante (banco). Este lhe oferece as condições, tais como valores e datas de pagamento para a contraprestação. O cliente analisa e aceita, retira o carro e o mantém em posse direta, enquanto o banco detém a propriedade e a posse indireta. Teria sido a vontade do legislador dar a este consumidor o direito de obter uma liminar para discutir judicialmente a validade deste contrato, para não pagar as parcelas até que haja transito em julgado? Enquanto isso, como fica o crédito e o capital disponibilizado pelo banco? O Código Civil não isenta o consumir de agir de forma correta, senão vejamos: “Art. 422, CC. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Nesse sentido decide a jurisprudência: “CONTRATO – Cláusulas contratuais – Pedido judicial para modificação de seu conteúdo – Inadmissibilidade – Justificação da Intervenção Judicial para decretação da nulidade ou resolução da avenca. O princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa impossibilidade de revisão pelo juiz, ou de liberação por ato seu. As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes. Se ocorrerem motivos que justificam a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação de seu conteúdo. (RT 714/163)” Soma-se ainda o disposto no art. 51, incisos X e XIII, que considera nulas as cláusulas que “permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral” ou que “autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração”. A contrário senso, as tentativas de alteração unilaterais por parte do consumidor também devem ser consideradas nulas.
  • 29. 29 As hipóteses de excepcionar o “pacta sunt servanda” não podem ser banalizadas. Parece-nos que não foi essa a intenção do legislador. Admitir esta alteração unilateral infundada é rasgar todo o Diploma Consumeirista e sobretudo distorcer o princípio regulador do código, qual seja, a boa-fé. 4.1 A validade do “pacta sunt servanda” e a teoria da imprevisão O“pacta sunt servanda” é um marco regulador das relações contratuais. Se por um lado ele somente atinge os contratantes, por outro ele cria uma obrigação que vale como lei para as partes. Este conceito é refletido no princípio de que o contrato é intangível, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa de caso fortuito ou força maior. Leciona Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro12 : “Fora dessas hipóteses, ter-se-á a intangibilidade contratual. Esse princípio da força obrigatória funda-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, desde que estipulado validamente (RT 543:243; 498:93), com observância dos requisitos legais. Se os contratantes ajustarem os termos do negócio, não se poderá alterar seu conteúdo, nem mesmo judicialmente, qualquer que seja o motivo alegado por uma das partes, e o inadimplemento do avençado autoriza o credor a executar o patrimônio do devedor por meio do poder judiciário, deste que não tenha havido força maior ou caso fortuito”. Segundo Orlando Gomes13 , o direito contratual deve ser visto à luz de quatro princípios: autonomia da vontade, consensualismo, força obrigatória e boa-fé. Se os contratantes aceitaram livremente as condições, ainda que desvantajosas, não cabe ao Judiciário a libertação desta obrigação. A liberdade na contratação na forma de contratação é elemento essencial, com mais importância quando nos deparamos com relações particulares. Assevera o criador do projeto do CC de 1916: “O modo, pelo qual se manifestam as partes não tem forma rigorosa, em geral. Qualquer que seja a forma, o contrato gera obrigações salvo se a lei exige forma especial, ou as partes convencionam estabelecê-la. A manifestação da vontade pode ser tácita, quando a lei não exige que seja expressa. A expressão poderá constar de algum escrito, de palavra oral ou de gesto. Qualquer porém, que seja o modo de manifestar a vontade, nos contratos, deve ser inequívoco. O consentimento não se presume. É tácito, quando se induz, claramente, de atos que não seriam praticados, sem o ânimo de aceitar a situação criada pelo contrato” (Clóvis Beviláqua - Código Civil dos Estados Unidos do Brasil). 12 Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º volume, 8ª ed. aum. e atual, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 57. 13 Contratos, 7ª ed. São Paulo: Forense, p.144
  • 30. 30 As cláusulas estão para o contrato como os parágrafos estão para a lei. As partes devem honrar com sua obrigação exatamente da maneira como foi acordado. Justamente para que o fornecedor, dito parte mais forte na relação, não obtivesse vantagem sobre o consumidor, o legislador descreveu como nulas as cláusulas que: “Art. 51 - XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração.” Se a alteração unilateral é nula para o fornecedor, também o é para o consumidor. Qualquer modificação deve passar pela manifestação volitiva das partes para que possa integrar o contrato, sob pena de ser uma alteração arbitrária. A atribuição típica do Poder Legislativo é criar normas, ao passo que a do Poder Judiciário é executá-las. Para que se possa garantir a segurança jurídica das relações comerciais de maneira séria e equilibrada, faz-se mister que estas parcelas do Poder coexistam de forma pacífica. Os magistrados não devem ignorar os contratos celebrados conforme a lei vigente. Certamente haverá prejuízo na confiança e na expectativa do meio social. Diante deste quadro, qual seria a aplicação da relativização do “pacta sunt servanda”? A resposta inicia no estudo do art. 104, CC, que dispõe: “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.” Se houver desrespeito a estes elementos, o contrato não irá gerar efeito para as partes, independentemente do que foi acordado. Neste ponto se enquadram, por exemplo, os contratos celebrados com menores de idade, aqueles que tenham como objeto substâncias entorpecentes ou que negociem herança de pessoas vivas. Também não obrigará os contratantes aquelas obrigações que forem alteradas por razões externas a ponto de torná-las inviáveis. Esta correção é um direito básico do consumidor previsto no art. 6º, V, CDC, a saber: “V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. Encontramos na doutrina o exemplo dos contratos celebrados na década de 90 que tinham como lastro a moeda americana. A variação ocorria em razão do dólar. Em janeiro, v.g., o consumidor pagava R$ 300,00 (o equivalente a U$ 100,00). No mês
  • 31. 31 seguinte poderia pagar R$ 290,00 ou R$ 310,00. A oscilação respeitava uma margem admissível. Devido a fatores político-econômicos, em menos de 24 horas, o dólar aumentou de R$ 1,00 para R$ 2,00, o que fez com que milhares de pessoas tivessem seu orçamento absolutamente prejudicado. Não é plausível exigir de alguém que pagava sua contraprestação entre R$ 290,00 e R$ 310,00, passar a pagar no mês seguinte R$ 600,00, ou seja, o dobro. Para garantir os interesses coletivos14, o Ministério Público e o Poder Judiciário relativizaram as conseqüências geradas nestas obrigações. Todos os envolvidos se beneficiaram: os bancos não ficaram à mercê de inadimplentes e da enxurrada de mandados de segurança e liminares, os consumidores puderam cumprir com suas obrigações e o Estado interveio para garantir a segurança jurídica necessária. Note que a variação mencionada acima estava prevista no contrato e foi aceita pelas partes. Em um mês o cliente bancário lucrava R$ 10,00 e no outro quem lucrava era o banco. A relativização se faz necessária quando ocorram “fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. Foi o que houve. Uma outra situação em que o legislador suavizou a maneira de cumprir com o compromisso é a descrita no art. 46, CC. Prescreve a lei: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Nas duas hipóteses citadas acima, a não obrigatoriedade do consumidor advém da má-fé do fornecedor que por alguma razão tenta tirar proveito ilícito da relação. Logo, ainda que tenhamos um contrato válido, o consumidor somente estará obrigado a responder pela parte lícita ou pela que teve conhecimento e anuiu. 14 Interesses ou direitos coletivos são os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, II do CDC). A lei indica como titulares desses interesses ou direitos coletivos pessoais determináveis. Isto quer dizer que as pessoas podem até não ser determinadas em um dado momento, mas existe a possibilidade de serem. Não é como nos direitos difusos, que como acabamos de estudar, esta possibilidade de identificação, ainda que “a posteriori”, inexiste. Estas pessoas estão solidariamente relacionadas por um liame, uma ligação, de ordem formal, jurídica. É a chamada relação jurídica base. Elas estão ligadas entre si ou com a parte contrária, como veremos logo a seguir. A situação a que estas pessoas estão expostas é indivisível, é coesa, ou seja, o resultado será igual para todo o grupo.
  • 32. 32 Este é o alcance da relativização do “pacta sunt servanda”. Se não houve boa-fé de uma das partes ou se não se respeitou a lei, o contrato não obriga as partes. Contudo, fora estas hipóteses, a revisão contratual imposta por uma das partes traduz-se em abusividade. A obtenção do lucro é absolutamente legal e inerente à atividade comercial. Por esta razão que os bancos entregam um valor e recebem outro maior. Essa diferença é o próprio espírito da atividade creditícia e a revisão, por vezes requerida pelo particular e concedida pelo Judiciário, vai de encontro a esta lógica, criando enormes prejuízos à economia e à sociedade. Diferentemente do exemplo mencionado acima, muito se discute sobre o reajuste sobre os valores de planos de saúde frente o estatuto do idoso (Lei 10.741/03). Alguns consumidores pleiteiam isenção do reajuste da mensalidade de cerca de até 185% do contrato firmado após o cliente completar 60 anos. Note que a cláusula que prevê esta alteração está expressa no contrato. Seu termo não deve ser visto como fato superveniente, pois de fato não é. Em recentes julgamentos, os ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros defenderam esta posição. Os contratos desta natureza são de risco e este deve ser suportado pelas partes de igual maneira. Cabe ao consumidor pagar e dispor (usando ou não) dos serviços de saúde, ao passo que a empresa vê aumentados os seus custos e recair sobre si o ônus de manter inalterada a prestação do serviço. Neste sentido têm decidido os tribunais pátrios: “(...) Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei (retroativa mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva (...) - (STF – ADI 493 – DF Tribunal Pleno – Rel. Min. Moreira Alves – Publ. em 4-9-92)” “ESTATUTO DO IDOSO – EFEITOS RETROATIVOS – IMPOSSIBILIDADE. Os reajustes das mensalidades do plano de saúde, em razão de mudança de faixa etária, desde que expresso no contrato, não configuram abusividade, nos termos da Lei nº 9.656/98. Não verificada abusividade ou ilegalidade da cláusula de reajuste por faixa etária, os pedidos anulatório e consignatório devem ser julgados improcedentes. O Estatuto do Idoso não pode produzir efeitos retroativos para alcançar situação já consolidada sob a égide de uma ordem jurídica anterior. (TJ – MG – Ap.Civ. 1.0024.04.261889-2/002 – 14ª Câm.Civ. - Rel. Des. Renato Martins Jacob – Publ. em 30-3-20007)” As empresas questionam a validade da revisão, face o disposto no art. 6º da LICC, diante do princípio da retroatividade das normas, e art. 15 da lei 9.656/98 c/c art. 1º da Resolução 6/98 do CONSU, vez que os reajustes estavam previstos.
  • 33. 33 Esta alteração unilateral requerida pelo consumidor é arbitrária e fere o ato jurídico perfeito e o negócio jurídico, pois, por amor ao argumento, ainda que houvesse qualquer correção a ser feita, os contratos foram celebrados nos termos da legislação vigente e a esta ordem jurídica é que eles devem respeito.
  • 34. 34 V – A NOVA EMPRESARIALIDADE 5.1 O CDC à luz da nova empresarialidade Das lições recebidas do professor Adalberto Simão Filho15 notamos que houve uma sensível mudança na maneira como a atividade empresarial deve (ou deveria) ser vista. Em uma análise que ultrapassa as linhas frias da lei, vislumbramos na expressão “empresarialidade” a atividade empresarial em movimento. Ao mesmo tempo em que a empresa atrai para si a responsabilidade de seus atos perante terceiros, sua atividade gera renda para si e para outros, diversos negócios são feitos em razão de sua existência e não só o empresário, mas toda a comunidade ganha com o comércio desenvolvido. Em um simples paralelo com o Direito Trabalhista, valemos-nos dos dizeres de Cássio Mesquita de Barros, que comenta sobre a visão equivocada de parte da magistratura16 : “O juiz trabalhista é rígido na aplicação da lei e quer dar razão ao reclamante de qualquer jeito. Vê um sujeito poderoso e diz: 'Esse tem que pagar'”. Esta postura que anteriormente classificamos de extremamente protecionista, vem na contramão da justiça (do latim “juris dicta” – dizer o direito) e retira da relação justamente aquilo que se propõe: a imparcialidade e o equilíbrio. A Carta Magna de 1988 trouxe alguns aspectos subjetivos sobre a propriedade, cujo conceito é refletido nos estudos de Roberto Senise Lisboa, que leciona: “... a propriedade, inclusive a empresarial, deverá realmente atender a sua função social, sendo exercida a atividade de fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo em um sistema econômico no qual prevalece a livre concorrência sem o abuso da posição dominante de mercado, proporcionado-se meios para a efetiva defesa do consumidor e a redução das diligências sociais”17 . Sob pena de se tornar um país demasiadamente intervencionista, a Constituição prevê a livre concorrência no mesmo ato em que impede que o empresário utilize sua propriedade de maneira maléfica. Nesta inclusão no ordenamento jurídico, o constituinte reconheceu a importância da atividade para toda a população local. Em que pese o lucro estar associado à empresarialidade, a finalidade maior que se busca é a da atividade econômica de 15 Dir.: Curso de Dir. Cent. Univ. Fac. Metrop. Unidas – UniFMU, São Paulo, a.17, 2003, passim. 16 Revista Visão Jurídica n 27, ISSN 1809-7170, p. 10. 17 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.16.
  • 35. 35 maneira organizada. Frise-se que ainda que a finalidade fosse o lucro em si, não haveria irregularidade alguma, haja vista não se tratar de uma atividade vedada. Da mesma forma que os diplomas modernos são dotados de aspectos humanísticos, cabe uma interpretação mais ampla do CDC, sob pena de inviabilizar a atividade comercial. Esta compreensão tem reflexos quando nos deparamos com a idéia preconcebida da hipersuficiência do fornecedor, que, por vezes, gera indenizações demasiadamente desproporcionais e incompatíveis com o mercado. Das lições de Alfredo Rocco extraímos que o estabelecimento comercial não se limita a uma simples soma do capital e trabalho, mas sim da soma capital e trabalho com a finalidade produtiva. Afirma o autor18 que “a organização dos vários elementos da produção atinge um certo grau de eficiência, o valor do complexo organizado é superior ao da soma dos diferentes elementos que o compõem”. Entre estes elementos encontramos os bens incorpóreos (marca, sinais, direito ao ponto, serviços prestados), aviamento19 , clientela, nome, reputação, etc. Muito embora esses elementos não possam ser expressos em números, ao medirmos a dimensão da empresa, certamente eles estão incluídos. O mesmo se dá com o passivo. Ocorre que, ao decidir pelo pedido por vezes infundado e desmedido feito pelo consumidor em juízo, o magistrado não considera o que é patrimônio, o que é líquido e qual dimensão do dano. Simplesmente soma os valores apresentamos, os confronta com a dimensão conhecida da empresa e, distanciando-se de sua função típica ao se esquivar da possibilidade de flexibilização da norma, presenteia particulares com indenizações volumosas. Esse seria o objetivo da norma? O protecionismo do Diploma em estudo não pode desconsiderar os princípios éticos, de boa-fé e de bons costumes, quiçá mais subjetivos, mas não menos importantes. O mesmo se dá quando indagamos sobre a possibilidade de se pedir indenização de um ato de ente público. Ora, se o ato foi da entidade, não é plausível que toda a sociedade seja punida. Afinal, o dinheiro que o ofendido receberá advém dos cofres públicos. Ademais, se o dano foi causado por ato do administrador enquanto pessoa, a disciplina deveria recair sobre este e não sobre a sociedade. Frise-se que não estamos a defender a deturpada tese da desconsideração da personalidade jurídica, que por sinal nos opomos. Diversos são os casos em que esta matéria é levantada como preliminar. O legislador foi claro ao prever as suas hipóteses, quais sejam, quando houver abuso de direito, excesso 18 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Campinas, LZN, 2003. p.310. 19 Aviamento é a aptidão para a lucratividade que é gerada pela organização pontual do complexo de bens materiais e imateriais e dos fatores de produção pelo empresário.
  • 36. 36 de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social ou falência. Na ausência destas hipóteses, o afastamento da personalidade jurídica é indevido. A discussão que se busca provocar refere-se ao nascimento da política do dano moral amplamente difundida na América do Norte. Já se pagou indenizações para um assaltante que pulou o muro da casa e bateu a cabeça no chão em razão de não haver piso antiderrapante, também para a para-normal que perdeu seus poderes em um exame de raio-x em uma clínica médica, entre outros absurdos. Se houve crime, que o Judiciário aplique a pena ao culpado; se houve infração administrativa, que se proteja a sociedade de eventuais danos futuros; se houve dano material, que se corrija os efeitos do ato. Porém a sociedade brasileira deve refletir sobre a forma equivocada que o fornecedor ainda é visto. Debrucemos-nos por um instante sobre o conceito de indenizar. Do latim “dene”, o instituto traz a idéia de reparar a situação ao momento anterior ao dano. Todavia, a culpa presumida que acompanha o fornecedor por vezes dá ao consumidor um direito que ele não tinha ou o coloca em clara oportunidade de enriquecimento sem causa. 5.2 A valoração da ética e da moral Com maestria e em poucas linhas Renato Nalini define ética como “a ciência do comportamento moral dos homens na sociedade”20 . Ao discorrer sobre o tema, o jurista Brito Filomeno traz à baila: “a preocupação com a Ética, seja em sua conotação filosóficos-social, seja profissional, deve permear e delimitar os objetivos globais e parciais de um programa de marketing social de forma que, entre os instrumentos adequados, possa encontrar-se a constante informação sobre a empresa”21 . Uma prova de que o legislador primou pelo respeito à dinamicidade das relações é o chamado “recall”. Se para o consumidor ele é um direito, para o fornecedor trata-se de uma oportunidade de corrigir eventuais desconformidades, manter a qualidade de seus produtos e serviços, ratificar sua imagem e marketing e, claro, garantir a segurança do negócio jurídico. 20 Ética geral e profissional, 3ª ed. São Paulo: RT, 2001, p.36. 21 FILOMENO, José Gerado Brito. Op.cit., p. 38.
  • 37. 37 Dentro deste conceito denominado Nova Empresarialidade, a falta de ética, a despreocupação com o meio ambiente e com a imagem da empresa são exceções. O empresário competente, comparado ao bom pai de família (“bonus pater familiae”), não pode ser equiparado ao mero comerciante de não prima pelo desenvolvimento social e finge desconhecer sua função social. Nas palavras de Javier Fernandez Merino encontramos que: “la empresa es el elemento fundamental de la economia moderna, al haberse convertido em instrumento imprescindible para la realización de las actividades mercantiles e industriais em masa o em serie. La empresa es um elemento de la organización económica sometida a um régimen jurídico integrado por várias disciplinas (laboral, hipotecario, fiscal, etc).22 ” Fatos recentes como o desmoronamento de um prédio no Rio de Janeiro em 1998 (no qual se usou areia da praia), o rompimento do piso nas obras da estação de metro Pinheiros em São Paulo (no qual se suspeita que houve supressão dos critérios de segurança em nome de uma pressa por fatores políticos) e a fraude nos prédios prometidos e pagos que não foram construídos na capital paulista, não devem cair no esquecimento na nação. Aquele fornecedor de produtos e prestador de serviços que tenta esquivar-se do ônus que lhe compete e pratica atrocidades sociais deve ser punido severamente. Essa é a justiça que se busca. Em contrapartida, a empresa que celebra um contrato com um particular, expõe todos os fatores, obrigações e contraprestações, fornece uma via dos termos e vê sua proposta ser ratificada pelo consumidor, não pode ficar ao acaso e aos desmandos do Judiciário. Tal qual a ética nas relações particulares, o respeito pelo ato jurídico perfeito válido e desprovido de vício, deve ter suas exceções reduzidas ao limite plausível. Do contrário, todos os negócios jurídicos dependerão de homologação judicial para se ter validade, o que geraria prejuízos para o comércio e a sociedade. 22 apud MERINO, Javier Fernandez. “Temas de derecho mercantil”, Madrid: Dykinson, 1997, p.35.
  • 38. 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS A realidade mudou. O consumidor conhece e exige seus direitos. O empresário já não comete erros primários, não se sujeita a qualquer irregularidade em nome do lucro e respeita a sociedade, o meio ambiente e o consumidor. Nessa nova ótica, o Judiciário deve dar à empresa o valor que de fato tem, sob pena de colocar toda a sociedade em risco. A expressão efeito dominó se faz mais clara no exemplo de uma empresa tabagista que é condenada a pagar uma indenização milionária, mesmo tendo apresentado todos os riscos normais do consumo do produto. A depender do valor da condenação e da situação financeira da empresa que, frise-se, cumpriu com sua obrigação legal, pode haver a falência. Neste quadro, o empresário vê seu negócio descarrilar, o comércio vinculado a ele segue no mesmo sentido, seus vendedores não tem para onde destinar o estoque, os empregados são demitidos, etc. Os fatos exigem de nós uma visão macro. Com a realidade trazida pela função social da empresa, o lucro deixou de ser o único elemento norteador, que, aliás, é sensivelmente maior quando o empresário agrega atividades sociais, culturais e outras relacionadas ao meio ambiente. Por todo o estudo apresentado, concluímos que a compreensão sobre o princípio da boa- fé objetiva deve permear toda e qualquer relação contratual. Este é o padrão de conduta que se espera dos contratantes. O respeito à ordem jurídica se dá quando as partes negociam pensando no outro lado da relação como um parceiro, que da mesma forma se esquiva de atos não leais, abusivos e que possibilitem desvantagens excessivas. Logo, aquele que violar a boa-fé objetiva (o padrão de comportamento esperado pelo parceiro contratual) ou qualquer um dos deveres anexos ao contrato criados por ela (dever de cuidado, de cooperação e de informação), está atuando com abusividade, seja ele consumidor ou fornecedor. Concluindo o raciocínio, sem a pretensão de esgotar a matéria, mas apenas no desejo de somar elementos para a discussão, acreditamos ter conseguido dar nossa contribuição para uma mais ampla compreensão sobre o tema. Quiçá a nomenclatura mais correta seria Código de Defesa da Relação de Consumo.
  • 39. 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito da empresa. 18 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. COSTA, Wagner Veneziani. Dicionário Jurídico. São Paulo: WWC, 2003. CRETELLA, José Junior; et.al. Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1992. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: v.7: responsabilidade civil. 18 ed. rev., aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. __________________. Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º volume, 8 ed. aum. e atual, São Paulo: Saraiva, 1993. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. FILOMENO, José Gerado Brito. Manual de direitos do consumidor. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2007. GOMES, Orlando. Contratos, 7 ed. São Paulo: Forense, 2002. GRINOVER, Ada Pelegrini e outros autores. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT, 1993. MERINO, Javier Fernandez. “Temas de derecho mercantil”, Madrid: Dykinson, 1997. NALINI, José Renato. Ética geral e profissional, 3 ed. São Paulo: RT, 2001. Revista Visão Jurídica n 27, ISSN 1809-7170, São Paulo, 2008. ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Campinas, LZN, 2003. SIMÃO, Adalberto Filho: Dir.: Curso de Dir. Cent. Univ. Fac. Metrop. Unidas – UniFMU, São Paulo, a.17, 2003.