1. BRAZILIAN JOURNAL OF RHEUMATOLOGY
REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA
Official Organ of Brazilian Society of Rheumatology
Órgão Oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia
SEPTEMBER/OCTOBER 2011 • VOLUME 51 • NUMBER 5
SETEMBRO/OUTUBRO 2011 • VOLUME 51 • NÚMERO 5
ISSN: 0482-5004
EDITORIAL | EDITORIAL
408 Lupus clinical trials: medication failure or failure in study design
410 Estudo clínico em lúpus: falha na medicação ou falha no desenho do estudo
Morton Aaron Scheinberg
ORIGINAL ARTICLE | ARTIGO ORIGINAL
412 IgA nephropathy in patients with spondyloarthritis followed-up at
the Rheumatology Service of Hospital das Clínicas/UFMG
417 Nefropatia por IgA em portadores de espondiloartrites acompanhados
no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG
Daniela Castelo Azevedo, Gilda Aparecida Ferreira, Marco Antônio P. Carvalho
423 Prevalence of clinical and laboratory manifestations and
comorbidities in polymyositis according to gender
428 Prevalência de manifestações clínico-laboratoriais e
comorbidades na polimiosite segundo o gênero
Fernando Henrique Carlos de Souza, Maurício Levy-Neto, Samuel Katsuyuki Shinjo
434 Immediate effect of the elastic knee sleeve use on individuals with osteoarthritis
440 Efeito imediato da utilização da joelheira elástica em indivíduos com osteoartrite
Flavio Fernandes Bryk, Julio Fernandes de Jesus, Thiago Yukio Fukuda,
Esdras Gonçalves Moreira, Freddy Beretta Marcondes, Marcio Guimarães dos Santos
447 Correlation of fatigue with pain and disability in rheumatoid
arthritis and osteoarthritis, respectively
451 Correlação de fadiga com dor e incapacidade na artrite
reumatoide e na osteoartrite, respectivamente
Gilberto Santos Novaes, Mariana Ortega Perez, Maria Beatriz Bray Beraldo,
Camila Rodrigues Costa Pinto, Reinaldo José Gianini
2. 456 Prolactin, estradiol and anticardiolipin antibodies in premenopausal
women with systemic lupus erythematosus: a pilot study
460 Prolactina, estradiol e anticorpos anticardiolipina em amostra de mulheres
pré-menopáusicas com lúpus eritematoso sistêmico: estudo-piloto
Fabiane Tiskievicz, Elaine S. Mallmann, João C. T. Brenol, Ricardo M. Xavier, Poli Mara Spritzer
465 Study of the frequency of HLA-DRB1 alleles in Brazilian
patients with rheumatoid arthritis
474 Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em
pacientes brasileiros com artrite reumatoide
Magali Justina Gómez Usnayo, Luis Eduardo Coelho Andrade, Renata Triguenho Alarcon, Juliana Cardoso Oliveira,
Gustavo Milson Fabrício Silva, Izidro Bendet, Rufus Burlingame, Luis Cristóvão Porto, Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro
REVIEW ARTICLE | ARTIGO DE REVISÃO
484 Therapeutic effects of exercise training in patients
with pediatric rheumatic diseases
490 Efeitos terapêuticos do treinamento físico em pacientes
com doenças reumatológicas pediátricas
Bruno Gualano, Ana Lúcia de Sá Pinto, Maria Beatriz Perondi, Hamilton Roschel,
Adriana Maluf Elias Sallum, Ana Paula Tanaka Hayashi, Marina Yazigi Solis, Clóvis Artur Silva
497 Expression of complement regulatory proteins CD55,
CD59, CD35, and CD46 in rheumatoid arthritis
503 Expressão de proteínas reguladoras do complemento CD55,
CD59, CD35 e CD46 na artrite reumatoide
Amanda Kirchner Piccoli, Ana Paula Alegretti, Laiana Schneider, Priscila Schmidt Lora, Ricardo Machado Xavier
CASE REPORT | RELATO DE CASO
511 Phlegmasia cerulea dolens in patient with systemic lupus
erythematosus in the remote postpartum period
514 Flegmasia cerúlea dolens em paciente com lúpus
eritematoso sistêmico no puerpério remoto
José Marques Filho
517 Septic arthritis due to Streptococcus bovis in a patient with liver cirrhosis
due to hepatitis C virus – case report and literature review
520 Artrite séptica por Streptococcus bovis em paciente com cirrose hepática
devido ao vírus da hepatite C – relato de caso e revisão de literatura
Ernesto Dallaverde Neto
524 Takayasu's arteritis in children and adolescents: report of three cases
527 Arterite de Takayasu na infância e na adolescência: relato de três casos
Ana Karina Soares Nascif, Marcelo Delboni Lemos, Norma Suely Oliveira,
Paula Campos Perim, Ana Costa Cordeiro, Mariana Quintino
LETTER TO THE EDITORS | CARTA AOS EDITORES
531 The presence of the Brazilian rheumatology in the GRAPPA
533 A presença da reumatologia brasileira no GRAPPA (Group for
Research and Assessment of Psoriasis and Psoriatic Arthritis)
Cláudia Goldenstein-Schainberg, Roberto Ranza, Rubens Bonfiglioli, Sueli Carneiro,
Valderilio F. Azevedo, José Goldenberg, Morton Scheinberg
4. EDITORIAL
definição de melhora dos desfechos usada em estudos de- auxiliar na discriminação entre falha medicamentosa e falha
veria ser aceita universalmente como a melhor disponível. no desenho do estudo.
Controvérsias em torno do uso do índice BILAG baseiam-se
Morton Aaron Scheinberg, PhD
em uma abordagem de intenção de tratar de acordo com
uma extensa série de critérios para classificar pacientes com Clínico e Reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein
Diretor científico e Coordenador de Pesquisa Clínica do
manifestações de LES surgindo em diferentes sistemas de Hospital Abreu Sodré – AACD
órgãos. Há limitações com o uso do índice BILAG isolado; Professor Llivre-Docente em Imunologia pela Universidade de São Paulo – USP
PhD em Imunologia pela Universidade de Boston
por exemplo, o uso de BILAG B como medida de desfecho
de atividade lúpica deveria ser considerado simultaneamente
REFERENCES
ao uso de outros índices.2 REFERÊNCIAS
1. Merrill JT, Burgos-Vargas R, Westhovens R, Chalmers A, D’Cruz D,
Wallace DJ et al. The efficacy and safety of abatacept in patients with
CONCLUSÕES non-life-threatening manifestations of systemic lupus erythematosus:
results of a twelve-month, multicenter, exploratory, phase IIb,
Considerando-se o sucesso dos estudos sobre artrite reuma-
randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Arthritis Rheum
toide (AR), seria de se esperar que o mesmo acontecesse com 2010; 62(10):3077-87.
o LES, mas isso não se mostrou verdadeiro. Espera-se que 2. Peirce A, Lipsky P, Schwartz BD. Mitigate Risk and Increase Success
possamos aprender com os nossos erros atuais e criar novos of Lupus Clinical Trials - Design strategies from a Lupus Research
e diferentes elementos de desenho clínico, assim como que Institute conference. The Rheumatologist, August 2010. Available
from: www.the-rheumatologist.org/details/article/863303/Mitigate_
as considerações aqui esboçadas para estudos futuros possam Risk_and_Increase_Success_of_Lupus_Clinical_Trials.html.
Rev Bras Reumatol 2011;51(5):408-411 411
6. Azevedo et al.
pode ser ou não acompanhada de outros sintomas ou sinais of High Blood Pressure – JNC VII,24 e insuficiência renal
clínicos.18 crônica (IRC), definida como a fração de filtração glomerular
Diante dessas constatações, pretende-se estudar a prevalên- menor que 60 mL/min/1,73 m² por três meses ou mais. Outras
cia das GNF nos pacientes acometidos por EPA acompanha- comorbidades relevantes descritas em prontuário médico
dos no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da também foram consideradas.
Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), além de Biópsia renal guiada por ultrassom foi indicada para os
tentar correlacionar a presença da mesma com o tempo de do- pacientes em que a hematúria foi confirmada pelo exame do
ença, com as características e com o grau de atividade das EPA. sedimento urinário e sugeriu origem glomerular (cilindros
hemáticos e/ou 80% ou mais das hemácias dismórficas) e/ou
encontrou-se proteinúria isolada maior que 3,5 g na urina de
PACIENTES E MÉTODOS
24 horas, já que essa é definida como proteinúria nefrótica e
Foram avaliados pacientes com EPA segundo os critérios indica fortemente a presença de glomerulopatia.18
do Grupo Europeu para o Estudo das Espondiloartropatias,1 A biópsia renal foi contraindicada nos pacientes com
maiores de 18 anos de idade, acompanhados no Ambulatório diátese hemorrágica incorrigível, rins menores que 9 cm ao
de Espondiloartrites do Serviço de Reumatologia do HC/ ultrassom de vias urinárias, HAS grave a despeito do uso de
UFMG há pelo menos um ano, durante o período de setem- anti-hipertensivos, cistos renais bilaterais e múltiplos, neopla-
bro de 2007 a fevereiro de 2009. Nesse ambulatório é praxe sia renal, hidronefrose, infecção renal ou perirrenal não tratada,
pedir exame de urina de rotina a cada consulta. A presença pacientes pouco cooperativos, pacientes que se recusaram a se
de hematúria e/ou proteinúria foi levantada inclusive em submeter ao procedimento.
exames de urina de rotina pregressos. Foi considerada he- Os critérios de exclusão foram pacientes que não concor-
matúria a presença de mais de duas hemácias por campo de dassem participar do estudo e menores de 18 anos.
maior aumento no exame de microscopia óptica do sedimento O teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher foram
urinário ou uma fita reagente positiva,19-21 e proteinúria o usados para avaliar as variáveis categóricas. Já para as contí-
exame de urina de rotina com os testes semiquantitativos nuas, aplicou-se o teste t de Student, se apresentassem caracte-
positivos para proteína ou proteinúria maior que 150 mg/dL rísticas de normalidade, e, caso contrário, empregou-se o teste
na urina de 24 horas.22 não paramétrico de Mann-Whitney. Para todas as análises foi
Os pacientes com exame de urina alterado, no caso de considerado nível de significância de 5% (P < 0,05). A análise
hematúria, foram submetidos à sedimentoscopia e pesquisa de estatística foi realizada com o auxílio do software Statistical
dismorfismo eritrocitário em laboratório de referência (possível Package for Social Sciences (SPSS®) versão 16.0 (SPSS Inc.,
tecnicamente nos pacientes com pelo menos nove hemácias por Chicago, IL, EUA).
campo de maior aumento no exame de microscopia óptica). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
No caso de proteinúria, foram submetidos à quantificação da da UFMG (parecer nº ETIC 086/07) e pela Diretoria de
mesma na urina de 24 horas. Ensino, Pesquisa e Extensão do HC/UFMG (processo
Além da avaliação quanto às alterações no seu exame de nº 142/2006).
urina, os pacientes foram avaliados quanto a características
sociodemográficas e econômicas; características da EPA
RESULTADOS
(tempo de doença a partir do diagnóstico, atividade da doença
naqueles pacientes com predomínio do acometimento axial Foram avaliados 76 pacientes com EPA. As principais caracte-
pelo índice BASDAI – Bath Ankylosing Spondylitis Disease rísticas desses indivíduos podem ser vistas na Tabela 1. Dentre
Activity Index);23 medicamentos usados para o tratamento, os pacientes estudados, foi possível pesquisar o HLA-B27 em
e, no caso do uso de AINEs, tempo do uso do mesmo; posi- 51, sendo positivo em 33 deles (43,4%).
tividade para o HLA-B27 (por qualquer método de investi- A média do BASDAI encontrada, que varia de zero a
gação laboratorial); avaliação da função renal (creatinina e dez, foi de 3,86 ± 2,06, com mínimo de zero e máximo de
ureia séricas); atividade inflamatória (dosagem de proteína 7,64. A proteína C-reativa também foi medida, com o intuito
C-reativa), e diagnóstico de comorbidades clínicas, sobretudo de contribuir para a avaliação da atividade da doença; sua
hipertensão arterial sistêmica (HAS), definida pelos critérios mediana foi 6, sendo os percentis 25 e 75, respectivamente,
do Joint Committee on Detection, Evaluation and Treatment 3 e 19,6.
418 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422
7. Nefropatia por IgA em portadores de espondiloartrites acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG
Com relação ao tratamento medicamentoso, a maioria dos
Tabela 1
pacientes estudados (82,9%) estava em uso de AINEs, em média
Características da população estudada
6,5 ± 6,2 anos, havendo uma variação no uso de zero a 29 anos.
N (%)
A hematúria microscópica foi detectada nessa amostra em
Gênero
Masculino 49 (64,5) pelo menos um exame de urina de rotina em 34 indivíduos
Idade (44,7% da amostra), e em mais de uma ocasião em 22 indi-
Média = 42,7 anos; mínima 22, máxima 75 víduos (28,9% dos casos). Nos pacientes com hematúria em
Brancos 53 (69,7) mais de uma ocasião, essa mostrou-se intermitente na maioria
Remuneração mensal 68 (89,5) dos casos (22,4%), ou seja, não era detectada em todos os
< 3 salários mínimos exames de urina. A hematúria contínua ocorreu em apenas
Anos de estudo cinco pacientes (6,5%). A hematúria macroscópica foi menos
Mediana = 8
frequente que a micro, ocorrendo em 13 pacientes (17,1%).
Comorbidades
HAS 29 (38,2) Dos 24 pacientes analisados quanto à presença de dismorfis-
IRC 2 (2,6) mo eritrocitário, oito (10,5%) apresentaram mais de 80% das
Diabetes mellitus 2 (2,6)
Sorologia positiva para HIV Zero hemácias com alterações dismórficas. Desses oito pacientes,
Hepatopatia 1 (1,3) conseguiu-se realizar a biópsia renal em cinco, já que três se
Medicamentos usados para recusaram a realizar o exame. Os resultados histopatológicos
o tratamento da EPA
AINEs 63 (82,9) foram: quatro (5,2%) com nefropatia por IgA e um com a
Corticoide oral 34 (44,7) doença da membrana fina (hematúria familiar benigna). As
Metrotrexato 26 (34,2)
Sulfassalazina 1 (1,3) características dos pacientes portadores de nefropatia por IgA
Inibidor de anti-TNFα 1 (1,3) estão expostas na Tabela 2.
Prevalência dos tipos de EPA Outras causas de hematúria encontradas, que não GNF, fo-
Espondilite anquilosante 47 (61,8)
Espondiloartrite indiferenciada 11 (14,5) ram nefrolitíase (cinco pacientes (6,5%), dos quais um também
Artrite psoriásica 11 (14,5) tinha nefropatia por IgA); um paciente com rim policístico e
Artrite reativa 4 (5,3)
Artrite das doenças 3 (3,9) outro paciente com hematúria de origem ginecológica, cada um
inflamatórias intestinais desses representando 1,3% do total. Em 20 pacientes (26%) a
Manifestações clínicas articulares etiologia da hematúria permaneceu indeterminada.
e extra-articulares associadas
Entesite calcaneana 38 (50)
A proteinúria foi incomum na amostra estudada, sendo
Uveíte anterior 29 (38,2) detectada em apenas três pacientes (3,9%), dos quais dois com
Coxartrose 21 (27,6)
Dactilite 9 (11,8) proteinúria superior a 3,5 g em 24 horas. Esses três pacientes
Fibrose pulmonar 1 (1,3) também apresentavam hematúria. Não houve pessoas com
Piúria estéril 1 (1,3)
proteinúria isolada.
EPA: espondiloartrite; HAS: hipertensão arterial sistêmica; IRC: insuficiência renal crônica;
AINEs: anti-inflamatórios não esteroidais.
Tabela 2
Características dos pacientes submetidos à biópsia renal com diagnóstico de nefropatia por IgA
Pacientes 1 2 3 4
Gênero Masculino Masculino Masculino Masculino
Idade 36 43 33 44
Tipo de EPA Artrite reativa Espondilite anquilosante Espondilite anquilosante Espondilite anquilosante
Duração da EPA (anos) 16 27 9 19
HLA-B27 Positivo Positivo Positivo Positivo
Creatinina (mg/dL) 1,01 2,85 0,6 0,8
Proteinúria 24 horas (mg/dL) 300 2.350 173 1.900
HAS Não Não Não Sim
EPA: espondiloartrite; HAS: hipertensão arterial sistêmica.
Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422 419
8. Azevedo et al.
A presença de hematúria não esteve associada ao tipo de na metodologia (de duas ou mais hemácias por campo), que
EPA (P > 0,20), bem como à atividade de doença, seja aferida privilegiou a sensibilidade do exame, pois o objetivo inicial
pelo PCR (P = 0,954), seja pelo BASDAI (P = 0,251). Não era triar os pacientes para a realização da sedimentoscopia
houve também associação entre a positividade do antígeno e dismorfismo eritrocitário em laboratório de referência. Na
HLA-B27 e a presença de hematúria (P = 0,251). Não se população geral, a prevalência de qualquer hematúria (única,
encontrou associação estatisticamente significativa entre intermitente ou contínua) varia de 0,18% a 16,1%; é relativa-
hematúria microscópica e IRC (P = 1), HAS (P = 0,81), pro- mente comum no adulto e geralmente não indica a presença de
teinúria (P = 0,85) e aumento dos níveis séricos de creatinina doença, sendo com frequência um achado incidental.19,36-39 Pode
(P = 0,40). ocorrer, por exemplo, como consequência de exercício físico,
O uso de AINEs nessa amostra não se associou posi- de ato sexual nos dois dias precedentes à coleta da amostra e de
tivamente com o aumento dos níveis séricos de creatinina uso de anticoagulantes. As causas patológicas mais comuns são
(P = 0,318), nem mesmo quando se levou em consideração anormalidades do trato urinário baixo (especialmente as que
seu tempo de uso (P = 0,582). Também não houve associação afetam a uretra, a próstata e a bexiga). Em menos de 10% dos
estatisticamente significativa entre o uso de AINEs e a presença casos a hematúria é de origem glomerular,19 e suas principais
de IRC (P = 0,31), hematúria (P = 1), proteinúria (P = 0,74) etiologias são a nefropatia por IgA e a doença da membrana
e HAS (P = 1). fina, ou hematúria familiar benigna.40
É importante distinguir a origem da hematúria, se glome-
rular ou não. Na população estudada, oito (10,5%) apresen-
DISCUSSÃO
taram hematúria glomerular. Já o encontro de proteinúria foi
O presente trabalho avaliou a frequência das GNF nos infrequente (3,9%) e sempre ocorreu associado à hematúria,
pacientes acometidos por EPA acompanhados no Serviço o que reforçou sua provável origem glomerular.
de Reumatologia do HC/UFMG, em Belo Horizonte, No presente trabalho a presença de hematúria não se
Minas Gerais. relacionou com o tipo de EPA, com a presença do antígeno
As características clínicas dos pacientes avaliados não HLA-B27, nem com a atividade da doença. Também não houve
diferem, em geral, do que é relatado na literatura.1,25-33 O associação entre hematúria e presença de HAS, proteinúria e
gênero masculino foi o mais prevalente. Houve predomi- aumento dos níveis séricos de creatinina.
nância da espondilite anquilosante entre o grupo, seguida A indicação da biópsia renal em pacientes com hematúria
da EPA indiferenciada e artrite psoriásica. Estudos mais microscópica isolada é controversa. Nos casos em que a he-
recentes mostram uma inversão dessa relação, com maior matúria sugere fortemente ser de origem glomerular, uma vez
prevalência da EPA indiferenciada com relação à espondilite pesados os riscos e benefícios individuais, somente a biópsia
anquilosante.28 Houve maior frequência de entesite calcane- renal pode levar ao diagnóstico definitivo de uma GNF.41,42
ana entre as manifestações associadas, e de uveíte anterior Assim, nos pacientes acometidos por EPA, em geral usuários
entre as manifestações extra-articulares. A positividade para o de AINEs e com hematúria de origem glomerular, considerou-se
HLA-B27 foi de 43,4% na população estudada. Infelizmente, justificável a realização da biópsia.
a comparação desse dado com outras populações é difícil Dessa maneira, dos 76 pacientes avaliados, quatro (5,2%)
porque a maioria dos trabalhos avalia a frequência desse apresentaram GNF com características de glomerulopatia
antígeno em pacientes com espondilite anquilosante, e não proliferativa mesangial com imunodepósitos de IgA, o que
no grupo de EPA.34,35 caracteriza a GNF por IgA ou doença de Berger. Entretanto,
Este estudo mostrou alta frequência de alterações no exame a prevalência da GNF por IgA nos pacientes do estudo pode
de urina dos pacientes com EPA. A alteração mais comumen- ter sido subestimada, uma vez que a hematúria microscó-
te encontrada foi a hematúria microscópica em uma única pica intermitente dificulta a pesquisa do dismorfismo e a
ocasião, que ocorreu em 34 pacientes (44,7%). Em 22 desses confirmação de origem glomerular, além de três pacientes
pacientes (28,9%) a hematúria foi evidenciada em duas ou com suspeita de GNF terem se recusado a realizar a biópsia
mais amostras de urina, dos quais 17 (22,4%) apresentavam renal. Esse achado contrasta com a prevalência da nefropatia
hematúria intermitente, não ocorrendo em todos os exames por IgA na população geral, estimada em 25 a 50 casos por
de urina. Hematúria contínua foi encontrada em apenas cinco 100 mil indivíduos.43,44
pacientes (6,5%). A alta prevalência de hematúria nessa popu- Há escassa literatura sobre as alterações renais em
lação pode ter sido consequente à definição de hematúria usada pacientes com EPA, a maioria baseada em série de casos.
420 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422
9. Nefropatia por IgA em portadores de espondiloartrites acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG
Apesar de controversa, a maior ocorrência de GNF por IgA insuficiência renal.45 Outro motivo para esse achado seria
nos pacientes com EPA tem sido aventada com frequên- a prática corrente no Ambulatório de Reumatologia de se
cia.5-7 Em 1987, Jones et al.7 avaliaram a função renal de evitar o uso de AINEs nos pacientes com presença de alguma
51 pacientes com espondilite anquilosante randomicamente dessas comorbidades.
selecionados em clínicas reumatológicas. Desses, cinco pa- Este estudo sinaliza para a alta frequência de alterações
cientes (10%) tinham anormalidades persistentes (em mais encontradas no exame de urina desse subgrupo de pacientes,
de uma ocasião) nos exames feitos para avaliar a função bem como para a alta prevalência de nefropatia por IgA.
renal (hematúria microscópica em todos os cinco pacientes, Assim, apesar de serem necessários mais estudos sobre o
diminuição da função renal e aumento da proteinúria em 24 assunto para melhor esclarecimento das alterações renais
horas em quatro destes). Nos três que foram submetidos à nos pacientes espondiloartríticos, a realização periódica de
biópsia renal, um tinha glomeruloesclerose segmental focal, exames de urina deveria ser recomendável. O diagnóstico
com imunofluorescência negativa, outro tinha nefropatia por definitivo de GNF nesse grupo é extremamente relevante,
IgA e, por último, um tinha infiltrado celular intersticial com tendo em vista as implicações no tratamento da EPA e no
fibrose e atrofia tubular e imunofluorescência e microscopia prognóstico desses pacientes.
eletrônica negativas.
No Brasil, tentou-se avaliar a frequência e a gravidade REFERENCES
do acometimento renal em 40 pacientes com espondilite REFERÊNCIAS
anquilosante acompanhados em uma clínica especializada 1. Dougados M, van der Linden S, Juhlin R, Huitfeldt B, Amor B, Calin A
et al. The European Spondylarthropathy Study Group preliminary
em reumatologia. Nessa amostra, 14 (35%) apresentaram criteria for the classification of spondylarthropathy. Arthritis Rheum
um ou mais sinais de envolvimento renal; nove pacientes 1991; 34(10):1218-27.
apresentaram hematúria, seis desses com hemácias dismór- 2. Sieper J, Rudwaleit M, Baraliakos X, Brandt J, Braun J, Burgos-
ficas; quatro apresentaram microalbuminúria; dois tiveram Vargas R et al. The Assessment of SpondyloArthritis international
Society (ASAS) handbook: a guide to assess spondyloarthritis. Ann
aumento dos níveis séricos de creatinina e quatro tiveram o Rheum Dis 2009; 68(Supl.2):ii1-44.
clareamento de creatinina reduzido. Não houve associação 3. Strobel ES, Fritschka E. Renal diseases in ankylosing spondylitis:
estatística significativa entre a hematúria microscópica e review of literature illustrated by case reports. Clin Rheumatol
a atividade ou duração da doença, nem associação entre 1998; 17(6):524-30.
a hematúria microscópica e o nível de IgA sérica. No 4. Vilar MJ, Curry SE, Ferraz MB, Sesso R, Atra E. Renal abnormalities
in ankylosing spondylitis. Scand J Rheumatol 1997; 26(1):19-23.
entanto, houve associação significativa entre a hematúria
5. Mittal VK, Malhotra KK, Bhuyan UN, Malaviya AN. Kidney
microscópica e a diminuição do clareamento da creatinina.4 involvement in seronegative spondarthritides. Indian J Med Res
Esses pacientes não foram submetidos à biópsia renal. 1983; 78:670-5.
Outro tipo de acometimento renal nos pacientes espon- 6. Wendling D, Hory B, Saint Hillier Y, Perol C. Reine et spondiloarthrite
diloartríticos que tem sido mencionado é aquele advindo ankylosante. Rev Rhum Mal Osteoartic 1985; 52(4):271-5.
do uso regular dos AINEs.3-7 Na população geral, 1% a 5% 7. Jones DW, Mansell MA, Samuell CT, Isenberg DA. Renal
abnormalities in ankylosing spondylitis. Br J Rheumatol 1987;
dos pacientes desenvolvem efeitos adversos renais pas- 26(5):341-5.
síveis de intervenção médica relacionada aos AINEs. Os 8. Gupta R, Sharma A, Arora R, Dinda AK, Gupta A, Tiwari SC.
problemas renais atribuídos ao uso dessas medicações são Membranous glomerulonephritis in a patient with ankylosing
insuficiência renal aguda, síndrome nefrótica com nefrite spondylitis: a rare association. Clin Exp Nephrol 2009; 13(6):667-
70.
intersticial, necrose papilar aguda e crônica.45 No presente
9. Jacquet A, Francois H, Frangie C, Yahiaoui Y, Ferlicot S, Micelli C
estudo, quase todos os pacientes faziam uso regular dessas et al. IgA nephropathy associated with ankylosing spondylitis is not
medicações (82,9%) e por tempo prolongado (média de 6,5 controlled by infliximab therapy. Nephrol Dial Transplant 2009;
anos). Entretanto, não foi detectado nenhum efeito adverso 24(11):3540-2.
renal ao uso de AINEs nesses pacientes. Observou-se ainda 10. Agarwal S, Das SK, Kumar P, Tripathi P, Mehrotra B. Amyloidosis
in ankylosing spondylitis. J Clin Rheumatol 2009; 15(4):211.
que o uso de AINEs não se associou positivamente com o
11. Wasilewska A, Zoch-Zwierz WM, Tenderenda E, Szynaka B. IgA
aumento dos níveis séricos de creatinina e com a presença nephropathy in a girl with psoriasis and seronegative arthritis. Pediatr
de hematúria, proteinúria, IRC e HAS. Isso pode ter ocorrido Dermatol 2008; 25(3):408-9.
devido à baixa frequência de comorbidades que predispõem 12. Menè P, Franeta AJ, Conti G, Stoppacciaro A, Chimenz R, Fede A
aos efeitos adversos dos AINEs nessa população, tais como et al. Extracapillary glomerulonephritis during etanercept treatment
for juvenile psoriatic arthritis. Clin Exp Rheumatol 2010; 28(1):91-3.
idade avançada, doença hepática, insuficiência cardíaca e
Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422 421
10. Azevedo et al.
13. Sakellariou GT, Vounotrypidis P, Berberidis C. Infliximab 29. Carvalho MAP, Lage RC. Espondiloartropatias. In: Carvalho MAP,
treatment in two patients with psoriatic arthritis and secondary IgA Lanna CCD, Bertolo MB (eds.). Reumatologia – diagnóstico e
nephropathy. Clin Rheumatol 2007; 26(7):1132-3. tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 335-63.
14. Efstratiadis G, Tsiaousis G, Leontsini M, Gionanlis L, Papagianni A, 30. Reveille JD. HLA-B27 and seronegative spondyloarthopathies. Am
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422 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422
12. Prevalência de manifestações clínico-laboratoriais e comorbidades na polimiosite segundo o gênero
método de Westergren; a determinação quantitativa da proteína
PACIENTES E MÉTODOS
C-reativa foi realizada no soro através de turbidimetria. Exames
Foram avaliados 75 pacientes consecutivos com PM prove- complementares (eletroneuromiografia, biópsia muscular do
nientes da Unidade de Miopatias de nosso serviço terciário, bíceps – membro superior – e tomografia computadorizada do
entre o período de 1990 e 2010. Todos os pacientes preen- tórax) foram solicitados de rotina nas primeiras consultas médi-
chiam o critério classificatório de Bohan e Peter.11,12 O estudo cas. Uma vez excluídas as possibilidades de infecção e neoplasia,
foi aprovado pelo Comitê de Ética local (HC nº 0039/10), e a recidiva da atividade da doença foi definida como recorrência
as informações demográficas e referentes às manifestações da atividade clínico-laboratorial consequente à redução da dose
clínico-laboratoriais foram obtidas dos prontuários médicos. de corticosteroide e/ou suspensão de imunossupressores entre
Os dados laboratoriais foram os solicitados de rotina, no as consultas médicas, devido à estabilidade clínica.
início do diagnóstico da PM. Creatina quinase (variação normal: As comorbidades analisadas foram hipertensão arterial
24-173 U/L), aldolase (variação normal: 1,0-7,5 U/L), aspartato sistêmica (HAS), diabetes mellitus, depressão, fibromialgia
aminotransferase (até 37 U/L) e alanina aminotransferase (até (FM), neoplasias, infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente
41 U/L) foram obtidas por método cinético automatizado. A vascular cerebral (AVC). FM foi baseada nos critérios classifi-
pesquisa de autoanticorpos contra componentes celulares foi catórios do American College of Rheumatology,13 e depressão
determinada por imunofluorescência indireta, utilizando células foi definida segundo Zimmerman et al.14 HAS foi baseada na V
Hep-2 como substrato; o anticorpo anti-Jo-1 foi determinado Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial,15 e diabetes mellitus
por immunoblotting; a velocidade de hemossedimentação, por na American Diabetes Association.
Tabela 1
Perfil demográfico, clínico e laboratorial dos pacientes com polimiosite
Todos (N = 75) Homens (N = 23) Mulheres (N = 52) P
Média de idade* ± DP (anos) 42,7 ± 13,7 (16-67) 42,3 ± 14,7 (16-66) 42,9 ± 13,2 (19-67) 0,874
Tempo de doença ± DP (anos) 6,9 ± 5,1 (0-20) 6,8 ± 5,5 (1-20) 6,9 ± 4,9 (0-20) 0,993
Duração dos sintomas ao 2,3 ± 4,4 (0-24) 1,9 ± 2,9 (0-12) 2,4 ± 5,0 (0-24) 0,580
diagnóstico (meses)
Cor: branca (%) 63 (84,0) 21 (91,7) 42 (80,8) 0,323
Manifestação clínica
Sintomas constitucionais (%) 35 (46,7) 12 (52,2) 23 (44,2) 0,618
Acamado (%) 21 (28,0) 6 (26,1) 15 (28,9) 1,000
Envolvimento articular (%) 39 (52,0) 13 (56,5) 26 (50,0) 0,626
Envolvimento pulmonar
Dispneia (%) 20 (27,4) 6 (26,1) 14 (26,9) 1,000
Disfonia (%) 5 (6,7) 0 5 (9,6) 0,315
Envolvimento gastrintestinal
Disfagia (%) 22 (29,3) 6 (26,1) 16 (30,8) 0,787
Dispepsia (%) 21 (28,0) 7 (30,4) 14 (26,9) 0,785
Doença em remissão (%) 49 (65,3) 15 (65,2) 34 (65,4) 1,000
Recidiva da doença (%) 33 (44,0) 9 (39,1) 24 (46,2) 0,622
Em seguimento (%) 59 (78,7) 17 (73,9) 42 (80,8) 0,549
Óbito (%) 3 (4,0) 1 (4,4) 2 (3,9) 1,000
Autoanticorpos
Fator antinuclear (%) 38 (50,7) 12 (52,2) 26 (50,0) 0,804
Anti-Jo-1 (%) 12 (16,0) 3 (13,0) 9 (17,3) 0,745
Enzimas musculares
(início da doença)
Creatina quinase ± DP (U/L) 4167,6 ± 4736,6 5023,0 ± 5481,3 3793,4 ± 4318,2 0,379
Aldolase ± DP (U/L) 62,6 ± 61,5 89,9 ± 89,7 52,3 ± 42,2 0,167
Aspartato aminotransferase (U/L) 186,6 ± 233,4 187,2 ± 255,6 186,5 ± 224,8 0,994
Alanina aminotransferase (U/L) 152,7 ± 180,5 160,1 ± 224,7 150,0 ± 160,8 0,893
Proteína C-reativa (mg/L) 19,7 ± 33,0 38,8 ± 49,8 10,1 ± 11,1 0,120
VHS (mm/1ª hora) 24,7 ± 20,9 22,0 ± 20,9 25,5 ± 20,9 0,680
Tomografia computadorizada
Fibrose pulmonar basal (%) 7 (9,3) 2 (8,8) 5 (9,6) 1,000
Lesão em vidro-fosco (%) 13 (17,3) 6 (26,1) 7 (13,5) 0,201
*Idade quando foi realizado o diagnóstico de polimiosite.
DP: desvio-padrão; VHS: velocidade de hemossedimentação.
O valor de P refere-se a homens vs. mulheres.
Rev Bras Reumatol 2011;51(5):423-433 429
13. Souza et al.
Os resultados foram expressos em média ± desvio-padrão 67 anos) e duração média da doença de 6,9 ± 5,5 anos (0 a 20
(DP) ou porcentagem, sendo utilizado teste t de Student para anos). O tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico da
dados paramétricos, e de Fisher para os não paramétricos. Estes PM na amostragem geral foi de 2,3 ± 4,4 meses (0 a 24 meses).
cálculos foram realizados com o programa de computador As características clínico-laboratoriais dos pacientes estão apre-
STATA versão 7.0 (Stata, College Station, TX, EUA), e valores sentadas na Tabela 1. Aproximadamente metade dos pacientes
P < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. apresentou recidiva da doença durante o acompanhamento.
Apesar disso, dois terços deles encontravam-se em remissão
da doença no desfecho do presente estudo, com 4,0% de óbitos.
RESULTADOS
Como tratamento medicamentoso inicial foi usado corticos-
Foram analisados 75 pacientes consecutivos com PM entre o teroide (prednisona 1 mg/kg/dia, via oral, com redução gradual
período de 1990 e 2010, com tempo de seguimento em nosso em 1-2 meses após estabilidade clínica e laboratorial). Em caso
serviço de 6,9 ± 5,5 anos, dos quais 52 eram mulheres e 23 ho- de gravidade da doença, realizou-se pulsoterapia com metil-
mens, com respectiva razão 2,3:1. A maioria era branca (84,0%), prednisolona (1 g/dia, parenteral, três dias consecutivos). Como
com média de idade ao diagnóstico de 42,7 ± 13,7 anos (16 a poupadores de corticosteroide foram utilizados azatioprina
Tabela 2
Terapia medicamentosa instituída em pacientes com polimiosite
Tratamento medicamentoso Todos (N = 75) Homens (N = 23) Mulheres (N = 52) P
Corticosteroide
Prednisona (1 mg/kg/dia) (%) 73 (100,0) 23 (100,0) 52 (100,0) 1,000
Metilprednisolona (%) 35 (46,7) 13 (56,5) 22 (42,3) 0,323
Metotrexato (%) 49 (65,3) 13 (56,5) 36 (69,2) 0,305
Azatioprina (%) 40 (53,3) 12 (52,2) 29 (53,9) 1,000
Ciclofosfamida (%) 15 (20,0) 4 (17,4) 11 (21,2) 1,000
Ciclosporina (%) 15 (20,0) 4 (17,4) 10 (19,2) 1,000
Micofenolato mofetil (%) 3 (4,0) 1 (4,4) 2 (3,9) 1,000
O valor de P refere-se a homens vs. mulheres.
Tabela 3
Comorbidades diagnosticadas após a instituição da polimiosite
Comorbidades Todos (N = 75) Homens (N = 23) Mulheres (N = 52) P
Hipertensão arterial sistêmica (%) 29 (38,7) 10 (43,5) 19 (37,3) 0,618
Pré-polimiosite (%) 18 (24,0) 5 (21,7) 13 (25,0) 1,000
Pós-polimiosite (%) 11 (14,7) 5 (21,7) 6 (11,5) 0,306
Diabetes mellitus (%) 13 (17,3) 6 (26,1) 7 (13,5) 0,201
Pré-polimiosite (%) 7 (9,3) 3 (13,0) 4 (7,7) 0,669
Pós-polimiosite (%) 6 (8,0) 3 (13,0) 3 (5,8) 0,363
Depressão major (%) 11 (14,7) 0 11 (21,2) 0,028
Fibromialgia (%) 6 (8,0) 0 6 (11,5) 0,169
Neoplasia (%) 4 (5,3) 1 (4,4) 3 (5,8) 1,000
Infarto agudo do miocárdio (%) 3 (4,0) 1 (4,4) 2 (3,9) 1,000
Acidente vascular cerebral (%) 0 0 0 1,000
O valor de P refere-se a homens vs. mulheres.
430 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):423-433
14. Prevalência de manifestações clínico-laboratoriais e comorbidades na polimiosite segundo o gênero
(2-3 mg/kg/dia), metotrexato (20-25 mg/semana), ciclosporina presente estudo. O LES e a síndrome de Sjögren, por exemplo,
(3-5 mg/kg/dia), micofenolato mofetil (2-3 g/dia), leflunomide apresentam razões 7-10:1, enquanto AR, esclerose sistêmica e
(20 mg/dia), ciclofosfamida (0,5-1,0 g/m2 de superfície corpó- miopatias inflamatórias idiopáticas têm razão 2,3:1.1,16,18-25 Essa
rea), em monoterapia ou em associação, dependendo da tolerância, desigualdade na distribuição pode ser reflexo da influência de
efeitos colaterais e refratariedade da doença (Tabela 2). De modo hormônios sexuais endógenos e de fatores genéticos.17-24
geral, todos os indivíduos receberam prednisona (1 mg/kg/dia) Os dados apresentados mostram que a evolução e as ca-
e aproximadamente metade dos pacientes recebeu terapia racterísticas demográficas e clínico-laboratoriais da PM foram
adicional com pulso de metilprednisolona (1 g/dia, três dias similares em ambos os gêneros, diferente do que ocorre em
consecutivos). O uso de ciclofosfamida parenteral foi indicado outras doenças autoimunes sistêmicas, em que o gênero pode
para o acometimento pulmonar, caracterizado por progressão influenciar no curso da doença. O LES, por exemplo, tende
da dispneia e achados de imagens compatíveis à tomografia a apresentar prognóstico pior em homens, embora isto seja
computadorizada. Não houve diferença entre mulheres e ho- controverso na literatura.26-29
mens quanto à distribuição das características demográficas, Aproximadamente metade dos pacientes apresentava
clínico-laboratoriais, evolução clínica e terapia medicamentosa sintomas constitucionais ou acometimento articular no
instituída (Tabelas 1 e 2). início da doença. Todos os pacientes apresentavam fraque-
Com relação às comorbidades (Tabela 3), depressão e FM za muscular proximal dos quatro membros, e um quarto
ocorreram apenas no gênero feminino, e apenas depressão estava acamado apesar do pouco tempo da instalação da
teve prevalência estatisticamente significativa em mulheres doença (cerca de dois meses). Observamos também envol-
(P = 0,028), com nenhuma das pacientes apresentando trans- vimento pulmonar (dispneia) e gastrintestinal (disfagia ou
torno bipolar. Houve alta prevalência de HAS (38,7%), mesmo dispepsia) em aproximadamente um terço dos pacientes,
antes dos sintomas e do diagnóstico da PM (24,0%); após esta- reforçando a necessidade de avaliar os portadores de PM
belecida a miopatia, houve aumento de aproximadamente 50% não só do ponto de vista do acometimento exclusivamente
de HAS. Apresentaram diabetes mellitus 9,3% dos pacientes, musculoesquelético.
e, com o estabelecimento da PM, a ocorrência foi de 17,3%, Depressão é frequentemente presente em doenças sis-
com a mesma distribuição em ambos os gêneros. Neoplasia têmicas crônicas como AR, por exemplo, ocorrendo em
e IAM ocorreram em 5,3% e 4%, respectivamente. Dentre as 13%-20%,30-33 enquanto em FM 33 e LES 29 está presente,
neoplasias, foram diagnosticados um caso em homem e três respectivamente, em 39% e 34% dos casos. Na comunidade
em mulheres, a saber: um osteoma osteoide femoral (um ano em geral e no antedimento primário, a depressão ocorre, res-
após o diagnóstico da PM), um carcinoma folicular tireoidiano pectivamente, em 2%-4% e 5%-10% dos pacientes do gênero
(um ano após a PM), um carcinoma epidermoide metastático feminino,34 contrastando-se ao apresentado neste estudo, em
(três anos após a PM) e uma neoplasia renal (15 anos após a que a depressão foi vista em aproximadamente 21,2% das
PM), respectivamente. Não foram identificados casos de AVC. mulheres. A depressão, particularmente em AR, está associada
a maior frequência de hospitalização, maior número de visitas
médicas, pior qualidade de vida, menor aderência à terapia
DISCUSSÃO
medicamentosa e risco aumentado de mortalidade.34-37 Ela é
O presente estudo envolveu grande casuística e avaliou duas vezes mais frequente em mulheres em comparação aos
tanto a distribuição quanto a influência do gênero na PM. homens,38 enquanto FM é aproximadamente dez vezes mais
Observamos predomínio do gênero feminino (2,3:1), carac- prevalente.39 Nossos pacientes com depressão não tiveram
terísticas clínico-laboratoriais e comorbidades similares em maior recidiva de doença ou de óbito. Apesar de a associação
ambos os grupos, alta prevalência de HAS e diabetes mellitus, entre depressão e FM ser relativamente comum, no presente
com destaque à depressão major, presente apenas em mulheres. estudo essas duas comorbidades coexistiram apenas em
A média de idade no início da doença, no presente trabalho, mulheres, tendo sido simultâneas em apenas uma paciente.
foi de 40 anos, similar a outros trabalhos da literatura,16-33 con- Houve alta prevalência de HAS e diabetes mellitus,
trastando apenas aos de Senegal e Singapura, que mostraram quando comparada com a população brasileira: 20% e
médias de idade de 50 anos.24,25 9%, respectivamente.40,41 Após o diagnóstico de PM, os
De um modo geral, as doenças autoimunes tendem a achados de HAS e de diabetes mellitus aumentaram em
predominar no gênero feminino, inclusive nas miopatias in- 50% e 100%, respectivamente, podendo refletir o uso de
flamatórias idiopáticas,1,15,18-25 fato reforçado pelos dados do corticosteroide. Recentemente, com base em banco de dados
Rev Bras Reumatol 2011;51(5):423-433 431
15. Souza et al.
epidemiológicos, Limaye et al.42 demonstraram alto índice 8. Drake LA, Dinehart SM, Farmer ER, Goltz RW, Graham GF,
Hordinsky MK et al. Guidelines of care for dermatomyositis. American
de eventos cardiovasculares após o diagnóstico de todas
Academy of Dermatology. J Am Acad Dermatol 1996; 34(5 pt 1):824-9.
as miopatias inflamatórias idiopáticas (DM, PM e miosite 9. Chen YJ, Jan Wu YJ, Lin CW, Fan KW, Luo SF, Ho HH et al.
por corpúsculo de inclusão). No presente estudo ocorreram Interstitial lung disease in polymyositis and dermatomyositis. Clin
neoplasias ao redor de 5%, sem distinção entre os gêneros, Rheumatol 2009; 28(6):639-46.
índices semelhantes aos descritos na literatura, quais sejam, 10. Chen YJ, Wu CY, Shen JL. Predicting factors of malignancy in
dermatomyositis and polymyositis: a case-control study. Br J
3,3% e 7,7%.43-45
Dermatol 2001; 144(4):825-31.
Tivemos baixa prevalência de eventos cardiovasculares 11. Bohan A, Peter JB. Polymyositis and dermatomyositis. Pt I. N Engl
(IAM e AVC), sem distinção entre os gêneros, sendo em parte J Med 1975; 292(7):344-7.
justificada pelo curto período de tempo de acompanhamento 12. Bohan A, Peter JB. Polymyositis and dermatomyositis. Pt II. N Engl
(aproximadamente oito anos), contrastando-se aos índices de J Med 1975; 292(8):403-7.
6%-75% descritos na literatura.46,47 13. Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Katz RS,
Mease P et al. The American College of Rheumatology preliminary
Em termos evolutivos, dois terços dos pacientes encontra- diagnostic criteria for fibromyalgia and measurement of symptom
vam-se em remissão sob corticoterapia e/ou imunossupresso- severity. Arthritis Care Res 2010; 62(5):600-10.
res. Houve recidivas em metade dos indivíduos, sem distinção 14. Zimmerman M, Galione JN, Chelminski I, McGlinchey JB, Young D,
entre os gêneros, reforçando a necessidade de acompanhamento Dalrymple K et al. A simpler definition of major depressive disorder.
Psychol Med 2010; 40(3):451-7.
médico regular desses pacientes. Óbito ocorreu em 4,0% dos
15. Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC; Sociedade Brasileira
casos, sem distinção entre os gêneros.
de Hipertensão – SBH; Sociedade Brasileira de Nefrologia – SBN.
Em resumo, a PM acometeu mulheres em razão 2,3:1, com V Brazilian Guidelines in Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol
alta prevalência de comorbidades, tanto em homens como 2007; 89(3):e24-79.
em mulheres, com destaque à depressão major que afetou 16. Toumi S, Ghnaya H, Braham A, Harrabi I, Laouani-Kechrid C,
exclusivamente o gênero feminino. Ao avaliar pacientes com Groupe tunisien d’étude des myosites inflammatoires. Polymyositis
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18. Efeito imediato da utilização da joelheira elástica em indivíduos com osteoartrite
Dentre esses recursos destacam-se os exercícios aeróbicos e os após consulta com ortopedista. Para inclusão na pesquisa era
de fortalecimento muscular, por estarem relacionados com melhora necessário que os pacientes apresentassem no mínimo quatro
da dor e da função nos indivíduos portadores de OA nos joelhos.4 itens dos critérios clínicos da classificação de OA de joelho,
Entretanto, devido às limitações funcionais causadas segundo o American College of Rheumatology.9 Outro crité-
pelo quadro de fraqueza muscular e dor, a prescrição desses rio de inclusão foi dor acima de três pontos na escala visual
exercícios é limitada por dificuldades técnicas, e muitas vezes analógica (EVA) durante a atividade de subir e descer escadas.
esses recursos tornam-se desinteressantes, dolorosos e conse- Indivíduos com comprometimento neurológico, fibromial-
quentemente ineficazes.4 gia, artrite reumatoide, prótese total e/ou parcial de joelhos ou
Na tentativa de minimizar o quadro álgico, outras modali- quadris, cardiopatas descompensados, deficientes auditivos e
dades terapêuticas, tais como eletroestimulação neuromuscular visuais e pacientes que não conseguissem realizar os testes
(EENM),5 algumas formas de terapia manual,3 protocolos de propostos foram excluídos.
aplicação de termoterapia e crioterapia, além da utilização de joe-
lheiras e taping,6,7 são associadas ao tratamento da OA nos joelhos. Sujeitos
Porém, com exceção da joelheira, todos esses recursos
dependem da perícia técnica do fisioterapeuta para sua apli- Foram selecionados 80 indivíduos de ambos os gêneros para
cação. Dessa forma, a joelheira poderia ser um recurso prático coleta de dados. Dentre estes, apenas os dados de 74 indivíduos
e de autoutilização para o controle do quadro álgico durante a foram incluídos, totalizando 132 joelhos, pois conseguiram
realização dos exercícios, tornando-os mais eficazes. Existem completar a execução dos testes propostos. Os seguintes itens
relatos na literatura que evidenciam a melhora do senso de foram avaliados: idade, peso, altura, índice de massa corporal
posição articular, dor, rigidez e função com a aplicação da (IMC), tempo de dor nos joelhos (em anos), tamanho da joe-
joelheira em indivíduos com OA nos joelhos.6,8 lheira e se o acometimento era unilateral ou bilateral.
Sendo assim, este estudo teve como objetivo investigar a
eficácia imediata da joelheira elástica na dor e na capacidade Joelheiras
funcional em indivíduos portadores de OA nos joelhos, vi- Foram utilizadas joelheiras elásticas sem orifícios (Tensor® –
sando à sua importância clínica como coadjuvante durante a Registro ANVISA/MS – 80017170005), por gerarem compressão
realização do tratamento baseado em exercícios. A hipótese é aos tecidos aumentando a área de contato, promovendo, assim,
que a joelheira poderia diminuir a dor e melhorar a capacidade menor pressão e diminuindo a dor na articulação do joelho.10
funcional durante os testes propostos. De acordo com o fabricante, as joelheiras eram de três
tamanhos diferentes: pequeno (P), médio (M) e grande (G). A
escolha do tamanho foi definida pela circunferência do joelho:
MÉTODOS
tamanho P de 32 a 35 cm, M de 35 a 39 cm e G de 39 a 44 cm.
Este foi um estudo randomizado e com avaliador cego, rea- Portanto, antes da escolha do tamanho da joelheira realizou-se
lizado no Setor de Reabilitação da Irmandade da Santa Casa a perimetria no joelho do indivíduo, tomando como parâmetro
de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), em parceria com anatômico o ápice da patela; caso a circunferência do joelho
a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Diadema – fosse uma medida entre dois tamanhos, optou-se pelo menor.
Quarteirão da Saúde (ISCMD-QS). A colocação da joelheira foi realizada de acordo com as
Antes da coleta dos dados todos os pacientes foram in- instruções do fabricante, que determina o posicionamento
formados sobre os procedimentos que seriam realizados, e centralizado no joelho acometido permitindo movimentação
assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, de maneira confortável.
de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde, declarando participação voluntária neste estudo. Foi Testes funcionais e escala de dor
obtida também a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
Foi utilizada a EVA para quantificar a dor dos indivíduos du-
da ISCMSP (Projeto n° 281/09).
rante as avaliações do Stair Climb Power Test (SCPT),11 uma
vez que esta escala é considerada instrumento válido para tal
Critérios de inclusão e exclusão
finalidade.12,13 A mesma era composta de um número inicial (0)
Todos os participantes do estudo foram encaminhados ao posicionado no extremo esquerdo da linha, indicando ausência
Setor de Fisioterapia com diagnóstico de OA nos joelhos de qualquer sintoma de dor. Este, por sua vez, estava unido
Rev Bras Reumatol 2011;51(5):434-446 441