Hermes introdução - hermes e a complexidade da comunicação 13.05.2011
A relação sociedade
1. A RELAÇÃOSOCIEDADE-NATUREZA –OS SISTEMAS TÉCNICOSE OS AGRAVOSAOMEIO
AMBIENTE A discussãosobre arelaçãonaturezae sociedade geralmentecostumaserextensa.
Limitamonos aexplicitar,seguindocontribuiçõesde Santos(2004),a existênciade duas
naturezas.A primeiranatureza,entendidacomonaturezanatural,aquelaque se apresenta
como razão própria,independente doimperativodasociedade oude algumaprodução
técnica, e a segundanatureza,entendidacomonaturezaartificial,aquelaconstruídamediante
a apropriação,transformaçãoe significaçãodaprimeiranaturezapelasociedadeatravésdo
desenvolvimentode sistemastécnicos.Imaginarmosaseparaçãoentre ohomeme a natureza
é praticamente impossível.Tantoque aconhecidaafirmaçãodogeógrafoRuyMoreira (1994,
p. 81) de que “[...] a naturezaestáno homeme o homemestána natureza[...]”é
esclarecedorae revelaque arelaçãoentre ambosse realizade formaintrínseca.Mesmo
existindoumanaturezanatural,que funcionasobleispróprias(LeisdaTermodinâmica),
pensaro espaçoda sociedade naatualidade implicaconsiderarque arelaçãosimbiótica
existenteentre asociedade-naturezaresulta,cadavezmais,naproduçãode umespaço
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226-236, Maio/2014 228 artificializado,modificadopelaocupaçãoe usoshistóricos.Edessa
forma,a históriadas modificaçõesnarelaçãosociedade-naturezaé percebidapela
transformaçãode um meionatural porum meiocada vezmaisartificializado.Nesse contexto,
segundoGeorge (1974), a influênciadatécnicasobre o espaçose realizatantopelainstalação
de infraestruturastécnicasmodernasno espaço(usoslocalizadose específicos),comotambém
pelageneralizaçãode transformaçõesimpostaspelousode máquinase pelaexecuçãode
métodosde produçãoe existência.Assim, pode-se afirmarque arelaçãoentre a sociedade e a
naturezaestáligadaao nível dodomíniodas técnicas,oumelhor,dossistemastécnicos,que
são conjuntosde técnicas“[...] integradasfuncionalmente [...]”(SANTOS,2004, p.175) e que
envolvem“[...] formasde produzirenergia,bense serviços,formasde relacionaroshomens
entre eles,formasde informação,formasde discursoe interlocução[...]”(SANTOS,2004,p.
177). Tambémcom esse entendimento,Leff (2000,p. 36) afirmaque o fenômenotécnicoatua
como “[...] mediadorentre asociedade e natureza,aocristalizarnelaos processosde extração
de recursos,transformaçãode materiais”.Nesse sentido,indicamosque aconfiguraçãoda
relaçãosociedade-naturezanaatualidade possuiprecedenteshistóricos.Precedentesque se
realizaramprincipalmente pelacriaçãode objetostécnicosemsubstituiçãoaosobjetos
naturais:Nocomeço eraa naturezaselvagem, formadaporobjetosnaturais,que aolongoda
históriavãosendosubstituídosporoutrosobjetosfabricados,objetostécnicos,mecanizadose,
depois,cibernéticos,fazendocomque a naturezaartificial tendaafuncionarcomouma
máquina(SANTOS,2004, p .63). Em função disso,Santos(2004) demonstraa existênciade três
grandesperíodosque dividemahistóriadarelaçãosociedade-natureza:1) operíodonatural
ou pré-técnico;2) operíodotécnico;e 3) o períodotécnico-científico-informacional.No
períodonatural ou pré-técnico,ohomemutilizavaanaturezasemmuitastransformações.“As
técnicase o trabalhose casavamcom as dádivasdanatureza[...]”numprocessoharmônico.
As técnicasjáexistiam,entretanto,bastanterudimentares,nãoeramagressivas.“Suasimbiose
com a naturezaresultante eratotal [...]”,estabelecia-se umaharmoniasocioespacial,“[...]pelo
fatode seremindissolúveisànaturezaque,emsuaoperação,ajudavama reconstruir[...]”
(SANTOS,2004, p. 235-236). Já no meiotécnico,háo surgimentode umprocessode
artificializaçãocrescente danatureza.Háuma rupturana forma de relaçãoexistente entre
sociedade-natureza.Osobjetostécnicos“[...] maquínicos,juntamàrazão natural sua razão,
2. uma lógicainstrumental que desafiaaslógicasnaturais,criandonoslugaresatingidoshíbridos
conflitivos”(SANTOS,2004, p. 237). Assim, ohomemdeixade serestritamente dependente da
natureza,modifica-se aformade relação.A sociedade buscaconstantementeinstrumentos
para dominara natureza,para apropriá-laenquantorecursoe paraadaptá-laàs suas
necessidades,independentemente dascondiçõesnaturaispré-existentes.Comisso,o
processode geração de agravosao meioambiente,entendidos,conformeesclareceSantos
(1995), comonão somente relacionadosàdimensãoecológicadomeioambiente,masaomeio
de vidado homem,istoé,ao meiovistode formaampla,tambémse tornamcrescentes,poisa
produçãoderivadadesse processoimplicana“[...] transformaçãodamatériae Vivências:
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Maio/2014 229 energiaacumuladasnoplaneta[...]”(LEFF,2000, p. 45) e consequentemente
emanomaliassociais.Comodesenvolvimentoe aprofundainteraçãoentre ciência,técnicae
informação,têm-se iníciooterceiroperíododahistóriadarelaçãosociedade-natureza,omeio
técnico-científicoinformacional(SANTOS,2004).Esta etapainiciou-senoperíodoposteriorao
términodaSegundaGuerra Mundial,configurando-secomoomomentoatual da sociedade.
As alteraçõesnasformasde relaçãosociedade-naturezanoperíodotécnico-
científicoinformacional,impulsionadaspelaincorporaçãode componentesdamicroeletrônica
e da comunicaçãoàs técnicasmecanicizadasjáutilizadaspelohomem, sãomarcadaspelo
surgimentodosobjetoscibernéticos.Estesnovosconjuntosde técnicaspossibilitaramuma
grande reestruturaçãodosprocessoseconômicose espaciaisdasociedade,refletindo
consequentemente nasconfiguraçõesdosprocessosprodutivose de apropriaçãoda natureza.
Há, neste período,umareduçãode distâncias,reduçãodotempode transmissãode
informações,de produçãoe de circulaçãode mercadorias,de pessoase de ideias,inferindo
uma conexãoglobal.Logicamente,oprocessode criaçãode objetostécnicosnãoé
homogêneo,esseprocessonãose realizanoespaçocomoum todo,determinados
lugares/sociedadesvivenciarame vivenciamdiferentesdensidadesnasubstituiçãodosobjetos
naturaispelostécnicose propriamentenatransformaçãoe configuraçãodosseussistemas
técnicos.Issosignificaque,oconjuntodasnovastécnicasnão substituemabruptamenteos
conjuntosde técnicasanteriores.Opassadodastécnicas nãoé completamente substituído,
poissuascaracterísticas podemmanter-se emproporçõesdiferentesemlugaresdiferentes.
Embora,atualmente,existaoprocessode universalizaçãodastécnicas,essassomente passam
a existiremquandosãoutilizadas.Enesse aspecto,ahistóriadatécnicapode sercontada a
partir da suainstalaçãono lugar,pois,olugar é que “[...] atribui às técnicasoprincípioda
realidade histórica,relativizandooseuuso,integrando-asnumconjuntode vida,retirando-as
de sua abstração empíricae lhesatribuindoefetividadehistórica”(SANTOS,2004,p. 58).
Assim,olugar historicizaatécnicana medidaemque elaé inseridanofuncionamentodoseu
conjuntode objetose ações,ganhando,porconseguinte,umasignificaçãonoprocesso de
organizaçãodaquele lugarespecífico.Dessaforma,entre outrosfatoresde ordemhistórica,a
configuraçãode diferentesníveisde domíniodastécnicasemdiferenteslugaresé condição
para a existênciade tambémdiferentessituaçõesambientaisatuais. A substituiçãodosobjetos
naturaispelosobjetostécnicose aconstante transformaçãodestesobjetostécnicos,
articuladoscomos sistemasde ações,impõemanecessidade de buscae modificação
crescentesde elementosdanaturezaparafornecerenergiae matériaparao funcionamento
dos sistemastécnicosque configuramcadaperíododa históriadarelaçãosociedadenatureza.
Assim,arelaçãosociedade-natureza,que nosprimórdioshumanoseraconstituídaporuma
3. formaorgânica,onde o homeme a naturezaformavamumcompassoúnico,transforma-se,
tornando-se,atravésdatransformaçãodastécnicase da configuraçãodosperíodostécnicos,
amparadasprincipalmentenasdinâmicasorganizacionaisdassociedades,numarelaçãode
intensificaçãode usodestrutivodanaturezanatural e de crescente modificaçãodanatureza
artificial,portanto,torna-seumarelaçãogeradorade agravosao meioambiente.Dessemodo,
a relaçãosociedade-naturezatorna-secadavezmaisconflitiva,podendo,seridentificada
atualmente comoinsustentável.Oresultadodesse processotorna-se aparente pelasérie de
problemasque asociedade contemporâneatemvivenciado,que envolvemasuamaneirade
relacionarcoma natureza,de modoa evidenciarumaverdadeiracrise ecológica/ambiental.
Nesse sentidoLeff(1996, p.41) afirmaque A formacomo as sociedadespredominantes
promoveramodesenvolvimento,fizeramciênciae desenvolveramtecnologias,gerouo
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226-236, Maio/2014 230 mau desenvolvimentoque,naprática,temse mostradopredatório,
penosoe injusto.O[...] [desenvolvimento],entendidoapenascomoavançotécnico,material e
crescimentoeconômico,estásendoobtidodentrode umpadrãode produção,de consumo,
de acumulaçãoe de vidainsustentável.Tambémseguindoesse enfoque,Souza(2000,p. 43)
indicaque essacrise ecológico/ambiental é desencadeadaporumconjuntode agravos
ambientais,taiscomo:Oproblemadapoluição(efeitoestufa,mudançasclimáticas,destruição
da camada de ozônio,acidificaçãoe poluiçãotóxica);oproblemadadegradaçãodosrecursos
naturaisrenováveis(extinçãode espéciese ecossistemas,desmatamento,degradaçãodosolo,
degradaçãoda água e degradaçãodosrecursospesqueiros);oproblemadoesgotamentodos
recursosnaturaisnão renováveis(fontesde materiaise energia);bemcomooutrosproblemas.
A preocupaçãocrescente coma questãoecológico/ambiental,segundoSouza(2000) ganhou
corpo e importânciaprincipalmente nasegundametadedoséculoXX.Nãoque antesdeste
períodonão houvesse preocupaçõescomadegradaçãoda natureza,mas elasnãoganhavama
devidaprioridade porparte dosgovernantese até daprópriaciência.Nesse período,“pouco
se conheciasobre as relaçõesentre progressoeconômicoe degradaçãoambiental,e pouca
importânciase davaa isso”,principalmenteporque somente uma“[...] parcelapequenadas
pessoascomunssentiasignificativamenteosefeitosque aintensificaçãodasatividades
econômicasocasionavam sobre oambiente natural”(SOUZA,2000,p. 48). A tomada de
interesse,de acordocom Souza(2000), originou-se devidoàestruturaçãodospadrõesde
produçãoe consumoemmassa,típicos dosistemacapitalistae doperíodotécnicoe técnico-
científico-informacional.Oaumentodospadrõesde produçãoe consumointensificaramos
efeitosdestrutivossobre omeioambiente,denotandoumacrescente pressãodasociedade
sobre a natureza.Pressãoque se realizapormeioda industrialização,daconcentração
espacial, damodernizaçãoagrícola,docrescimentopopulacional e daurbanização.Assim, a
formacomo a sociedade estáestruturadae comoelafuncionaatualmente,marcada,
sobretudo,pelousointensivode tecnologiasparaa exploraçãodanatureza,visandoo
crescimentoeconômico,pelodesejoindividual de consumomaterial e pelaformaçãode
aglomeraçõeshumanas,fazcomque reflitamossobre omodelode desenvolvimento
ambientalmentepredatórioque seguimos.A percepçãodadegradaçãodosrecursosnaturais
não pode serencaradasomente soba “[...] óticaque teriamsobre o desenvolvimento
econômico[...]”,masdevendoserencarada“[...] soba óticados efeitossobre oequilíbriodos
ecossistemase sobre asustentabilidade daprópriavidanoplaneta”(SOUZA,2000, p.67).
Nesse sentido,é precisoque entendamosque aquestãodosagravosao meioambiente
4. precisasercompreendidacomoresultadodarelaçãosociedade-natureza.Osproblemas
ecológico/ambientaisatuaissãoresultadosdoprocessohistóricode interferênciade cadaser
social,ohomem,sobre o meio,domodode configuraçãodossistemastécnicosnaexploração
e transformaçãoda natureza.Tãologo,a configuraçãoe transformaçãodosmodosde vidada
sociedade conduzemamaioroumenorutilizaçãoe degradaçãode recursosnaturaise dos
problemasambientaisrelacionados.Assim, naúltimametade doséculoXXhá,também, o
esforçode se pensaralternativasde conciliaçãoentre omodode organizaçãodassociedadese
a preservaçãoda natureza,dosecossistemas.Umadas propostaselaboradas,prezandopela
sustentabilidade,é oVivências:RevistaEletrônicade ExtensãodaURI ISSN 1809-1636
Vivências.Vol.10,N.18: p. 226-236, Maio/2014 231 ecodesenvolvimento.Essaproposta,que é
maisbemexplicitadaaseguir,representa, anossoentender,aconsideraçãodarelação
sociedade-naturezaemumaformaampla,englobandodimensõeseconômicas,ambientais,
sociais,espaciaise culturais.PARA PENSARA SUSTENTABILIDADEE O DESENVOLVIMENTO,O
ECODESENVOLVIMENTOAtualmente vivenciamos diversosdebatessobre aproblemática
ambiental emdistintossetoresdasociedade.Tantoque odiscursocontemporâneoabarca
com veemênciaopressupostodasustentabilidade.Contudo,apesardoapeloser“[...]
pretensamente universal,nãohámuitosconsensossobre osvaloresque abrigamaideiade
sustentabilidade”(SOUZA,2000,p. 46). Nessalinhade raciocínio,verificamosduasabordagens
que tratam de forma diferenciadaosmeiosparase alcançar a sustentabilidade.Uma,derivada
da EconomiaAmbiental,de base neoclássica,que temseusfundamentosmuitobem
explicitadosporSouza(2000), MontibellerFilho(2001) e May, Lustosa& Vinha(2003),
representaapreocupaçãocom o meioambiente apartirdoaspectoeconômico,com
predominânciadasrelaçõeseconômicassobre oecológicoe consequentemente orientada
para a satisfaçãodosdesejosindividuaisdaspessoas,visando,sobretudo,seubem-estar.
Outra,derivadada EconomiaEcológica,representaumaabordagemalternativa,combase em
princípiosdaecologiageral e adaptada à ecologiahumana,originaochamado
ecodesenvolvimento,percepçãocríticaà visãoestritamente econômicadomeioambiente.
Nesse mesmocontexto,verifica-se naliteraturaque tratadas abordagensecológicasoudas
abordagenssocioambientais dodesenvolvimentoaexistênciade doisconceitosque tratamda
sustentabilidade,oconceitode desenvolvimentosustentávele oconceitode
ecodesenvolvimento.Nesse trabalho,consideramosoconceitode ecodesenvolvimentopor
entendermosque oconceitode desenvolvimentosustentávelapresentasinalizaçõessintéticas
sobre a complexidade e aamplitude daquestãoecológicae,sobretudo,porserconstruído
numviésda economiaambientalneoclássica,sendodenominadoporalgunsautorescomo
sustentabilidade fraca.Logicamente,oecodesenvolvimentonãose apresentade forma
perfeita,existemquestõescomplexasque nãosãofacilmente respondidasouresolvidas,mas
entendemosque este conceitoe propriamentesuaproposta,aproxima-se de questõeslocais,
portantomaisoperativas.Oecodesenvolvimento,propostaque trabalharemosnasequencia,
é umaalternativaoriginadadevidoainsatisfaçãode algunscientistase pesquisadoresem
relaçãoao predomíniodoeconomicismonasanálisese políticasde desenvolvimentoe,
sobretudo,àcrescente deterioraçãodascondiçõesde sobrevivênciadamaiorparcelada
populaçãoe à degradaçãodomeioambiente.Dessaforma,opontode partidado
ecodesenvolvimentofoi oreconhecimentode que modelosde desenvolvimentopromovidos
pelohomematé então,produziramnãosóum drásticoincrementonataxade destruiçãoda
natureza,comotambéma deterioraçãodadiversidade culturale aprópriaexclusãosocial.
5. Nesse sentido,oconceitode ecodesenvolvimentofoi introduzidoporMaurice Stronge
largamente difundidoporIgnacySachs a partir de 1974. Suaformulaçãobaseou-se na
tentativade superaçãodavisãounilateral (econômica) dodesenvolvimento,substituindo-a
por uma visãoholística,englobandooconjuntode aspectoseconômicos,políticos,culturais,
sociaise ambientais,numaabordagemsistêmica,onde estesaspectosse interpenetrame
interdependem(MONTIBELLERFILHO,1993). O ecodesenvolvimentoapresenta,segundo
Souza(2000, p.143), a percepção“[...] que o sistemaeconômicofazparte de umsistema
ecológicomaior,e que o equilíbriodeste últimodeveriaterprioridade sobre asmetase a
racionalidade econômica”.Assim,oecodesenvolvimentopropõe:Vivências:RevistaEletrônica
de Extensãoda URI ISSN 1809-1636 Vivências.Vol.10,N.18: p. 226-236, Maio/2014 232 i) uma
lógicade produção voltadaparaa óticadas necessidadesfundamentaisdamaioriada
população;e ii) a utilizaçãoracional dosrecursosnaturaisnaperspectivade garantiràs
geraçõesfuturaspossibilidadesde desenvolvimento (SACHS,1986). Desse modo,o
ecodesenvolvimentoé um[...] estilode desenvolvimentoque,emcadaecorregião,insiste nas
soluçõesespecíficasde seusproblemasparticulares,levandoemcontaosdadosecológicosda
mesmaformaque os culturais,asnecessidadesimediatascomotambémaquelasalongoprazo
(SACHS,1986, p. 18). Então, para o ecodesenvolvimento,asustentabilidadedeve ser
consideradadopontode vistade cada geossistema/ecorregião,enquantosíntesegeográfica
integradoraentre ohomeme natureza,capaz de englobartodasas complexasrelações
existentesentre oscomponentesdasociedade humana(MONTIBELLERFILHO,2001). Para
tanto,Sachs (1993) indicacincodimensõesdasustentabilidade:A sustentabilidade social –que
implicanaconsideraçãodasdesigualdadessociaisnosprocessosde desenvolvimento,
prezando,dessaforma,pelareduçãodadistânciade direitose condiçõesentreospadrõesde
vidade ricos e pobres.“O objetivoé construirumacivilizaçãodoser,emque existamaior
equidade no ter[...]”(SOUZA,2000, p.165). Entre oscomponentesdessadimensãoda
sustentabilidade estãoacriaçãode empregosque permitamacaptaçãode rendaindividual
adequadaa melhorcondiçãode vidae a produçãode bensdirigidaprioritariamente às
necessidadesbásicassociais(SACHS,1993).A sustentabilidadeeconômica –que implicana
alocação e gerenciamentomaiseficientedosrecursos,tendoporobjetivoaumentara
produçãoe a riquezasocial semdependênciaexterna.Paraissooscomponentesprincipaissão
o fluxopermanentede investimentospúblicose privados,comdestaque parao
cooperativismoe aendogeneizaçãodoprocessoeconômico,ouseja,odesenvolvimento
econômicodeve contarcomas própriasforças (SACHS,1993). A sustentabilidadeecológica –
que implicanabusca da qualidade domeioambiente e napreservaçãodosrecursosnaturaise
energéticosparaasfuturasgerações(SACHS,1993). Esse processodeve serrealizado
mediante orespeitoaosciclosecológicosdosecossistemas,alimitaçãodousode recursos
naturaisnão renováveis,areduçãoda produçãode resíduose poluição,naautolimitaçãodo
consumopelosmaisricos,naintensificaçãode pesquisaemtecnologiaslimpase nadefinição
de regras claras para uma adequadaproteçãoambiental (SOUZA, 2000). A sustentabilidade
espacial – que implicaemevitaroexcessode aglomeraçõeshumanas,atravésda
descentralizaçãoespacial,tantode atividadesprodutivasquantode população.Implica
tambémemproporcionar“[...] modelosde agriculturaregenerativae agroflorestamentopara
pequenosprodutores[...]”estabelecendo“[...] umarede de reservasnaturaise de biosfera
para protegera biodiversidade”(SOUZA,2000, p.165). A sustentabilidade cultural –que
implicanamanutençãoda diversidade cultural,de formaaevitarconflitosculturaiscom
6. potenciaisregressivose abuscar soluçõesparaproblemasde formaadaptadaa cada
ecossistema,cadaculturae cada lugar (SACHS,1993). A sustentabilidadecultural,segundo
Souza(2000, p.166), traduz “[...] commaispropriedade omodelode planejamento
estratégicoparticipativode desenvolvimentolocal,que representaaformacom que o
ecodesenvolvimentodeveriaserimplementadosegundoseusidealizadores”.O
ecodesenvolvimento,dessaforma,se colocacomoumaabordagemalternativaaosmodelos
de desenvolvimentotradicionais.Baseia-senasustentabilidadede geossistemas/ecorregiões,
na prudênciaecológica,nastecnologiasadaptadas(ecotécnicas),nasforçasendógenasdas
localidadese naparticipaçãodasociedade local noprocessode planejamentodo
desenvolvimentolocal.Naspalavrasde Sachs(1986, p.81), o ecodesenvolvimento“[...] tem
aplicaçõesóbviasaosníveislocal e regional,nosquaisé possível levar-seemcontatantoa
diversidadede recursos,comoas Vivências:RevistaEletrônicade ExtensãodaURI ISSN 1809-
1636 Vivências.Vol.10,N.18: p. 226-236, Maio/2014 233 aspiraçõese necessidadesdas
pessoas,expressasatravésdoplanejamentoparticipativo”.Dessecontexto,verifica-seque o
aspectoespacial dacompreensãodasrelaçõessociedadenaturezaé umacondiçãobastante
importante nadiscussãosobre asustentabilidadee odesenvolvimento.Oideal seriaalcançado
se pudéssemoscompreendertodasessasrelações(interferências,interdependências) emum
contextoglobal,de totalidade-mundo.Contudo,comoSantos(2004, p. 113) nos lembra,isso
“[...] inspiraumfantasiosodiscurso[...]”,emvirtude dacomplexidade que tal tarefaassume.O
ecodesenvolvimento,porse tratar de um modelode desenvolvimentoque buscaaproximar-se
de questõeslocaise operativas,consideraoconceitode ecorregiãocomosuaprincipal
unidade espacial.Esse conceitoé derivadodoconceitode regiãodageografia,sendo
concebidocomoumaárea relativamentehomogêneaque possui característicasfisiográficas,
condiçõesecológicas,culturaise técnicassimilares,interdependentes,onde asdinâmicase
processosentre asociedade e a naturezase realizame onde osagravos ao meioambiente se
materializam.A ecorregiãopode serentendida,então,comoumaregiãoecológicaque possui
características particulares,umafusãodasordensambiental e cultural,umhíbridoconflitivo
entre a primeirae a segundanatureza,umaregiãoque funcionacomorazão de processos
econômicos,tecnológicos,culturais,energéticos,sociaise ambientais.Nesse sentido,o
ecodesenvolvimentoconsideraanoção de sustentabilidade diretamente relacionadaao
equilíbriodosistema,dogeossistema/ecorregião(energiae materiais:saídas= entradas),pois
a economiaecológicaanalisaa“[...] estruturae o processoeconômicode geossistemassoba
ótica dosfluxosfísicosde energiae de materiais”(MONTIBELLER,2001, p. 124). Desse modo,o
ecodensenvolvimentoapresenta-se comoumestilode desenvolvimentoancoradoemcritérios
racionaisde exploraçãoe aproveitamentodosrecursosnaturaisdisponíveis,valorizando,
especialmente,asconfiguraçõessocioespaciais,acultura,a naturezae as alternativas
tecnológicaslocais.Oecodesenvolvimentotende aproduzirumaconciliaçãonãoapenas
momentâneadosproblemasidentificadosnarelaçãosociedade-natureza,masuma
perspectiva,senãoaúnica,de manutençãodasustentabilidade emlongoprazo.Ecorregião,
psicosferae ecotécnicas –a razão regional-localdodesenvolvimentoe dasustentabilidade A
ecorregião,comovimos,é a unidade espacial idealizadaporSachspara pensarmosa
operacionalizaçãoe implantaçãoefetivasde projetosde ecodesenvolvimento.A ecorregião,
por compreendercaracterísticasinternasespecíficase complementarese por,de certo modo,
ter umasignificaçãodiretaàsociedade local,torna-seaunidade espacial que permiteo
conhecimentode problemasque possamcausaragravosao ambiente e desequilíbrioao
7. sistema,portanto,possibilitando,de formamaisrápida,aação para preveni-lose corrigi-los.
Desse modo,ofuncionamentodaecorregião,considerandoospressupostosdo
ecodesenvolvimento,trazrazãolocal na formulaçãoda “racionalidade ambiental”,
possibilitandoque asociedade reajaaopensamentouniversalista,aomodelode
desenvolvimentoque prezapelapredominânciadoensejotecnológicoe da“racionalidade
econômica”,fundamentadanosganhoseconômicos(LEFF,2000).Assim, a ideiade ecorregião
permite avalorizaçãodosrecursosespecíficosemcadauma dessasregiõescomofonte
realistae autônomade satisfaçãodasnecessidadeshumanase inclusive,enquanto,
construçãoidentitária,de mobilizaçãodasociedadediretamente envolvida,nabuscapor
açõesque visema sustentabilidade de longoprazo.A ideiade ecorregião,então,implicaem
satisfazeras“[...] necessidadesfundamentaisdapopulação,comoalimentação,habitação,
saúde e educação [...] evitandoosnefastosefeitos[...] doestilode consumodospaísesricos”
(SACHS,Vivências:RevistaEletrônicade ExtensãodaURI ISSN 1809-1636 Vivências.Vol.10,
N.18: p. 226-236, Maio/2014 234 2007, p. 61), tomandocomo pontode partidao conjuntode
saberescientíficos,tecnológicos,culturais,sociaise ecológicosdaregião.Assim, aopensarmos
na razão local do desenvolvimentoe dasustentabilidade evidenciadasespacialmente na
ecorregião,podemosdizerque oecodesenvolvimentonecessitade umaecofilosofia,ouseja,a
consideraçãode que nãosomente atecnosfera(omundodosobjetosnaturais,técnicos,
cibernéticos)precisabuscarasustentabilidade,mastambéme principalmente apsicosfera.A
psicosfera,conceitoelaboradoporMiltonSantos,pode sercompreendidacomoo “[...] reino
das ideias,crenças,paixões,lugare sentido[...]”que fazparte domeioambiente e que
fornece “[...] regrasà racionalidade ouestimulaoimaginário”(SANTOS,2004, p. 256). Assim,
enquantoa“[...] tecnosferaé o mundodosobjetos,apsicosferaé a esferadaação” (SANTOS,
2004, p.257) e desse modo,asestratégiasparase alcançar o desenvolvimentocom
sustentabilidade necessitamconsiderarambas.A psicosferamuitasvezesprecede,noutrasé
precedidapelamodificaçãodossistemastécnicos,elaenglobaabase social datécnica,os
componentesculturaisdasociedade que influenciamreciprocamenteatecnosfera.A
configuraçãoatual da relaçãosociedade-natureza,condiçãoresultante dossistemasde objetos
e ações,“[...] condicionaosnovoscomportamentoshumanos,e estes,porsuavez,acelerama
necessidadedautilizaçãode recursostécnicos,que constituemabase operacional de novos
automatismossociais”(SANTOS,2004, p. 256). Desse modoa “[...] tecnosferae a psicosfera
são os doispilarescomosquaiso meiocientífico-técnicointroduzaracionalidade,a
irracionalidadee acontra-racionalidade,nopróprioconteúdodoterritório”(SANTOS,2004, p.
256). Então,a psicosferaindicaque ossistemasde açõespodemsercondicionadosporideias,
crenças e sentido,consequentemente,asideias,quandoaliadasàracionalidadeambiental,
podemmodificarasações,que teoricamente podemmodificarossistemastécnicos.Assim, a
composiçãoda psicosferaque envolveaecorregiãotorna-se importante nodebate sobre o
desenvolvimentoe asustentabilidade.Nesse sentido,acultura,que tambémé expressãoda
psicosfera,se caracterizacomomediadoranarelaçãosociedade-natureza,definindoformasde
apropriaçãoe consumode recursosnaturais,sejade formadiretaou indireta.Namedidaem
que o homemartificializaanatureza,pormeiodosistemade ações,tornandoos objetos
naturaisemobjetosartificiais,ohomemestáculturalizandoanatureza,estáimprimindoseu
modode vida,modificandoasformasnaturaise incorporandonovossignificados.Dessa
forma,entendere respeitarossaberesdasculturaslocais,porseremtradicionaisàsregiões,e
por englobaremumagamade conhecimentossobre ofuncionamentoe organizaçãodos
8. ecossistemase demaiscomponentesinseridosnaecorregião,podese tornaressencial para
alcançar a razão local do desenvolvimentocomsustentabilidade.Isso,conduzidopela
psicosfera,atravésde processosde conscientizaçãoambientale daincorporaçãode
sentimentode pertencimentoàecorregião,possibilitaráàsociedade opoderde reaçãoao
processode universalizaçãodossistemastécnicos,comocomentadoanteriormente.Nesse
sentido,ainda,é possível projetarsoluçõesparacorrigire preveniragravosao meioambiente.
Nesse particular,auniãodastecnologiasàecologia,atravésde novoscomportamentos
expressosnaesferadas ações,pode criarou mesmoresgataras chamadasecotécnicas,que
segundoSachs(1986) podemserexemplificadas:a) nosetorde alimentação,atravésda
resistênciaàstecnologiasdecorrentesdachamada“RevoluçãoVerde”,investindonaprodução
de alimentosque utilizemtécnicasorgânicase empotencialidadesde cadaecorregião;b) no
setorda habitação,reinventandoasecocasas,utilizandomateriaisecologicamente corretose
de preferênciade origemlocal,reciclandooureusandoaágua,etc.;c) no setorenergético,
buscandoreduziroconsumode Vivências:RevistaEletrônicade ExtensãodaURI ISSN 1809-
1636 Vivências.Vol.10,N.18: p. 226-236, Maio/2014 235 energia,utilizandofontesde energia
alternativasàsnão-renováveis,comoaenergiasolar,aenergiaeólica,aenergiaproduzida
atravésdo metano,entre outras.Essastécnicasecológicasconfiguramumapossibilidade de
modificaçãodoparadigmadominante de exploraçãodosrecursosnaturais,poisprocuram
atingirumpadrão sustentável dousodanatureza,nãocausando agravosao meioambiente e,
portanto,preservandorecursosparaas geraçõesfuturas,que é umdos objetivosdo
ecodesenvolvimento.Assim,omeioambiente [...]emergecomoumsaberreintegradorda
diversidade,de novosvaloreséticose estéticose dospotenciaissinergéticosgeradospela
articulaçãode processosecológicos,tecnológicose culturais.Osaberambiental ocupaseu
lugarno vaziodeixadopeloprogressodaracionalidade científica[e econômica],comosintoma
de sua faltade conhecimentoe comosinal de umprocessointerminável de produçãoteóricae
de ações práticasorientadasporuma utopia:a construçãode ummundosustentável,
democrático,igualitárioe diverso(LEFF,2001,p.17). CONSIDERAÇÕESFINAISA discussão
sobre a relação sociedade-naturezaé muitomaisamplaque atrazidaneste trabalho,
tampoucofoi nossaintençãoesgotaro seudebate.Contudo,podemosteceralgumas
consideraçõesque achamospertinentesnoque se refere aconfiguraçãodossistemastécnicos
e de açõesem relaçãoas alternativasparao desenvolvimentocomsustentabilidade.É
importante que entendamosque odesenvolvimentocomsustentabilidadeprecisaser
compreendidocomoresultadodarelaçãosociedade-natureza.Osproblemasambientaisatuais
são resultados doprocessohistóricode interferênciade cadaser social,ohomem, sobre o
meio,domodode configuraçãodossistemastécnicosnatransformaçãoe exploraçãoda
natureza.Tão logo,a configuraçãoe transformaçãodosmodosde vidada sociedade
conduzema maiorou menorutilizaçãoe degradaçãode recursosnaturaise a maior oumenor
geração de agravosao meioambiente.Assim, pensandonumaracionalidade ambiental,
parece-nosque nadajustificaque aexploraçãoe ogerenciamentodosrecursosnaturaisse
realizemsobaótica estritamenteeconômica,comodirecionamentodosavançostecnológicos
para a buscada reduçãodos custosde exploraçãodosrecursose para a maiorrentabilidade
monetária.Há,pois,a necessidadede havercertacoerênciaentre oselementostécnicos,que
tambémsão sociais,e a natureza.A percepçãodas técnicas“[...] ecologicamente prudentese
socialmente aceitáveisaparece comoitemfundamentalnasestratégiasde harmonização[...]”
(SACHS,1986, p. 42) entre a sociedade e a natureza.Nesse sentido,ossistemastécnicos
9. devemse adaptaràs condiçõesnaturaise culturaisde cada geossistema/ecorregiãooumesmo
devemseroriginadose configuradoscomoresultadodossistemasde açõeslocais/regionais,
de modo a respeitaroslimitesimpostospelanatureza,noque tange anão extrapolaroseu
limite de regeneraçãoe adaptação,e a satisfazerasnecessidadeshumanasbásicasatuaise
futuras.Na realidade,háde se estabelecerumanovaarticulaçãoentre a sociedade e a
natureza,buscandoharmonizar objetivossocioeconômicose ambientais.Estaarticulação,que
temcomo gênese apsicosfera,deve considerarascinco dimensõesdoecodesenvolvimentona
busca pelaVivências:RevistaEletrônicade ExtensãodaURI ISSN 1809-1636 Vivências.Vol.10,
N.18: p. 226-236, Maio/2014 236 superaçãodo paradigmadominante.A esse respeito,a
necessidadede se pesquisaropotencial dosrecursosde cada ecossistema,numcontexto
local/regional,masde reflexosglobais,torna-se premissaparamelhorapreenderainteração
entre processosnaturaise sociaise consequentementealcançarumamaiorracionalidade
socioambiental.A este propósitoanoção de sustentabilidade trazidapelo
ecodesenvolvimentoparece-nosamaisapropriadapara pensarmosomodelode
desenvolvimentoque buscamos.