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Serviço Educativo
2006 Ano Nacional de Museus
Degas: o universo de um artista
de 16 de maio a 20 de agosto
CONTINUA
O Papel da Escultura
Richard Kendall*
Degas foi o mais importante pintor-escultor do século XIX, antecipando e até
estimulando o diálogo criativo entre duas linguagens plásticas no que se refere
a seus sucessores imediatos, principalmente Picasso e Matisse. Apesar da alta
estima de que sua escultura gozou e continua a gozar (Renoir denominou-o“o
maior escultor vivo”), ainda existem notáveis lacunas em nosso conhecimento
das circunstâncias em que foram criadas as esculturas de Degas, a data de
cada peça e o papel que elas exerceram em sua arte de técnica diversificada. O
pouco que se conhece sobre o assunto acaba por criar o mistério que o rodeia.
Por exemplo, nota-se com freqüência que Degas, durante sua vida, expôs uma
únicaobra,Apequenabailarinadecatorzeanos,quemanteveorestantedesuas
esculturasemseuestúdioatéamorteequemuitasdesuasfigurasdebailarinas,
banhistasecavalosforamrelegadasaodescasoeaoabandononosúltimosanos
do artista. Quaisquer que fossem as ambições de Degas para essas esculturas,
reconhecimento público e apelo à posteridade não eram os elementos mais
importantes para ele.
As pesquisas atuais prometem lançar luz sobre grande parte da incerteza
que persegue a história desses extraordinários objetos1. A análise de muitos
dos 74 modelos que chegaram até nós já demonstrou que Degas trabalhava
principalmente em cera, embora com incursões pelo gesso e pela argila, e que
com freqüência misturava a seus procedimentos certos materiais e objetos
estranhos, algumas vezes bizarros2. Muitas de suas criações exibem provas
de sua elaboração, por meio de impressões digitais preservadas e superfícies
nitidamente estriadas, bem como de marcas denteadas de instrumentos
de modelagem, de uso habitual pelos escultores do final do século XIX.
Freqüentemente de construção precária e sustentadas por armações pouco
sofisticadaseprolongamentosimprovisadoscomafinalidadedeproporcionar-
lhes maior apoio,as figuras amontoavam-se no tampo das mesas e nas estantes
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2006 Ano Nacional de Museus
Degas: o universo de um artista
de 16 de maio a 20 de agosto
CONTINUA
do ateliê de Degas em Montmartre, onde eram observadas por seus amigos e
cresceram até o fim de sua carreira. Somente após a morte do artista, ocorrida
em 1917, as ceras foram resgatadas pelos amigos e pela família, restauradas se
possível e preparadas para a fundição em bronze. Com o uso de uma variação
engenhosa do processo de cire perdue (ou “cera perdida”), foram realizadas
cercadeduasdúziasdeconjuntosdebronzes,aomesmotempoquesepreservou
a maior parte dos modelos originais de Degas.
De tempos em tempos tem-se tentado – mas jamais houve um enfrentamento
direto – elaborar uma explicação parcial do projeto escultórico de Degas,
altamente irregular, tão simples quanto provocativo. Trata-se da possibilidade
de que a maioria de suas ceras foi feita para subsidiar a composição dos pastéis
e óleos do artista,seja com o intuito de ampliar sua compreensão de uma forma
tridimensional, seja para ocupar literalmente o lugar do modelo-vivo. Essa
proposição está apoiada em uma grande variedade de fontes, entre as quais o
relato de vários diálogos travados entre Degas e o crítico François Thiébault-
Sisson em 1897.
À medida que os diálogos progrediam,Degas falou a Thiébault-Sisson de“suas
tentativas de modelagem, que substituíram a pintura como meio de expressão,
umavezquesuavisãosedebilitava”3.Aoinsistirquevinhapraticandoaescultura
“havia mais de trinta anos, não de maneira contínua, mas esporadicamente”,
Degascitousuasprimeirasexperiênciascomcavalosdecorridaemcera,quando
se deu conta de que “para alcançar uma precisão tão perfeita na representação
dos animais de tal modo que se transmita uma sensação de vida,era necessário
recorrer à tridimensionalidade”. O artista, por fim, resumiu os procedimentos
que então empregava, asseverando que
o único motivo pelo qual fiz figuras de cera de animais e de seres humanos
visava a minha própria satisfação, não para distanciar-me por um tempo da
pintura ou do desenho, mas para proporcionar a minhas telas e desenhos
maior expressividade, maior ardor e mais vida. Trata-se de exercícios que me
estimulam,procedimentos documentais,preparatórios e mais nada.Não tenho
intenção de vender nenhum deles...4
Serviço Educativo
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Degas: o universo de um artista
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CONTINUA
Mesmo considerando a licença jornalística, são profundas as implicações
dessa afirmação para as esculturas de Degas. Historicamente, entretanto, tal
relacionamentoentreamodelagemeoatodepintarestálongedeserexcepcional.
Mais adiante, em sua narrativa, Degas assinalou o uso de figuras em miniatura
por seus predecessores e ele certamente tinha familiaridade com manequins,
figurasdeproaeestudosemcerarealizadosporpintorescontemporâneoscomo
Gustave Moreau e Ernest Meissonier, bem como seria de seu conhecimento a
renomada e ilustre linhagem desse procedimento.
AGrammairedesartsdudessin,deCharlesBlanc,bastanteconhecida,descreveu
a existência, na Antigüidade, de dispositivos comparáveis, especificamente
como substitutos do modelo-vivo na composição de pinturas, e o fato de
Poussin utilizar-se de tableaux modelados em cera, de pequena escala, que
incorporavam figuras rudimentares, com trajes drapejados, ter sido do
conhecimento de Degas por cartas desse pintor,as quais,ao que parece,ele teria
lido na juventude5. Degas deve ter visto em primeira mão esculturas de cera
mais próximas de sua realidade, durante sua amizade com Joseph Cuvelier, na
década de 1860. Nesse mesmo período familiarizou-se com o uso de modelos
em cera no desenvolvimento das telas de Gustave Moreau6.
Se tomarmos as palavras de Thiébault-Sisson, deve-se encontrar a mais íntima
correspondência entre as pequenas figuras de cera de Degas e as imagens
bidimensionais, às quais foram conferidas “maior expressividade, maior
ardor e mais vida”, com a ajuda delas. Até hoje não houve nenhuma tentativa
significativa de comprovar essa correspondência, o que é surpreendente,
embora John Reawald e Ettore Camesasca,com seus estudos pioneiros,tenham
se empenhado com coragem e plausibilidade, em apontar tais justaposições7.
Mais recentemente, em várias exposições, esculturas foram exibidas ao lado de
desenhos e pastéis que lhes eram correspondentes, culminando nos esforços
imaginativos da retrospectiva de Degas, realizada em 1988-1989, com a
finalidade de estabelecer novas correspondências8.
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Degas: o universo de um artista
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CONTINUA
Continua obscuro, entretanto, o significado de tais pareamentos.A tela segue a
escultura ou ocorre o contrário? Se existir uma conexão entre as duas formas,
qual sua precisão? Degas teria usado esculturas recentes ou talvez fossem muito
antigas? E, se ele substituiu seus modelos-vivos por cera, o que isso nos revela
sobre seu entendimento do realismo?
O recurso de Degas a uma figura de cera modelada, visando à composição de
um quadro, pode ser visto em sua simplicidade e irrefutalibidade em Grande
arabesco,segundo tempo.Nesse exemplo,o artista escolheu uma escultura feita
talvez havia uma década, mas ainda visível em seu estúdio, Grande arabesco,
segundo tempo, desenhando-a com carvão sobre papel de decalque e partindo
de uma posição frontal e teatral. Talvez, quem sabe, pelo fato de originar-se de
uma pequena escultura, Degas limitou-se nesse desenho a indicar os detalhes,
tais como as mãos, os pés e os traços faciais, concentrando suas energias no
impacto teatral da pose.
Uma figura que apresenta semelhante simplificação aparece na direita de
Três bailarinas, outro desenho a carvão a partir da mesma escultura, que
significa um avanço nesse procedimento. Ao colocar a escultura de cera em
três posições sucessivas, o artista a desenhou três vezes, sugerindo ao mesmo
tempo o movimento de uma única bailarina e o vaivém rítmico do conjunto.
A essa criação Degas acrescentou o mais leve dos tutus e alguns elementos de
individualidade na cabeça das bailarinas,mas o efeito é de um dinamismo vivo,
em que o peso está quase ausente.
Ao recorrer ao papel de decalque, Degas foi capaz de duplicar desenhos como
esse, revertendo-os lateralmente e trabalhando algumas folhas com pastel.
Muitas variantes de Três bailarinas foram catalogadas, bem como uma versão
em óleo sobre tela, apresentando uma multiplicidade de planos de fundo,
mas cada uma dessas variantes se origina basicamente do mesmo modelo
tridimensional9. Outra resposta direta a uma de suas esculturas é evidente em
Banhista,fieltransposiçãodeMulhersurpresaemboradessavezDegastambém
tenhatentadoinserirafiguradesenhadanumagrandecomposiçãorural,daqual
consta um banho10.Em Três bailarinas de saiote roxo notamos essa progressão
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da escultura para o desenho, da linha para as cores pirotécnicas do pastel, que
alcança um resultado sensual. Iniciado como um estudo em carvão a partir de
Bailarina movimentando-se para frente, braços erguidos, estudado em várias
posições, conforme ocorreu com Três bailarinas, e finalmente enriquecido com
um cenário quase tropical, o pastel Três bailarinas com saiote roxo exemplifica
a versatilidade e a alquimia transformadora de Degas no exercício de seu ofício,
em sua fase final.
Uma vez consolidada, a prática de recriar uma forma tridimensional numa
composição bidimensional estava aberta a inúmeras e curiosas variações. Ao
virarsuafolhadepapeldedecalque,Degaspodiaproduzirumaimagem-espelho
dodesenhooriginal,talcomoaquelaemquetranspôsBailarinaolhandoaplanta
de seu pé direito para Banho matinal.Nesse exemplo,uma invenção escultórica
magnífica foi metamorfoseada em um dos mais cintilantes pastéis do início da
décadade1890,efeitoqueoartistaconseguiuaodeslocarseumodelosubstituto
para um quarto fictício, invadido pela luz. Com uma combinação de poses
inversas e repetidas, o pastel Três bailarinas pode muito bem ter sido inspirado
emBailarinacomtamborim,estudoemceraquesedeteriorounosúltimosanos
de vida de Degas.
Tal como ocorre com inúmeras dessas configurações,a pose da escultura parece
evocartemasmaisantigosdacarreiradoartista,propondoumatransiçãoainda
maiscomplexadasformasdesenhadasparaasformasmodeladaserealizandoo
percurso inverso.Essa possibilidade pode explicar a associação de uma segunda
versão de Bailarina olhando a planta de seu pé direito com a figura de fundo
em Bailarinas, um óleo sobre tela, de ligeiro improviso, que evoca uma tela da
maturidade de Degas como Aula de balé.
Degascercava-sedesuasesculturas,desenhos,pastéiseóleos,dispostosaoacaso,
em seu vasto estúdio da rua Victor Massé.Ao que parece, transitava livremente
de um objeto ou uma imagem para outro, emprestando uma postura de um
modelo de cera ou situando uma pose familiar em um novo cenário. Ao longo
dos anos, a troca entre modelos-vivos e seus substitutos em cera, entre uma
realidade que ocupava um espaço e a invenção linear, deve ter sido intensa e só
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podemos desejar que sejam realizadas novas pesquisas sobre essas trocas
sutis. Indicativa da profusão de tais exemplos é a notável série de óleos e
esculturas baseada numa única bailarina, com as mãos nas cadeiras, aqui
representada por Bailarina em repouso, com as mãos atrás das costas, pé
direito para frente. Em algum momento de sua evolução, o desenho Três
bailarinas nuas possuía uma ligação comum com essa escultura, outro
rebento adquiria trajes delicadamente matizados para resultar em Duas
bailarinas e um terceiro estudo, Três bailarinas nos bastidores refletia a
maneira mais austera dos últimos anos de Degas. Grupo de bailarinas e,
em determinado momento, uma variante única, vestida, da figura de cera
Bailarina vestida em repouso, com as mãos atrás das costas, pé direito para
frente foi modelada para proporcionar um apoio à criação desse grupo.
Fazendo eco, mais uma vez, a composições anteriores e encontrando
ocasionalmente expressão em pinturas a óleo, como Bailarinas, rosa e
verdeeBailarinasazuis,essetemaobsessivoimpregnatodasaslinguagens
plásticas, em cada estágio das figuras representadas vestidas ou nuas, e
em cada patamar de completude, na derradeira fase da obra de Degas.
* Texto originalmente publicado em Richard Kendall, Degas: Beyond
impressionism, National Gallery of Art, Londres, 1996. © Richard
Kendall, 1996.
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Notas:
1.Cf.Richard Kendall, op. cit.,Cap.2
2.Sobretudo na National Gallery of Art,Washington.
3.Cf.Apollo, agosto de 1995, especialmente pp.49-63.
4.Richard Kendall, Degas by himself,1987,p.244.
5.Ibid., p. 246.
6.Charles Blanc,Grammaire des arts du dessin,Paris,1897,pp.528-9;Caderno
n.II,p.105.
7. Quanto a Cuvelier, cf. Denis Rouart (ed.), The correspondance of Berthe
Morisot, Londres, 1986, p. 56; várias ceras de Moreau estão preservadas no
Musée Gustave Moreau, Paris.
8. John Rewald, Degas, Works in sculpture: A complete catalogue, Nova York,
1944; Ettore Camesasca, Degas scultore,Florença,1986.
9. Jean Sutherland Boggs et alli, Degas, cat. exh., Paris, Ottawa e Nova York,
1988-89.
10.L.1131, L.1131 bis e outros desenhos relacionados.
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Degas richardkendall

  • 1. Serviço Educativo 2006 Ano Nacional de Museus Degas: o universo de um artista de 16 de maio a 20 de agosto CONTINUA O Papel da Escultura Richard Kendall* Degas foi o mais importante pintor-escultor do século XIX, antecipando e até estimulando o diálogo criativo entre duas linguagens plásticas no que se refere a seus sucessores imediatos, principalmente Picasso e Matisse. Apesar da alta estima de que sua escultura gozou e continua a gozar (Renoir denominou-o“o maior escultor vivo”), ainda existem notáveis lacunas em nosso conhecimento das circunstâncias em que foram criadas as esculturas de Degas, a data de cada peça e o papel que elas exerceram em sua arte de técnica diversificada. O pouco que se conhece sobre o assunto acaba por criar o mistério que o rodeia. Por exemplo, nota-se com freqüência que Degas, durante sua vida, expôs uma únicaobra,Apequenabailarinadecatorzeanos,quemanteveorestantedesuas esculturasemseuestúdioatéamorteequemuitasdesuasfigurasdebailarinas, banhistasecavalosforamrelegadasaodescasoeaoabandononosúltimosanos do artista. Quaisquer que fossem as ambições de Degas para essas esculturas, reconhecimento público e apelo à posteridade não eram os elementos mais importantes para ele. As pesquisas atuais prometem lançar luz sobre grande parte da incerteza que persegue a história desses extraordinários objetos1. A análise de muitos dos 74 modelos que chegaram até nós já demonstrou que Degas trabalhava principalmente em cera, embora com incursões pelo gesso e pela argila, e que com freqüência misturava a seus procedimentos certos materiais e objetos estranhos, algumas vezes bizarros2. Muitas de suas criações exibem provas de sua elaboração, por meio de impressões digitais preservadas e superfícies nitidamente estriadas, bem como de marcas denteadas de instrumentos de modelagem, de uso habitual pelos escultores do final do século XIX. Freqüentemente de construção precária e sustentadas por armações pouco sofisticadaseprolongamentosimprovisadoscomafinalidadedeproporcionar- lhes maior apoio,as figuras amontoavam-se no tampo das mesas e nas estantes
  • 2. Serviço Educativo 2006 Ano Nacional de Museus Degas: o universo de um artista de 16 de maio a 20 de agosto CONTINUA do ateliê de Degas em Montmartre, onde eram observadas por seus amigos e cresceram até o fim de sua carreira. Somente após a morte do artista, ocorrida em 1917, as ceras foram resgatadas pelos amigos e pela família, restauradas se possível e preparadas para a fundição em bronze. Com o uso de uma variação engenhosa do processo de cire perdue (ou “cera perdida”), foram realizadas cercadeduasdúziasdeconjuntosdebronzes,aomesmotempoquesepreservou a maior parte dos modelos originais de Degas. De tempos em tempos tem-se tentado – mas jamais houve um enfrentamento direto – elaborar uma explicação parcial do projeto escultórico de Degas, altamente irregular, tão simples quanto provocativo. Trata-se da possibilidade de que a maioria de suas ceras foi feita para subsidiar a composição dos pastéis e óleos do artista,seja com o intuito de ampliar sua compreensão de uma forma tridimensional, seja para ocupar literalmente o lugar do modelo-vivo. Essa proposição está apoiada em uma grande variedade de fontes, entre as quais o relato de vários diálogos travados entre Degas e o crítico François Thiébault- Sisson em 1897. À medida que os diálogos progrediam,Degas falou a Thiébault-Sisson de“suas tentativas de modelagem, que substituíram a pintura como meio de expressão, umavezquesuavisãosedebilitava”3.Aoinsistirquevinhapraticandoaescultura “havia mais de trinta anos, não de maneira contínua, mas esporadicamente”, Degascitousuasprimeirasexperiênciascomcavalosdecorridaemcera,quando se deu conta de que “para alcançar uma precisão tão perfeita na representação dos animais de tal modo que se transmita uma sensação de vida,era necessário recorrer à tridimensionalidade”. O artista, por fim, resumiu os procedimentos que então empregava, asseverando que o único motivo pelo qual fiz figuras de cera de animais e de seres humanos visava a minha própria satisfação, não para distanciar-me por um tempo da pintura ou do desenho, mas para proporcionar a minhas telas e desenhos maior expressividade, maior ardor e mais vida. Trata-se de exercícios que me estimulam,procedimentos documentais,preparatórios e mais nada.Não tenho intenção de vender nenhum deles...4
  • 3. Serviço Educativo 2006 Ano Nacional de Museus Degas: o universo de um artista de 16 de maio a 20 de agosto CONTINUA Mesmo considerando a licença jornalística, são profundas as implicações dessa afirmação para as esculturas de Degas. Historicamente, entretanto, tal relacionamentoentreamodelagemeoatodepintarestálongedeserexcepcional. Mais adiante, em sua narrativa, Degas assinalou o uso de figuras em miniatura por seus predecessores e ele certamente tinha familiaridade com manequins, figurasdeproaeestudosemcerarealizadosporpintorescontemporâneoscomo Gustave Moreau e Ernest Meissonier, bem como seria de seu conhecimento a renomada e ilustre linhagem desse procedimento. AGrammairedesartsdudessin,deCharlesBlanc,bastanteconhecida,descreveu a existência, na Antigüidade, de dispositivos comparáveis, especificamente como substitutos do modelo-vivo na composição de pinturas, e o fato de Poussin utilizar-se de tableaux modelados em cera, de pequena escala, que incorporavam figuras rudimentares, com trajes drapejados, ter sido do conhecimento de Degas por cartas desse pintor,as quais,ao que parece,ele teria lido na juventude5. Degas deve ter visto em primeira mão esculturas de cera mais próximas de sua realidade, durante sua amizade com Joseph Cuvelier, na década de 1860. Nesse mesmo período familiarizou-se com o uso de modelos em cera no desenvolvimento das telas de Gustave Moreau6. Se tomarmos as palavras de Thiébault-Sisson, deve-se encontrar a mais íntima correspondência entre as pequenas figuras de cera de Degas e as imagens bidimensionais, às quais foram conferidas “maior expressividade, maior ardor e mais vida”, com a ajuda delas. Até hoje não houve nenhuma tentativa significativa de comprovar essa correspondência, o que é surpreendente, embora John Reawald e Ettore Camesasca,com seus estudos pioneiros,tenham se empenhado com coragem e plausibilidade, em apontar tais justaposições7. Mais recentemente, em várias exposições, esculturas foram exibidas ao lado de desenhos e pastéis que lhes eram correspondentes, culminando nos esforços imaginativos da retrospectiva de Degas, realizada em 1988-1989, com a finalidade de estabelecer novas correspondências8.
  • 4. Serviço Educativo 2006 Ano Nacional de Museus Degas: o universo de um artista de 16 de maio a 20 de agosto CONTINUA Continua obscuro, entretanto, o significado de tais pareamentos.A tela segue a escultura ou ocorre o contrário? Se existir uma conexão entre as duas formas, qual sua precisão? Degas teria usado esculturas recentes ou talvez fossem muito antigas? E, se ele substituiu seus modelos-vivos por cera, o que isso nos revela sobre seu entendimento do realismo? O recurso de Degas a uma figura de cera modelada, visando à composição de um quadro, pode ser visto em sua simplicidade e irrefutalibidade em Grande arabesco,segundo tempo.Nesse exemplo,o artista escolheu uma escultura feita talvez havia uma década, mas ainda visível em seu estúdio, Grande arabesco, segundo tempo, desenhando-a com carvão sobre papel de decalque e partindo de uma posição frontal e teatral. Talvez, quem sabe, pelo fato de originar-se de uma pequena escultura, Degas limitou-se nesse desenho a indicar os detalhes, tais como as mãos, os pés e os traços faciais, concentrando suas energias no impacto teatral da pose. Uma figura que apresenta semelhante simplificação aparece na direita de Três bailarinas, outro desenho a carvão a partir da mesma escultura, que significa um avanço nesse procedimento. Ao colocar a escultura de cera em três posições sucessivas, o artista a desenhou três vezes, sugerindo ao mesmo tempo o movimento de uma única bailarina e o vaivém rítmico do conjunto. A essa criação Degas acrescentou o mais leve dos tutus e alguns elementos de individualidade na cabeça das bailarinas,mas o efeito é de um dinamismo vivo, em que o peso está quase ausente. Ao recorrer ao papel de decalque, Degas foi capaz de duplicar desenhos como esse, revertendo-os lateralmente e trabalhando algumas folhas com pastel. Muitas variantes de Três bailarinas foram catalogadas, bem como uma versão em óleo sobre tela, apresentando uma multiplicidade de planos de fundo, mas cada uma dessas variantes se origina basicamente do mesmo modelo tridimensional9. Outra resposta direta a uma de suas esculturas é evidente em Banhista,fieltransposiçãodeMulhersurpresaemboradessavezDegastambém tenhatentadoinserirafiguradesenhadanumagrandecomposiçãorural,daqual consta um banho10.Em Três bailarinas de saiote roxo notamos essa progressão
  • 5. Serviço Educativo 2006 Ano Nacional de Museus Degas: o universo de um artista de 16 de maio a 20 de agosto CONTINUA da escultura para o desenho, da linha para as cores pirotécnicas do pastel, que alcança um resultado sensual. Iniciado como um estudo em carvão a partir de Bailarina movimentando-se para frente, braços erguidos, estudado em várias posições, conforme ocorreu com Três bailarinas, e finalmente enriquecido com um cenário quase tropical, o pastel Três bailarinas com saiote roxo exemplifica a versatilidade e a alquimia transformadora de Degas no exercício de seu ofício, em sua fase final. Uma vez consolidada, a prática de recriar uma forma tridimensional numa composição bidimensional estava aberta a inúmeras e curiosas variações. Ao virarsuafolhadepapeldedecalque,Degaspodiaproduzirumaimagem-espelho dodesenhooriginal,talcomoaquelaemquetranspôsBailarinaolhandoaplanta de seu pé direito para Banho matinal.Nesse exemplo,uma invenção escultórica magnífica foi metamorfoseada em um dos mais cintilantes pastéis do início da décadade1890,efeitoqueoartistaconseguiuaodeslocarseumodelosubstituto para um quarto fictício, invadido pela luz. Com uma combinação de poses inversas e repetidas, o pastel Três bailarinas pode muito bem ter sido inspirado emBailarinacomtamborim,estudoemceraquesedeteriorounosúltimosanos de vida de Degas. Tal como ocorre com inúmeras dessas configurações,a pose da escultura parece evocartemasmaisantigosdacarreiradoartista,propondoumatransiçãoainda maiscomplexadasformasdesenhadasparaasformasmodeladaserealizandoo percurso inverso.Essa possibilidade pode explicar a associação de uma segunda versão de Bailarina olhando a planta de seu pé direito com a figura de fundo em Bailarinas, um óleo sobre tela, de ligeiro improviso, que evoca uma tela da maturidade de Degas como Aula de balé. Degascercava-sedesuasesculturas,desenhos,pastéiseóleos,dispostosaoacaso, em seu vasto estúdio da rua Victor Massé.Ao que parece, transitava livremente de um objeto ou uma imagem para outro, emprestando uma postura de um modelo de cera ou situando uma pose familiar em um novo cenário. Ao longo dos anos, a troca entre modelos-vivos e seus substitutos em cera, entre uma realidade que ocupava um espaço e a invenção linear, deve ter sido intensa e só
  • 6. Serviço Educativo 2006 Ano Nacional de Museus Degas: o universo de um artista de 16 de maio a 20 de agosto CONTINUA podemos desejar que sejam realizadas novas pesquisas sobre essas trocas sutis. Indicativa da profusão de tais exemplos é a notável série de óleos e esculturas baseada numa única bailarina, com as mãos nas cadeiras, aqui representada por Bailarina em repouso, com as mãos atrás das costas, pé direito para frente. Em algum momento de sua evolução, o desenho Três bailarinas nuas possuía uma ligação comum com essa escultura, outro rebento adquiria trajes delicadamente matizados para resultar em Duas bailarinas e um terceiro estudo, Três bailarinas nos bastidores refletia a maneira mais austera dos últimos anos de Degas. Grupo de bailarinas e, em determinado momento, uma variante única, vestida, da figura de cera Bailarina vestida em repouso, com as mãos atrás das costas, pé direito para frente foi modelada para proporcionar um apoio à criação desse grupo. Fazendo eco, mais uma vez, a composições anteriores e encontrando ocasionalmente expressão em pinturas a óleo, como Bailarinas, rosa e verdeeBailarinasazuis,essetemaobsessivoimpregnatodasaslinguagens plásticas, em cada estágio das figuras representadas vestidas ou nuas, e em cada patamar de completude, na derradeira fase da obra de Degas. * Texto originalmente publicado em Richard Kendall, Degas: Beyond impressionism, National Gallery of Art, Londres, 1996. © Richard Kendall, 1996.
  • 7. Serviço Educativo 2006 Ano Nacional de Museus Degas: o universo de um artista de 16 de maio a 20 de agosto Notas: 1.Cf.Richard Kendall, op. cit.,Cap.2 2.Sobretudo na National Gallery of Art,Washington. 3.Cf.Apollo, agosto de 1995, especialmente pp.49-63. 4.Richard Kendall, Degas by himself,1987,p.244. 5.Ibid., p. 246. 6.Charles Blanc,Grammaire des arts du dessin,Paris,1897,pp.528-9;Caderno n.II,p.105. 7. Quanto a Cuvelier, cf. Denis Rouart (ed.), The correspondance of Berthe Morisot, Londres, 1986, p. 56; várias ceras de Moreau estão preservadas no Musée Gustave Moreau, Paris. 8. John Rewald, Degas, Works in sculpture: A complete catalogue, Nova York, 1944; Ettore Camesasca, Degas scultore,Florença,1986. 9. Jean Sutherland Boggs et alli, Degas, cat. exh., Paris, Ottawa e Nova York, 1988-89. 10.L.1131, L.1131 bis e outros desenhos relacionados. INÍCIO Patrocínio Patrocínio Institucional Co-patrocínio Apoio especial Apoio cultural Apoio Alphavision Blue Tree Towers Hotel Clear Channel DM9DDB Radio CBN UOL Chandon