Trabalho realizado na disciplina de Teoria da ComunicaçãoLíngua Portuguesa - Redação e Expressão Oral II, orientado pela Profa. Dra. Maria Cristina Mungioli, pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Campanha "Hope ensina": Uma análise dos estereótipos e ideologia envolvidas.
1. Campanha “Hope ensina”: Uma análise dos
estereótipos e ideologias envolvidas
INTRODUÇÃO
Uma campanha publicitária traz, além do produto que o anunciante
pretende vender, muitas outras informações. Para atingir o resultado esperado,
a campanha se utiliza, diversas vezes, de estereótipos comuns a sociedade, e
com isso, consegue criar signos que ajudarão na construção da mensagem
desejada.
Baseando-se nos estudos sobre semiótica, em especial do linguista
Mikhail Bakhtin, e aprofundando-se nos conceitos sobre estereótipos e
preconceitos discutidos por Walter Lippmann, Agnes Heller, e Ecléa Bosi,
analisaremos uma campanha de grande repercussão produzida pela
Giovanni+DraftFCB, e estrelada pela modelo Gisele Bündchen, abordando
todos os conceitos e ideias expostas na propaganda.
Após a análise, relacionaremos esta à grande repercussão gerada, e às
decisões impostas pelo CONAR (Conselho de Autorregulamentação
Publicitária) e chegaremos a um parecer sobre a relação entre o uso de
estereótipos e a efetividade da campanha em questão.
Todas as experiências que indivíduos vivenciam ao longo de sua
existência são baseadas puramente a partir de unidades mínimas de
informações dotadas de sentidos quando combinadas e utilizadas no devido
contexto. Antes de iniciar a análise, alguns conceitos sobre signos serão
bastante relevantes e, para isso, três linguistas podem constribuir com suas
teorias: Charles Peirce explicado por meio de Coelho Netto, Ferdinand de
Saussure do ponto de entendimento de Izidoro Blikstein e por fim, Mikhail
Bakhtin com seu mais extenso estudo sobre signos a partir da Filosofia da
Linguagem.
Coelho Netto (2007, p. 56) explica o pensamento de Charles Peirce que
define signo como algo que representa algo para alguém. Na condição de
estudioso positivista e cientificista, classificou os signos em dez classes e três
tricotomias sendo que a primeira dessas guarda a relação do signo em si
mesmo, a segunda, a relação do signo e referente e a terceira, do signo e
interpretante.
A respeito da segunda tricotomia citada é proposta uma divisão do signo
em três tipos: ícone, índice e símbolo. Ícone seria um tipo de signo que
apresenta semelhanças com o que representa. No período pré-histórico, por
exemplo, representavam-se mulheres nas esculturas que ficaram conhecidas
como Vênus, essas eram retratadas em pedras e provavelmente guardavam
semelhanças com as mulheres da época, logo, tais esculturas podem ser
consideradas como Ícones já que representam algo que possui similaridade
com a coisa real.
Outro tipo de signo seria o Índice que pode ser definido como algo que
remete a outra coisa, que dá o indício de algo, pois apresenta certa relação
com o mesmo. Voltando ao exemplo da pré-história, quando um homem
encontrava pegadas de um animal, tais pegadas seriam o índice de que o
2. animal passou por aquele local, ou seja, as pegadas remeteram ao animal já
que se estabeleceu uma relação entre os elementos “pegada” e “animal”.
O terceiro e último tipo de signo dentro da segunda tricotomia é o
Símbolo que se conceitua como signo que se refere a um objeto por simples
associação de ideias já que foi constituída uma convenção social para isso.
Quando surgiu a escrita, o alfabeto foi a convenção adotada para representar
uma linguagem. Esse alfabeto é, portanto, um símbolo.
É interessante ressaltar que os símbolos só podem ser interpretados por
indivíduos que conheçam o sistema adotado. Uma cruz pode significar a fé
para aqueles que são religiosos, porém, para alguém totalmente leigo no
assunto, uma cruz é apenas a representação de dois traços cruzados.
Outro estudioso, Izidoro Blikstein (1990, p.20) explica a definição de
signos para Ferdinand de Saussure, lingüista suíço que também estudou e
elaborou suas próprias teorias dos signos. A língua constitui-se como um
sistema de signos além de ser considerada como uma instituição social.
O signo pode ser dividido em duas faces: significado e significante
sendo que o primeiro se define como a idéia ou a carga conceitual de algo e o
segundo, como o material ou a imagem acústica, que seria a palavra falada.
Significado e significante são interdependentes, ou seja, um não existe sem o
outro. Em outras palavras, Saussure define signo como algo que liga um
conceito (significado) a uma imagem (significante) e tal ligação só é possível de
ser feita se o indivíduo possui a experiência social a qual permite a conclusão
sobre os consensos estabelecidos.
Considerando que Mikhail Bakhtin aqui estudado foi um discípulo de
Saussure, é perfeitamente compreensível que as definições de signo para o
russo sigam a estrutura já elaborada pelo suíço.
Para Bakhtin (1981, p. 31), todo produto ideológico faz parte de uma
realidade, mas reflete ou refrata outra, ou seja, tudo que é ideológico remete
algo fora de si mesmo e, portanto, possui significado. A partir daí tudo que é
ideológico é um signo, ou seja, “tudo que é ideológico possui um valor
semiótico”. Quando se fala em reflexão de um signo denota-se que este
apenas mostra a realidade exterior. Porém, quando ocorre a refração, tal
realidade é mostrada a partir de um ponto de vista, resultando numa alteração
ou distorção. Essa refração procede dos valores contraditórios existentes em
um mesmo signo. Com essa refração, o signo “pode distorcer essa realidade,
ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo
está sujeito aos critérios de avaliação ideológica”.
Os signos só podem existir no terreno interindividual, pois emergem no
processo de interação entre consciências. Assim, servem de canal para o
processo de consciência. Essa adquire forma e existência nos signos criados
por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o
alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento.
“A palavra é o produto da interação do locutor e do ouvinte.
Toda palavra serve de expressão a um em relação a outro, isto é, em
última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de
ponte lançada entre mim e os outros. A palavra é o território comum do
locutor e do interlocutor.” (Bakhtin, 1981, p. 113)
Do processo de interação surge a relação social e a palavra, proveniente
de um consenso, é o modo mais puro e sensível da relação social. A palavra é
neutra, pois a princípio ela pode caber em qualquer contexto. Por exemplo,
3. uma palavra de valor positivo pode ser transformada em negativa dentro de um
contexto que permita essa situação. Portanto, o anúncio em questão, fora de
contexto, poderia adquirir outro significado. A partir da palavra é possível
moldar as formas ideológicas presentes no indivíduo, além do mais, é a palavra
que rege a comunicação da vida cotidiana e o discurso interior na consciência
de um ser.
Quanto a esse aspecto da enunciação, Bakhtin (1981, p. 112) trouxe a
tona ideias que foram contra as teorias de subjetivismo individualista vigentes
pela filosofia idealista e pelo psicologismo de até então. De acordo com essas
teorias, as palavras constituem-se apenas como receptáculos de um conteúdo
essencial que se encontra na mente do locutor, ou seja, a expressão de uma
ideologia ocorre a priori no interior do indivíduo e, sua exteriorização se
configura apenas como a tradução. Na visão do pensamento filosófico-
científico, entretanto, “não existe atividade mental sem expressão semiótica”,
ou seja, é a expressão que organiza o conteúdo dentro da consciência do
indivíduo. A partir daí chega-se a conclusão de que a consciência é moldada
pela ideologia e é absorvida por meio da tal interação social utilizando-se de
signos. A substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação
verbal realizada através da enunciação. A interação verbal é portanto, a
realidade fundamental da língua e, esta, encontra-se em permanente evolução
na medida em que seus falantes enunciam socialmente.
Um conceito relevante para as posteriores análises de anúncios
publicitários consiste na definição de Infraestrutura e Superestrutura bem como
a relação existente entre elas. Infraestrutura denota-se apenas como a
realidade e o conjunto de relações sociais, seria algo palpável enquanto a
superestrutura abrange algo mais extenso e abstrato. Para Bakhtin, a
linguagem é uma superestrutura porque assim como as instituições, ela é fruto
do consenso social que por sua vez é parte da infraestrutura. Ou seja, a
linguagem é uma superestrutura que se alimenta na infraestrtura de maneira
não mecanicista, não automática sendo que a infraestrutura abrange a
realidade a qual determina o signo que, por sua vez pode gerar a reflexão ou
refração como já foi dito anteriormente. Como Bakhtin tem um laço com o
marxismo, a relação que ele faz a fim de exemplificar tais premissas se dá por
meio das tensões da luta de classes. Estas estão presentes na infraestrutura e
são capazes de modificar e determinar a forma da superestrutura. Eis então a
relação entre elas.
Um último conceito pertinente às posteriores análises se refere à
Ideologia do Cotidiano que Bakhtin define em claras palavras da seguinte
maneira:
A ideologia do cotidiano constitui o domínio da palavra
interior e exterior desordenada e não fixada num sistema, que
acompanha cada um dos nossos atos ou gestos e cada um
dos nossos estados de consciência. Considerando a natureza
sociológica da estrutura da expressão e da atividade mental,
podemos dizer que a ideologia do cotidiano corresponde, no
essencial, àquilo que se designa, na literatura marxista, sob o
nome de “psicologia social”. (Bakhtin, 1985, p. 119)
Entretanto, este assunto será visto posteriormente quando tratarmos de
estereótipos a partir dos conceitos de Agnes Heller, que explicam como os
4. pensamentos cotidianos refletem os signos agregados à sociedade na formação
dos estereótipos.
REFERÊNCIAS
BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou a fabricação da realidade. São
Paulo: Cultrix, 1990.p.11 a 64.
BAKHTIN, M. A. (VOLOSCHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São
Paulo: Hucitec, 1981 Cap. 1, 2 e 6
BOSI, E. A opinião e o estereótipo. In: Revista Contexto, n°2, mar.77, p.97-
104.
HELLER, A. Sobre preconceitos. In: O cotidiano e a história. Rio de Janeiro,
Paz e Terra. 1985
LIPPMANN, W. Estereótipos. In: STEIMBERG, Ch. (org.) – Meios de
Comunicação Massa. Rio de Janeiro: Cultrix. 1980
NETTO, J. T. C. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo:
Perspectiva. 2007