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A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender




A didática e a aprendizagem do pensar
e do aprender: a Teoria Histórico-cultural
da Atividade e a contribuição de Vasili Davydov

José Carlos Libâneo*
Universidade Católica de Goiás




    Os desafios da escola e da didática atual                            Com efeito, as crianças e jovens vão à escola para
   e a contribuição da Teoria Histórico-social                      aprender cultura e internalizar os meios cognitivos
                  da Atividade                                      de compreender e transformar o mundo. Para isso, é
                                                                    necessário pensar – estimular a capacidade de racio-
     Ante as necessidades educativas presentes, a es-               cínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva
cola continua sendo lugar de mediação cultural, e a                 e desenvolver as competências do pensar. A didática
pedagogia, ao viabilizar a educação, constitui-se como              tem o compromisso com a busca da qualidade cogni-
prática cultural intencional de produção e internaliza-             tiva das aprendizagens, esta, por sua vez, associada à
ção de significados para, de certa forma, promover o                aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como
desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indi-                ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pen-
víduos. O modus faciendi dessa mediação cultural,                   santes e críticos, capazes de pensar e lidar com con-
pelo trabalho dos professores, é o provimento aos alu-              ceitos, argumentar, resolver problemas, diante de di-
nos dos meios de aquisição de conceitos científicos e               lemas e problemas da vida prática. A razão pedagógica
de desenvolvimento das capacidades cognitivas e                     está também associada, inerentemente, a um valor in-
operativas, dois elementos da aprendizagem escolar                  trínseco, que é a formação humana, visando a ajudar
interligados e indissociáveis.                                      os outros a se educarem, a serem pessoas dignas, jus-
                                                                    tas, cultas, aptas a participar ativa e criticamente na
                                                                    vida social, política, profissional e cultural.
                                                                         Este texto apóia-se em duas crenças: uma, que a
     * O autor agradece a contribuição do professor Seth Chaiklin   escola continua sendo uma instância necessária de
no esclarecimento de expressões e termos de difícil compreensão     democratização intelectual e política; outra, que uma
ou interpretação, encontrados na versão em inglês do texto de V.    política educacional inclusiva deve estar fundamen-
V. Davydov, utilizado como base deste artigo.                       tada na idéia de que o elemento nuclear da escola é a


Revista Brasileira de Educação                                                                                           5
José Carlos Libâneo



atividade de aprendizagem, lastreada no pensamento                 sar. Mais precisamente, será fundamental entender que
teórico, associada aos motivos dos alunos, sem o que               o conhecimento supõe o desenvolvimento do pensa-
as escolas não seriam verdadeiramente inclusivas.                  mento e que desenvolver o pensamento supõe meto-
     Estudos recentes sobre os processos do pensar e               dologia e procedimentos sistemáticos do pensar. Nesse
do aprender, para além da acentuação do papel ativo                caso, a característica mais destacada do trabalho do
dos sujeitos na aprendizagem, insistem na necessida-               professor é a mediação docente pela qual ele se põe
de dos sujeitos desenvolverem competências e habi-                 entre o aluno e o conhecimento para possibilitar as
lidades cognitivas. Para Castells (apud Hargreaves,                condições e os meios de aprendizagem, ou seja, as
2001, p. 16), a tarefa das escolas e dos processos edu-            mediações cognitivas.
cativos é desenvolver em quem está aprendendo a ca-                     O suporte teórico de partida é o princípio vygo-
pacidade de aprender, em razão de exigências postas                tskiano de que a aprendizagem é uma articulação de
pelo volume crescente de dados acessíveis na socie-                processos externos e internos, visando a internaliza-
dade e nas redes informacionais, da necessidade de                 ção de signos culturais pelo indivíduo, o que gera uma
lidar com um mundo diferente e, também, de educar                  qualidade auto-reguladora às ações e ao comporta-
a juventude em valores e ajudá-la a construir perso-               mento dos indivíduos. Esta formulação realça a ativi-
nalidades flexíveis e eticamente ancoradas. Também                 dade sócio-histórica e coletiva dos indivíduos na for-
Morin (2000) expressa com muita convicção a exi-                   mação das funções mentais superiores, portanto o
gência de se desenvolver uma inteligência geral que                caráter de mediação cultural do processo do conheci-
saiba discernir o contexto, o global, o multidimensio-             mento e, ao mesmo tempo, a atividade individual de
nal, a interação complexa dos elementos. Ele escreve:              aprendizagem pela qual o indivíduo se apropria da
                                                                   experiência sociocultural como ser ativo. Todavia,
    [...] o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permi-     considerando-se que os saberes e instrumentos cog-
    te melhor desenvolvimento das competências particulares        nitivos se constituem nas relações intersubjetivas, sua
    ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência       apropriação implica a interação com os outros já por-
    geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais.    tadores desses saberes e instrumentos. Em razão dis-
    A compreensão dos dados particulares também necessita          so é que a educação e o ensino se constituem formas
    da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a      universais e necessárias do desenvolvimento mental,
    mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso         em cujo processo se ligam os fatores socioculturais e
    particular. [...] Dessa maneira, há correlação entre a mobi-   as condições internas dos indivíduos.
    lização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da in-           O que está em questão é como o ensino pode
    teligência geral. (Morin, 2000, p. 39)                         impulsionar o desenvolvimento das competências
                                                                   cognitivas mediante a formação de conceitos e de-
     Outros estudos vêm mostrando o impacto dos                    senvolvimento do pensamento teórico, e por quais
meios de comunicação na configuração dos modos                     meios os alunos podem melhorar e potencializar sua
de pensar e das práticas sociais da juventude (por                 aprendizagem. Em outras palavras, trata-se de saber
exemplo, Porto, 2003; Belloni, 2002; Engestrõm,                    o que e como fazer para estimular as capacidades in-
2002), das tecnologias e dos meios informacionais,                 vestigadoras dos alunos, ajudando-os a desenvolver
dos crescentes processos de diversificação cultural,               competências e habilidades mentais. Em razão disso,
afetando os processos de ensino e aprendizagem.                    uma didática a serviço de uma pedagogia voltada para
     É em razão dessas demandas que a didática pre-                a formação de sujeitos pensantes e críticos deverá
cisa incorporar as investigações mais recentes sobre               salientar em suas investigações as estratégias pelas
modos de aprender e ensinar e sobre o papel media-                 quais os alunos aprendem a internalizar conceitos,
dor do professor na preparação dos alunos para o pen-              competências e habilidades do pensar, modos de ação


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A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



que se constituam em “instrumentalidades” para li-                   pressão maior é o trabalho, é a principal mediação
dar praticamente com a realidade: resolver problemas,                nas relações que os sujeitos estabelecem com o mun-
enfrentar dilemas, tomar decisões, formular estraté-                 do objetivo. Conforme Vygotsky, o surgimento da
gias de ação. Davydov1 explicita seu entendimento                    consciência está relacionado com a atividade prática
dessas questões:                                                     humana, a consciência é um aspecto da atividade
                                                                     laboral. Escreve Leontiev:
          O saber contemporâneo pressupõe que o homem do-
   mine o processo de origem e desenvolvimento das coisas                     Este enfoque encontrou sua expressão na concepção
   mediante o pensamento teórico, que estuda e descreve a               de atividade psíquica como uma forma peculiar de ativida-
   lógica dialética. O pensamento teórico tem seus tipos espe-          de, como um produto e um derivado da vida material, da
   cíficos de generalização e abstração, seus procedimentos             vida externa, que se transforma [...] em atividade da cons-
   de formação dos conceitos e operações com eles. Justamen-            ciência. Aqui se põe como tarefa central a investigação da
   te, a formação de tais conceitos abre aos escolares o cami-          própria estrutura da atividade e sua interiorização. (apud
   nho para dominar os fundamentos da cultura teórica atual.            Davydov, 2002)2
   [...] A escola, a nosso juízo, deve ensinar as crianças a pen-
   sar teoricamente. (apud Golder, 2002, p. 49)                           Na base da idéia de atividade externa está um
                                                                     princípio central da filosofia materialista dialética: o
     O objetivo deste estudo é, assim, explorar as con-              condicionamento histórico-social do desenvolvimento
tribuições teóricas da Teoria Histórico-cultural da Ati-             do psiquismo humano, que se realiza no processo de
vidade, especialmente a Teoria do Ensino Desenvol-                   apropriação da cultura mediante a comunicação com
vimental de V. Davydov, para as tarefas da didática                  outras pessoas. Tais processos de comunicação e as
em relação à aprendizagem do pensar e do aprender.                   funções psíquicas superiores envolvidas nesses pro-
                                                                     cessos se efetivam primeiramente na atividade exter-
         Breve histórico da Teoria da Atividade                      na (interpessoal) que, em seguida, é internalizada pela
                  e conceitos básicos                                atividade individual, regulada pela consciência. No
                                                                     processo de internalização da atividade há a media-
         O debate dentro da Escola de Vygotsky                       ção da linguagem, em que os signos adquirem signi-
                                                                     ficado e sentido (Vygotsky, 1984, p. 59-65).
     A Teoria Histórico-cultural da Atividade, desen-                     Toda ação humana está orientada para um obje-
volvida inicialmente por Leontiev, Rubinstein e Luria,               to, de forma que a atividade tem sempre um caráter
é geralmente considerada uma continuidade da escola                  objetal. O êxito de uma atividade está em estabelecer
histórico-cultural iniciada por Vygotsky. Segundo                    seu conteúdo objetal. O ensino tem a ver diretamente
Leontiev, “a idéia da análise da atividade como mé-                  com isso: é uma forma social de organização da apro-
todo na psicologia científica do homem foi formula-                  priação, pelo homem, das capacidades formadas só-
da nos primeiros trabalhos de L. S. Vygotsky” (1983,                 cio-historicamente e objetivadas na cultura material
p. 82). O conceito de atividade é bastante familiar na               e espiritual. Esta apropriação requer comunicação em
tradição da filosofia marxista. A atividade, cuja ex-                sua forma externa. Em suas formas iniciais, esta co-
                                                                     municação não está mediatizada pela palavra, mas

     1
          O nome de Vasili Vasilievich Davydov aparece nas publi-
                                                                          2
cações ora como Davydov ora como Davidov. Optei pela primeira                 Neste artigo, todas as citações de obras originalmente es-
forma, Davydov, em virtude de ser essa a grafia utilizada na prin-   critas em inglês ou espanhol, tal como constam da bibliografia,
cipal obra consultada para a redação deste texto.                    foram traduzidas pelo autor.



Revista Brasileira de Educação                                                                                                        7
José Carlos Libâneo



pelo objeto. “Unicamente sobre a base das ações                             A atividade, tanto externa como interna, tem uma
objetais conjuntas com o adulto, a criança vai domi-                  estrutura psicológica, cujos componentes são: neces-
nando a linguagem, a comunicação verbal” (Davydov,                    sidades, motivos, finalidades e condições de realiza-
2002, p. 57). Mas para que isso aconteça, é necessá-                  ção da finalidade. Ao curso psicológico da atividade
rio que o sujeito realize determinada atividade, diri-                corresponde à realização de diversas ações, cada ação
gida à apropriação da cultura. Leontiev, citado por                   composta por uma série de operações em correspon-
Davydov, escreve que a apropriação “é o processo                      dência com as condições peculiares da tarefa, confor-
que tem por resultado a reprodução, pelo indivíduo,                   me veremos adiante.
das capacidades e procedimentos de conduta huma-                            Os trabalhos realizados por Leontiev (1903-1979)
nas, historicamente formados” (idem, p. 55).3                         no período de 1930-1940 foram dedicados à investi-
     A cultura desempenha, assim, um papel relevan-                   gação do desenvolvimento do psiquismo humano, dos
te, por permitir ao ser humano a interiorização dos                   processos psicológicos superiores, do processo de in-
modos historicamente determinados e culturalmente                     ternalização, da estrutura da atividade global e seu
organizados de operar com informações. Escreve                        desdobramento em outras atividades, das emoções e
Davydov (1988b):                                                      dos processos de comunicação. Na seqüência desses
                                                                      estudos, outros pesquisadores dedicaram-se ao desen-
          A apropriação das formas da cultura pelo indivíduo é,       volvimento da Teoria da Atividade, entre eles,
    a nosso juízo, o caminho já elaborado de desenvolvimento          Galperin (Psicologia Infantil), Bozhovich (Psicolo-
    de sua consciência. Aceita esta proposição, a tarefa funda-       gia da Personalidade), Elkonin (Psicologia Evolutiva
    mental da ciência será a de determinar como o conteúdo do         e periodização do desenvolvimento humano),
    desenvolvimento espiritual da humanidade se transforma            Zaporoyetz (Psicologia Evolutiva) e Levina (Psico-
    em suas formas de desenvolvimento espiritual e como a             logia da Educação) (cf. Golder, 2002).
    apropriação dessas formas pelo indivíduo se transforma no               Piotr Iakovlevich Galperin (1902-1988) formula
    conteúdo do desenvolvimento de sua consciência. (p. 61)           a Teoria do Desenvolvimento Psíquico, na qual res-
                                                                      salta o papel das ações externas no surgimento e for-
                                                                      mação das ações internas, mentais, por meio do ensi-
                                                                      no. A “teoria por etapas das ações mentais” afirma
      3
          A expressão “atividade reprodutiva” não deve ser inter-     que a formação da mente deve ser planejada e reali-
pretada como imitação, repetição, memorização, como na lingua-        zada por meio de uma seqüência de etapas de ações
gem usual. A atividade, no sentido marxista, nunca seria uma repro-   mentais. A formação de uma ação mental começa com
dução mecânica de ações. Conforme registra Chaiklin (2003a):          ações com objetos, realizadas com o apoio de objetos
“Em suas ações únicas ou singulares, a pessoa reproduz a ativida-     externos e sua representação material, para logo pas-
de que organiza suas ações. Leontiev e Davydov utilizam esta          sar por uma série de etapas até se converter em ação
expressão para enfatizar que não se trata da criação de uma ativi-    que se realiza no plano mental (Coletivo de Autores,
dade ‘nova’, mas de uma ‘versão’ nova. [...] Penso que ‘reprodu-      2000). Daniil B. Elkonin (1904-1984), que exerceu
ção’ deve ser interpretada aqui para significar que a pessoa recria   forte influência nas pesquisas de Davydov, destacou-
as práticas humanas historicamente desenvolvidas. Por exemplo,        se pelas suas pesquisas sobre a periodização do de-
quando alguém aprende aritmética há, até certo ponto, uma repro-      senvolvimento humano e a aprendizagem escolar. Para
dução de práticas historicamente desenvolvidas, mesmo que haja        ele, a aprendizagem é uma forma essencial de desen-
pequenas variações em como um indivíduo percebe a prática ob-         volvimento psíquico e o caminho lógico para anali-
jetiva”. Poder-se-ia dizer, como Leontiev, que os indivíduos reali-   sar capacidades humanas. A aprendizagem conduz ao
zam uma atividade prática ou cognoscitiva ou cognitiva adequada       desenvolvimento através da atividade, tendo-se em
à atividade humana precedente encarnada neles.                        conta o papel dos fatores externos do desenvolvimen-


8                                                                                                Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



to, com destaque especial à incorporação da cultura                 rentes caminhos interpretativos, ainda que os pontos
vista em sua formação histórica, não como cultura                   em comum digam respeito aos seus fundamentos epis-
dada, tema que reaparecerá na obra de Davydov.                      temológicos, vinculados ao materialismo histórico e
     Davydov, em texto recente (1999), relata o de-                 dialético.
senvolvimento da Teoria da Atividade na Rússia nos                       Os estudos teóricos recentes da Teoria da Ativi-
últimos vinte anos, desde sua formulação inicial por                dade têm realçado temas como a atividade situada em
Rubinstein e Leontiev. Destaca a importância das pes-               contextos, a participação como condição de compreen-
quisas do psicólogo finlandês Y. Engestrõm, aponta o                são na prática (como aprendizagem), identidade, pa-
trabalho de Elkonin como um dos pioneiros no estu-                  pel das práticas institucionalizadas nos motivos dos
do específico da atividade de aprendizagem e explicita              alunos, a diversidade cultural etc. Na base do estudo
seu próprio entendimento da teoria histórico-cultural               desses temas, há a premissa de que todas as ações
da atividade.                                                       individuais devem ser interpretadas tendo em conta
     A expansão da Teoria da Atividade para o norte                 questões e fatores que não estão imediatamente pre-
da Europa, Estados Unidos e América Latina se dá a                  sentes na situação, nem contidos exclusivamente nas
partir dos anos de 1960. No norte da Europa são co-                 pessoas que atuam nessas situações. Ou seja, na aná-
nhecidos os nomes de Yrjo Engestrõm, Seth Chaiklin,                 lise das práticas humanas são destacados os fatores
Mariane Hedegaard, Jean Lave, entre outros.4 Nos                    do contexto sócio-histórico em razão de que as práti-
Estados Unidos destacam-se diversos especialistas em                cas humanas são socialmente situadas, sendo estes
Vygotsky, tais como Michel Cole, da Universidade                    fatores decisivos nos processos mediacionais, já que
da Califórnia, estudioso das relações interpessoais e               eles se realizam na e pela participação em atividades
interculturais na formação da criança, J. Werstsch,                 socioculturais (Chaiklin & Lave, 2001).
Vera John-Steiner, Ellen Souberman, Sylvia Scribner                      Segundo Engestrõm, no processo de evolução da
(que organizou com Cole o livro Formação social da                  Teoria da Atividade podem ser estabelecidas três ge-
mente, publicado no Brasil em 1968) e Louis Moll.                   rações. A primeira geração está concentrada nos tra-
Da mesma forma que são encontradas muitas inter-                    balhos de Vygotsky, quando se formula o conceito da
pretações dentro da psicologia histórico-cultural, tam-             atividade como mediação, gerando o modelo triangu-
bém em relação à Teoria da Atividade existem dife-                  lar da relação do sujeito com o objetivo mediado por
                                                                    artefatos materiais e culturais; a segunda toma por base
                                                                    a formulação de Leontiev, avançando na distinção, no
     4
         Para um levantamento recente dessas tendências veja-se:    conceito de atividade, de ação coletiva e ação indivi-
S. Chaiklin, M. Hedegaard e U. J. Jensen (orgs.). Activity theory   dual, e estabelecendo a estrutura da atividade; a ter-
and social practice: cultural-historical approaches [Aarthus (Di-   ceira, proposta pelo próprio Engestrõm a partir dos
namarca): Aarthus University Press, 1999], que traz textos prepa-   anos de 1970, parte do modelo triangular de Vygotsky,
rados para o Primeiro Congresso da Sociedade Internacional so-      expandindo-o para um modelo do sistema da ativida-
bre Teoria da Atividade e Pesquisa Cultural (ISCRAT). O nome        de coletiva. Neste modelo é realçado o conceito de
dessa sociedade mudou, recentemente, para International Society     contradições internas como força motriz dos sistemas
for Cultural and Activity Research (ISCAR). Na Universidade de      de atividade e se introduz as análises da psicologia
Helsinki, há o Centro para Teoria de Atividade e Pesquisa de Tra-   transcultural de Cole, pelas quais a Teoria da Ativida-
balho Desenvolvimental, fundado em 1994, atualmente dirigido        de acolhe as questões da diversidade cultural e do diá-
por um conhecido pesquisador, Yrjo Engestrõm, que realiza pes-      logo entre diferentes culturas (cf. Zamberlan, s/d.).
quisa sobre trabalho, tecnologia e organizações que estão passan-        No Brasil, os estudos e pesquisas sobre a teoria
do por transformações. Para uma boa pesquisa sobre interpreta-      de Vygotsky tiveram um desenvolvimento intenso,
ções correntes da Teoria da Atividade, ver Gonzáles Rey (2003).     desde que intelectuais brasileiros tiveram acesso às


Revista Brasileira de Educação                                                                                            9
José Carlos Libâneo



suas obras na segunda metade dos anos de 1980, es-                          Um trabalho especialmente relevante é o livro
tando disponível hoje uma vasta bibliografia. São                      de Nereide Saviani, Saber escolar, currículo e didá-
mais raros, todavia, estudos relacionados com a Teo-                   tica (1994), que aborda temas como a organização
ria Histórico-cultural da Atividade e, mais ainda, em                  do saber escolar, a relação conteúdo/método, as ba-
relação a Davydov. Em relação à Teoria Histórico-                      ses do desenvolvimento cognitivo, aspectos lógico-
cultural da Atividade, cumpre destacar os trabalhos                    psicológicos da conversão do saber científico em sa-
de Moura e seus orientandos (Moura, 2003, 2002,                        ber escolar e a unidade entre os campos da didática e
2000; Sforni, 2003).5 Numa orientação teoricamen-                      do currículo. Em todo o livro há menções a uma obra
te diferenciada em relação à produção mais conven-                     clássica de Davydov (1978), mas especificamente no
cional sobre a psicologia histórico-social estão os                    capítulo III há uma exposição detalhada de suas idéias
trabalhos que Duarte, que tem centrado sua investi-                    sobre o processo de formação de conceitos e forma-
gação em questões filosóficas e epistemológicas da                     ção do pensamento teórico, com base em proposi-
Teoria Histórico-cultural (por exemplo, 1996, 2003).6                  ções de Vygotsty e Rubinstein.
                                                                            As avaliações críticas envolvendo a relação entre
                                                                       a psicologia histórico-cultural e a Teoria da Atividade
      5
          O Grupo de Estudos sobre Teoria da Atividade, da Fa-         mostram que há pontos comuns entre os psicólogos
culdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), coor-          russos, mas há também consideráveis divergências,
denado pelo professor Manoel Oriosvaldo de Moura, realiza en-          por exemplo, na interpretação da expressão “determi-
contros de estudos e debates sobre pesquisas de professores e          nação histórica e social da mente humana” ou do pa-
alunos nessa linha. Registre-se, também, que a Teoria da Ativi-        pel da cultura e da linguagem no desenvolvimento
dade, na versão de Leontiev (1983) e seguidores, tem sido larga-       humano. Segundo Kozulin, boa parte das divergên-
mente utilizada em Cuba por professores dedicados à metodolo-          cias giram em torno do problema da internalização e
gia do ensino superior, que inclusive a tem difundido em países        da relação entre a atividade externa da criança e as
latino-americanos em cursos de pós-graduação realizados por            operações mentais correspondentes. Esta questão, no
convênio com instituições universitárias, inclusive brasileiras.
      6
          Especificamente em relação ao tema deste artigo, Duarte
destinou pesadas críticas a trabalhos de autores que, de alguma        adaptação do indivíduo à vida social (i.e., ao mercado) (idem, p. 150).
forma, valorizam o mote do “aprender a aprender” e, com isso,          Com base nesse entendimento, conclui que não é possível utilizar
buscam aproximar as idéias vygotskianas das idéias neoliberais e       a psicologia vygotskiana para legitimar o lema do “aprender a
pós-modernas (Duarte, 2000, 2003). Na sua opinião, o “aprender         aprender”. A meu ver, o entendimento desse autor sobre o “apren-
a aprender” leva a uma pedagogia que desvaloriza a transmissão         der a aprender” está demasiadamente colado a uma conotação po-
do saber objetivo, dilui o papel da escola em transmitir esse saber,   lítica e ideológica, na presunção de que toda visão política produz
descaracteriza o papel do professor como alguém que detém um           necessariamente um determinado tipo de didática, ou de que qual-
saber a ser transmitido para os alunos, negando o próprio ato de       quer procedimento didático está necessariamente atrelado a uma
ensinar (2000, p. 8). Argumenta que o “aprender a aprender” inte-      determinada visão política. Já dizia, sabiamente, Mario Manacorda,
gra as propostas educacionais neoliberais à medida que atende à        em 1978, que em nenhuma atividade social é possível tomar posi-
formação de indivíduos que possam adaptar-se às atuais formas          ção e efetuar opções operacionais somente com base numa orien-
de trabalho flexível requeridas pelo mercado, isto é, que sejam        tação ideológica, ou seja, nenhuma concepção de mundo subsiste
portadores de conhecimentos meramente técnicos, sem necessi-           sem competências específicas em um campo. Diz mais Manacorda:
dade de domínio dos conhecimentos universais. Com suas pró-            que nem sempre a concepção de mundo e a competência científi-
prias palavras, “não se forma indivíduos que sabem algo, que do-       ca nascem sempre e necessariamente na mesma mente, de modo
minam os conhecimentos universais, mas indivíduos predispostos         que um grupo social pode apropriar-se da ciência de outro grupo
a aprender qualquer coisa, desde que o que se aprende seja útil à      sem aceitar sua ideologia (apud Mariagliano et al., 1986, p. 13).



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A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



período 1934-1940, teria gerado os motivos do dis-                  gação educacional ligadas historicamente a Vygotsky:
tanciamento do grupo liderado por Leontiev em rela-                 a Teoria Sociocultural e a Teoria da Atividade, a pri-
ção às idéias de Vygotsky. Para Leontiev, as opera-                 meira focando a mediação semiótica, especialmente
ções mentais seriam determinadas pelas relações                     a fala, a outra acentuando mais a atividade. Ambas
concretas entre a criança e a realidade, vale dizer, a              buscam explicar a aprendizagem e o desenvolvimen-
familiarização prática com os objetos é que leva a                  to humano como processos mediados, ambas forne-
criança ao seu desenvolvimento cognitivo (i.e., a es-               cem orientações metodológicas para captar processos
trutura dos processos cognitivos repete a estrutura das             e formas pelos quais fatores sociais, culturais e histó-
operações externas). A relação prática com os objetos,              ricos promovem o desenvolvimento humano, e ambas,
isto é, a atividade prática, teria muito mais importân-             especialmente, tratam dos contextos em que ocorrem
cia do que o modelo histórico-cultural desenvolvido                 as mediações cognitivas. Todavia, os procedimentos
por Vygotsky. Vale dizer que, enquanto Leontiev acen-               metodológicos de pesquisa e as aplicações na prática
tuaria a atividade prática, Vygotsky acentuaria a cul-              pedagógica tomam caminhos bastante diferentes.
tura, a linguagem, a mediação simbólica (Kozulin,                        As diferentes interpretações da obra de Vygotsky
2002, p. 125-132).                                                  e seguidores no meio europeu e norte-americano re-
     Essa mesma questão é discutida por Zinchenko,                  batem também no Brasil, assumindo peculiaridades
que reconhece a existência de duas linhas de pesqui-                decorrentes das influências teóricas exercidas na in-
sa dentro da mesma escola: a psicologia histórico-                  vestigação educacional e na prática pedagógica.
cultural (Vygotsky) e a Teoria Psicológica da Ativi-
dade (Leontiev), com pontos de convergência, mas                       As contribuições teóricas de Vasili Davydov
também com diferenças. Segundo Zinchenko (1998):                          para a Teoria da Atividade e o ensino
                                                                                   desenvolvimental7
         A principal diferença é que para a psicologia histórico-
   cultural o problema central foi e continua sendo a mediação            Vasili Vasilievich Davydov nasceu em 1930 e
   da mente e da consciência. Para a teoria psicológica da ati-     morreu em 1998. Membro da Academia de Ciências
   vidade o problema central era a orientação-objeto, em ambas      Pedagógicas, doutor em psicologia, professor univer-
   as atividades mentais interna e externa. É claro que na teo-     sitário, escreveu vários livros, entre eles: Tipos de
   ria psicológica da atividade a questão mediação também           generalización en la enseñanza, Problemas de la
   apareceu, mas enquanto que para Vygotsky a consciência           enseñanza y del desarrollo, La enseñanza escolar y
   era mediada pela cultura, para Leontiev a mente e a cons-        el desarrollo psíquico.8 Pertence à terceira geração
   ciência eram mediadas por ferramentas e objetos. (p. 44)


     Tais diferenças de abordagem, acentuando-se ora                      7
                                                                              Na versão inglesa do texto de Davydov é utilizada a ex-
o significado ora a ação, ora a atividade orientada a               pressão “developmental teaching”, que pode ser traduzida por
objetos ora o sentido, são, obviamente, de cunho filo-              ensino desenvolvimentalista ou ensino desenvolvimental. Nenhum
sófico, gerando diferentes conseqüências teóricas e                 desses adjetivos é encontrado em português. Optei pela expressão
práticas. Zinchenko sugere que se dê continuidade às                “ensino desenvolvimental”, que pode ser descrita nos seguintes
pesquisas e que olhemos para as duas linhas como com-               termos: o ensino é a forma dominante pela qual se propiciam mu-
plementares, uma se enriquecendo na outra, até que se               danças qualitativas no desenvolvimento do pensamento.
possa chegar ao desenvolvimento de uma psicologia                         8
                                                                              Neste estudo, utilizo mais diretamente a obra Problems of
histórico-cultural da consciência e da atividade.                   developmental teaching, publicada em três números da revista Soviet
     Também Daniels (2003, p. 93) destaca as seme-                  Education (Davydov, 1988a, 1988b, 1988c). As citações dessa obra
lhanças e diferenças entre duas tradições de investi-               inseridas no texto foram traduzidas pelo autor. Os textos publicados



Revista Brasileira de Educação                                                                                                       11
José Carlos Libâneo



de psicólogos russos e soviéticos, desde os trabalhos                 e o conteúdo de um único processo de desenvolvimento
do grupo inicial de Vygotsky realizados nas décadas                   mental humano. (1988a, p. 54)
de 1920 e 1930.
     Conforme vimos, Vygotsky havia mostrado a re-                      A seguir, são apresentados alguns tópicos que
levância da escolarização para apropriação dos con-                 buscam trazer uma visão de conjunto do pensamento
ceitos científicos e para o desenvolvimento das capa-               desse autor.
cidades de pensamento, a partir da assimilação da
produção cultural da humanidade, já que “as funções                        O conceito psicológico da atividade:
mentais específicas não são inatas, mas postas como                             a estrutura da atividade
modelos sociais” (Davydov, 1988b, p. 52). Por sua vez,
Leontiev investigou os fundamentos do desenvolvi-                        As bases teóricas que fundamentam os compo-
mento psíquico humano e sistematizou uma teoria psi-                nentes da estrutura da atividade e seu conteúdo foram
cológica da atividade e da consciência. A partir des-               formuladas por A. N. Leontiev (1983, 1992), mas V.
sas bases e de outros estudos conduzidos pela escola                Davydov menciona, também, a contribuição de S. L.
de Vygotsky, especialmente de D. Elkonin, Davydov                   Rubinstein e de outros psicólogos que trabalharam
destaca a peculiaridade da atividade da aprendizagem,               nas décadas de 1920-1930. Ele escreve:
entre outros tipos de atividade, cujo objetivo é o do-
mínio do conhecimento teórico, ou seja, o domínio de                        A essência do conceito filosófico-psicológico mate-
símbolos e instrumentos culturais disponíveis na so-                  rialista dialético da atividade está em que ele reflete a rela-
ciedade, obtido pela aprendizagem de conhecimentos                    ção entre o sujeito humano como ser social e a realidade
das diversas áreas do conhecimento. Apropriar-se des-                 externa – uma relação mediatizada pelo processo de trans-
ses conteúdos – das ciências, das artes, da moral –                   formação e modificação desta realidade externa. A forma
significa, em última instância, apropriar-se das for-                 inicial e universal desta relação são as transformações e
mas de desenvolvimento do pensamento. Para isso, o                    mudanças instrumentais dirigidas a uma finalidade, reali-
caminho é a generalização conceitual, enquanto con-                   zadas pelo sujeito social, sobre a realidade sensorial e cor-
teúdo e instrumento do conhecimento. Ele escreve:                     poral ou sobre a prática humana material produtiva. Ela
                                                                      constitui a atividade laboral criativa realizada pelos seres
          Uma análise da abordagem de Vygotsky e Leontiev             humanos que, através da história da sociedade, tem propi-
     sobre o problema do desenvolvimento mental permite que           ciado a base sobre a qual surgem e se desenvolvem as dife-
     cheguemos às seguintes conclusões. Primeiro, no sentido          rentes formas da atividade espiritual humana (cognitiva,
     mais amplo, a educação e o ensino de uma pessoa não são          artística, religiosa etc.). Entretanto, todas estas formas de-
     nada mais que sua “apropriação”, a “reprodução” por ela          rivadas da atividade estão diretamente ligadas com a trans-
     das capacidades dadas histórica e socialmente. Segundo, a        formação, pelo sujeito, de um ou outro objeto sob a forma
     educação e o ensino (“apropriação”) são formas universais        ideal. O sujeito individual, por meio da apropriação, repro-
     de desenvolvimento mental humano. Terceiro, a “apropria-         duz em si mesmo as formas histórico-sociais da atividade.
     ção” e o desenvolvimento não podem atuar como dois pro-          [...] A atividade humana tem uma estrutura complexa que
     cessos independentes, pois se correlacionam como a forma         inclui componentes como: necessidades percebidas, capa-
                                                                      cidades, objetivos, tarefas, ações e operações, que estão em
                                                                      permanente estado de interligação e de transformação.
nessa revista não correspondem à obra completa publicada origi-       (1988a, p. 9)
nalmente em russo. Todavia, a tradução do inglês foi cotejada com
a tradução espanhola da obra original, cujo título é La ensenãnza       Conforme Leontiev (1992), a atividade surge de
escolar y el desarrollo psíquico (1988d).                           necessidades, que impulsionam motivos orientados


12                                                                                                   Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



para um objeto. O ciclo que vai de necessidades a                  pessoa estiver sentada em casa, talvez prefira escrevê-
objetos se consuma quando a necessidade é satisfei-                los; em outras condições, poderá recorrer à repetição
ta, sendo que o objeto da necessidade ou motivo é                  mental dos versos. Nos dois casos, a ação é a memo-
tanto material quanto ideal. Para que estes objetivos              rização, mas os meios de executá-la, isto é, as opera-
sejam atingidos, são requeridas ações. O objetivo pre-             ções, serão diferentes.
cisa sempre estar de acordo com o motivo geral da                       A atividade humana é global, mas ela se desdo-
atividade, mas são as condições concretas da ativida-              bra em distintos tipos concretos de atividade, cuja
de que determinarão as operações vinculadas a cada                 diferenciação é dada pelo seu conteúdo objetal. Se-
ação. Leontiev define como atividade:                              gundo Leontiev, cada tipo de atividade possui um
                                                                   conteúdo perfeitamente definido de necessidades,
   [...] aqueles processos que, realizando as relações do ho-      motivos, tarefas e ações. Por exemplo, o conteúdo
   mem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial            objetal da atividade do jogo é substancialmente dife-
   correspondente a ele. [...] Por atividade, designamos os pro-   rente da atividade de estudo ou da atividade profis-
   cessos psicologicamente caracterizados por aquilo que o         sional. “O que distingue uma atividade de outra é o
   processo, como um todo, se dirige (i.e., objeto), coincidin-    objeto da atividade [...] que confere à mesma deter-
   do sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar      minada direção” (Leontiev, 1983, p. 83).
   essa atividade, isto é, o motivo. (p. 68)                            Davydov (1999) concorda com Leontiev sobre o
                                                                   entendimento de que a atividade é constituída de ne-
     Há, pois, uma dependência do objetivo em re-                  cessidades, tarefas, ações e operações, mas acrescen-
lação ao motivo, ou seja, a atividade implica um sen-              ta um componente que modifica substantivamente a
tido. Por sua vez, a ação “é um processo cujo moti-                formulação inicial. Trata-se do desejo, enquanto nú-
vo não coincide com seu objetivo, mas reside na                    cleo básico de uma necessidade:
atividade da qual faz parte” (ibidem). Conforme ex-
plica Leontiev, a atividade de ler o livro somente                         Acredito que o desejo deve ser considerado como um
para passar no exame não é atividade, é uma ação,                    elemento da estrutura da atividade. [...] Necessidades e de-
porque ler o livro por ler não é um objetivo forte que               sejos compõem a base sobre a qual as emoções funcionam.
estimula a ação. A atividade é a leitura do livro por                [...] O termo desejo reproduz a verdadeira essência da ques-
si mesmo, por causa do seu conteúdo, ou seja, quan-                  tão: as emoções são inseparáveis de uma necessidade. [...]
do o motivo da atividade passa para o objeto da ação,                Em seus trabalhos, Leontiev afirma que as ações são
a ação transforma-se numa atividade. É isso que pode                 conectadas às necessidades e motivos. Discordo desta tese.
provocar mudanças na atividade principal.                            Ações, como formações integrais, podem ser conectadas
     As operações consistem no modo de execução                      somente com necessidades baseadas em desejos – e as ações
de uma ação, são os conteúdos necessário de qual-                    ajudam na realização de certas tarefas a partir dos motivos.
quer ação, determinada pela natureza da tarefa. Se-                  [...] É esta a estrutura da atividade que tentei apresentar-
gundo Leontiev, uma mesma ação pode ser efetuada                     lhes. [...] Os elementos são os seguintes: desejos, necessi-
por diferentes operações, mas uma mesma operação                     dades, emoções, tarefas, ações, motivos para as ações, meios
também pode realizar diferentes ações, porque uma                    usados para as ações, planos (perceptual, mnemônico, pen-
operação depende das condições em que o alvo da                      samento, criativo) – todos se referindo à cognição e, tam-
ação é dado, enquanto uma ação é determinada pelo                    bém, à vontade. (p. 41)
alvo (idem, p. 74). Ele exemplifica essa relação entre
ação, tarefa e condições numa situação em que o ob-                    A importância deste ponto de vista é óbvia, pois
jetivo é decorar versos. A ação é a memorização dos                põe em relevo as relações entre a afetividade e a cog-
versos, e para isso posso agir de duas maneiras. Se a              nição. A investigação de González Rey (2000) sobre


Revista Brasileira de Educação                                                                                                      13
José Carlos Libâneo



a integração do cognitivo e do afetivo na personali-                 do ensino e da educação, que ocorre com a coopera-
dade humana na obra de Vygotsky permite ver apro-                    ção entre adultos e crianças na atividade de ensino.
ximações das idéias de Davydov com as de Vygotsky.
Escreve esse autor:                                                   O ensino e o desenvolvimento do pensamento:
                                                                                o ensino desenvolvimental
           Ao outorgar à emoção um status similar ao da cogni-
     ção, na constituição dos diferentes processos e formas de            Na base do pensamento de Davydov está a idéia-
     organização da psique, Vygotsky está sugerindo a indepen-       mestra de Vygotsky de que a aprendizagem e o ensi-
     dência das emoções, em sua origem, dos processos cogniti-       no são formas universais de desenvolvimento men-
     vos, e integrando as emoções dentro de uma visão comple-        tal. O ensino propicia a apropriação da cultura e o
     xa da psique que representa um importante antecedente para      desenvolvimento do pensamento, dois processos ar-
     a construção teórica do tema da subjetividade. (2003, p. 137)   ticulados entre si, formando uma unidade. Podemos
                                                                     expressar essa idéia de duas maneiras: a) enquanto o
     Davydov reforça esta idéia quando escreve que,                  aluno forma conceitos científicos, incorpora proces-
por detrás das ações humanas estão as necessidades e                 sos de pensamento e vice-versa; b) enquanto forma o
emoções humanas, antecedendo a ação, as relações                     pensamento teórico, desenvolve ações mentais, me-
com os outros, as linguagens. Isso significa que as                  diante a solução de problemas que suscitam a ativi-
ações humanas estão impregnadas de sentidos subje-                   dade mental do aluno. Com isso, o aluno assimila o
tivos, projetando-se em várias esferas da vida dos su-               conhecimento teórico e as capacidades e habilidades
jeitos, obviamente também na atividade dos alunos,                   relacionadas a esse conhecimento.
na compreensão das disciplinas escolares, no envol-                       Para superar a pedagogia tradicional empiricista,
vimento com o assunto estudado.                                      é necessário introduzir o pensamento teórico. O pa-
                                                                     pel do ensino é justamente o de propiciar mudanças
           A coisa mais importante na atividade científica não é     qualitativas no desenvolvimento do pensamento teó-
     a reflexão, nem o pensamento, nem a tarefa, mas a esfera        rico, que se forma junto com as capacidades e hábitos
     das necessidades e emoções. [...] As emoções são muito          correspondentes. Em razão disso, escreve Davydov:
     mais fundamentais do que os pensamentos, elas são a base
     para todas as diferentes tarefas que um homem estabelece               Os conhecimentos de um indivíduo e suas ações men-
     para si mesmo, incluindo as tarefas do pensar. [...] A fun-       tais (abstração, generalização etc.) formam uma unidade.
     ção geral das emoções é capacitar uma pessoa a pôr-se cer-        Segundo Rubinstein, “os conhecimentos [...] não surgem
     tas tarefas vitais, mas este é somente meio caminho anda-         dissociados da atividade cognitiva do sujeito e não existem
     do. A coisa mais importante é que as emoções capacitam a          sem referência a ele”. Portanto, é legítimo considerar o co-
     pessoa a decidir, desde o início, se, de fato, existem meios      nhecimento, de um lado, como o resultado das ações men-
     físicos, espirituais e morais necessários para que ela consi-     tais que implicitamente abrangem o conhecimento e, de
     ga atingir seu objetivo. (Davydov, 1999, p. 7)                    outro, como um processo pelo qual podemos obter esse re-
                                                                       sultado no qual se expressa o funcionamento das ações
     A relevância das pesquisas de Davydov está pre-                   mentais. Conseqüentemente, é totalmente aceitável usar o
cisamente em que, com base na atividade fundamen-                      termo “conhecimento” para designar tanto o resultado do
tal que é o trabalho, surgem no processo ontogenético                  pensamento (o reflexo da realidade), quanto o processo pelo
outras atividades, entre elas a atividade de aprendiza-                qual se obtém esse resultado (ou seja, as ações mentais).
gem. Para ele, a questão central da aprendizagem es-                   “Todo conceito científico é, simultaneamente, uma cons-
colar é o desenvolvimento mental dos alunos por meio                   trução do pensamento e um reflexo do ser”. Deste ponto de




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A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



   vista, um conceito é, ao mesmo tempo, um reflexo do ser e               a) A educação e o ensino são fatores determinan-
   um procedimento da operação mental. (1988b, p. 21)                         tes do desenvolvimento mental, inclusive por
                                                                              poder ir adiante do desenvolvimento real da
     Nesse sentido, de um lado, a aprendizagem es-                            criança.
colar é estruturada conforme o método de exposição                         b) Deve-se levar em consideração as origens so-
do conhecimento científico, mas, por outro, o pensa-                          ciais do processo de desenvolvimento, ou seja,
mento que um aluno desenvolve na atividade de apren-                          o desenvolvimento individual depende do de-
dizagem tem algo em comum com o pensamento de                                 senvolvimento do coletivo. A atividade cogni-
cientistas que expõem o resultado de suas pesquisas,                          tiva é inseparável do meio cultural, tendo lugar
quando se utilizam abstrações, generalizações e con-                          em um sistema interpessoal de forma que, atra-
ceitos teóricos.9 Escreve Davydov:                                            vés das interações com esse meio, os alunos
                                                                              aprendem os instrumentos cognitivos e comu-
          Embora o pensamento das crianças tenha alguns tra-                  nicativos de sua cultura. Isto caracteriza o pro-
   ços em comum com o pensamento dos cientistas, artistas,                    cesso de internalização das funções mentais.
   filósofos da moral e teóricos do direito, os dois não são               c) A educação é componente da atividade huma-
   idênticos. As crianças em idade escolar não criam concei-                  na orientada para o desenvolvimento do pen-
   tos, imagens, valores e normas de moralidade social, mas                   samento através da atividade de aprendizagem
   apropriam-se deles no processo da atividade de aprendiza-                  dos alunos (formação de conceitos teóricos, ge-
   gem. Mas, ao realizar esta atividade, as crianças executam                 neralização, análise, síntese, raciocínio teórico,
   ações mentais semelhantes às ações pelas quais estes pro-                  pensamento lógico), desde a escola elementar.
   dutos da cultura espiritual foram historicamente construí-              d) A referência básica do processo de ensino são
   dos. Em sua atividade de aprendizagem, as crianças repro-                  os objetos científicos (os conteúdos), que pre-
   duzem o processo real pelo qual os indivíduos vêm criando                  cisam ser apropriados pelos alunos mediante a
   conceitos, imagens, valores e normas. Portanto, o ensino de                descoberta de um princípio interno do objeto
   todas as matérias na escola deve ser estruturado de modo                   e, daí, reconstruído sob forma de conceito teó-
   que, como escreveu Ilenkov, “seja reproduzido, de forma                    rico na atividade conjunta entre professor e alu-
   condensada e abreviada, o processo histórico real da gênese                nos. A interação sujeito–objeto implica o uso
   e desenvolvimento... do conhecimento”. (idem, p. 21-22)                    de mediações simbólicas (sistemas, esquemas,
                                                                              mapas, modelos, isto é, signos, em sentido
    As idéias de Davydov sobre o ensino desenvol-                             amplo) encontradas na cultura e na ciência. A
vimental, lastreadas no pensamento de Vygotsky, po-                           reconstrução e reestruturação do objeto de es-
dem ser sintetizadas nos seguintes pontos:                                    tudo constituem o processo de internalização,
                                                                              a partir do qual se reestrutura o próprio modo
                                                                              de pensar dos alunos, assegurando, com isso,
                                                                              seu desenvolvimento.
      9
          “Dessa forma, ainda que a atividade de aprendizagem dos
escolares se desenvolva em correspondência com o procedimento               O texto de Davydov concretiza a proposição de
pelo qual os produtos da cultura espiritual já obtidos são expostos,   Vygotsky, ao afirmar que a função de uma proposta
nesta atividade se conservam, de forma peculiar, as situações e as     pedagógica é melhorar o conteúdo e os métodos de
ações que foram inerentes ao processo de criação real de tais pro-     ensino e de formação, de modo a exercer uma influên-
dutos e, por causa disso, o procedimento pelo qual foram obtidos       cia positiva sobre o desenvolvimento de suas habilida-
se reproduz de forma abreviada na consciência individual dos es-       des (por exemplo, seus pensamentos, desejos etc.)
colares” (Davydov, 1988b, p. 23).                                      (idem, p. 32). Esse posicionamento leva a afastar idéias


Revista Brasileira de Educação                                                                                               15
José Carlos Libâneo



pedagógicas correntes em vários países, ora de super-                 medida em que dirige a atividade da criança, ao invés de
por o desenvolvimento social e emocional ao cogniti-                  substituí-la por uma outra coisa. (idem, p. 55)
vo, de sobrepor a atividade prática ao desenvolvimen-
to do pensamento teórico, ou de promover práticas                       Ainda citando Rubinstein, escreve Davydov:
espontaneístas na educação escolar. Para ele, há uma
especificidade sócio-histórica dos processos em que                         Qualquer tentativa do educador-professor “de intro-
as crianças reproduzem as habilidades humanas, de                     duzir a cognição e as normas morais, ignorando a atividade
modo a contrapor ao desenvolvimento espontâneo das                    própria da criança no domínio desse conhecimento e de
crianças o papel determinante da educação e do ensino                 normas morais, prejudica [...] as próprias bases do seu sa-
orientado por objetivos (idem, p. 38). Escreve Davydov:               dio desenvolvimento mental e moral, o alimento de suas
                                                                      características e qualidades pessoais”. (idem, ibidem)
           É fato conhecido que o ensino e a educação atingem
     os objetivos mencionados por meio da direção competente           O desenvolvimento do pensamento teórico
     da atividade própria da criança. Quando essa atividade é
     interpretada abstratamente e, mais ainda, quando o proces-          As pesquisas de Davydov tiveram origem na aná-
     so do desenvolvimento está desvinculado da educação e do       lise crítica da organização do ensino assentada na
     ensino, inevitavelmente surgirá algum tipo de pedocentris-     concepção tradicional de aprendizagem, que leva à
     mo ou de contraposição entre as necessidades da “nature-       formação do pensamento empírico, descritivo e
     za” da criança e os requisitos da educação (como tem ocor-     classificatório. Segundo ele, conhecimento que se
     rido, em numerosas ocasiões, na história do pensamento e       adquire por métodos transmissivos e de memoriza-
     da prática pedagógicos). Entretanto, a situação se altera      ção não se converte em ferramenta para lidar com a
     substancialmente se a atividade “própria” da criança, de       diversidade de fenômenos e situações que ocorrem
     um lado, é compreendida como algo que surge e se forma         na vida prática. Um ensino mais vivo e eficaz para a
     no processo da educação e do ensino e, de outro, se é vista    formação da personalidade deve basear-se no desen-
     no contexto da história da própria infância da criança, de-    volvimento do pensamento teórico. Trata-se de um
     terminada pelas tarefas socioeconômicas da sociedade e         processo pelo qual se revela a essência e o desenvol-
     pelos objetivos e possibilidades da educação e do ensino       vimento dos objetos de conhecimento e, com isso, a
     que a elas correspondem. (1988a, p. 54-55)                     aquisição de métodos e estratégias cognitivas gerais
                                                                    de cada ciência, em função de analisar e resolver pro-
     Todavia, não se pode extrair daí que a crítica ao              blemas e situações concretas da vida prática. O pen-
espontaneísmo resulte numa imposição de conteúdos.                  samento teórico se forma pelo domínio dos procedi-
Trata-se de compreender a articulação entre apropria-               mentos lógicos do pensamento, que, pelo seu caráter
ção ativa do patrimônio cultural e o desenvolvimento                generalizador, permite sua aplicação em vários âmbi-
mental humano.                                                      tos da aprendizagem.
                                                                         Como se observa, essa proposta parte da idéia-
           Dadas estas premissas teóricas, o fato de considerar a   chave de Vygotsky relacionada com o papel do ensi-
     natureza e os aspectos específicos da atividade infantil não   no no desenvolvimento das potencialidades intelec-
     implica a contraposição entre o desenvolvimento e a educa-     tuais do ser humano. Davydov não faz pouco caso da
     ção, mas a introdução, no processo pedagógico, da condi-       escola tradicional, ao contrário, reconhece seus méri-
     ção mais importante para a concretização das suas finalida-    tos em propiciar aos alunos um certo sistema de co-
     des. Neste caso, segundo as palavras de Rubinstein, o pro-     nhecimentos e modos de ação na prática cotidiana.
     cesso pedagógico, como a atividade do professor-educador,      Todavia, entende que ela é insuficiente para assimilar
     forma a personalidade da criança em desenvolvimento na         o espírito da ciência contemporânea e os princípios


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A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



de uma relação criativa, ativa, e de profundo conteú-                     Conforme Davydov, portanto, um ensino basea-
do com a realidade (Davydov, 1987), propondo a su-                   do na generalização teórica11 significa: analisar de
peração de um tipo de pensamento empírico pelo pen-                  maneira autônoma os dados da tarefa; separar neles
samento teórico.                                                     as conexões essenciais; considerar cada tarefa como
     Para Davydov, o pensamento teórico se caracte-                  uma variante particular daquela que havia sido resol-
riza como o método da ascensão do abstrato para o                    vida inicialmente por meios teóricos (1987, p. 154;
concreto. Não se trata de pensar apenas abstratamen-                 1988b, p. 30, 49). Sobre a base das generalizações
te com um conjunto de proposições fixas, mas de uma                  teóricas formula alguns princípios do ensino escolar
instrumentalidade mediante a qual se desenvolve uma                  (1987, p. 153):
relação principal geral que caracteriza o assunto e se
descobre como essa relação aparece em muitos pro-
blemas específicos. Isto é, de uma relação geral sub-                ção substantiva) e a aplicação para analisar problemas particula-
jacente ao assunto ou problema se deduzem mais re-                   res (generalização substantiva) produz um número de abstrações
lações particulares, tal como ele próprio explicita:                 que se integram ou sintetizam em um conceito ou ‘núcleo’ do
                                                                     assunto. É importante entender que conceito aqui significa um
          Ao iniciar o domínio de qualquer matéria curricular,       conjunto de procedimentos para deduzir relações particulares da
   os alunos, com a ajuda dos professores, analisam o conteú-        relação abstrata. [...] O propósito da atividade de aprendizagem é
   do do material curricular e identificam nele a relação geral      ajudar os alunos a dominarem as relações, abstrações, generaliza-
   principal e, ao mesmo tempo, descobrem que esta relação           ções e sínteses que caracterizam os temas de uma matéria. Este
   se manifesta em muitas outras relações particulares encon-        domínio é refletido na sua habilidade para fazer reflexão substan-
   tradas nesse determinado material. Ao registrar, por meio         tiva, análise e planejamento. A estratégia educacional básica para
   de alguma forma referencial, a relação geral principal iden-      dar aos alunos a possibilidade para reproduzir pensamento teórico
   tificada, os alunos constroem, com isso, uma abstração subs-      é a de criar tarefas instrucionais cujas soluções requeiram a for-
   tantiva do assunto estudado. Continuando a análise do ma-         mação de abstrações substantivas e generalizações sobre as idéias
   terial curricular, eles detectam a vinculação regular dessa       centrais do assunto. Esta aproximação é fundamentada na idéia de
   relação principal com suas diversas manifestações obtendo,        Vygotsky da internalização, isto é, alguém aprende o conteúdo da
   assim, uma generalização substantiva do assunto estudado.         matéria aprendendo os procedimentos pelos quais se trabalham os
          Dessa forma, as crianças utilizam consistentemente a       temas específicos da matéria” (Chaiklin, 2003b).
   abstração e a generalização substantivas para deduzir (uma             11
                                                                               A Teoria da Generalização tem sido objeto de investiga-
   vez mais com o auxílio do professor) outras abstrações mais       ção na psicologia russa desde os anos de 1970. Conforme Lerner e
   particulares e para uni-las no objeto integral (concreto) es-     Skatkin: “A formação de conceitos não se reduz à generalização
   tudado. Quando os alunos começam a usar a abstração e a           de aspectos idênticos em muitas disciplinas, como se tem feito até
   generalização iniciais como meios para deduzir e unir ou-         hoje na didática. Este tipo de generalização realmente existe no
   tras abstrações, eles convertem as estruturas mentais ini-        nível do conhecimento empírico, mas ela não permite aprofundar,
   ciais em um conceito, que representa o “núcleo” do assunto        penetrar na essência da matéria, nos vínculos e relações internas
   estudado. Este “núcleo” serve, posteriormente, às crianças        de seus elementos, compreender a matéria em sua origem e desen-
   como um princípio geral pelo qual elas podem se orientar          volvimento. [...] A generalização não se produz encontrando as-
   em toda a diversidade do material curricular factual que          pectos semelhantes ou comuns a um grupo de objetos, mas reve-
   têm que assimilar, em uma forma conceitual, por meio da           lando seu fundamento genético geral sob o prisma de seu desen-
   ascensão do abstrato ao concreto. (1988c, p. 22) 10               volvimento. [...] O processo de generalização se manifesta como
                                                                     busca do particular que surgiu da ‘célula’ inicial, como dedução
     10
          Chaiklin interpreta esta proposição da seguinte forma:     do fundamento genético geral de todas as disciplinas particulares
“Este processo de identificar uma relação geral principal (abstra-   que compõem o sistema” (1984, p. 80).



Revista Brasileira de Educação                                                                                                      17
José Carlos Libâneo



     a) A assimilação dos conhecimentos de caráter         tações desse material; b) a dedução, em que as crian-
        geral e abstrato precede a familiarização com      ças deduzem determinadas relações no conteúdo es-
        os conhecimentos mais particulares e concre-       tudado, formando um sistema unificado dessas rela-
        tos; é a partir daqueles que se deduzem estes,     ções, isto é, o “núcleo” conceitual; c) o domínio do
        correspondendo às exigências da ascensão do        modo geral pelo qual o objeto de estudo é construído,
        abstrato ao concreto.                              mediante o processo de análise e síntese.12 Junto com
     b) Os conceitos de uma disciplina escolar devem       isso, o método genético refere-se às condições de ori-
        ser assimilados por meio do exame das condi-       gem dos conceitos científicos, isto é, aos modos de
        ções que os originaram e os tornaram essen-        atividade anteriores aplicados à investigação dos con-
        ciais, ou seja, os conceitos não se dão como       ceitos a serem adquiridos. Para isso, segundo
        “conhecimentos já prontos”, devendo ser de-        Davydov, é necessário que “os alunos reproduzam o
        duzidos a partir do geral e do abstrato.           processo atual pelo qual as pessoas criaram concei-
     c) No estudo da origem dos conceitos os alunos        tos, imagens, valores, normas” (1988b, p. 21-22).
        devem, antes de tudo, descobrir a conexão ge-            Estas duas estratégias de ensino e aprendizagem
        neticamente inicial, geral, que determina o con-   representam, talvez, o núcleo mais rico da aborda-
        teúdo e a estrutura do campo de conceitos da-      gem teórica de Davydov. Elas buscam superar a co-
        dos.
     d) É necessário reproduzir esta conexão em mo-
        delos objetivados, gráficos e simbólicos (lite-
        rais) que permitam estudar suas propriedades             12
                                                                      Lerner e Skatkin (1984) descrevem como são estrutura-
        em “forma pura” (por exemplo, a estrutura in-      dos os conteúdos das matérias com base na Teoria da Generaliza-
        terna das palavras pode ser representada com       ção: “Todos os conceitos que fazem parte de uma matéria determi-
        a ajuda de esquemas gráficos especiais).           nada ou de suas subunidades fundamentais são estudados pelos
     e) Há que se formar nos alunos ações objetivadas      estudantes por meio da assimilação e domínio das condições mate-
        que lhes permitam revelar no material de estu-     riais que lhe dão origem. Ao estudar as fontes materiais dos con-
        do e reproduzir nos modelos as conexões pri-       ceitos, os alunos descobrem, antes de tudo, o vínculo ou nexo ge-
        márias e universais do objeto de estudo, de        ral de origem genética que determina a estrutura e o conteúdo de
        modo que se garantam as transições mentais         todo objeto dos conceitos estudados. Por exemplo, a base geral
        do universal para o particular e vice-versa.       dos conceitos de matemática são as relações gerais de magnitude;
     f) Os escolares devem passar paulatinamente e         dos conceitos de gramática, a relação entre a forma e o significado
        no seu devido tempo da realização de ações no      da palavra. Este vínculo se reflete ou reproduz em objetos particu-
        plano mental para a realização de ações no pla-    lares ou modelos, que permitem estudar suas propriedades em for-
        no externo (objetivadas) e vice-versa.             ma pura. Por exemplo, as relações gerais das magnitudes se repre-
                                                           sentam ao modo de fórmulas e de estrutura interna da palavra, com
     O que se constata nestes princípios é, obviamen-      o auxílio de esquemas gráficos especiais. Utilizando estas fórmu-
te, uma clara alusão ao movimento que vai do geral         las e esquemas, os alunos, mediante operações que já dominam,
para o particular, encetado pelo pensamento, confor-       descobrem no novo material este vínculo ou nexo geral. Dessa
me a lógica dialética, e uma similaridade com o mé-        forma, a assimilação de conhecimentos de caráter geral e abstrato,
todo genético. Com efeito, para Davydov (1988b, p. 24),    ou vínculo geral genético, precede a familiarização com conheci-
os componentes de uma tarefa de aprendizagem apre-         mentos mais particulares e concretos. Estes últimos derivam dos
sentada pelo professor são: a) a análise do material       primeiros, que constituem seu único fundamento. A estruturação
factual para descobrir nele alguma relação geral que       das disciplinas escolares da forma como foi explicada contribui para
tenha uma conexão regular com as diversas manifes-         formar nos escolares um pensamento científico-teórico” (p. 81).



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A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



nhecida dicotomia entre a ênfase nos conteúdos es-                 ma nas formas de desenvolvimento espiritual e como
colares e o desenvolvimento dos processos mentais,                 a apropriação destas formas pelo indivíduo se trans-
ou seja, entre a formação dos conceitos científicos e              forma no conteúdo do desenvolvimento de sua cons-
o desenvolvimento das capacidades do pensar. Nesse                 ciência” (idem, p. 61).
sentido, desenvolver nos jovens o pensamento teóri-                      Davydov recrimina no ensino tradicional a trans-
co é o processo pelo qual se revela a essência e de-               missão direta aos alunos dos produtos finais da in-
senvolvimento dos objetos de conhecimento, e com                   vestigação, sem que possam aprender a investigar por
isso a aquisição de métodos e estratégias cognoscitivas            si mesmas. Todavia, a questão não está em descartar
gerais de cada ciência, em função de analisar e resol-             os conteúdos, mas em estudar os produtos culturais e
ver problemas cotidianos e profissionais.                          científicos da humanidade, seguindo o percurso dos
     A idéia é de que a apropriação dos conceitos (no              processos de investigação, ou seja, reproduzindo o
sentido de “instrumentalidade”) requer que o indiví-               caminho investigativo percorrido para se chegar a
duo reproduza, na sua própria atividade, as capacida-              esses produtos. O procedimento prático de se realizar
des humanas desenvolvidas historicamente. Nessa ati-               essas estratégias são as ações de aprendizagem. Por
vidade reprodutiva, “a criança implementa a atividade              meio de atividades de abstração e generalização e
que é semelhante (não idêntica) à atividade encarna-               exercícios escolares, representativos da disciplina,
da pelas pessoas nestas capacidades” (1988a, p. 56).               pode-se ensinar às crianças o modo como aprender a
Davydov, aqui, cita Leontiev, que escreve que o pro-               manejar seus processos cognitivos.
cesso pelo qual a criança se apropria da experiência                     É clara a vinculação desta idéia – apropriação
social “é um processo que tem como resultado a repro-              dos modos de pensar a que as disciplinas científicas
dução, pelo indivíduo, de atributos, capacidades e                 recorrem – com duas tendências fortes na pedagogia
modos de comportamento humanos formados histori-                   contemporânea: o método de resolução de problemas
camente”. E conclui Davydov:                                       e o método do ensino com pesquisa. As ações men-
                                                                   tais, segundo Davydov, implicam a resolução de tare-
         Esta reprodução das capacidades, da atividade, com os     fas cognitivas, “que devem ser baseadas em proble-
   instrumentos e conhecimentos, pressupõe que a “criança deve     mas” (1988b, p. 29). Eis como Davydov se posiciona
   realizar em relação a elas uma atividade prática ou cognitiva   quanto a isso:
   que seja proporcional (commensurate) (ainda que não idên-
   tica) à atividade humana incorporada nelas”. (idem, p. 23)        [...] podemos entender que a implicação geral e o papel
                                                                     geral da tarefa de aprendizagem no processo de assimila-
      É importante assinalar, nessa frase, que trata-se              ção serão os mesmos (a princípio) que os da educação ba-
de atividade semelhante, proporcional, mas não idên-                 seada em problemas. [...] Observamos que, assim como a
tica à atividade social-histórica anterior. Ou seja,                 aprendizagem, a educação baseada na resolução de proble-
“quando as crianças aprendem, executam ações men-                    mas está internamente associada ao nível teórico da assi-
tais comensuráveis às ações pelas quais esses produ-                 milação do conhecimento e pensamento teórico. (ibidem)
tos da cultura espiritual tiveram historicamente sua
origem” (idem, ibidem). Ainda insistindo na unidade                     A idéia do ensino com pesquisa é a de que o pro-
entre apropriação e desenvolvimento, entre o conhe-                fessor faça pesquisa enquanto ensina, presente na
cimento e o processo de aquisição do conhecimento.                 noção de ensino como “experimentação formativa”,
Tal como já assinalamos, “a tarefa fundamental da                  em que o professor intervém ativamente por meio de
ciência será a de determinar como o conteúdo do de-                tarefas nos processos mentais das crianças e produz
senvolvimento espiritual da humanidade se transfor-                novas formações por meio dessa intervenção.




Revista Brasileira de Educação                                                                                                   19
José Carlos Libâneo



               A atividade de aprendizagem                             Estas idéias deixam transparecer no pensamento
               e as ações de aprendizagem                         de Davydov o caráter ativo da aprendizagem e, espe-
                                                                  cialmente, a idéia de que a educação escolar constitui-
     Segundo Davydov (1988b, p. 3, 19), a aprendiza-              se numa forma específica de atividade do aluno. A
gem é a atividade principal das crianças em idade es-             meta da atividade de aprendizagem, incluindo a par-
colar, cuja função é propiciar a assimilação das for-             ceria adulto–criança e crianças–crianças, é a própria
mas de consciência social mais desenvolvida – a                   aprendizagem, ou seja, o objetivo do ensino é ensinar
ciência, a arte, a moralidade, a lei. As crianças incor-          aos estudantes as habilidades de aprenderem por si
poram tanto o conhecimento e as habilidades relacio-              mesmos, ou seja, aprender a pensar.
nados com os fundamentos dessas formas de consciên-                    Mas não se trata do “aprender fazendo”. Se for
cia social como também as capacidades construídas                 enfatizado apenas o caráter concreto da experiência
historicamente para desenvolver a consciência e o pen-            da criança, pouco se conseguirá em termos de desen-
samento teóricos. O conteúdo da aprendizagem, em                  volvimento mental. Na expressão de Lipman (1997,
outras palavras, é o conhecimento teórico (usando o               p. 73), comentando Davydov, as crianças ficam sub-
termo para significar uma combinação unificada de                 nutridas conceitualmente. Com efeito, segundo
abstração substancial, generalização e conceitos teó-             Davydov (1988c, p. 21), “aos conhecimentos (con-
ricos).                                                           ceitos) empíricos correspondem ações empíricas (ou
     Ainda conforme Davydov, a base do ensino de-                 formais) e aos conhecimentos (conceitos) teóricos,
senvolvimental é seu conteúdo, do qual derivam os                 ações teóricas (ou substanciais)”, ou seja, se o ensino
métodos (ou procedimentos) para organizar o ensino:               nutre a criança somente de conhecimentos empíricos,
                                                                  ela só poderá realizar ações empíricas, sem influir
          Esta proposição exemplifica o ponto de vista de         substancialmente no seu desenvolvimento intelectual.
     Vygotskii e Elkonin. “Para nós, escreveu Elkonin, tem im-
     portância fundamental sua idéia (de Vygotskii – VD) de        A atividade da aprendizagem e a comunicação
     que o ensino realiza seu papel principal no desenvolvimen-
     to mental, antes de tudo, por meio do conteúdo do conheci-        Esse tópico discute a questão da influência de fa-
     mento a ser assimilado”. Concretizando esta proposição,      tores sociais e culturais, especialmente da comunica-
     deve-se observar que a natureza desenvolvimental da ativi-   ção, no desenvolvimento mental. Daniels (2003, p. 9)
     dade de aprendizagem no período escolar está vinculada ao    aponta duas formulações dessa questão no âmbito da
     fato de que o conteúdo da atividade acadêmica é o conheci-   Teoria da Atividade: a da interiorização e a da parti-
     mento teórico. (idem, p. 19)                                 cipação. Na orientação que prioriza o processo de in-
                                                                  ternalização, a cultura é fonte do desenvolvimento
     Para que isto ocorra, faz-se necessária uma es-              psíquico à medida que o sujeito realiza uma determi-
trutura da atividade do aprender incluindo uma tarefa             nada atividade dirigida à apropriação das capacida-
de aprendizagem, as ações de aprendizagem e ações                 des sociais objetivadas em forma de instrumentos, lin-
de acompanhamento e avaliação, visando à compreen-                guagem, obras de arte etc. Essa atividade somente
são do objeto de estudo em suas relações. O resultado             pode ser realizada em comunicação permanente com
disso é que os alunos aprendem como pensar teorica-               outras pessoas. Escreve Leontiev:
mente a respeito de um objeto de estudo e, com isso,
formar um conceito teórico apropriado desse objeto                       A comunicação em sua forma externa inicial, como
para lidar praticamente com ele em situações concre-                aspecto da atividade conjunta das pessoas, quer dizer, em
tas da vida.                                                        forma de “comunicação imediata” ou em forma interna,




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A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



   interiorizada, conforma [...] as condições indispensáveis e             O primeiro componente do núcleo da atividade é a
   específicas do processo de apropriação, pelos indivíduos,         transformação da realidade pelo sujeito coletivo, no curso
   dos êxitos do desenvolvimento histórico da humanidade.            da atividade coletiva deste indivíduo. [...] Toda atividade
   (apud Davydov, 2002, p. 57)                                       coletiva é sempre observada em vários tipos e formas de
                                                                     comunicação material e espiritual. [...] Mas, no processo
     Todavia, a comunicação da criança com outras                    de comunicação, seja material ou espiritual, surge um prin-
pessoas não está mediatizada pela palavra, mas pelo                  cípio básico do qual todos estamos conscientes [...] que é o
objeto.                                                              desempenho coletivo de uma certa atividade pelos indiví-
                                                                     duos. [...] O apelo a outras pessoas ocorre na estrutura da
         A relação da criança com o objeto está mediatizada          atividade coletiva, a atividade que é provida de problemas
   inicialmente pelas ações objetais diretas do adulto. [...] As     dos indivíduos ou da equipe. A propósito, o apelo aos ou-
   ações da criança estão dirigidas não só ao objeto, mas ao         tros é a base da qual surgem padrões num coletivo; e os
   adulto que se encontra presente; por isso a incita à comuni-      padrões são protótipos culturais. [...] Assim, no núcleo da
   cação. Unicamente sobre a base das ações objetais conjun-         atividade [...] temos os seguintes pontos: primeiro, a unida-
   tas com o adulto, a criança vai dominando a linguagem, a          de da atividade consciente inclui a natureza coletiva da rea-
   comunicação verbal. [...] o exame do processo de transfor-        lização de uma atividade pelo indivíduo coletivo ou uma
   mação da atividade externa conjunta da criança em ativida-        equipe; em outras palavras, o que chamamos de comunica-
   de individual, regulada agora pelas estruturas internas (em       ção prática (metódica), no sentido literal da palavra, não no
   outras palavras, o estudo da interiorização da atividade con-     metafórico. O segundo ponto é o apelo das pessoas umas
   junta e das funções psíquicas a ela ligadas), tem uma im-         pelas outras, refletindo sobre suas próprias ações e signifi-
   portância capital para compreender o desenvolvimento psí-         cados e sobre ações e significados de outras pessoas. O ter-
   quico da criança. [...] Mas a criança não pode elaborar e         ceiro aspecto do núcleo da atividade está incluído no plano
   realizar de forma autônoma esta atividade; ela sempre deve        ideal e na imaginação. O quarto, é a atividade consciente
   ser reestruturada (na criança) pelas pessoas que se encon-        individual de uma pessoa individual. (p. 10-11)
   tram em interação e comunicação com ela. [...] Mais à fren-
   te, o avanço autônomo e criador do pensamento somente                Essa citação permite visualizar o caráter coleti-
   será possível sobre a base da experiência histórica já          vo da atividade em geral e, também, da atividade de
   interiorizada. (idem, p. 58)                                    aprendizagem. Embora nela não apareça a valoriza-
                                                                   ção dos aspectos interacionais no ensino, tal como
     Na posição de Davydov, é notória a ênfase ao                  desejariam autores que acentuam na aprendizagem
conhecimento teórico formalmente organizado como                   mediada as práticas de participação, fica clara a posi-
base da atividade de aprendizagem, pelo que privile-               ção do autor sobre o caráter social e coletivo das apren-
gia mais o “social” e menos o “interativo”. Por se                 dizagens, incluindo a atividade conjunta dos alunos.
basear na natureza teórica da aprendizagem formal, a
cultura aparece como algo a ser reproduzido, para o                                         Conclusão
que se torna imprescindível a comunicação entre as
pessoas, no sentido de comunicação da experiência                      O objetivo deste trabalho foi apresentar contri-
social. Ou seja, a interiorização consiste no processo             buições da Teoria Histórico-cultural da Atividade para
de transformação da atividade coletiva em uma ativi-               a didática, especialmente para a aprendizagem do
dade individual. Todavia, em artigo recente, Davydov               pensar e do aprender, com base na obra de V. Davydov.
(1999) destaca o que, para ele, é o núcleo da ativida-             Apresentou-se um esboço do desenvolvimento teóri-
de, ressaltando a comunicação com o outro:                         co da Teoria da Atividade desde sua formulação no




Revista Brasileira de Educação                                                                                                       21
José Carlos Libâneo



período inicial da psicologia histórico-cultural, bem              qualquer outra. Isto significa que a escola deve ensinar os
como as bases teóricas do ensino desenvolvimental                  alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles
formuladas por Davydov, que propiciam o conheci-                   os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual
mento teórico da Teoria do Conhecimento e da psico-                é necessário organizar um ensino que impulsione o desen-
logia marxistas em função de uma teoria de ensino                  volvimento. Chamemos esse ensino de “desenvolvimental”.
adequada às exigências do mundo contemporâneo.                     (1988d, p. 3)
     A Teoria da Atividade de aprendizagem tem co-
mo premissa uma afirmação bem pontual de Davydov                     A Teoria da Atividade presta-se a muitas finali-
(1988a, p. 9): “é possível, por meio do ensino e da             dades, mas especialmente pode auxiliar nas formas
educação, formar numa pessoa certas capacidades                 de desenvolvimento do pensamento teórico (valendo
ou qualidades mentais”. Uma análise concreta do mun-            para os alunos, mas também para os professores); na
do atual põe-nos ante problemas reais, como as mu-              compreensão da estrutura da atividade docente; na ex-
danças nos processos de produção e nas demandas                 plicitação dos procedimentos e definição de ações e
de qualificação profissional, o desenvolvimento da mi-          tarefas de aprendizagem para aumentar a eficácia das
croeletrônica, a complexificação dos meios de co-               aprendizagens; na proposição de métodos e procedi-
municação e informação, o poder desmedido das                   mentos de estudo e análise das práticas, em especial
mídias na formação das subjetividades, a intelectuali-          os contextos socioculturais da atividade, para promo-
zação do processo produtivo etc., ainda que reco-               ver a transformação de espaços institucionais. Nesse
nheçamos a manutenção das características mais mar-             sentido, para além das idéias aqui sistematizadas, há
cantes do capitalismo. Há, efetivamente, mudanças               que se buscar outros elementos teóricos associados à
no mundo do trabalho que afetam substantivamente                Teoria da Atividade, para melhor compreensão, por
a vida dos trabalhadores de todos os níveis, e uma              exemplo, das ações subjetivas e seu sentido, das for-
proposta democrática de escola não pode excluí-los              mas de participação guiada nas ações e tarefas de
de uma formação compatível com essas mudanças.                  aprendizagem, da pesquisa cultural, das influências so-
Considerando-se que a educação escolar vincula-se               cioculturais do contexto na ação orientada para o ob-
estreitamente ao desenvolvimento cognitivo – enten-             jeto, dos critérios de análise das práticas em contex-
dendo que todos os seres humanos precisam inter-                tos institucionais e sua transformação em direção a
nalizar conhecimentos e desenvolver suas capacida-              objetivos emancipatórios. São apostas muito promis-
des cognitivas como condição de sua existência social           soras para uma visão mais contemporânea e mais plu-
– é desejável esperar dela ações em resposta às de-             rifacetada do conteúdo da didática, e para o enrique-
mandas postas por essas novas realidades.                       cimento das propostas de currículos e metodologias
     Entender, pois, o papel da educação escolar no             de formação de professores, uma vez que os objeti-
mundo contemporâneo implica saber que a aquisição               vos de aprendizagem que esperamos dos alunos de-
de conhecimentos e o desenvolvimento de capacida-               vem ser, antes, objetivos da formação de professores.
des mentais dos alunos incluem o conhecimento teó-
rico, juntamente com o desenvolvimento de compe-                      JOSÉ CARLOS LIBÂNEO, doutor em história e filosofia
tências cognitivas complexas. Na introdução à edição            da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
espanhola de seu último livro, escreveu Davydov:                é professor aposentado da Universidade Federal de Goiás e pro-
                                                                fessor no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universi-
          Os pedagogos começam a compreender que a tarefa       dade Católica de Goiás. Além de numerosos artigos, publicou:
     da escola contemporânea não consiste em dar às crianças    Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos
     uma soma de fatos conhecidos, mas em ensiná-las a orien-   conteúdos (São Paulo: Loyola, 1985; 19ª edição, 2003); Didática
     tar-se independentemente na informação científica e em     (São Paulo, Cortez, 1990; 23ª edição, 2004); Adeus professor, adeus



22                                                                                               Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender



professora? Novas exigências educacionais e profissão docente               psychology; cap. 2 – Problems of children’s mental
                             a
(São Paulo: Cortez, 1998; 7 edição, 2003); Pedagogia e pedago-              development. Soviet Education, New York, aug.
gos, para quê? (São Paulo: Cortez, 1998; 6a edição, 2003); Orga-                    , (1988b). Problems of developmental teaching, The
nização e gestão da escola (Goiânia, Alternativa, 2001; 5ª edi-             experience of theoretical and experimental psychological
ção, 2004); em co-autoria com Mirza Toschi Seabra e João Ferreira           research. Parte II, cap. 5 – Learning activity in the younger
de Oliveira, Educação escolar : políticas, estrutura e organização          school age period; cap. 6 – The mental development of younger
(São Paulo: Cortez, 2003). Atualmente desenvolve o projeto de               school children in the process of learning activity. Soviet
pesquisa: As contribuições da psicologia histórico-cultural, da Teoria      Education, New York, sep.
da Atividade e da pesquisa cultural para o desenvolvimento teórico                  , (1988c). Problems of developmental teaching. The
da didática e das didáticas específicas. E-mail: libaneojc@uol.com.br       experience of theoretical and experimental psychological
                                                                            research. Parte III, cap. 6 – The mental development of
                Referências bibliográficas                                  younger school children in the process of learning activity
                                                                            (continuação). Conclusion – appendix. Soviet Education,
BELLONI, Maria L. (org.), (2002). A formação na sociedade do                New York, oct.
    espetáculo. São Paulo: Loyola.                                       DAVIDOV, Vasili, (1988d). La enseñanza escolar y el desarrollo
CHAIKLIN, Seth, (2003a). Correspondência pessoal com o autor,               psíquico. Prefácio. Moscu: Editorial Progreso.
    em 13.07.2003                                                                   , (1999). A new approach to the interpretation of
              , (2003b). Developmental teaching in upper-secondary          activity structure and content. In: CHAIKLIN, Seth,
    school. Disponível em: <http://www.maro.newmail.ru/>. Acesso            HEDEGAARD, Mariane, JENSEN, Uffe Jull (orgs.). Activity
    em: jul. 2003.                                                          theory and social practice: cultural-historical approaches.
CHAIKLIN, Seth, LAVE, Jean (comps.), (2001). Estudiar las                   Aarhus (Dinamarca): Aarthus University Press, p. 39-50.
    prácticas: perspectivas sobre actividad y contexto. Buenos           DAVIDOV, Vasili V., (2002). El aporte de A. N. Leontiev al
    Aires: Amorrortu.                                                       desarrollo de la psicología. In: GOLDER, Mário (org.). An-
CHAIKLIN, Seth, HEDEGAARD, Mariane, JENSEN, Uffe Jull                       gustia por la utopía. Buenos Aires: Ateneo Vigotskiano de la
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    historical approaches. Aarhus (Dinamarca): Aarthus University        DAVIDOV, V.V., RADZIKHOVSKII, L.A., (1988). Vygotsky
    Press.                                                                  theory and the activity-oriented approach in psychology. In:
COLETIVO DE AUTORES, (2001). Didactica universitária.                       WERTSCH, James (org.). Culture, communication and
    Universidade de la Habana. Centro de Estúdios para el                   cognition: Vigotskian perspectives. New York: Cambridge
    Perfeccionamiento de la Educación Superior. Anápolis, Go.:              University Press, p. 35-65.
    Curso de Mestrado. Apostila para uso didático.                       DUARTE, Newton, (1996). Educação escolar, teoria do cotidia-
DANIELS, Harry, (2003). Vygotsky e a pedagogia. São Paulo:                  no e a escola de Vigotski. Campinas: Autores Associados.
    Loyola.                                                                         , (2000). Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica
DAVYDOV, Vasili V., (1978). Tipos de generalización en la                   às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskia-
    enseñanza. Havana: Pueblo y Educación.                                  na. Campinas: Autores Associados.
DAVÍDOV, V. V., (1987). Analisis de los principios didácticos de la                 , (2003). Sociedade do conhecimento ou sociedade
    escuela tradicional y possibles principios de enseñanza en el           das ilusões? Campinas: Autores Associados.
    futuro proximo. In: SHUARE, Marta. La Psicología evoluti-            ENGESTRÕM, Yrjo, (2002). Non scholae sed vitae discimus:
    va y pedagogía en la URSS. Antología. Moscu: Editorial                  como superar a encapsulação da aprendizagem escolar. In:
    Progreso, p. 143-154.                                                   DANIELS, Harry (org.). Uma introdução a Vygotsky. São
DAVYDOV, V. V., (1988a). Problems of developmental teaching.                Paulo: Loyola, p. 175-197.
    The experience of theoretical and experimental psychological         GOLDER, Mário (org.), (2002). Angustia por la utopía. Buenos
    research. Parte I, cap. 1 – The basic concept of contemporary           Aires: Ateneo Vigotskiano de la Argentina.



Revista Brasileira de Educação                                                                                                          23
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Didática [1]..

  • 1. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a Teoria Histórico-cultural da Atividade e a contribuição de Vasili Davydov José Carlos Libâneo* Universidade Católica de Goiás Os desafios da escola e da didática atual Com efeito, as crianças e jovens vão à escola para e a contribuição da Teoria Histórico-social aprender cultura e internalizar os meios cognitivos da Atividade de compreender e transformar o mundo. Para isso, é necessário pensar – estimular a capacidade de racio- Ante as necessidades educativas presentes, a es- cínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva cola continua sendo lugar de mediação cultural, e a e desenvolver as competências do pensar. A didática pedagogia, ao viabilizar a educação, constitui-se como tem o compromisso com a busca da qualidade cogni- prática cultural intencional de produção e internaliza- tiva das aprendizagens, esta, por sua vez, associada à ção de significados para, de certa forma, promover o aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indi- ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pen- víduos. O modus faciendi dessa mediação cultural, santes e críticos, capazes de pensar e lidar com con- pelo trabalho dos professores, é o provimento aos alu- ceitos, argumentar, resolver problemas, diante de di- nos dos meios de aquisição de conceitos científicos e lemas e problemas da vida prática. A razão pedagógica de desenvolvimento das capacidades cognitivas e está também associada, inerentemente, a um valor in- operativas, dois elementos da aprendizagem escolar trínseco, que é a formação humana, visando a ajudar interligados e indissociáveis. os outros a se educarem, a serem pessoas dignas, jus- tas, cultas, aptas a participar ativa e criticamente na vida social, política, profissional e cultural. Este texto apóia-se em duas crenças: uma, que a * O autor agradece a contribuição do professor Seth Chaiklin escola continua sendo uma instância necessária de no esclarecimento de expressões e termos de difícil compreensão democratização intelectual e política; outra, que uma ou interpretação, encontrados na versão em inglês do texto de V. política educacional inclusiva deve estar fundamen- V. Davydov, utilizado como base deste artigo. tada na idéia de que o elemento nuclear da escola é a Revista Brasileira de Educação 5
  • 2. José Carlos Libâneo atividade de aprendizagem, lastreada no pensamento sar. Mais precisamente, será fundamental entender que teórico, associada aos motivos dos alunos, sem o que o conhecimento supõe o desenvolvimento do pensa- as escolas não seriam verdadeiramente inclusivas. mento e que desenvolver o pensamento supõe meto- Estudos recentes sobre os processos do pensar e dologia e procedimentos sistemáticos do pensar. Nesse do aprender, para além da acentuação do papel ativo caso, a característica mais destacada do trabalho do dos sujeitos na aprendizagem, insistem na necessida- professor é a mediação docente pela qual ele se põe de dos sujeitos desenvolverem competências e habi- entre o aluno e o conhecimento para possibilitar as lidades cognitivas. Para Castells (apud Hargreaves, condições e os meios de aprendizagem, ou seja, as 2001, p. 16), a tarefa das escolas e dos processos edu- mediações cognitivas. cativos é desenvolver em quem está aprendendo a ca- O suporte teórico de partida é o princípio vygo- pacidade de aprender, em razão de exigências postas tskiano de que a aprendizagem é uma articulação de pelo volume crescente de dados acessíveis na socie- processos externos e internos, visando a internaliza- dade e nas redes informacionais, da necessidade de ção de signos culturais pelo indivíduo, o que gera uma lidar com um mundo diferente e, também, de educar qualidade auto-reguladora às ações e ao comporta- a juventude em valores e ajudá-la a construir perso- mento dos indivíduos. Esta formulação realça a ativi- nalidades flexíveis e eticamente ancoradas. Também dade sócio-histórica e coletiva dos indivíduos na for- Morin (2000) expressa com muita convicção a exi- mação das funções mentais superiores, portanto o gência de se desenvolver uma inteligência geral que caráter de mediação cultural do processo do conheci- saiba discernir o contexto, o global, o multidimensio- mento e, ao mesmo tempo, a atividade individual de nal, a interação complexa dos elementos. Ele escreve: aprendizagem pela qual o indivíduo se apropria da experiência sociocultural como ser ativo. Todavia, [...] o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permi- considerando-se que os saberes e instrumentos cog- te melhor desenvolvimento das competências particulares nitivos se constituem nas relações intersubjetivas, sua ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência apropriação implica a interação com os outros já por- geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. tadores desses saberes e instrumentos. Em razão dis- A compreensão dos dados particulares também necessita so é que a educação e o ensino se constituem formas da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a universais e necessárias do desenvolvimento mental, mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso em cujo processo se ligam os fatores socioculturais e particular. [...] Dessa maneira, há correlação entre a mobi- as condições internas dos indivíduos. lização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da in- O que está em questão é como o ensino pode teligência geral. (Morin, 2000, p. 39) impulsionar o desenvolvimento das competências cognitivas mediante a formação de conceitos e de- Outros estudos vêm mostrando o impacto dos senvolvimento do pensamento teórico, e por quais meios de comunicação na configuração dos modos meios os alunos podem melhorar e potencializar sua de pensar e das práticas sociais da juventude (por aprendizagem. Em outras palavras, trata-se de saber exemplo, Porto, 2003; Belloni, 2002; Engestrõm, o que e como fazer para estimular as capacidades in- 2002), das tecnologias e dos meios informacionais, vestigadoras dos alunos, ajudando-os a desenvolver dos crescentes processos de diversificação cultural, competências e habilidades mentais. Em razão disso, afetando os processos de ensino e aprendizagem. uma didática a serviço de uma pedagogia voltada para É em razão dessas demandas que a didática pre- a formação de sujeitos pensantes e críticos deverá cisa incorporar as investigações mais recentes sobre salientar em suas investigações as estratégias pelas modos de aprender e ensinar e sobre o papel media- quais os alunos aprendem a internalizar conceitos, dor do professor na preparação dos alunos para o pen- competências e habilidades do pensar, modos de ação 6 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 3. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender que se constituam em “instrumentalidades” para li- pressão maior é o trabalho, é a principal mediação dar praticamente com a realidade: resolver problemas, nas relações que os sujeitos estabelecem com o mun- enfrentar dilemas, tomar decisões, formular estraté- do objetivo. Conforme Vygotsky, o surgimento da gias de ação. Davydov1 explicita seu entendimento consciência está relacionado com a atividade prática dessas questões: humana, a consciência é um aspecto da atividade laboral. Escreve Leontiev: O saber contemporâneo pressupõe que o homem do- mine o processo de origem e desenvolvimento das coisas Este enfoque encontrou sua expressão na concepção mediante o pensamento teórico, que estuda e descreve a de atividade psíquica como uma forma peculiar de ativida- lógica dialética. O pensamento teórico tem seus tipos espe- de, como um produto e um derivado da vida material, da cíficos de generalização e abstração, seus procedimentos vida externa, que se transforma [...] em atividade da cons- de formação dos conceitos e operações com eles. Justamen- ciência. Aqui se põe como tarefa central a investigação da te, a formação de tais conceitos abre aos escolares o cami- própria estrutura da atividade e sua interiorização. (apud nho para dominar os fundamentos da cultura teórica atual. Davydov, 2002)2 [...] A escola, a nosso juízo, deve ensinar as crianças a pen- sar teoricamente. (apud Golder, 2002, p. 49) Na base da idéia de atividade externa está um princípio central da filosofia materialista dialética: o O objetivo deste estudo é, assim, explorar as con- condicionamento histórico-social do desenvolvimento tribuições teóricas da Teoria Histórico-cultural da Ati- do psiquismo humano, que se realiza no processo de vidade, especialmente a Teoria do Ensino Desenvol- apropriação da cultura mediante a comunicação com vimental de V. Davydov, para as tarefas da didática outras pessoas. Tais processos de comunicação e as em relação à aprendizagem do pensar e do aprender. funções psíquicas superiores envolvidas nesses pro- cessos se efetivam primeiramente na atividade exter- Breve histórico da Teoria da Atividade na (interpessoal) que, em seguida, é internalizada pela e conceitos básicos atividade individual, regulada pela consciência. No processo de internalização da atividade há a media- O debate dentro da Escola de Vygotsky ção da linguagem, em que os signos adquirem signi- ficado e sentido (Vygotsky, 1984, p. 59-65). A Teoria Histórico-cultural da Atividade, desen- Toda ação humana está orientada para um obje- volvida inicialmente por Leontiev, Rubinstein e Luria, to, de forma que a atividade tem sempre um caráter é geralmente considerada uma continuidade da escola objetal. O êxito de uma atividade está em estabelecer histórico-cultural iniciada por Vygotsky. Segundo seu conteúdo objetal. O ensino tem a ver diretamente Leontiev, “a idéia da análise da atividade como mé- com isso: é uma forma social de organização da apro- todo na psicologia científica do homem foi formula- priação, pelo homem, das capacidades formadas só- da nos primeiros trabalhos de L. S. Vygotsky” (1983, cio-historicamente e objetivadas na cultura material p. 82). O conceito de atividade é bastante familiar na e espiritual. Esta apropriação requer comunicação em tradição da filosofia marxista. A atividade, cuja ex- sua forma externa. Em suas formas iniciais, esta co- municação não está mediatizada pela palavra, mas 1 O nome de Vasili Vasilievich Davydov aparece nas publi- 2 cações ora como Davydov ora como Davidov. Optei pela primeira Neste artigo, todas as citações de obras originalmente es- forma, Davydov, em virtude de ser essa a grafia utilizada na prin- critas em inglês ou espanhol, tal como constam da bibliografia, cipal obra consultada para a redação deste texto. foram traduzidas pelo autor. Revista Brasileira de Educação 7
  • 4. José Carlos Libâneo pelo objeto. “Unicamente sobre a base das ações A atividade, tanto externa como interna, tem uma objetais conjuntas com o adulto, a criança vai domi- estrutura psicológica, cujos componentes são: neces- nando a linguagem, a comunicação verbal” (Davydov, sidades, motivos, finalidades e condições de realiza- 2002, p. 57). Mas para que isso aconteça, é necessá- ção da finalidade. Ao curso psicológico da atividade rio que o sujeito realize determinada atividade, diri- corresponde à realização de diversas ações, cada ação gida à apropriação da cultura. Leontiev, citado por composta por uma série de operações em correspon- Davydov, escreve que a apropriação “é o processo dência com as condições peculiares da tarefa, confor- que tem por resultado a reprodução, pelo indivíduo, me veremos adiante. das capacidades e procedimentos de conduta huma- Os trabalhos realizados por Leontiev (1903-1979) nas, historicamente formados” (idem, p. 55).3 no período de 1930-1940 foram dedicados à investi- A cultura desempenha, assim, um papel relevan- gação do desenvolvimento do psiquismo humano, dos te, por permitir ao ser humano a interiorização dos processos psicológicos superiores, do processo de in- modos historicamente determinados e culturalmente ternalização, da estrutura da atividade global e seu organizados de operar com informações. Escreve desdobramento em outras atividades, das emoções e Davydov (1988b): dos processos de comunicação. Na seqüência desses estudos, outros pesquisadores dedicaram-se ao desen- A apropriação das formas da cultura pelo indivíduo é, volvimento da Teoria da Atividade, entre eles, a nosso juízo, o caminho já elaborado de desenvolvimento Galperin (Psicologia Infantil), Bozhovich (Psicolo- de sua consciência. Aceita esta proposição, a tarefa funda- gia da Personalidade), Elkonin (Psicologia Evolutiva mental da ciência será a de determinar como o conteúdo do e periodização do desenvolvimento humano), desenvolvimento espiritual da humanidade se transforma Zaporoyetz (Psicologia Evolutiva) e Levina (Psico- em suas formas de desenvolvimento espiritual e como a logia da Educação) (cf. Golder, 2002). apropriação dessas formas pelo indivíduo se transforma no Piotr Iakovlevich Galperin (1902-1988) formula conteúdo do desenvolvimento de sua consciência. (p. 61) a Teoria do Desenvolvimento Psíquico, na qual res- salta o papel das ações externas no surgimento e for- mação das ações internas, mentais, por meio do ensi- no. A “teoria por etapas das ações mentais” afirma 3 A expressão “atividade reprodutiva” não deve ser inter- que a formação da mente deve ser planejada e reali- pretada como imitação, repetição, memorização, como na lingua- zada por meio de uma seqüência de etapas de ações gem usual. A atividade, no sentido marxista, nunca seria uma repro- mentais. A formação de uma ação mental começa com dução mecânica de ações. Conforme registra Chaiklin (2003a): ações com objetos, realizadas com o apoio de objetos “Em suas ações únicas ou singulares, a pessoa reproduz a ativida- externos e sua representação material, para logo pas- de que organiza suas ações. Leontiev e Davydov utilizam esta sar por uma série de etapas até se converter em ação expressão para enfatizar que não se trata da criação de uma ativi- que se realiza no plano mental (Coletivo de Autores, dade ‘nova’, mas de uma ‘versão’ nova. [...] Penso que ‘reprodu- 2000). Daniil B. Elkonin (1904-1984), que exerceu ção’ deve ser interpretada aqui para significar que a pessoa recria forte influência nas pesquisas de Davydov, destacou- as práticas humanas historicamente desenvolvidas. Por exemplo, se pelas suas pesquisas sobre a periodização do de- quando alguém aprende aritmética há, até certo ponto, uma repro- senvolvimento humano e a aprendizagem escolar. Para dução de práticas historicamente desenvolvidas, mesmo que haja ele, a aprendizagem é uma forma essencial de desen- pequenas variações em como um indivíduo percebe a prática ob- volvimento psíquico e o caminho lógico para anali- jetiva”. Poder-se-ia dizer, como Leontiev, que os indivíduos reali- sar capacidades humanas. A aprendizagem conduz ao zam uma atividade prática ou cognoscitiva ou cognitiva adequada desenvolvimento através da atividade, tendo-se em à atividade humana precedente encarnada neles. conta o papel dos fatores externos do desenvolvimen- 8 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 5. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender to, com destaque especial à incorporação da cultura rentes caminhos interpretativos, ainda que os pontos vista em sua formação histórica, não como cultura em comum digam respeito aos seus fundamentos epis- dada, tema que reaparecerá na obra de Davydov. temológicos, vinculados ao materialismo histórico e Davydov, em texto recente (1999), relata o de- dialético. senvolvimento da Teoria da Atividade na Rússia nos Os estudos teóricos recentes da Teoria da Ativi- últimos vinte anos, desde sua formulação inicial por dade têm realçado temas como a atividade situada em Rubinstein e Leontiev. Destaca a importância das pes- contextos, a participação como condição de compreen- quisas do psicólogo finlandês Y. Engestrõm, aponta o são na prática (como aprendizagem), identidade, pa- trabalho de Elkonin como um dos pioneiros no estu- pel das práticas institucionalizadas nos motivos dos do específico da atividade de aprendizagem e explicita alunos, a diversidade cultural etc. Na base do estudo seu próprio entendimento da teoria histórico-cultural desses temas, há a premissa de que todas as ações da atividade. individuais devem ser interpretadas tendo em conta A expansão da Teoria da Atividade para o norte questões e fatores que não estão imediatamente pre- da Europa, Estados Unidos e América Latina se dá a sentes na situação, nem contidos exclusivamente nas partir dos anos de 1960. No norte da Europa são co- pessoas que atuam nessas situações. Ou seja, na aná- nhecidos os nomes de Yrjo Engestrõm, Seth Chaiklin, lise das práticas humanas são destacados os fatores Mariane Hedegaard, Jean Lave, entre outros.4 Nos do contexto sócio-histórico em razão de que as práti- Estados Unidos destacam-se diversos especialistas em cas humanas são socialmente situadas, sendo estes Vygotsky, tais como Michel Cole, da Universidade fatores decisivos nos processos mediacionais, já que da Califórnia, estudioso das relações interpessoais e eles se realizam na e pela participação em atividades interculturais na formação da criança, J. Werstsch, socioculturais (Chaiklin & Lave, 2001). Vera John-Steiner, Ellen Souberman, Sylvia Scribner Segundo Engestrõm, no processo de evolução da (que organizou com Cole o livro Formação social da Teoria da Atividade podem ser estabelecidas três ge- mente, publicado no Brasil em 1968) e Louis Moll. rações. A primeira geração está concentrada nos tra- Da mesma forma que são encontradas muitas inter- balhos de Vygotsky, quando se formula o conceito da pretações dentro da psicologia histórico-cultural, tam- atividade como mediação, gerando o modelo triangu- bém em relação à Teoria da Atividade existem dife- lar da relação do sujeito com o objetivo mediado por artefatos materiais e culturais; a segunda toma por base a formulação de Leontiev, avançando na distinção, no 4 Para um levantamento recente dessas tendências veja-se: conceito de atividade, de ação coletiva e ação indivi- S. Chaiklin, M. Hedegaard e U. J. Jensen (orgs.). Activity theory dual, e estabelecendo a estrutura da atividade; a ter- and social practice: cultural-historical approaches [Aarthus (Di- ceira, proposta pelo próprio Engestrõm a partir dos namarca): Aarthus University Press, 1999], que traz textos prepa- anos de 1970, parte do modelo triangular de Vygotsky, rados para o Primeiro Congresso da Sociedade Internacional so- expandindo-o para um modelo do sistema da ativida- bre Teoria da Atividade e Pesquisa Cultural (ISCRAT). O nome de coletiva. Neste modelo é realçado o conceito de dessa sociedade mudou, recentemente, para International Society contradições internas como força motriz dos sistemas for Cultural and Activity Research (ISCAR). Na Universidade de de atividade e se introduz as análises da psicologia Helsinki, há o Centro para Teoria de Atividade e Pesquisa de Tra- transcultural de Cole, pelas quais a Teoria da Ativida- balho Desenvolvimental, fundado em 1994, atualmente dirigido de acolhe as questões da diversidade cultural e do diá- por um conhecido pesquisador, Yrjo Engestrõm, que realiza pes- logo entre diferentes culturas (cf. Zamberlan, s/d.). quisa sobre trabalho, tecnologia e organizações que estão passan- No Brasil, os estudos e pesquisas sobre a teoria do por transformações. Para uma boa pesquisa sobre interpreta- de Vygotsky tiveram um desenvolvimento intenso, ções correntes da Teoria da Atividade, ver Gonzáles Rey (2003). desde que intelectuais brasileiros tiveram acesso às Revista Brasileira de Educação 9
  • 6. José Carlos Libâneo suas obras na segunda metade dos anos de 1980, es- Um trabalho especialmente relevante é o livro tando disponível hoje uma vasta bibliografia. São de Nereide Saviani, Saber escolar, currículo e didá- mais raros, todavia, estudos relacionados com a Teo- tica (1994), que aborda temas como a organização ria Histórico-cultural da Atividade e, mais ainda, em do saber escolar, a relação conteúdo/método, as ba- relação a Davydov. Em relação à Teoria Histórico- ses do desenvolvimento cognitivo, aspectos lógico- cultural da Atividade, cumpre destacar os trabalhos psicológicos da conversão do saber científico em sa- de Moura e seus orientandos (Moura, 2003, 2002, ber escolar e a unidade entre os campos da didática e 2000; Sforni, 2003).5 Numa orientação teoricamen- do currículo. Em todo o livro há menções a uma obra te diferenciada em relação à produção mais conven- clássica de Davydov (1978), mas especificamente no cional sobre a psicologia histórico-social estão os capítulo III há uma exposição detalhada de suas idéias trabalhos que Duarte, que tem centrado sua investi- sobre o processo de formação de conceitos e forma- gação em questões filosóficas e epistemológicas da ção do pensamento teórico, com base em proposi- Teoria Histórico-cultural (por exemplo, 1996, 2003).6 ções de Vygotsty e Rubinstein. As avaliações críticas envolvendo a relação entre a psicologia histórico-cultural e a Teoria da Atividade 5 O Grupo de Estudos sobre Teoria da Atividade, da Fa- mostram que há pontos comuns entre os psicólogos culdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), coor- russos, mas há também consideráveis divergências, denado pelo professor Manoel Oriosvaldo de Moura, realiza en- por exemplo, na interpretação da expressão “determi- contros de estudos e debates sobre pesquisas de professores e nação histórica e social da mente humana” ou do pa- alunos nessa linha. Registre-se, também, que a Teoria da Ativi- pel da cultura e da linguagem no desenvolvimento dade, na versão de Leontiev (1983) e seguidores, tem sido larga- humano. Segundo Kozulin, boa parte das divergên- mente utilizada em Cuba por professores dedicados à metodolo- cias giram em torno do problema da internalização e gia do ensino superior, que inclusive a tem difundido em países da relação entre a atividade externa da criança e as latino-americanos em cursos de pós-graduação realizados por operações mentais correspondentes. Esta questão, no convênio com instituições universitárias, inclusive brasileiras. 6 Especificamente em relação ao tema deste artigo, Duarte destinou pesadas críticas a trabalhos de autores que, de alguma adaptação do indivíduo à vida social (i.e., ao mercado) (idem, p. 150). forma, valorizam o mote do “aprender a aprender” e, com isso, Com base nesse entendimento, conclui que não é possível utilizar buscam aproximar as idéias vygotskianas das idéias neoliberais e a psicologia vygotskiana para legitimar o lema do “aprender a pós-modernas (Duarte, 2000, 2003). Na sua opinião, o “aprender aprender”. A meu ver, o entendimento desse autor sobre o “apren- a aprender” leva a uma pedagogia que desvaloriza a transmissão der a aprender” está demasiadamente colado a uma conotação po- do saber objetivo, dilui o papel da escola em transmitir esse saber, lítica e ideológica, na presunção de que toda visão política produz descaracteriza o papel do professor como alguém que detém um necessariamente um determinado tipo de didática, ou de que qual- saber a ser transmitido para os alunos, negando o próprio ato de quer procedimento didático está necessariamente atrelado a uma ensinar (2000, p. 8). Argumenta que o “aprender a aprender” inte- determinada visão política. Já dizia, sabiamente, Mario Manacorda, gra as propostas educacionais neoliberais à medida que atende à em 1978, que em nenhuma atividade social é possível tomar posi- formação de indivíduos que possam adaptar-se às atuais formas ção e efetuar opções operacionais somente com base numa orien- de trabalho flexível requeridas pelo mercado, isto é, que sejam tação ideológica, ou seja, nenhuma concepção de mundo subsiste portadores de conhecimentos meramente técnicos, sem necessi- sem competências específicas em um campo. Diz mais Manacorda: dade de domínio dos conhecimentos universais. Com suas pró- que nem sempre a concepção de mundo e a competência científi- prias palavras, “não se forma indivíduos que sabem algo, que do- ca nascem sempre e necessariamente na mesma mente, de modo minam os conhecimentos universais, mas indivíduos predispostos que um grupo social pode apropriar-se da ciência de outro grupo a aprender qualquer coisa, desde que o que se aprende seja útil à sem aceitar sua ideologia (apud Mariagliano et al., 1986, p. 13). 10 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 7. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender período 1934-1940, teria gerado os motivos do dis- gação educacional ligadas historicamente a Vygotsky: tanciamento do grupo liderado por Leontiev em rela- a Teoria Sociocultural e a Teoria da Atividade, a pri- ção às idéias de Vygotsky. Para Leontiev, as opera- meira focando a mediação semiótica, especialmente ções mentais seriam determinadas pelas relações a fala, a outra acentuando mais a atividade. Ambas concretas entre a criança e a realidade, vale dizer, a buscam explicar a aprendizagem e o desenvolvimen- familiarização prática com os objetos é que leva a to humano como processos mediados, ambas forne- criança ao seu desenvolvimento cognitivo (i.e., a es- cem orientações metodológicas para captar processos trutura dos processos cognitivos repete a estrutura das e formas pelos quais fatores sociais, culturais e histó- operações externas). A relação prática com os objetos, ricos promovem o desenvolvimento humano, e ambas, isto é, a atividade prática, teria muito mais importân- especialmente, tratam dos contextos em que ocorrem cia do que o modelo histórico-cultural desenvolvido as mediações cognitivas. Todavia, os procedimentos por Vygotsky. Vale dizer que, enquanto Leontiev acen- metodológicos de pesquisa e as aplicações na prática tuaria a atividade prática, Vygotsky acentuaria a cul- pedagógica tomam caminhos bastante diferentes. tura, a linguagem, a mediação simbólica (Kozulin, As diferentes interpretações da obra de Vygotsky 2002, p. 125-132). e seguidores no meio europeu e norte-americano re- Essa mesma questão é discutida por Zinchenko, batem também no Brasil, assumindo peculiaridades que reconhece a existência de duas linhas de pesqui- decorrentes das influências teóricas exercidas na in- sa dentro da mesma escola: a psicologia histórico- vestigação educacional e na prática pedagógica. cultural (Vygotsky) e a Teoria Psicológica da Ativi- dade (Leontiev), com pontos de convergência, mas As contribuições teóricas de Vasili Davydov também com diferenças. Segundo Zinchenko (1998): para a Teoria da Atividade e o ensino desenvolvimental7 A principal diferença é que para a psicologia histórico- cultural o problema central foi e continua sendo a mediação Vasili Vasilievich Davydov nasceu em 1930 e da mente e da consciência. Para a teoria psicológica da ati- morreu em 1998. Membro da Academia de Ciências vidade o problema central era a orientação-objeto, em ambas Pedagógicas, doutor em psicologia, professor univer- as atividades mentais interna e externa. É claro que na teo- sitário, escreveu vários livros, entre eles: Tipos de ria psicológica da atividade a questão mediação também generalización en la enseñanza, Problemas de la apareceu, mas enquanto que para Vygotsky a consciência enseñanza y del desarrollo, La enseñanza escolar y era mediada pela cultura, para Leontiev a mente e a cons- el desarrollo psíquico.8 Pertence à terceira geração ciência eram mediadas por ferramentas e objetos. (p. 44) Tais diferenças de abordagem, acentuando-se ora 7 Na versão inglesa do texto de Davydov é utilizada a ex- o significado ora a ação, ora a atividade orientada a pressão “developmental teaching”, que pode ser traduzida por objetos ora o sentido, são, obviamente, de cunho filo- ensino desenvolvimentalista ou ensino desenvolvimental. Nenhum sófico, gerando diferentes conseqüências teóricas e desses adjetivos é encontrado em português. Optei pela expressão práticas. Zinchenko sugere que se dê continuidade às “ensino desenvolvimental”, que pode ser descrita nos seguintes pesquisas e que olhemos para as duas linhas como com- termos: o ensino é a forma dominante pela qual se propiciam mu- plementares, uma se enriquecendo na outra, até que se danças qualitativas no desenvolvimento do pensamento. possa chegar ao desenvolvimento de uma psicologia 8 Neste estudo, utilizo mais diretamente a obra Problems of histórico-cultural da consciência e da atividade. developmental teaching, publicada em três números da revista Soviet Também Daniels (2003, p. 93) destaca as seme- Education (Davydov, 1988a, 1988b, 1988c). As citações dessa obra lhanças e diferenças entre duas tradições de investi- inseridas no texto foram traduzidas pelo autor. Os textos publicados Revista Brasileira de Educação 11
  • 8. José Carlos Libâneo de psicólogos russos e soviéticos, desde os trabalhos e o conteúdo de um único processo de desenvolvimento do grupo inicial de Vygotsky realizados nas décadas mental humano. (1988a, p. 54) de 1920 e 1930. Conforme vimos, Vygotsky havia mostrado a re- A seguir, são apresentados alguns tópicos que levância da escolarização para apropriação dos con- buscam trazer uma visão de conjunto do pensamento ceitos científicos e para o desenvolvimento das capa- desse autor. cidades de pensamento, a partir da assimilação da produção cultural da humanidade, já que “as funções O conceito psicológico da atividade: mentais específicas não são inatas, mas postas como a estrutura da atividade modelos sociais” (Davydov, 1988b, p. 52). Por sua vez, Leontiev investigou os fundamentos do desenvolvi- As bases teóricas que fundamentam os compo- mento psíquico humano e sistematizou uma teoria psi- nentes da estrutura da atividade e seu conteúdo foram cológica da atividade e da consciência. A partir des- formuladas por A. N. Leontiev (1983, 1992), mas V. sas bases e de outros estudos conduzidos pela escola Davydov menciona, também, a contribuição de S. L. de Vygotsky, especialmente de D. Elkonin, Davydov Rubinstein e de outros psicólogos que trabalharam destaca a peculiaridade da atividade da aprendizagem, nas décadas de 1920-1930. Ele escreve: entre outros tipos de atividade, cujo objetivo é o do- mínio do conhecimento teórico, ou seja, o domínio de A essência do conceito filosófico-psicológico mate- símbolos e instrumentos culturais disponíveis na so- rialista dialético da atividade está em que ele reflete a rela- ciedade, obtido pela aprendizagem de conhecimentos ção entre o sujeito humano como ser social e a realidade das diversas áreas do conhecimento. Apropriar-se des- externa – uma relação mediatizada pelo processo de trans- ses conteúdos – das ciências, das artes, da moral – formação e modificação desta realidade externa. A forma significa, em última instância, apropriar-se das for- inicial e universal desta relação são as transformações e mas de desenvolvimento do pensamento. Para isso, o mudanças instrumentais dirigidas a uma finalidade, reali- caminho é a generalização conceitual, enquanto con- zadas pelo sujeito social, sobre a realidade sensorial e cor- teúdo e instrumento do conhecimento. Ele escreve: poral ou sobre a prática humana material produtiva. Ela constitui a atividade laboral criativa realizada pelos seres Uma análise da abordagem de Vygotsky e Leontiev humanos que, através da história da sociedade, tem propi- sobre o problema do desenvolvimento mental permite que ciado a base sobre a qual surgem e se desenvolvem as dife- cheguemos às seguintes conclusões. Primeiro, no sentido rentes formas da atividade espiritual humana (cognitiva, mais amplo, a educação e o ensino de uma pessoa não são artística, religiosa etc.). Entretanto, todas estas formas de- nada mais que sua “apropriação”, a “reprodução” por ela rivadas da atividade estão diretamente ligadas com a trans- das capacidades dadas histórica e socialmente. Segundo, a formação, pelo sujeito, de um ou outro objeto sob a forma educação e o ensino (“apropriação”) são formas universais ideal. O sujeito individual, por meio da apropriação, repro- de desenvolvimento mental humano. Terceiro, a “apropria- duz em si mesmo as formas histórico-sociais da atividade. ção” e o desenvolvimento não podem atuar como dois pro- [...] A atividade humana tem uma estrutura complexa que cessos independentes, pois se correlacionam como a forma inclui componentes como: necessidades percebidas, capa- cidades, objetivos, tarefas, ações e operações, que estão em permanente estado de interligação e de transformação. nessa revista não correspondem à obra completa publicada origi- (1988a, p. 9) nalmente em russo. Todavia, a tradução do inglês foi cotejada com a tradução espanhola da obra original, cujo título é La ensenãnza Conforme Leontiev (1992), a atividade surge de escolar y el desarrollo psíquico (1988d). necessidades, que impulsionam motivos orientados 12 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 9. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender para um objeto. O ciclo que vai de necessidades a pessoa estiver sentada em casa, talvez prefira escrevê- objetos se consuma quando a necessidade é satisfei- los; em outras condições, poderá recorrer à repetição ta, sendo que o objeto da necessidade ou motivo é mental dos versos. Nos dois casos, a ação é a memo- tanto material quanto ideal. Para que estes objetivos rização, mas os meios de executá-la, isto é, as opera- sejam atingidos, são requeridas ações. O objetivo pre- ções, serão diferentes. cisa sempre estar de acordo com o motivo geral da A atividade humana é global, mas ela se desdo- atividade, mas são as condições concretas da ativida- bra em distintos tipos concretos de atividade, cuja de que determinarão as operações vinculadas a cada diferenciação é dada pelo seu conteúdo objetal. Se- ação. Leontiev define como atividade: gundo Leontiev, cada tipo de atividade possui um conteúdo perfeitamente definido de necessidades, [...] aqueles processos que, realizando as relações do ho- motivos, tarefas e ações. Por exemplo, o conteúdo mem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial objetal da atividade do jogo é substancialmente dife- correspondente a ele. [...] Por atividade, designamos os pro- rente da atividade de estudo ou da atividade profis- cessos psicologicamente caracterizados por aquilo que o sional. “O que distingue uma atividade de outra é o processo, como um todo, se dirige (i.e., objeto), coincidin- objeto da atividade [...] que confere à mesma deter- do sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar minada direção” (Leontiev, 1983, p. 83). essa atividade, isto é, o motivo. (p. 68) Davydov (1999) concorda com Leontiev sobre o entendimento de que a atividade é constituída de ne- Há, pois, uma dependência do objetivo em re- cessidades, tarefas, ações e operações, mas acrescen- lação ao motivo, ou seja, a atividade implica um sen- ta um componente que modifica substantivamente a tido. Por sua vez, a ação “é um processo cujo moti- formulação inicial. Trata-se do desejo, enquanto nú- vo não coincide com seu objetivo, mas reside na cleo básico de uma necessidade: atividade da qual faz parte” (ibidem). Conforme ex- plica Leontiev, a atividade de ler o livro somente Acredito que o desejo deve ser considerado como um para passar no exame não é atividade, é uma ação, elemento da estrutura da atividade. [...] Necessidades e de- porque ler o livro por ler não é um objetivo forte que sejos compõem a base sobre a qual as emoções funcionam. estimula a ação. A atividade é a leitura do livro por [...] O termo desejo reproduz a verdadeira essência da ques- si mesmo, por causa do seu conteúdo, ou seja, quan- tão: as emoções são inseparáveis de uma necessidade. [...] do o motivo da atividade passa para o objeto da ação, Em seus trabalhos, Leontiev afirma que as ações são a ação transforma-se numa atividade. É isso que pode conectadas às necessidades e motivos. Discordo desta tese. provocar mudanças na atividade principal. Ações, como formações integrais, podem ser conectadas As operações consistem no modo de execução somente com necessidades baseadas em desejos – e as ações de uma ação, são os conteúdos necessário de qual- ajudam na realização de certas tarefas a partir dos motivos. quer ação, determinada pela natureza da tarefa. Se- [...] É esta a estrutura da atividade que tentei apresentar- gundo Leontiev, uma mesma ação pode ser efetuada lhes. [...] Os elementos são os seguintes: desejos, necessi- por diferentes operações, mas uma mesma operação dades, emoções, tarefas, ações, motivos para as ações, meios também pode realizar diferentes ações, porque uma usados para as ações, planos (perceptual, mnemônico, pen- operação depende das condições em que o alvo da samento, criativo) – todos se referindo à cognição e, tam- ação é dado, enquanto uma ação é determinada pelo bém, à vontade. (p. 41) alvo (idem, p. 74). Ele exemplifica essa relação entre ação, tarefa e condições numa situação em que o ob- A importância deste ponto de vista é óbvia, pois jetivo é decorar versos. A ação é a memorização dos põe em relevo as relações entre a afetividade e a cog- versos, e para isso posso agir de duas maneiras. Se a nição. A investigação de González Rey (2000) sobre Revista Brasileira de Educação 13
  • 10. José Carlos Libâneo a integração do cognitivo e do afetivo na personali- do ensino e da educação, que ocorre com a coopera- dade humana na obra de Vygotsky permite ver apro- ção entre adultos e crianças na atividade de ensino. ximações das idéias de Davydov com as de Vygotsky. Escreve esse autor: O ensino e o desenvolvimento do pensamento: o ensino desenvolvimental Ao outorgar à emoção um status similar ao da cogni- ção, na constituição dos diferentes processos e formas de Na base do pensamento de Davydov está a idéia- organização da psique, Vygotsky está sugerindo a indepen- mestra de Vygotsky de que a aprendizagem e o ensi- dência das emoções, em sua origem, dos processos cogniti- no são formas universais de desenvolvimento men- vos, e integrando as emoções dentro de uma visão comple- tal. O ensino propicia a apropriação da cultura e o xa da psique que representa um importante antecedente para desenvolvimento do pensamento, dois processos ar- a construção teórica do tema da subjetividade. (2003, p. 137) ticulados entre si, formando uma unidade. Podemos expressar essa idéia de duas maneiras: a) enquanto o Davydov reforça esta idéia quando escreve que, aluno forma conceitos científicos, incorpora proces- por detrás das ações humanas estão as necessidades e sos de pensamento e vice-versa; b) enquanto forma o emoções humanas, antecedendo a ação, as relações pensamento teórico, desenvolve ações mentais, me- com os outros, as linguagens. Isso significa que as diante a solução de problemas que suscitam a ativi- ações humanas estão impregnadas de sentidos subje- dade mental do aluno. Com isso, o aluno assimila o tivos, projetando-se em várias esferas da vida dos su- conhecimento teórico e as capacidades e habilidades jeitos, obviamente também na atividade dos alunos, relacionadas a esse conhecimento. na compreensão das disciplinas escolares, no envol- Para superar a pedagogia tradicional empiricista, vimento com o assunto estudado. é necessário introduzir o pensamento teórico. O pa- pel do ensino é justamente o de propiciar mudanças A coisa mais importante na atividade científica não é qualitativas no desenvolvimento do pensamento teó- a reflexão, nem o pensamento, nem a tarefa, mas a esfera rico, que se forma junto com as capacidades e hábitos das necessidades e emoções. [...] As emoções são muito correspondentes. Em razão disso, escreve Davydov: mais fundamentais do que os pensamentos, elas são a base para todas as diferentes tarefas que um homem estabelece Os conhecimentos de um indivíduo e suas ações men- para si mesmo, incluindo as tarefas do pensar. [...] A fun- tais (abstração, generalização etc.) formam uma unidade. ção geral das emoções é capacitar uma pessoa a pôr-se cer- Segundo Rubinstein, “os conhecimentos [...] não surgem tas tarefas vitais, mas este é somente meio caminho anda- dissociados da atividade cognitiva do sujeito e não existem do. A coisa mais importante é que as emoções capacitam a sem referência a ele”. Portanto, é legítimo considerar o co- pessoa a decidir, desde o início, se, de fato, existem meios nhecimento, de um lado, como o resultado das ações men- físicos, espirituais e morais necessários para que ela consi- tais que implicitamente abrangem o conhecimento e, de ga atingir seu objetivo. (Davydov, 1999, p. 7) outro, como um processo pelo qual podemos obter esse re- sultado no qual se expressa o funcionamento das ações A relevância das pesquisas de Davydov está pre- mentais. Conseqüentemente, é totalmente aceitável usar o cisamente em que, com base na atividade fundamen- termo “conhecimento” para designar tanto o resultado do tal que é o trabalho, surgem no processo ontogenético pensamento (o reflexo da realidade), quanto o processo pelo outras atividades, entre elas a atividade de aprendiza- qual se obtém esse resultado (ou seja, as ações mentais). gem. Para ele, a questão central da aprendizagem es- “Todo conceito científico é, simultaneamente, uma cons- colar é o desenvolvimento mental dos alunos por meio trução do pensamento e um reflexo do ser”. Deste ponto de 14 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 11. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender vista, um conceito é, ao mesmo tempo, um reflexo do ser e a) A educação e o ensino são fatores determinan- um procedimento da operação mental. (1988b, p. 21) tes do desenvolvimento mental, inclusive por poder ir adiante do desenvolvimento real da Nesse sentido, de um lado, a aprendizagem es- criança. colar é estruturada conforme o método de exposição b) Deve-se levar em consideração as origens so- do conhecimento científico, mas, por outro, o pensa- ciais do processo de desenvolvimento, ou seja, mento que um aluno desenvolve na atividade de apren- o desenvolvimento individual depende do de- dizagem tem algo em comum com o pensamento de senvolvimento do coletivo. A atividade cogni- cientistas que expõem o resultado de suas pesquisas, tiva é inseparável do meio cultural, tendo lugar quando se utilizam abstrações, generalizações e con- em um sistema interpessoal de forma que, atra- ceitos teóricos.9 Escreve Davydov: vés das interações com esse meio, os alunos aprendem os instrumentos cognitivos e comu- Embora o pensamento das crianças tenha alguns tra- nicativos de sua cultura. Isto caracteriza o pro- ços em comum com o pensamento dos cientistas, artistas, cesso de internalização das funções mentais. filósofos da moral e teóricos do direito, os dois não são c) A educação é componente da atividade huma- idênticos. As crianças em idade escolar não criam concei- na orientada para o desenvolvimento do pen- tos, imagens, valores e normas de moralidade social, mas samento através da atividade de aprendizagem apropriam-se deles no processo da atividade de aprendiza- dos alunos (formação de conceitos teóricos, ge- gem. Mas, ao realizar esta atividade, as crianças executam neralização, análise, síntese, raciocínio teórico, ações mentais semelhantes às ações pelas quais estes pro- pensamento lógico), desde a escola elementar. dutos da cultura espiritual foram historicamente construí- d) A referência básica do processo de ensino são dos. Em sua atividade de aprendizagem, as crianças repro- os objetos científicos (os conteúdos), que pre- duzem o processo real pelo qual os indivíduos vêm criando cisam ser apropriados pelos alunos mediante a conceitos, imagens, valores e normas. Portanto, o ensino de descoberta de um princípio interno do objeto todas as matérias na escola deve ser estruturado de modo e, daí, reconstruído sob forma de conceito teó- que, como escreveu Ilenkov, “seja reproduzido, de forma rico na atividade conjunta entre professor e alu- condensada e abreviada, o processo histórico real da gênese nos. A interação sujeito–objeto implica o uso e desenvolvimento... do conhecimento”. (idem, p. 21-22) de mediações simbólicas (sistemas, esquemas, mapas, modelos, isto é, signos, em sentido As idéias de Davydov sobre o ensino desenvol- amplo) encontradas na cultura e na ciência. A vimental, lastreadas no pensamento de Vygotsky, po- reconstrução e reestruturação do objeto de es- dem ser sintetizadas nos seguintes pontos: tudo constituem o processo de internalização, a partir do qual se reestrutura o próprio modo de pensar dos alunos, assegurando, com isso, seu desenvolvimento. 9 “Dessa forma, ainda que a atividade de aprendizagem dos escolares se desenvolva em correspondência com o procedimento O texto de Davydov concretiza a proposição de pelo qual os produtos da cultura espiritual já obtidos são expostos, Vygotsky, ao afirmar que a função de uma proposta nesta atividade se conservam, de forma peculiar, as situações e as pedagógica é melhorar o conteúdo e os métodos de ações que foram inerentes ao processo de criação real de tais pro- ensino e de formação, de modo a exercer uma influên- dutos e, por causa disso, o procedimento pelo qual foram obtidos cia positiva sobre o desenvolvimento de suas habilida- se reproduz de forma abreviada na consciência individual dos es- des (por exemplo, seus pensamentos, desejos etc.) colares” (Davydov, 1988b, p. 23). (idem, p. 32). Esse posicionamento leva a afastar idéias Revista Brasileira de Educação 15
  • 12. José Carlos Libâneo pedagógicas correntes em vários países, ora de super- medida em que dirige a atividade da criança, ao invés de por o desenvolvimento social e emocional ao cogniti- substituí-la por uma outra coisa. (idem, p. 55) vo, de sobrepor a atividade prática ao desenvolvimen- to do pensamento teórico, ou de promover práticas Ainda citando Rubinstein, escreve Davydov: espontaneístas na educação escolar. Para ele, há uma especificidade sócio-histórica dos processos em que Qualquer tentativa do educador-professor “de intro- as crianças reproduzem as habilidades humanas, de duzir a cognição e as normas morais, ignorando a atividade modo a contrapor ao desenvolvimento espontâneo das própria da criança no domínio desse conhecimento e de crianças o papel determinante da educação e do ensino normas morais, prejudica [...] as próprias bases do seu sa- orientado por objetivos (idem, p. 38). Escreve Davydov: dio desenvolvimento mental e moral, o alimento de suas características e qualidades pessoais”. (idem, ibidem) É fato conhecido que o ensino e a educação atingem os objetivos mencionados por meio da direção competente O desenvolvimento do pensamento teórico da atividade própria da criança. Quando essa atividade é interpretada abstratamente e, mais ainda, quando o proces- As pesquisas de Davydov tiveram origem na aná- so do desenvolvimento está desvinculado da educação e do lise crítica da organização do ensino assentada na ensino, inevitavelmente surgirá algum tipo de pedocentris- concepção tradicional de aprendizagem, que leva à mo ou de contraposição entre as necessidades da “nature- formação do pensamento empírico, descritivo e za” da criança e os requisitos da educação (como tem ocor- classificatório. Segundo ele, conhecimento que se rido, em numerosas ocasiões, na história do pensamento e adquire por métodos transmissivos e de memoriza- da prática pedagógicos). Entretanto, a situação se altera ção não se converte em ferramenta para lidar com a substancialmente se a atividade “própria” da criança, de diversidade de fenômenos e situações que ocorrem um lado, é compreendida como algo que surge e se forma na vida prática. Um ensino mais vivo e eficaz para a no processo da educação e do ensino e, de outro, se é vista formação da personalidade deve basear-se no desen- no contexto da história da própria infância da criança, de- volvimento do pensamento teórico. Trata-se de um terminada pelas tarefas socioeconômicas da sociedade e processo pelo qual se revela a essência e o desenvol- pelos objetivos e possibilidades da educação e do ensino vimento dos objetos de conhecimento e, com isso, a que a elas correspondem. (1988a, p. 54-55) aquisição de métodos e estratégias cognitivas gerais de cada ciência, em função de analisar e resolver pro- Todavia, não se pode extrair daí que a crítica ao blemas e situações concretas da vida prática. O pen- espontaneísmo resulte numa imposição de conteúdos. samento teórico se forma pelo domínio dos procedi- Trata-se de compreender a articulação entre apropria- mentos lógicos do pensamento, que, pelo seu caráter ção ativa do patrimônio cultural e o desenvolvimento generalizador, permite sua aplicação em vários âmbi- mental humano. tos da aprendizagem. Como se observa, essa proposta parte da idéia- Dadas estas premissas teóricas, o fato de considerar a chave de Vygotsky relacionada com o papel do ensi- natureza e os aspectos específicos da atividade infantil não no no desenvolvimento das potencialidades intelec- implica a contraposição entre o desenvolvimento e a educa- tuais do ser humano. Davydov não faz pouco caso da ção, mas a introdução, no processo pedagógico, da condi- escola tradicional, ao contrário, reconhece seus méri- ção mais importante para a concretização das suas finalida- tos em propiciar aos alunos um certo sistema de co- des. Neste caso, segundo as palavras de Rubinstein, o pro- nhecimentos e modos de ação na prática cotidiana. cesso pedagógico, como a atividade do professor-educador, Todavia, entende que ela é insuficiente para assimilar forma a personalidade da criança em desenvolvimento na o espírito da ciência contemporânea e os princípios 16 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 13. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender de uma relação criativa, ativa, e de profundo conteú- Conforme Davydov, portanto, um ensino basea- do com a realidade (Davydov, 1987), propondo a su- do na generalização teórica11 significa: analisar de peração de um tipo de pensamento empírico pelo pen- maneira autônoma os dados da tarefa; separar neles samento teórico. as conexões essenciais; considerar cada tarefa como Para Davydov, o pensamento teórico se caracte- uma variante particular daquela que havia sido resol- riza como o método da ascensão do abstrato para o vida inicialmente por meios teóricos (1987, p. 154; concreto. Não se trata de pensar apenas abstratamen- 1988b, p. 30, 49). Sobre a base das generalizações te com um conjunto de proposições fixas, mas de uma teóricas formula alguns princípios do ensino escolar instrumentalidade mediante a qual se desenvolve uma (1987, p. 153): relação principal geral que caracteriza o assunto e se descobre como essa relação aparece em muitos pro- blemas específicos. Isto é, de uma relação geral sub- ção substantiva) e a aplicação para analisar problemas particula- jacente ao assunto ou problema se deduzem mais re- res (generalização substantiva) produz um número de abstrações lações particulares, tal como ele próprio explicita: que se integram ou sintetizam em um conceito ou ‘núcleo’ do assunto. É importante entender que conceito aqui significa um Ao iniciar o domínio de qualquer matéria curricular, conjunto de procedimentos para deduzir relações particulares da os alunos, com a ajuda dos professores, analisam o conteú- relação abstrata. [...] O propósito da atividade de aprendizagem é do do material curricular e identificam nele a relação geral ajudar os alunos a dominarem as relações, abstrações, generaliza- principal e, ao mesmo tempo, descobrem que esta relação ções e sínteses que caracterizam os temas de uma matéria. Este se manifesta em muitas outras relações particulares encon- domínio é refletido na sua habilidade para fazer reflexão substan- tradas nesse determinado material. Ao registrar, por meio tiva, análise e planejamento. A estratégia educacional básica para de alguma forma referencial, a relação geral principal iden- dar aos alunos a possibilidade para reproduzir pensamento teórico tificada, os alunos constroem, com isso, uma abstração subs- é a de criar tarefas instrucionais cujas soluções requeiram a for- tantiva do assunto estudado. Continuando a análise do ma- mação de abstrações substantivas e generalizações sobre as idéias terial curricular, eles detectam a vinculação regular dessa centrais do assunto. Esta aproximação é fundamentada na idéia de relação principal com suas diversas manifestações obtendo, Vygotsky da internalização, isto é, alguém aprende o conteúdo da assim, uma generalização substantiva do assunto estudado. matéria aprendendo os procedimentos pelos quais se trabalham os Dessa forma, as crianças utilizam consistentemente a temas específicos da matéria” (Chaiklin, 2003b). abstração e a generalização substantivas para deduzir (uma 11 A Teoria da Generalização tem sido objeto de investiga- vez mais com o auxílio do professor) outras abstrações mais ção na psicologia russa desde os anos de 1970. Conforme Lerner e particulares e para uni-las no objeto integral (concreto) es- Skatkin: “A formação de conceitos não se reduz à generalização tudado. Quando os alunos começam a usar a abstração e a de aspectos idênticos em muitas disciplinas, como se tem feito até generalização iniciais como meios para deduzir e unir ou- hoje na didática. Este tipo de generalização realmente existe no tras abstrações, eles convertem as estruturas mentais ini- nível do conhecimento empírico, mas ela não permite aprofundar, ciais em um conceito, que representa o “núcleo” do assunto penetrar na essência da matéria, nos vínculos e relações internas estudado. Este “núcleo” serve, posteriormente, às crianças de seus elementos, compreender a matéria em sua origem e desen- como um princípio geral pelo qual elas podem se orientar volvimento. [...] A generalização não se produz encontrando as- em toda a diversidade do material curricular factual que pectos semelhantes ou comuns a um grupo de objetos, mas reve- têm que assimilar, em uma forma conceitual, por meio da lando seu fundamento genético geral sob o prisma de seu desen- ascensão do abstrato ao concreto. (1988c, p. 22) 10 volvimento. [...] O processo de generalização se manifesta como busca do particular que surgiu da ‘célula’ inicial, como dedução 10 Chaiklin interpreta esta proposição da seguinte forma: do fundamento genético geral de todas as disciplinas particulares “Este processo de identificar uma relação geral principal (abstra- que compõem o sistema” (1984, p. 80). Revista Brasileira de Educação 17
  • 14. José Carlos Libâneo a) A assimilação dos conhecimentos de caráter tações desse material; b) a dedução, em que as crian- geral e abstrato precede a familiarização com ças deduzem determinadas relações no conteúdo es- os conhecimentos mais particulares e concre- tudado, formando um sistema unificado dessas rela- tos; é a partir daqueles que se deduzem estes, ções, isto é, o “núcleo” conceitual; c) o domínio do correspondendo às exigências da ascensão do modo geral pelo qual o objeto de estudo é construído, abstrato ao concreto. mediante o processo de análise e síntese.12 Junto com b) Os conceitos de uma disciplina escolar devem isso, o método genético refere-se às condições de ori- ser assimilados por meio do exame das condi- gem dos conceitos científicos, isto é, aos modos de ções que os originaram e os tornaram essen- atividade anteriores aplicados à investigação dos con- ciais, ou seja, os conceitos não se dão como ceitos a serem adquiridos. Para isso, segundo “conhecimentos já prontos”, devendo ser de- Davydov, é necessário que “os alunos reproduzam o duzidos a partir do geral e do abstrato. processo atual pelo qual as pessoas criaram concei- c) No estudo da origem dos conceitos os alunos tos, imagens, valores, normas” (1988b, p. 21-22). devem, antes de tudo, descobrir a conexão ge- Estas duas estratégias de ensino e aprendizagem neticamente inicial, geral, que determina o con- representam, talvez, o núcleo mais rico da aborda- teúdo e a estrutura do campo de conceitos da- gem teórica de Davydov. Elas buscam superar a co- dos. d) É necessário reproduzir esta conexão em mo- delos objetivados, gráficos e simbólicos (lite- rais) que permitam estudar suas propriedades 12 Lerner e Skatkin (1984) descrevem como são estrutura- em “forma pura” (por exemplo, a estrutura in- dos os conteúdos das matérias com base na Teoria da Generaliza- terna das palavras pode ser representada com ção: “Todos os conceitos que fazem parte de uma matéria determi- a ajuda de esquemas gráficos especiais). nada ou de suas subunidades fundamentais são estudados pelos e) Há que se formar nos alunos ações objetivadas estudantes por meio da assimilação e domínio das condições mate- que lhes permitam revelar no material de estu- riais que lhe dão origem. Ao estudar as fontes materiais dos con- do e reproduzir nos modelos as conexões pri- ceitos, os alunos descobrem, antes de tudo, o vínculo ou nexo ge- márias e universais do objeto de estudo, de ral de origem genética que determina a estrutura e o conteúdo de modo que se garantam as transições mentais todo objeto dos conceitos estudados. Por exemplo, a base geral do universal para o particular e vice-versa. dos conceitos de matemática são as relações gerais de magnitude; f) Os escolares devem passar paulatinamente e dos conceitos de gramática, a relação entre a forma e o significado no seu devido tempo da realização de ações no da palavra. Este vínculo se reflete ou reproduz em objetos particu- plano mental para a realização de ações no pla- lares ou modelos, que permitem estudar suas propriedades em for- no externo (objetivadas) e vice-versa. ma pura. Por exemplo, as relações gerais das magnitudes se repre- sentam ao modo de fórmulas e de estrutura interna da palavra, com O que se constata nestes princípios é, obviamen- o auxílio de esquemas gráficos especiais. Utilizando estas fórmu- te, uma clara alusão ao movimento que vai do geral las e esquemas, os alunos, mediante operações que já dominam, para o particular, encetado pelo pensamento, confor- descobrem no novo material este vínculo ou nexo geral. Dessa me a lógica dialética, e uma similaridade com o mé- forma, a assimilação de conhecimentos de caráter geral e abstrato, todo genético. Com efeito, para Davydov (1988b, p. 24), ou vínculo geral genético, precede a familiarização com conheci- os componentes de uma tarefa de aprendizagem apre- mentos mais particulares e concretos. Estes últimos derivam dos sentada pelo professor são: a) a análise do material primeiros, que constituem seu único fundamento. A estruturação factual para descobrir nele alguma relação geral que das disciplinas escolares da forma como foi explicada contribui para tenha uma conexão regular com as diversas manifes- formar nos escolares um pensamento científico-teórico” (p. 81). 18 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 15. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender nhecida dicotomia entre a ênfase nos conteúdos es- ma nas formas de desenvolvimento espiritual e como colares e o desenvolvimento dos processos mentais, a apropriação destas formas pelo indivíduo se trans- ou seja, entre a formação dos conceitos científicos e forma no conteúdo do desenvolvimento de sua cons- o desenvolvimento das capacidades do pensar. Nesse ciência” (idem, p. 61). sentido, desenvolver nos jovens o pensamento teóri- Davydov recrimina no ensino tradicional a trans- co é o processo pelo qual se revela a essência e de- missão direta aos alunos dos produtos finais da in- senvolvimento dos objetos de conhecimento, e com vestigação, sem que possam aprender a investigar por isso a aquisição de métodos e estratégias cognoscitivas si mesmas. Todavia, a questão não está em descartar gerais de cada ciência, em função de analisar e resol- os conteúdos, mas em estudar os produtos culturais e ver problemas cotidianos e profissionais. científicos da humanidade, seguindo o percurso dos A idéia é de que a apropriação dos conceitos (no processos de investigação, ou seja, reproduzindo o sentido de “instrumentalidade”) requer que o indiví- caminho investigativo percorrido para se chegar a duo reproduza, na sua própria atividade, as capacida- esses produtos. O procedimento prático de se realizar des humanas desenvolvidas historicamente. Nessa ati- essas estratégias são as ações de aprendizagem. Por vidade reprodutiva, “a criança implementa a atividade meio de atividades de abstração e generalização e que é semelhante (não idêntica) à atividade encarna- exercícios escolares, representativos da disciplina, da pelas pessoas nestas capacidades” (1988a, p. 56). pode-se ensinar às crianças o modo como aprender a Davydov, aqui, cita Leontiev, que escreve que o pro- manejar seus processos cognitivos. cesso pelo qual a criança se apropria da experiência É clara a vinculação desta idéia – apropriação social “é um processo que tem como resultado a repro- dos modos de pensar a que as disciplinas científicas dução, pelo indivíduo, de atributos, capacidades e recorrem – com duas tendências fortes na pedagogia modos de comportamento humanos formados histori- contemporânea: o método de resolução de problemas camente”. E conclui Davydov: e o método do ensino com pesquisa. As ações men- tais, segundo Davydov, implicam a resolução de tare- Esta reprodução das capacidades, da atividade, com os fas cognitivas, “que devem ser baseadas em proble- instrumentos e conhecimentos, pressupõe que a “criança deve mas” (1988b, p. 29). Eis como Davydov se posiciona realizar em relação a elas uma atividade prática ou cognitiva quanto a isso: que seja proporcional (commensurate) (ainda que não idên- tica) à atividade humana incorporada nelas”. (idem, p. 23) [...] podemos entender que a implicação geral e o papel geral da tarefa de aprendizagem no processo de assimila- É importante assinalar, nessa frase, que trata-se ção serão os mesmos (a princípio) que os da educação ba- de atividade semelhante, proporcional, mas não idên- seada em problemas. [...] Observamos que, assim como a tica à atividade social-histórica anterior. Ou seja, aprendizagem, a educação baseada na resolução de proble- “quando as crianças aprendem, executam ações men- mas está internamente associada ao nível teórico da assi- tais comensuráveis às ações pelas quais esses produ- milação do conhecimento e pensamento teórico. (ibidem) tos da cultura espiritual tiveram historicamente sua origem” (idem, ibidem). Ainda insistindo na unidade A idéia do ensino com pesquisa é a de que o pro- entre apropriação e desenvolvimento, entre o conhe- fessor faça pesquisa enquanto ensina, presente na cimento e o processo de aquisição do conhecimento. noção de ensino como “experimentação formativa”, Tal como já assinalamos, “a tarefa fundamental da em que o professor intervém ativamente por meio de ciência será a de determinar como o conteúdo do de- tarefas nos processos mentais das crianças e produz senvolvimento espiritual da humanidade se transfor- novas formações por meio dessa intervenção. Revista Brasileira de Educação 19
  • 16. José Carlos Libâneo A atividade de aprendizagem Estas idéias deixam transparecer no pensamento e as ações de aprendizagem de Davydov o caráter ativo da aprendizagem e, espe- cialmente, a idéia de que a educação escolar constitui- Segundo Davydov (1988b, p. 3, 19), a aprendiza- se numa forma específica de atividade do aluno. A gem é a atividade principal das crianças em idade es- meta da atividade de aprendizagem, incluindo a par- colar, cuja função é propiciar a assimilação das for- ceria adulto–criança e crianças–crianças, é a própria mas de consciência social mais desenvolvida – a aprendizagem, ou seja, o objetivo do ensino é ensinar ciência, a arte, a moralidade, a lei. As crianças incor- aos estudantes as habilidades de aprenderem por si poram tanto o conhecimento e as habilidades relacio- mesmos, ou seja, aprender a pensar. nados com os fundamentos dessas formas de consciên- Mas não se trata do “aprender fazendo”. Se for cia social como também as capacidades construídas enfatizado apenas o caráter concreto da experiência historicamente para desenvolver a consciência e o pen- da criança, pouco se conseguirá em termos de desen- samento teóricos. O conteúdo da aprendizagem, em volvimento mental. Na expressão de Lipman (1997, outras palavras, é o conhecimento teórico (usando o p. 73), comentando Davydov, as crianças ficam sub- termo para significar uma combinação unificada de nutridas conceitualmente. Com efeito, segundo abstração substancial, generalização e conceitos teó- Davydov (1988c, p. 21), “aos conhecimentos (con- ricos). ceitos) empíricos correspondem ações empíricas (ou Ainda conforme Davydov, a base do ensino de- formais) e aos conhecimentos (conceitos) teóricos, senvolvimental é seu conteúdo, do qual derivam os ações teóricas (ou substanciais)”, ou seja, se o ensino métodos (ou procedimentos) para organizar o ensino: nutre a criança somente de conhecimentos empíricos, ela só poderá realizar ações empíricas, sem influir Esta proposição exemplifica o ponto de vista de substancialmente no seu desenvolvimento intelectual. Vygotskii e Elkonin. “Para nós, escreveu Elkonin, tem im- portância fundamental sua idéia (de Vygotskii – VD) de A atividade da aprendizagem e a comunicação que o ensino realiza seu papel principal no desenvolvimen- to mental, antes de tudo, por meio do conteúdo do conheci- Esse tópico discute a questão da influência de fa- mento a ser assimilado”. Concretizando esta proposição, tores sociais e culturais, especialmente da comunica- deve-se observar que a natureza desenvolvimental da ativi- ção, no desenvolvimento mental. Daniels (2003, p. 9) dade de aprendizagem no período escolar está vinculada ao aponta duas formulações dessa questão no âmbito da fato de que o conteúdo da atividade acadêmica é o conheci- Teoria da Atividade: a da interiorização e a da parti- mento teórico. (idem, p. 19) cipação. Na orientação que prioriza o processo de in- ternalização, a cultura é fonte do desenvolvimento Para que isto ocorra, faz-se necessária uma es- psíquico à medida que o sujeito realiza uma determi- trutura da atividade do aprender incluindo uma tarefa nada atividade dirigida à apropriação das capacida- de aprendizagem, as ações de aprendizagem e ações des sociais objetivadas em forma de instrumentos, lin- de acompanhamento e avaliação, visando à compreen- guagem, obras de arte etc. Essa atividade somente são do objeto de estudo em suas relações. O resultado pode ser realizada em comunicação permanente com disso é que os alunos aprendem como pensar teorica- outras pessoas. Escreve Leontiev: mente a respeito de um objeto de estudo e, com isso, formar um conceito teórico apropriado desse objeto A comunicação em sua forma externa inicial, como para lidar praticamente com ele em situações concre- aspecto da atividade conjunta das pessoas, quer dizer, em tas da vida. forma de “comunicação imediata” ou em forma interna, 20 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 17. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender interiorizada, conforma [...] as condições indispensáveis e O primeiro componente do núcleo da atividade é a específicas do processo de apropriação, pelos indivíduos, transformação da realidade pelo sujeito coletivo, no curso dos êxitos do desenvolvimento histórico da humanidade. da atividade coletiva deste indivíduo. [...] Toda atividade (apud Davydov, 2002, p. 57) coletiva é sempre observada em vários tipos e formas de comunicação material e espiritual. [...] Mas, no processo Todavia, a comunicação da criança com outras de comunicação, seja material ou espiritual, surge um prin- pessoas não está mediatizada pela palavra, mas pelo cípio básico do qual todos estamos conscientes [...] que é o objeto. desempenho coletivo de uma certa atividade pelos indiví- duos. [...] O apelo a outras pessoas ocorre na estrutura da A relação da criança com o objeto está mediatizada atividade coletiva, a atividade que é provida de problemas inicialmente pelas ações objetais diretas do adulto. [...] As dos indivíduos ou da equipe. A propósito, o apelo aos ou- ações da criança estão dirigidas não só ao objeto, mas ao tros é a base da qual surgem padrões num coletivo; e os adulto que se encontra presente; por isso a incita à comuni- padrões são protótipos culturais. [...] Assim, no núcleo da cação. Unicamente sobre a base das ações objetais conjun- atividade [...] temos os seguintes pontos: primeiro, a unida- tas com o adulto, a criança vai dominando a linguagem, a de da atividade consciente inclui a natureza coletiva da rea- comunicação verbal. [...] o exame do processo de transfor- lização de uma atividade pelo indivíduo coletivo ou uma mação da atividade externa conjunta da criança em ativida- equipe; em outras palavras, o que chamamos de comunica- de individual, regulada agora pelas estruturas internas (em ção prática (metódica), no sentido literal da palavra, não no outras palavras, o estudo da interiorização da atividade con- metafórico. O segundo ponto é o apelo das pessoas umas junta e das funções psíquicas a ela ligadas), tem uma im- pelas outras, refletindo sobre suas próprias ações e signifi- portância capital para compreender o desenvolvimento psí- cados e sobre ações e significados de outras pessoas. O ter- quico da criança. [...] Mas a criança não pode elaborar e ceiro aspecto do núcleo da atividade está incluído no plano realizar de forma autônoma esta atividade; ela sempre deve ideal e na imaginação. O quarto, é a atividade consciente ser reestruturada (na criança) pelas pessoas que se encon- individual de uma pessoa individual. (p. 10-11) tram em interação e comunicação com ela. [...] Mais à fren- te, o avanço autônomo e criador do pensamento somente Essa citação permite visualizar o caráter coleti- será possível sobre a base da experiência histórica já vo da atividade em geral e, também, da atividade de interiorizada. (idem, p. 58) aprendizagem. Embora nela não apareça a valoriza- ção dos aspectos interacionais no ensino, tal como Na posição de Davydov, é notória a ênfase ao desejariam autores que acentuam na aprendizagem conhecimento teórico formalmente organizado como mediada as práticas de participação, fica clara a posi- base da atividade de aprendizagem, pelo que privile- ção do autor sobre o caráter social e coletivo das apren- gia mais o “social” e menos o “interativo”. Por se dizagens, incluindo a atividade conjunta dos alunos. basear na natureza teórica da aprendizagem formal, a cultura aparece como algo a ser reproduzido, para o Conclusão que se torna imprescindível a comunicação entre as pessoas, no sentido de comunicação da experiência O objetivo deste trabalho foi apresentar contri- social. Ou seja, a interiorização consiste no processo buições da Teoria Histórico-cultural da Atividade para de transformação da atividade coletiva em uma ativi- a didática, especialmente para a aprendizagem do dade individual. Todavia, em artigo recente, Davydov pensar e do aprender, com base na obra de V. Davydov. (1999) destaca o que, para ele, é o núcleo da ativida- Apresentou-se um esboço do desenvolvimento teóri- de, ressaltando a comunicação com o outro: co da Teoria da Atividade desde sua formulação no Revista Brasileira de Educação 21
  • 18. José Carlos Libâneo período inicial da psicologia histórico-cultural, bem qualquer outra. Isto significa que a escola deve ensinar os como as bases teóricas do ensino desenvolvimental alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles formuladas por Davydov, que propiciam o conheci- os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual mento teórico da Teoria do Conhecimento e da psico- é necessário organizar um ensino que impulsione o desen- logia marxistas em função de uma teoria de ensino volvimento. Chamemos esse ensino de “desenvolvimental”. adequada às exigências do mundo contemporâneo. (1988d, p. 3) A Teoria da Atividade de aprendizagem tem co- mo premissa uma afirmação bem pontual de Davydov A Teoria da Atividade presta-se a muitas finali- (1988a, p. 9): “é possível, por meio do ensino e da dades, mas especialmente pode auxiliar nas formas educação, formar numa pessoa certas capacidades de desenvolvimento do pensamento teórico (valendo ou qualidades mentais”. Uma análise concreta do mun- para os alunos, mas também para os professores); na do atual põe-nos ante problemas reais, como as mu- compreensão da estrutura da atividade docente; na ex- danças nos processos de produção e nas demandas plicitação dos procedimentos e definição de ações e de qualificação profissional, o desenvolvimento da mi- tarefas de aprendizagem para aumentar a eficácia das croeletrônica, a complexificação dos meios de co- aprendizagens; na proposição de métodos e procedi- municação e informação, o poder desmedido das mentos de estudo e análise das práticas, em especial mídias na formação das subjetividades, a intelectuali- os contextos socioculturais da atividade, para promo- zação do processo produtivo etc., ainda que reco- ver a transformação de espaços institucionais. Nesse nheçamos a manutenção das características mais mar- sentido, para além das idéias aqui sistematizadas, há cantes do capitalismo. Há, efetivamente, mudanças que se buscar outros elementos teóricos associados à no mundo do trabalho que afetam substantivamente Teoria da Atividade, para melhor compreensão, por a vida dos trabalhadores de todos os níveis, e uma exemplo, das ações subjetivas e seu sentido, das for- proposta democrática de escola não pode excluí-los mas de participação guiada nas ações e tarefas de de uma formação compatível com essas mudanças. aprendizagem, da pesquisa cultural, das influências so- Considerando-se que a educação escolar vincula-se cioculturais do contexto na ação orientada para o ob- estreitamente ao desenvolvimento cognitivo – enten- jeto, dos critérios de análise das práticas em contex- dendo que todos os seres humanos precisam inter- tos institucionais e sua transformação em direção a nalizar conhecimentos e desenvolver suas capacida- objetivos emancipatórios. São apostas muito promis- des cognitivas como condição de sua existência social soras para uma visão mais contemporânea e mais plu- – é desejável esperar dela ações em resposta às de- rifacetada do conteúdo da didática, e para o enrique- mandas postas por essas novas realidades. cimento das propostas de currículos e metodologias Entender, pois, o papel da educação escolar no de formação de professores, uma vez que os objeti- mundo contemporâneo implica saber que a aquisição vos de aprendizagem que esperamos dos alunos de- de conhecimentos e o desenvolvimento de capacida- vem ser, antes, objetivos da formação de professores. des mentais dos alunos incluem o conhecimento teó- rico, juntamente com o desenvolvimento de compe- JOSÉ CARLOS LIBÂNEO, doutor em história e filosofia tências cognitivas complexas. Na introdução à edição da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, espanhola de seu último livro, escreveu Davydov: é professor aposentado da Universidade Federal de Goiás e pro- fessor no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universi- Os pedagogos começam a compreender que a tarefa dade Católica de Goiás. Além de numerosos artigos, publicou: da escola contemporânea não consiste em dar às crianças Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos uma soma de fatos conhecidos, mas em ensiná-las a orien- conteúdos (São Paulo: Loyola, 1985; 19ª edição, 2003); Didática tar-se independentemente na informação científica e em (São Paulo, Cortez, 1990; 23ª edição, 2004); Adeus professor, adeus 22 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27
  • 19. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender professora? Novas exigências educacionais e profissão docente psychology; cap. 2 – Problems of children’s mental a (São Paulo: Cortez, 1998; 7 edição, 2003); Pedagogia e pedago- development. Soviet Education, New York, aug. gos, para quê? (São Paulo: Cortez, 1998; 6a edição, 2003); Orga- , (1988b). Problems of developmental teaching, The nização e gestão da escola (Goiânia, Alternativa, 2001; 5ª edi- experience of theoretical and experimental psychological ção, 2004); em co-autoria com Mirza Toschi Seabra e João Ferreira research. Parte II, cap. 5 – Learning activity in the younger de Oliveira, Educação escolar : políticas, estrutura e organização school age period; cap. 6 – The mental development of younger (São Paulo: Cortez, 2003). Atualmente desenvolve o projeto de school children in the process of learning activity. Soviet pesquisa: As contribuições da psicologia histórico-cultural, da Teoria Education, New York, sep. da Atividade e da pesquisa cultural para o desenvolvimento teórico , (1988c). Problems of developmental teaching. The da didática e das didáticas específicas. E-mail: libaneojc@uol.com.br experience of theoretical and experimental psychological research. Parte III, cap. 6 – The mental development of Referências bibliográficas younger school children in the process of learning activity (continuação). Conclusion – appendix. Soviet Education, BELLONI, Maria L. (org.), (2002). A formação na sociedade do New York, oct. espetáculo. São Paulo: Loyola. DAVIDOV, Vasili, (1988d). La enseñanza escolar y el desarrollo CHAIKLIN, Seth, (2003a). Correspondência pessoal com o autor, psíquico. Prefácio. Moscu: Editorial Progreso. em 13.07.2003 , (1999). A new approach to the interpretation of , (2003b). Developmental teaching in upper-secondary activity structure and content. In: CHAIKLIN, Seth, school. Disponível em: <http://www.maro.newmail.ru/>. Acesso HEDEGAARD, Mariane, JENSEN, Uffe Jull (orgs.). Activity em: jul. 2003. theory and social practice: cultural-historical approaches. CHAIKLIN, Seth, LAVE, Jean (comps.), (2001). Estudiar las Aarhus (Dinamarca): Aarthus University Press, p. 39-50. prácticas: perspectivas sobre actividad y contexto. Buenos DAVIDOV, Vasili V., (2002). El aporte de A. N. Leontiev al Aires: Amorrortu. desarrollo de la psicología. In: GOLDER, Mário (org.). An- CHAIKLIN, Seth, HEDEGAARD, Mariane, JENSEN, Uffe Jull gustia por la utopía. Buenos Aires: Ateneo Vigotskiano de la (orgs.), (1999). Activity theory and social practice: cultural- Argentina, p. 51-60. historical approaches. Aarhus (Dinamarca): Aarthus University DAVIDOV, V.V., RADZIKHOVSKII, L.A., (1988). Vygotsky Press. theory and the activity-oriented approach in psychology. In: COLETIVO DE AUTORES, (2001). Didactica universitária. WERTSCH, James (org.). Culture, communication and Universidade de la Habana. Centro de Estúdios para el cognition: Vigotskian perspectives. New York: Cambridge Perfeccionamiento de la Educación Superior. Anápolis, Go.: University Press, p. 35-65. Curso de Mestrado. Apostila para uso didático. DUARTE, Newton, (1996). Educação escolar, teoria do cotidia- DANIELS, Harry, (2003). Vygotsky e a pedagogia. São Paulo: no e a escola de Vigotski. Campinas: Autores Associados. Loyola. , (2000). Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica DAVYDOV, Vasili V., (1978). Tipos de generalización en la às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskia- enseñanza. Havana: Pueblo y Educación. na. Campinas: Autores Associados. DAVÍDOV, V. V., (1987). Analisis de los principios didácticos de la , (2003). Sociedade do conhecimento ou sociedade escuela tradicional y possibles principios de enseñanza en el das ilusões? Campinas: Autores Associados. futuro proximo. In: SHUARE, Marta. La Psicología evoluti- ENGESTRÕM, Yrjo, (2002). Non scholae sed vitae discimus: va y pedagogía en la URSS. Antología. Moscu: Editorial como superar a encapsulação da aprendizagem escolar. In: Progreso, p. 143-154. DANIELS, Harry (org.). Uma introdução a Vygotsky. São DAVYDOV, V. V., (1988a). Problems of developmental teaching. Paulo: Loyola, p. 175-197. The experience of theoretical and experimental psychological GOLDER, Mário (org.), (2002). Angustia por la utopía. Buenos research. Parte I, cap. 1 – The basic concept of contemporary Aires: Ateneo Vigotskiano de la Argentina. Revista Brasileira de Educação 23