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O CAMINHO PARA O COGITO CARTESIANO
LÍDIA CUNHA¹


Faculdade de Filosofia
Universidade Federal de Goiás
Goiânia, GO
lidiacnc@hotmail.com


                Não é suficiente ter o espírito bom, o essencial é bem aplicá-lo.
                                                                   René Descartes



Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar o processo metodológico
percorrido pelo filósofo René Descartes para chegar ao cogito, primeira
certeza, expressa na sua famosa frase Penso, logo existo. Será estudado
principalmente o papel da dúvida metódica na constituição do cogito. Para isso,
serão analisadas a primeira e parte da segunda meditação de sua obra
Meditações metafísicas (1641).
Palavras chave: cogito; dúvida metódica; meditações; Descartes


1.Introdução
René Descartes foi um grande filósofo francês que viveu na primeira metade do
século XVII. Ele trouxe grandes contribuições para a Física, Matemática e,
especialmente para a Filosofia, sendo considerado o pai da filosofia moderna.
Proveniente de uma família burguesa, ele estudou nos melhores colégios da
França, estudou Direito e, como não tinha necessidade de trabalhar, pôde
dedicar sua vida inteiramente aos estudos. Escreveu diversos livros
importantes como O discurso do método, Regras para direção do espírito,
Tratado das paixões da alma, Princípios de Filosofia e Meditações metafísicas,
do qual analisaremos a primeira e a segunda meditação. Por Metafísica,
conforme exposto na introdução das Meditações, entenda-se a pesquisa dos
primeiros princípios do conhecimento. Descartes parte do princípio de que uma
vez estabelecidos os fundamentos, todo o resto deve daí decorrer, a Física e
as ciências da vida, bastando continuar a raciocinar por ordem. A intenção de



                                                                               1
seus escritos metafísicos é servir de preparação para um conhecimento seguro
de todas as coisas.
Na primeira meditação, Descartes não busca estabelecer nenhuma verdade,
mas apenas desfazer-se dos velhos prejuízos que foram mal fundamentados
ao longo de sua vida, utilizando para tanto a dúvida metódica. Esse método
consiste em passar todo o conhecimento adquirido pelo crivo da dúvida, para
que assim, ao final, se nada restar de certo e seguro, pelo menos que se tenha
a certeza de que nada há no mundo de certo. Se para os céticos a dúvida é um
fim, para Descartes é apenas um meio para estabelecer os fundamentos do
processo do conhecimento.
Na segunda meditação, após haver limpado a mente dos prejuízos, e
esgotadas todas as possibilidades de dúvida sobre seus conhecimentos,
chegar-se-á à primeira certeza, o Cogito, “Penso, logo existo”, o objetivo deste
trabalho. O cogito depois servirá de base para que ele prove a existência de
Deus, a existência das coisas materiais e a distinção entre alma e corpo, dentre
outros assuntos estudados nas demais meditações.


2.A dúvida metódica
A dúvida metódica é uma forma de metodicamente colocar tudo em dúvida.
Para Franklin, a necessidade metódica da dúvida exige que ela vá além dos
conteúdos transmitidos pela tradição, é preciso que ela atinja também os
conhecimentos matemáticos. Por isso ela será levada ao extremo, abarcando
desde as razões naturais da dúvida até à dúvida metafísica, que veremos mais
adiante.
Mas o exercício da dúvida metódica é um trabalho grandioso e difícil, por isso
Descartes diz que foi necessário esperar o tempo certo e o momento certo para
exercê-la, uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar outra
após ela, na qual ele estivesse mais apto para executar essa tarefa. Quando
ele publicou as Meditações metafísicas ele tinha 45 anos.
Mas também não bastava somente a idade certa, era também necessário um
lugar e um ambiente propício para a meditação. A situação de vida de
Descartes, de não necessitar trabalhar para se sustentar, foi essencial para
que ele tivesse “um repouso assegurado numa pacífica solidão”, para realizar
essa tarefa seriamente e com liberdade.

                                                                              2
3. A dúvida hiperbólica
A dúvida hiperbólica foi o método utilizado, dentro da dúvida metódica, para de
uma só vez rejeitar todas as antigas opiniões, sem ter de analisá-las uma a
uma. Diferentemente da dúvida natural, a dúvida hiperbólica é voluntária,
sistemática e generalizada. Ela parte da decisão de duvidar exageradamente,
no superlativo, e consiste em (1) tratar como falso o que é apenas duvidoso e
(2) tratar como sempre enganador o que alguma vez enganou.
E para duvidar de cada coisa que existe no mundo, segundo Descartes, não
precisa colocar cada coisa que existe no mundo em dúvida, sendo suficiente
duvidar das bases de todo o seu conhecimento. Ele parte do princípio da
construção civil de que a ruína dos alicerces automaticamente faz ruir todo o
edifício. Assim sendo, ele resolve dedicar-se aos princípios sobre os quais
todas as suas antigas opiniões estavam apoiadas, com o objetivo de
reconstruir o edifício do conhecimento sobre princípios certos e seguros.
A partir do terceiro parágrafo da primeira meditação, Descartes segue um
processo detalhado de extensão e radicalização da dúvida, de forma que não
haja nenhuma exceção para a dúvida. Ele começa a partir do conhecimento
recebido pelos sentidos até chegar às essências matemáticas. Para isso ele
utilizará uma série de argumentos que contrabalancearão entre razões e
contrarrazões de duvidar.


4.Argumento do erro dos sentidos
“Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro,
aprendi-o dos sentidos, ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes
que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar
inteiramente em quem já nos enganou”. (3°parágrafo da Primeira Meditação)
Aqui Descartes coloca em prática a dúvida hiperbólica: Tratar como sempre
enganador o que alguma vez nos enganou. Por quantos e quantos séculos o
homem acreditou que o sol era menor que a Terra, porque nossos olhos assim
denunciavam, e depois os cientistas descobriram o inverso? Quantas vezes
chamamos algum conhecido na rua e depois verificamos ser uma pessoa
desconhecida? Assim são nossos sentidos, audição, visão, olfato, paladar e
tato; muitas vezes nos enganam. Por isso, para Descartes, não se pode confiar
no conhecimento vindo dos sentidos.

                                                                             3
Entretanto, no começo do parágrafo seguinte, Descartes salienta que “ainda
que os sentidos nos enganem às vezes, no que se refere às coisas pouco
sensíveis e muito distantes, encontramos talvez muitas outras das quais não se
pode razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio
deles...” Por exemplo, não há como negar que são minhas mãos que agora
estão digitando este artigo sobre o cogito, que são meus olhos estes que
atentamente seguem cada palavra que é digitada. Como negar, caro leitor, que
essas mãos que agora seguram este papel e estes olhos que caminham por
entre essas linhas do texto são teus? A menos que sejamos loucos, conclui
Descartes. A loucura aparece aqui como uma objeção à dúvida.
O fato de Descartes ter colocado a loucura como razão para não duvidar foi
motivo de críticas de Foucaut. Para o filósofo Rezende, Descartes está aqui em
busca de razões para duvidar, mas a loucura, sendo uma ruptura com a razão,
não segue um método, logo não pode configurar como razão para não duvidar
no projeto da dúvida metódica. A dúvida precisa ser hiperbólica mas também
generalizada, e a loucura é uma situação particular, limitadora, nem que fosse
só pelo fato de ser excepcional. Por isso para Foucaut, conforme lembrou
Rezende, isso significa que Descartes não pôs em dúvida a razão. Ao invés de
duvidar de tudo, ele abriu uma exceção para a razão.
Críticas à parte, vemos que em síntese o argumento do erro dos sentidos
conclui que os sentidos não podem nos enganar sobre todas as coisas, mas
somente no que se refere às coisas pouco sensíveis e muito distantes.


5.Argumento do sonho
Após os sentidos serem colocados à prova e chegar-se à descoberta de que há
coisas das quais não se pode razoavelmente duvidar, o argumento do sonho
vem justamente para elevar a dúvida um degrau mais.
Para este argumento, Descartes parte do fato de que muitas vezes em nossos
sonhos acreditamos piamente que o que nele se passa é real. Por exemplo, a
mesma certeza que temos agora de que estamos acordados, eu aqui
escrevendo este artigo, e você lendo-o, a temos quando estamos no sonho. Ou
seja, de dentro do sonho não há como saber se essa experiência é somente
um sonho. Descartes então conclui que “não há quaisquer indícios


                                                                             4
concludentes, nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir
nitidamente a vigília do sono”.
Mas como o objetivo é estender a dúvida ao máximo, no parágrafo 6° da
Primeira meditação, Descartes aprofunda um pouco mais dentro do argumento
do sonho e nos convida a fazer uma suposição de que estamos dormindo,
sonhando que mexemos a cabeça, abrimos os olhos e coisas desse tipo, e que
tudo isso é ilusão. Mesmo que essa hipótese seja uma ilusão, ainda assim,
será necessário convir, segundo ele, que essas coisas gerais (olhos, cabeça,
mãos e todo o corpo) são verdadeiras e existentes. Ele cita o exemplo dos
pintores, que assim como se inspiram na realidade para fazer suas obras, os
elementos do sonho são imitações das coisas reais. No caso dos pintores,
ainda que eles intentem ser o mais diferente e original possível, pelo menos as
cores utilizadas na pintura são verdadeiras e existentes.
E ainda que essas coisas gerais sejam imaginárias, há outras coisas mais
simples e mais universais que são verdadeiras e existentes, como a natureza
corpórea em geral, sua extensão, e também a figura das coisas extensas, sua
quantidade, grandeza, lugar, o tempo que mede sua duração e coisas
semelhantes. Mas aqui nesse ponto o argumento do sonho se esgota, por não
conseguir chegar ao conteúdo das nossas percepções. Ou seja, que eu esteja
sonhando ou desperto, eu posso duvidar, mas do conteúdo, ou da composição
das percepções que tenho no sonho, não há como duvidar que seja formado
de coisas verdadeiras e existentes. Para Guéroult, tais elementos (figura,
quantidade, espaço, tempo) escapam a todas as razões naturais de duvidar.
Por esse motivo Descartes cria um novo argumento, o qual veremos a seguir.


6.Argumento que estende a dúvida às essências matemáticas
O argumento anterior não conseguiu alcançar o conhecimento que tem
proporcionado mais certeza, que são as “essências matemáticas”. Descartes
utiliza o argumento de que “acordado ou dormindo, dois mais três formarão
sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados”.
Poderíamos pensar que aqui se esgota a dúvida metódica. Entretanto, não
poderia haver nenhuma exceção para a dúvida, deve existir algo que alcance
as essências matemáticas. É aqui que aparece a dúvida metafísica, que é
artificial.

                                                                             5
O deus enganador
Descartes cita o exemplo de que, assim como nos enganamos às vezes com
coisas que acreditamos saber com certeza, pode ocorrer também que exista
um deus enganador que tenha desejado que nos enganemos todas às vezes
em que fazemos a adição de dois mais três, ou em que enumeramos os lados
de um quadrado.
Mas essa suposição de pronto se esbarra na bondade de Deus. “Mas pode ser
que Deus não tenha querido que eu fosse decepcionado dessa maneira, pois
ele é considerado soberanamente bom”. No entanto, se Deus abrisse mão de
sua bondade para decidir enganá-lo sempre seria contraditório Deus enganá-lo
algumas vezes. Por isso ele diz não poder duvidar que Deus lhe engana, ou
seja, a bondade divina não é suficiente para tornar essa suposição inválida.
Para as pessoas que preferem negar a existência de Deus a admitir que todas
as outras coisas são incertas, Descartes também consegue chegar a elas. Ele
diz que não interessa de que forma ele foi criado, ou quem o criou, o certo é
que “já que falhar e enganar-se é uma espécie de imperfeição, quanto menos
poderoso for o autor a que atribuírem minha origem tanto mais será provável
que eu seja de tal modo imperfeito que me engane sempre”. Conforme resumiu
Rezende, por estarmos na condição de criatura, se há uma causa onipotente,
pode-se duvidar se 2+3=5, e se não há uma causa onipotente, também pode-
se duvidar se 2+3=5.
O gênio maligno
Para substituir a suposição do deus enganador, já que o verdadeiro Deus, pela
sua bondade divina, não seria capaz de fazer que o homem erre sempre,
Descartes cria um artifício psicológico, chamado por ele de gênio maligno.
Esse gênio maligno tem a mesma função do deus enganador. Ele seria uma
espécie de diabinho, frio e calculista, que empregaria todas as suas forças e
toda a sua indústria para enganá-lo. Para Franklin, essa ficção tem um
propósito, ela é instrumental e participa do caráter metódico de uma dúvida que
é provisória.
Assim, Descartes conclui que de todas as opiniões que recebera como
verdadeiras não há nenhuma que possa escapar das razões de duvidar. A
única coisa certa, neste momento difícil para o filósofo, é suspender o juízo
sobre esses pensamentos, pois a dúvida metódica atingiu aqui o seu limite. É

                                                                               6
interessante notar pelo que se infere da primeira frase da meditação seguinte,
que Descartes realizou essa suspensão do juízo por um dia. Diz: “A meditação
que fiz ontem, encheu-me o espírito de tantas dúvidas, que doravante não está
mais em meu alcance esquecê-las”. Esta frase denota que o filósofo
experimentou realmente a suspensão do juízo que ele propõe na meditação,
meditando com tempo, para só no dia seguinte reaver essas questões.
Descartes também faz uma observação importante aos que queiram segui-lo
nesta experiência meditacional. Segundo ele, não basta ter feito todas essas
considerações, é preciso cuidar para lembrar-se delas. E por que lembrar-se
delas? Porque essas velhas opiniões estão de tal forma incrustadas em nossa
mente que tendemos a tê-las, mesmo contra nossa vontade, como muito
prováveis.


7. A primeira certeza: o cogito cartesiano
É na segunda meditação que Descartes chega ao cogito. Para isso ele
continua no mesmo caminho: “afastar de tudo em que se possa imaginar a
menor dúvida”. O objetivo é encontrar algo de certo, ou pelo menos aprender
que não nada no mundo de certo.
Descartes buscava um ponto fixo, pelo menos uma verdade que fosse certa e
indubitável. E, após questionar a sua existência e lembrar que havia se
persuadido de que não existia, Descartes percebe que se ele se persuadiu é
porque ele pensou. E mesmo que haja um enganador que o engane sempre,
jamais poderá fazê-lo pensar que nada seja, enquanto ele pensar ser alguma
coisa. Descartes descobre que o fato de ser persuadido por um gênio maligno,
o qual lhe faz duvidar de sua existência, prova que duvidar é indubitável, e se
ele duvida é porque ele pensa, e se ele pensa é porque existe.
      De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado
      cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que
      esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as
      vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito.
Aqui vemos a necessidade de execução atual do cogito. Mas temos de ter o
cuidado de não inferir de Penso, logo existo, que o existir seja conseqüência do
pensamento, mas que “sou na medida em que penso”. Para Rezende, o cogito
é o pensamento que sabe que em qualquer pensamento subjaz a consciência.

                                                                                 7
Conforme ele exemplificou, limpando o terreno você descobre uma coisa
limpando o terreno: você; e o terreno sendo esvaziado está preenchido pelo
desvaziador.


8.Conclusão
Até aqui cumprimos o nosso objetivo, que foi analisar o processo metodológico
que Descartes seguiu para chegar ao cogito. E seguindo o caminho que
Descartes seguiu, meditando da forma que Descartes meditou e vivendo cada
etapa da dúvida metódica, é possível entender a importância dessa
metodologia cartesiana como ponto de partida para o conhecimento. O cogito
nos certifica da nossa existência, esse é o ponto fixo buscado por Descartes. A
partir daí já é possível reordenar todo edifício do conhecimento.


9.Bibliografia

DESCARTES, R. Meditações metafísicas, 1941.
_____________. O discurso do método, 1637.
LEOPOLDO E SILVA, Franklin. A metafísica da modernidade, 2005.
REZENDE, Cristiano. Comentários sobre Descartes em sala de aula, 2011
http://www.webartigos.com/articles/64774/1/Descartes-e-sua-Primeira-Meditacao/
http://www.consciencia.org/meditacoes_descartesroberto.shtml
http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_3610.html




¹Lídia Cristina Neves Cunha é acadêmica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de
Goiás. Este artigo foi apresentado na Disciplina de Núcleo Livre Filosofia Moderna I, ministrada
pelo professor Cristiano Rezende. Julho/2011.




                                                                                              8

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O cogito cartesiano

  • 1. O CAMINHO PARA O COGITO CARTESIANO LÍDIA CUNHA¹ Faculdade de Filosofia Universidade Federal de Goiás Goiânia, GO lidiacnc@hotmail.com Não é suficiente ter o espírito bom, o essencial é bem aplicá-lo. René Descartes Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar o processo metodológico percorrido pelo filósofo René Descartes para chegar ao cogito, primeira certeza, expressa na sua famosa frase Penso, logo existo. Será estudado principalmente o papel da dúvida metódica na constituição do cogito. Para isso, serão analisadas a primeira e parte da segunda meditação de sua obra Meditações metafísicas (1641). Palavras chave: cogito; dúvida metódica; meditações; Descartes 1.Introdução René Descartes foi um grande filósofo francês que viveu na primeira metade do século XVII. Ele trouxe grandes contribuições para a Física, Matemática e, especialmente para a Filosofia, sendo considerado o pai da filosofia moderna. Proveniente de uma família burguesa, ele estudou nos melhores colégios da França, estudou Direito e, como não tinha necessidade de trabalhar, pôde dedicar sua vida inteiramente aos estudos. Escreveu diversos livros importantes como O discurso do método, Regras para direção do espírito, Tratado das paixões da alma, Princípios de Filosofia e Meditações metafísicas, do qual analisaremos a primeira e a segunda meditação. Por Metafísica, conforme exposto na introdução das Meditações, entenda-se a pesquisa dos primeiros princípios do conhecimento. Descartes parte do princípio de que uma vez estabelecidos os fundamentos, todo o resto deve daí decorrer, a Física e as ciências da vida, bastando continuar a raciocinar por ordem. A intenção de 1
  • 2. seus escritos metafísicos é servir de preparação para um conhecimento seguro de todas as coisas. Na primeira meditação, Descartes não busca estabelecer nenhuma verdade, mas apenas desfazer-se dos velhos prejuízos que foram mal fundamentados ao longo de sua vida, utilizando para tanto a dúvida metódica. Esse método consiste em passar todo o conhecimento adquirido pelo crivo da dúvida, para que assim, ao final, se nada restar de certo e seguro, pelo menos que se tenha a certeza de que nada há no mundo de certo. Se para os céticos a dúvida é um fim, para Descartes é apenas um meio para estabelecer os fundamentos do processo do conhecimento. Na segunda meditação, após haver limpado a mente dos prejuízos, e esgotadas todas as possibilidades de dúvida sobre seus conhecimentos, chegar-se-á à primeira certeza, o Cogito, “Penso, logo existo”, o objetivo deste trabalho. O cogito depois servirá de base para que ele prove a existência de Deus, a existência das coisas materiais e a distinção entre alma e corpo, dentre outros assuntos estudados nas demais meditações. 2.A dúvida metódica A dúvida metódica é uma forma de metodicamente colocar tudo em dúvida. Para Franklin, a necessidade metódica da dúvida exige que ela vá além dos conteúdos transmitidos pela tradição, é preciso que ela atinja também os conhecimentos matemáticos. Por isso ela será levada ao extremo, abarcando desde as razões naturais da dúvida até à dúvida metafísica, que veremos mais adiante. Mas o exercício da dúvida metódica é um trabalho grandioso e difícil, por isso Descartes diz que foi necessário esperar o tempo certo e o momento certo para exercê-la, uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar outra após ela, na qual ele estivesse mais apto para executar essa tarefa. Quando ele publicou as Meditações metafísicas ele tinha 45 anos. Mas também não bastava somente a idade certa, era também necessário um lugar e um ambiente propício para a meditação. A situação de vida de Descartes, de não necessitar trabalhar para se sustentar, foi essencial para que ele tivesse “um repouso assegurado numa pacífica solidão”, para realizar essa tarefa seriamente e com liberdade. 2
  • 3. 3. A dúvida hiperbólica A dúvida hiperbólica foi o método utilizado, dentro da dúvida metódica, para de uma só vez rejeitar todas as antigas opiniões, sem ter de analisá-las uma a uma. Diferentemente da dúvida natural, a dúvida hiperbólica é voluntária, sistemática e generalizada. Ela parte da decisão de duvidar exageradamente, no superlativo, e consiste em (1) tratar como falso o que é apenas duvidoso e (2) tratar como sempre enganador o que alguma vez enganou. E para duvidar de cada coisa que existe no mundo, segundo Descartes, não precisa colocar cada coisa que existe no mundo em dúvida, sendo suficiente duvidar das bases de todo o seu conhecimento. Ele parte do princípio da construção civil de que a ruína dos alicerces automaticamente faz ruir todo o edifício. Assim sendo, ele resolve dedicar-se aos princípios sobre os quais todas as suas antigas opiniões estavam apoiadas, com o objetivo de reconstruir o edifício do conhecimento sobre princípios certos e seguros. A partir do terceiro parágrafo da primeira meditação, Descartes segue um processo detalhado de extensão e radicalização da dúvida, de forma que não haja nenhuma exceção para a dúvida. Ele começa a partir do conhecimento recebido pelos sentidos até chegar às essências matemáticas. Para isso ele utilizará uma série de argumentos que contrabalancearão entre razões e contrarrazões de duvidar. 4.Argumento do erro dos sentidos “Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos, ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou”. (3°parágrafo da Primeira Meditação) Aqui Descartes coloca em prática a dúvida hiperbólica: Tratar como sempre enganador o que alguma vez nos enganou. Por quantos e quantos séculos o homem acreditou que o sol era menor que a Terra, porque nossos olhos assim denunciavam, e depois os cientistas descobriram o inverso? Quantas vezes chamamos algum conhecido na rua e depois verificamos ser uma pessoa desconhecida? Assim são nossos sentidos, audição, visão, olfato, paladar e tato; muitas vezes nos enganam. Por isso, para Descartes, não se pode confiar no conhecimento vindo dos sentidos. 3
  • 4. Entretanto, no começo do parágrafo seguinte, Descartes salienta que “ainda que os sentidos nos enganem às vezes, no que se refere às coisas pouco sensíveis e muito distantes, encontramos talvez muitas outras das quais não se pode razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio deles...” Por exemplo, não há como negar que são minhas mãos que agora estão digitando este artigo sobre o cogito, que são meus olhos estes que atentamente seguem cada palavra que é digitada. Como negar, caro leitor, que essas mãos que agora seguram este papel e estes olhos que caminham por entre essas linhas do texto são teus? A menos que sejamos loucos, conclui Descartes. A loucura aparece aqui como uma objeção à dúvida. O fato de Descartes ter colocado a loucura como razão para não duvidar foi motivo de críticas de Foucaut. Para o filósofo Rezende, Descartes está aqui em busca de razões para duvidar, mas a loucura, sendo uma ruptura com a razão, não segue um método, logo não pode configurar como razão para não duvidar no projeto da dúvida metódica. A dúvida precisa ser hiperbólica mas também generalizada, e a loucura é uma situação particular, limitadora, nem que fosse só pelo fato de ser excepcional. Por isso para Foucaut, conforme lembrou Rezende, isso significa que Descartes não pôs em dúvida a razão. Ao invés de duvidar de tudo, ele abriu uma exceção para a razão. Críticas à parte, vemos que em síntese o argumento do erro dos sentidos conclui que os sentidos não podem nos enganar sobre todas as coisas, mas somente no que se refere às coisas pouco sensíveis e muito distantes. 5.Argumento do sonho Após os sentidos serem colocados à prova e chegar-se à descoberta de que há coisas das quais não se pode razoavelmente duvidar, o argumento do sonho vem justamente para elevar a dúvida um degrau mais. Para este argumento, Descartes parte do fato de que muitas vezes em nossos sonhos acreditamos piamente que o que nele se passa é real. Por exemplo, a mesma certeza que temos agora de que estamos acordados, eu aqui escrevendo este artigo, e você lendo-o, a temos quando estamos no sonho. Ou seja, de dentro do sonho não há como saber se essa experiência é somente um sonho. Descartes então conclui que “não há quaisquer indícios 4
  • 5. concludentes, nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir nitidamente a vigília do sono”. Mas como o objetivo é estender a dúvida ao máximo, no parágrafo 6° da Primeira meditação, Descartes aprofunda um pouco mais dentro do argumento do sonho e nos convida a fazer uma suposição de que estamos dormindo, sonhando que mexemos a cabeça, abrimos os olhos e coisas desse tipo, e que tudo isso é ilusão. Mesmo que essa hipótese seja uma ilusão, ainda assim, será necessário convir, segundo ele, que essas coisas gerais (olhos, cabeça, mãos e todo o corpo) são verdadeiras e existentes. Ele cita o exemplo dos pintores, que assim como se inspiram na realidade para fazer suas obras, os elementos do sonho são imitações das coisas reais. No caso dos pintores, ainda que eles intentem ser o mais diferente e original possível, pelo menos as cores utilizadas na pintura são verdadeiras e existentes. E ainda que essas coisas gerais sejam imaginárias, há outras coisas mais simples e mais universais que são verdadeiras e existentes, como a natureza corpórea em geral, sua extensão, e também a figura das coisas extensas, sua quantidade, grandeza, lugar, o tempo que mede sua duração e coisas semelhantes. Mas aqui nesse ponto o argumento do sonho se esgota, por não conseguir chegar ao conteúdo das nossas percepções. Ou seja, que eu esteja sonhando ou desperto, eu posso duvidar, mas do conteúdo, ou da composição das percepções que tenho no sonho, não há como duvidar que seja formado de coisas verdadeiras e existentes. Para Guéroult, tais elementos (figura, quantidade, espaço, tempo) escapam a todas as razões naturais de duvidar. Por esse motivo Descartes cria um novo argumento, o qual veremos a seguir. 6.Argumento que estende a dúvida às essências matemáticas O argumento anterior não conseguiu alcançar o conhecimento que tem proporcionado mais certeza, que são as “essências matemáticas”. Descartes utiliza o argumento de que “acordado ou dormindo, dois mais três formarão sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados”. Poderíamos pensar que aqui se esgota a dúvida metódica. Entretanto, não poderia haver nenhuma exceção para a dúvida, deve existir algo que alcance as essências matemáticas. É aqui que aparece a dúvida metafísica, que é artificial. 5
  • 6. O deus enganador Descartes cita o exemplo de que, assim como nos enganamos às vezes com coisas que acreditamos saber com certeza, pode ocorrer também que exista um deus enganador que tenha desejado que nos enganemos todas às vezes em que fazemos a adição de dois mais três, ou em que enumeramos os lados de um quadrado. Mas essa suposição de pronto se esbarra na bondade de Deus. “Mas pode ser que Deus não tenha querido que eu fosse decepcionado dessa maneira, pois ele é considerado soberanamente bom”. No entanto, se Deus abrisse mão de sua bondade para decidir enganá-lo sempre seria contraditório Deus enganá-lo algumas vezes. Por isso ele diz não poder duvidar que Deus lhe engana, ou seja, a bondade divina não é suficiente para tornar essa suposição inválida. Para as pessoas que preferem negar a existência de Deus a admitir que todas as outras coisas são incertas, Descartes também consegue chegar a elas. Ele diz que não interessa de que forma ele foi criado, ou quem o criou, o certo é que “já que falhar e enganar-se é uma espécie de imperfeição, quanto menos poderoso for o autor a que atribuírem minha origem tanto mais será provável que eu seja de tal modo imperfeito que me engane sempre”. Conforme resumiu Rezende, por estarmos na condição de criatura, se há uma causa onipotente, pode-se duvidar se 2+3=5, e se não há uma causa onipotente, também pode- se duvidar se 2+3=5. O gênio maligno Para substituir a suposição do deus enganador, já que o verdadeiro Deus, pela sua bondade divina, não seria capaz de fazer que o homem erre sempre, Descartes cria um artifício psicológico, chamado por ele de gênio maligno. Esse gênio maligno tem a mesma função do deus enganador. Ele seria uma espécie de diabinho, frio e calculista, que empregaria todas as suas forças e toda a sua indústria para enganá-lo. Para Franklin, essa ficção tem um propósito, ela é instrumental e participa do caráter metódico de uma dúvida que é provisória. Assim, Descartes conclui que de todas as opiniões que recebera como verdadeiras não há nenhuma que possa escapar das razões de duvidar. A única coisa certa, neste momento difícil para o filósofo, é suspender o juízo sobre esses pensamentos, pois a dúvida metódica atingiu aqui o seu limite. É 6
  • 7. interessante notar pelo que se infere da primeira frase da meditação seguinte, que Descartes realizou essa suspensão do juízo por um dia. Diz: “A meditação que fiz ontem, encheu-me o espírito de tantas dúvidas, que doravante não está mais em meu alcance esquecê-las”. Esta frase denota que o filósofo experimentou realmente a suspensão do juízo que ele propõe na meditação, meditando com tempo, para só no dia seguinte reaver essas questões. Descartes também faz uma observação importante aos que queiram segui-lo nesta experiência meditacional. Segundo ele, não basta ter feito todas essas considerações, é preciso cuidar para lembrar-se delas. E por que lembrar-se delas? Porque essas velhas opiniões estão de tal forma incrustadas em nossa mente que tendemos a tê-las, mesmo contra nossa vontade, como muito prováveis. 7. A primeira certeza: o cogito cartesiano É na segunda meditação que Descartes chega ao cogito. Para isso ele continua no mesmo caminho: “afastar de tudo em que se possa imaginar a menor dúvida”. O objetivo é encontrar algo de certo, ou pelo menos aprender que não nada no mundo de certo. Descartes buscava um ponto fixo, pelo menos uma verdade que fosse certa e indubitável. E, após questionar a sua existência e lembrar que havia se persuadido de que não existia, Descartes percebe que se ele se persuadiu é porque ele pensou. E mesmo que haja um enganador que o engane sempre, jamais poderá fazê-lo pensar que nada seja, enquanto ele pensar ser alguma coisa. Descartes descobre que o fato de ser persuadido por um gênio maligno, o qual lhe faz duvidar de sua existência, prova que duvidar é indubitável, e se ele duvida é porque ele pensa, e se ele pensa é porque existe. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito. Aqui vemos a necessidade de execução atual do cogito. Mas temos de ter o cuidado de não inferir de Penso, logo existo, que o existir seja conseqüência do pensamento, mas que “sou na medida em que penso”. Para Rezende, o cogito é o pensamento que sabe que em qualquer pensamento subjaz a consciência. 7
  • 8. Conforme ele exemplificou, limpando o terreno você descobre uma coisa limpando o terreno: você; e o terreno sendo esvaziado está preenchido pelo desvaziador. 8.Conclusão Até aqui cumprimos o nosso objetivo, que foi analisar o processo metodológico que Descartes seguiu para chegar ao cogito. E seguindo o caminho que Descartes seguiu, meditando da forma que Descartes meditou e vivendo cada etapa da dúvida metódica, é possível entender a importância dessa metodologia cartesiana como ponto de partida para o conhecimento. O cogito nos certifica da nossa existência, esse é o ponto fixo buscado por Descartes. A partir daí já é possível reordenar todo edifício do conhecimento. 9.Bibliografia DESCARTES, R. Meditações metafísicas, 1941. _____________. O discurso do método, 1637. LEOPOLDO E SILVA, Franklin. A metafísica da modernidade, 2005. REZENDE, Cristiano. Comentários sobre Descartes em sala de aula, 2011 http://www.webartigos.com/articles/64774/1/Descartes-e-sua-Primeira-Meditacao/ http://www.consciencia.org/meditacoes_descartesroberto.shtml http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_3610.html ¹Lídia Cristina Neves Cunha é acadêmica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás. Este artigo foi apresentado na Disciplina de Núcleo Livre Filosofia Moderna I, ministrada pelo professor Cristiano Rezende. Julho/2011. 8