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Universidade Estadual
de Santa Cruz
Reitor
Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos
Vice-reitora
Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Pró-reitora de Graduação
Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa
Diretora do Departamento de Ciências da Educação
Profª. Raimunda Alves Moreira Assis
Ministério da
Educação
Ficha Catalográfica
S123 Sacramento, Maria Pereira do.
Literatura comparada I : a poesia da língua portuguesa:
Letras Vernáculas - EAD / Sandra Maria Pereira do Sacra-
mento. – Ilhéus, BA: UESC, 2010.
171p. : il.
Inclui referências.
		 ISBN: 978-85-7455-211-8
1.	 Literatura comparada. 2. Poesia portuguesa. 3.
Poesia brasileira. I. Sacramento, Sandra Maria Pereira do.
II. Título. III. Título: Letras Vernáculas: módulo 4, volume 1.
CDD 809
LETRASVERNÁCULAS
EAD-UESC
Coordenação UAB – UESC
Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação do Curso de Licenciatura em
Letras Vernáculas (EAD)
Prof. Dr. Rodrigo Aragão
Elaboração de Conteúdo
Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento
Instrucional Design
Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera
Profª. Drª. Gessilene Silveira Kanthack
Revisão
Profª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira
Coordenação de Design
Profª. Msc. Julianna Nascimento Torezani
Diagramação
Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké
João Luiz Cardeal Craveiro
Capa
Sheylla Tomás Silva
Ao longo do texto você encontrará alguns boxes com orientações de estudo. A seguir
descrevo o que cada uma significa e como você deve proceder diante das orientações.
PARA REFLETIR
As pausas para reflexão são pequenas provocações feitas ao longo do texto
para que você interrompa por alguns minutos a leitura e pense sobre o que está
sendo estudado. Não é necessário escrever nem debater com seus colegas, mas
é importante que você pare para refletir sobre o que está sendo proposto antes
de dar continuidade à leitura.
ATENÇÃO
Nos boxes em que há o pedido de atenção são apresentadas questões ou
conceitos importantes para a elaboração de sua aprendizagem e continuidade
dos estudos.
SAIBA MAIS
Aqui são apresentados trechos de textos que complementam e enriquecem o
estudo que está sendo realizado.
EXERCÍCIO
Momento de debates sobre questões específicas. Cada exercício possui uma
orientação específica sobre como deve ser realizado.
LEITURA
RECOMENDADA/
NECESSÁRIA
São indicações de leituras que contribuem para a complementação e aprofun-
damento dos estudos realizados.
ATIVIDADE
As atividades devem ser realizadas de acordo com as orientações específicas
de cada uma.
VOCÊ SABIA?
Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada.
UM CONSELHO
Um conselho, uma orientação feita pelo professor a respeito de algo que foi
dito, auxiliando assim, na construção do conhecimento.
PARA CONHECER
Indicação e referências de autores, fontes de pesquisa, livros, websites, filmes
(curtas-metragens e/ou longas-metragens) etc.
Os desafios auxiliarão na assimilação e aplicação dos conhecimetnos adquiridos.
Cada um deles deve ser realizado de acordo com as orientações específicas.
PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS
DESAFIOS
Sumário
AULA I
1	 INTRODUÇÃO ...........................................................................................	 17
2	 ORIGEM DA LITERATURA COMPARADA ......................................................... 	 18
3	 AS METANARRATIVAS E A CRÍTICA À MODERNIDADE .....................................	 21
4	 ATIVIDADE ..............................................................................................	 34
5	 REFERÊNICA ...........................................................................................	 35
AULA II
1	 INTRODUÇÃO ...........................................................................................	 39
2	 METAPOESIA ............................................................................................	 41
3	 ATIVIDADE ..............................................................................................	 55
4	 REFERÊNICA ...........................................................................................	 56
AULA III
1	 INTRODUÇÃO ...........................................................................................	 61
2	 MULHER ..................................................................................................	 62
3	 ATIVIDADE ..............................................................................................	 72
4	 REFERÊNICA ...........................................................................................	 73
AULA VI
1	 INTRODUÇÃO ...........................................................................................	 77
2	 RIO .........................................................................................................	 78
3	 ATIVIDADE ..............................................................................................	 87
4	 REFERÊNICA ...........................................................................................	 88
AULA V
1	 INTRODUÇÃO ...........................................................................................	 93
2	 POBREZA .................................................................................................	 94
3	 ATIVIDADE ..............................................................................................	 99
4	 REFERÊNICA ........................................................................................... 100
AULA VI
1	 INTRODUÇÃO ....................................................................................	....... 105
2	 MORTE .................................................................................................... 106
3	 MORTE E ROMANTISMO ............................................................................ 109
4	 ATIVIDADE .............................................................................................. 116
5	 REFERÊNICA ........................................................................................... 118
AULA VII
1	 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 123
2	 VIDA CAMPESTRE – ARCADISMO ................................................................. 123
3	 A VALORIZAÇÃO DA VIDA CAMPESTRE EM VÁRIOS TEMPOS:	.......................... 126
4	 ATIVIDADE .............................................................................................. 132
5	 REFERÊNICA ........................................................................................... 133
AULA VIII
1	 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 137
2	 CIDADE ................................................................................................... 137
3	 ATIVIDADE .............................................................................................. 146
4	 REFERÊNICA ........................................................................................... 147
AULA VIII
1	 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 151
2	 INFÂNCIA ................................................................................................ 151
3	 ATIVIDADE .............................................................................................. 157
4	 REFERÊNICA ........................................................................................... 159
AULA IX
1	 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 163
2	 AMOR EM VÁRIAS ÉPOCAS ........................................................................ 164
3	 ATIVIDADE .............................................................................................. 170
4	 REFERÊNICA ........................................................................................... 171
SOBRE A AUTORA
Profª. Sandra Maria Pereira do Sacramento
Doutora em Letras Vernáculas, pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações
da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC),
Professora Associada à Cátedra UNESCO de Leitura,
Professora Plena em Teoria da Literatura do DLA/UESC.
Possui vários textos publicados em periódicos na área de
Letras, disponíveis on line.
Ementa
Análise comparativa de poesias paradig-
máticas das literaturas de língua portu-
guesa.
DISCIPLINA
LITERATURA COMPARADA I:
a poesia de língua portuguesa
Profª. Drª. Sandra Maria Pereira Sacramento
Ao final desta Aula I, você deverá iden-
tificar os conceitos básicos da Literatura
Comparada.
Objetivos
HISTORIA DA LITERATURA COMPARADA
1aula
AULA 1
HISTÓRIA DA LITERATURA COMPARADA
1	 INTRODUÇÃO
	 Nesta Aula I, vamos trazer para você informações sobre a
história da Literatura Comparada desde a Antiguidade Clássica –
ainda que não tivessem os escritores essa noção -, passando por
sua concepção mais sistematizada à luz da construção dos Estados-
nação europeus e de uma visão historicista, até os dias atuais com
a contribuição dos Estudos Culturais, Pós-Coloniais e Feministas.
A princípio, Literatura Comparada constitui um conjunto de
procedimentos de leitura incididos sobre obras de literatura. Hoje,
entretanto, com a mudança de paradigmas acerca do artístico, pode
ocorrer sobre qualquer produto cultural, sem que necessariamente
sejam feitas comparações entre duas ou mais obras.
17Letras VernáculasUESC
Aula1
Cânone: o termo deriva da palavra grega
“kanon” que designava uma espécie de
vara com funções de instrumento de me-
dida; mais tarde o seu significado evoluiu
para o de padrão ou modelo a ser aplicado
como norma. É, no século IV, que encon-
tramos a primeira utilização generaliza-
da de cânone: trata-se da lista de Livros
Sagrados que a Igreja cristã homologou
como transmitindo a palavra de Deus, logo
representado a verdade e a lei que devia
alicerçar a fé e reger o comportamento
da comunidade de crentes. Após a rejei-
ção de certos livros denominados apócri-
fos, o cânone bíblico tornou-se fechado,
inalterável, distinguindo-se neste aspecto
do outro referente do cânone teológico, o
conjunto de Santos Padres a que a Igreja
Católica periodicamente acrescenta no-
vos indivíduos, através de um processo
chamado canonização. Importante para
a história posterior do conceito é, pois,
a ideia de que canônica é uma seleção
(materializada numa lista) de textos e/ou
indivíduos adotados como lei por uma co-
munidade e que lhe permitem a produção
e reprodução de valores (normalmente di-
tos universais) e a imposição de critérios
de medida que lhe possibilitem, num mo-
vimento de inclusão/exclusão, distinguir o
legítimo do marginal, do heterodoxo, do
herético ou do proibido. Neste sentido,
torna-se claro que um cânone veicula o
discurso normativo e dominante num de-
terminado contexto, teológico ou outro, e
é isso que subjaze a expressões como “o
cânone aristotélico”, “cânones da crítica”,
etc. Acompanhando o processo de secu-
larização da cultura em marcha desde o
Renascimento, o conceito e o termo vie-
ram progressivamente a ser aplicados ao
domínio da literatura, muitas vezes, sob a
forma de expressões como “os clássicos”
ou “as obras-primas”. O cânone literário é,
assim, o corpo de obras (e seus autores)
social e institucionalmente consideradas
“grandes”, “geniais”, perenes, comunican-
do valores humanos essenciais, por isso,
dignas de serem estudadas e transmi-
tidas de geração em geração. Tal defini-
ção é válida, quer se trate de um cânone
nacional, onde se presume que o povo se
reconhece nas suas características espe-
cíficas, quer se trate do cânone universal,
o que significa de fato, dada a própria ori-
gem histórica da categoria literatura, um
cânone eurocêntrico ou, quanto muito,
ocidental.
Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/
verbetes/C/canone.htm
2	 ORIGEM DA LITERATURA COMPARADA
	 O conceito de Literatura Comparada prende-se ao
próprio conceito de Literatura. É o que afirma Sandra Nitrini:
As origens da literatura comparada se
confundem com as da própria literatura. Sua
pré-história remonta às literaturas grega e
romana. Bastou existirem duas literaturas
para se começar a compará-las, com o intuito
de apreciar seus respectivos méritos, embora
se estivesse ainda longe de um projeto de
comparatismo elaborado, que fugisse a uma
mera inclinação empírica (2000, p.19).
	 O conceito de literatura, para a tradição greco-latina,
confundia-se com a gramática (gramma), pois significava,
assim como litteratus, a arte de conhecer a gramática e a
poesia. Chega ao século XVIII, vinculado à noção de valor,
portanto, ao ideológico, na medida em que associa o Bem, o
Belo e o Justo, a uma razão etnocêntrica, como viu Platão no
livro X da República. Em atenção à formação educacional do
cidadão, Ernest Curtius, em Literatura Européia e Idade Média
Latina justifica a ligação da literatura aos valores gregos:
Porque os gregos encontraram num poeta o
reflexo de seu passado, de seus deuses. Não
possuíam livros nem castas sacerdotais. Sua
tradição era Homero. Já no séc. VI era um
clássico. Desde então é a literatura disciplina
escolar, e a continuidade da literatura européia
está ligada à escola (1957, p.38).
	 A necessidade de comparação é inerente ao ser
humano, como forma de reagir ao novo, ao desconhecido. A
essa se soma a imitação, que segundo Aristóteles “é instintiva
do homem desde a infância” (ARISTÓTELES, 1964, p.266).
E, por mais que os clássicos não usassem essa expressão
quando escreviam, estavam fazendo literatura comparada no
próprio processo de elaboração de suas obras, como forma
de manutenção de um cânone literário ao qual todos os
que escreviam obra artística deviam obediência. A noção
de cânone não pode passar despercebida quando se fala em
classicismo, pois foi, no Renascimento, que o ideal clássico
acerca da arte da Antiguidade greco-romana aproximou-se do
contexto europeu do século XVI, no início da Idade Moderna.
18 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
E o cânone clássico significou o ideal mais acabado da tradição
ocidental, tendo os parâmetros, que deviam ser imitados, em uma
espécie de pastiche, e, especialmente, na literatura, significou uma
estratégia de legitimação daquele que escrevia. Não é sem cabimento
o que faz o poeta português Luís de Camões, já no início de Os
Lusíadas, que reproduzimos a seguir:
Canto I (Parte I)
3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
	 O poeta tem necessidade, como o cânone determinava, de
citar os poetas que o antecederam, em um processo de referência ao
que muito contribuíram para a Literatura do Ocidente; entretanto, ele
se lança para além destes, pois se encontrava em outra coordenada
histórica do quinhentismo.
Assim concebido, o classicismo identifica-se substan-
cialmente com a doutrina de que a criação literária
deve repousar em modelos, dos quais derivam a dis-
ciplina e as regras necessárias para a prossecução de
uma obra perfeita (SILVA, 1975, p.436).
	 Veja que são citadas as obras dos poetas mais importantes para
o mundo grego e depois romano, Homero e Virgílio, respectivamente.
Nos versos camonianos, ocorre a alusão a Ulisses (sábio Grego), que
peregrinou muito tempo, após a Guerra de Troia, até chegar a Ítaca,
onde o esperavam sua esposa Penélope e seu filho Telêmaco, e a
Eneias (Troiano), que também, após a referida guerra, migrou para
o Lácio e fundou Roma. No verso: Cesse tudo o que a Musa antiga
canta, ocorre a invocação à musa da inspiração.
	 Desde Platão que o poeta é considerado um vate, capaz de
conduzir as massas. Se esse foi expulso, a princípio de sua República,
em Íon, entretanto, é reerguido à condição de vislumbre, porque só
um ser inspirado alcança o chamado ideal musal, isto é, tem acesso
Figura 1: Luís de Camões
Fonte: http://pt.wikipedia.org
SAIBA MAIS
Leia sobre Pastiche em:
Fonte: http://www.fcsh.
unl.pt/edtl/verbetes/P/
pastiche.htm
19Letras VernáculasUESC
Aula1
ao mundo das musas; sendo Homero o poeta mais importante para a
sociedade grega, uma vez que transmite, através de suas epopeias,
Ilíada e Odisseia, os verdadeiros valores dos heróis guerreiros. Platão,
em diálogo com Glauco, em Íon, afirma:
Quanto a seus protetores, que, sem fazer versos,
amam a poesia, permitiremos que defendam em
prosa e nos mostrem que não só é agradável, mas
também útil, à república e aos particulares para o
governo da vida. De bom grado os ouviremos, porque
com isso só temos a lucrar, se nos puderem provar
que aí se junta o útil ao agradável (PLATÃO, 1994,
p.403).
	 Abaixo, reproduzimos uma estrofe do Canto I, da Eneida de
Virgílio. Compare a semelhança com a Proposição de Os Lusíadas de
Luís de Camões, reproduzida anteriormente.
As armas dos varões eu canto, que das costas de Tróia
Para a Itália, pelo fado exilados, a Lavinia vieram
para as praias, por muitos mares e terras do alto agitados
pela imperdoável ira de Juno
e muito suportando da guerra também, até fundarem uma cidade
e trazer os deuses ao Lácio, de onde nasceu a gente Latina
Os pais de Alba, e as altas muralhas de Roma.
Fonte: http://virgiliofreire.blogspot.com/2008/09/os-lusadas-e-o-grande-poeta-romano.html
	 A Literatura Comparada, com a qual dialogamos hoje para
negá-la, surge na modernidade, com a visão historicista do mundo e
com a construção dos Estados-nação europeus, que, fundamentados
em uma língua nacional e em limites territoriais, acreditaram em
promessas da igualdade universal, e, para tanto, empenharam-se,
através de crenças e práticas ideológico-culturais, em estabelecer
socialmente esferas, sob o princípio de “separados mas iguais”;
assim, a divisão de propriedade, de recursos e trabalhos, segundo
as diferenças cunhadas entre homens e mulheres, brancos e
negros, proprietários e trabalhadores, colonizadores e colonizados
estruturaram o mundo administrado em visões hierárquicas que
deviam se justificar por si sós.
	 Hegel tem uma visão panteísta da História; para ele existe um
espírito, uma intuição transcendental que constitui a origem criadora
da realidade universal. A ideia evolui sob o signo da dialética do espírito.
20 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
Sendo o real essencialmente o devir, este avança inexoravelmente
rumo à marcha ternária da tese-antítese-síntese. A História, ao
ser criação do espírito, não passa de uma manifestação exterior ao
desenvolvimento da ideia; por isso o curso da História segue uma linha
evolutiva: os povos orientais (cultura místico-religiosa) representam
a tese; a Antiguidade Clássica (cultura racional), a antítese; a Idade
Média cristã (tão religiosa como intelectual) é a síntese.
	 Marx, partindo do hegelianismo e utilizando o seu conceito
dialético, transfere-o para a esfera material e econômica: o
materialismo dialético substitui, portanto, a concepção intelectual do
absoluto, enquanto espírito, por outra material. A sociedade, assim,
teria trilhado a estrutura social hierarquizada (tese), a economia
capitalista (antítese) e o socialismo moderno (síntese).
	 Por outro lado, Augusto Comte, filósofo francês fundador da
Sociologia, também bastante influenciado pelo racionalismo, via no
progresso da Ciência a chave para a emancipação do gênero humano.
Formaram-se assim, com o conhecimento religioso e a filosofia
metafísica, explicações imaginárias presentes em setores da realidade
social que ainda não haviam chegado ao conhecimento científico,
completamente racional. Assim, a humanidade teria passado pelo
estado religioso (politeísmo feiticista), metafísico (monoteísmo) até
chegar ao estágio racional, preso à observação dos fatos (positivismo).
Podemos notar que os três filósofos do século XIX, acima citados, têm
uma visão presa ao continuísmo historicista e ao teleológico,
com forte visão eurocêntrica, refletindo-se nas Histórias da Literatura
daquele continente e daquelas advindas de sua colonização, como a
História da Literatura Brasileira, por exemplo.
	 Oromantismorefleteaambiênciaentãooperante.Oromantismo
alemão, - ainda que a princípio a Alemanha não estivesse unificada
- procura nas raízes folclóricas, na tradição das narrativas orais,
uma forma de sedimentar o seu cânone, com o culto ao Volksgeist,
com forte valorização do dado local, enquanto a França, baseada na
trilogia metafísica Liberdade-Igualdade-Fraternidade, anseia pelo
universalismo e pela atemporalidade. É, neste cenário, que Goethe
propõe o conceito de Literatura Universal (Weltliteratur), em atenção
aos valores e crenças da modernidade europeia, sustentados na
nação e em suas tradições, no progresso e na ciência.
Continuísmo historicis-
ta: o continuísmo histori-
cista culmina legitimamen-
te na história universal. Ele
utiliza a massa dos fatos,
para com eles preencher
o tempo homogêneo e va-
zio. O histoticismo se con-
tenta em estabelecer um
nexo causal entre vários
momentos da história. Mas
nenhum fato, meramen-
te por ser causa, é só por
isso um fato histórico. Ele
se transforma em fato his-
tórico postumamente, gra-
ças a acontecimentos que
podem estar separados por
milênios.
Fonte: Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatu-
ra e história da cultura. Walter
Benjamin. São Paulo: Brasilien-
se, 1994, pp.222-232.
Teleológico: Diz-se de
argumento, conhecimento
ou explicação que relacio-
na um fato com sua causa
final.
Fonte: Novo Dicionário Aurélio
da Língua Portuguesa - Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira
VOCÊ SABIA?
Volksgeist: segundo a Escola Histórica, o povo é um ser vivo marcado por forças interiores e silenciosas que
segrega uma espécie de consciência popular, o espírito do povo (Volksgeist). O povo é anterior e superior ao Es-
tado e é do espírito do povo que brota tanto a língua como o direito, consideradas produções instintivas e quase
inconscientes que nascem e morrem com o próprio povo. No caso específico do direito, o costume teria de ser
mais importante do que a lei, porque o que emana do Volksgeist tem de estar numa posição superior aos próprios
ditames do Estado.
Fonte: http://farolpolitico.blogspot.com/2007/09/esprito-do-povo-volksgeist.html
21Letras VernáculasUESC
Aula1
Encontre informações sobre metanarrativas em
<http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/M/metanarrativa.htm>
PARACONHECERPARACONHECER
Jean-François Lyotard: lecionou filosofia no ensino secundário (em Constantina,
na Argélia, entre outros) e no superior (Sorbonne, Nanterre, CNRS, Vincennes) por
mais de trinta anos. Recebeu o título de agrégé em filosofia em 1958 e o de docteur
ès lettres em 1971. Dedicou-se durante longos anos a trabalhos teóricos e práticos
no grupo “Socialismo ou Barbárie” e em Pouvoir ouvrier. Em 1979 deu aulas na
Universidade de São Paulo. Foi membro do Collège International de Philosophie,
professor emérito da Universidade de Paris, professor de francês na Universidade
da Califórnia (Irvine). Mudou para a Emory University, Atlanta, em 1995, onde
lecionou francês e filosofia. Faleceu em Paris em abril de 1998. Seus estudos e
textos centraram-se sobre as formas do discurso (Discours, figure, 1971), a análise
do marxismo (L’économie libidinale, 1974), assim como as relações entre política,
economia e psicanálise. Foi um arguto partícipe do debate sobre a pós-modernidade
(A condição pós-moderna e O pós-moderno explicado para crianças, 1979).
Fonte: www.estacaoliberdade.com.br/autores/lyotard.htm
Derrida: Jacques Derrida nasceu em El-Biar, Argélia, em 15 de julho de 1930. Os
anos de infância e de adolescência foram passados numa Argélia marcada pela
colonização e pela guerra. Em 1949, mudou-se para Paris e ingressou no curso
preparatório para a École normale supérieure, sendo admitido ali três anos mais
tarde. Completou seus estudos superiores com a dissertação O problema da gênese
na filosofia de Husserl. Em 1956, é aceito, na agrégation e recebe uma bolsa de
special auditor para a Universidade de Havard, em Cambridge, para consultar ali
microfilmes dos inéditos de Husserl, de quem começa a traduzir L’ Origine de la
geométrie. Em junho de 1957, casa-se com Marguerite Aucouturier, com quem
terá dois filhos: Pierre, em 1963, e Jean, em 1967. Publica, em 1967, seus três
primeiros livros: Gramatologia, A Escritura e a Diferença e A Voz e o Fenômeno.
A partir de então, se avolumam as publicações e sua atuação como professor
palestrante se estende a várias universidades na Europa e fora dela. A partir de
1975, nos Estados Unidos, depois de ter dado seminário na Universidade Johns
Hopkins, passa a ensinar, algumas semanas por ano, em Yale, junto com Paul de
Man e Hillis Miller. Intensifica-se, nessa época, sua relação com os Estados Unidos,
quando grande parte de sua obra começa a ser traduzida ali. Jacques Derrida esteve
no Brasil por duas ocasiões. Em 1995, num evento organizado pela USP e PUC-SP,
o Professor profere, no grande auditório do MASP, a palestra   História da Mentira:
prolegômenos, cuja tradução foi feita por Jean Briant e publicada em Estudos
Avançados 10 (27), pela Edusp em 1996.  Em junho de 2001, participou junto
com René Major, no Rio de Janeiro, dos Estados Gerais da Psicanálise. Os principais
temas discutidos foram: 1. Derrida e a Psicanálise; 2. Hospitalidade e Amizade;
3. Crueldade e Soberania; 4. O Futuro do Homem Face à Tecnologia. Faleceu, em
Paris, 8 de outubro de 2004.
Fonte: http://www.unicamp.br/iel/traduzirderrida/biografia.htm
22 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
3	 AS METANARRATIVAS E A CRÍTICA À MODERNIDADE
	 As crenças e práticas ideológico-culturais da modernidade
sedimentaram as chamadas metanarrativas, que se identificaram
geralmente com os ideais iluministas, com o otimismo em relação
ao papel da ciência e com a crença no progresso ou na busca de
verdades, de valores universais e atemporais. Jean-François Lyotard,
em A condição pós-moderna (1998), identifica duas narrativas que
nortearam a modernidade cientificamente: a narrativa política,
encerrada no discurso emancipatório da Revolução Francesa, e
a narrativa filosófica, esteando-se na obra de Hegel, quando situa
o conhecimento em uma dimensão histórico-evolucionista. Logo,
as metanarrativas têm a pretensão de serem totalizadoras no
entendimento dos fenômenos.
	 Muito tempo depois, no pós-estruturalismo, Derrida retoma
essa conceituação quando desacredita de qualquer significado fixo e
estável – o que chama de significado transcendental (gramatologia).
A gramatologia desconstrói o pensamento metafísico, fundamentado
em princípios inquestionáveis que legitimam uma hierarquia de
significações.Escreveele:“quetemdehaversignificadotranscendental
para que a diferença entre significante e significado seja absoluta e
irredutível em alguma parte” (DERRIDA, 1992, p.30). O significado
é, pois, o resultado de uma cadeia de significantes sem referentes ou
significados estáveis. O que se toma como significado é, de fato, um
significante, do qual se interrompeu o jogo de disseminação.
	 Entende-se, por jogo, a impossibilidade do significado
transcendental, uma vez que a linguagem constitui o elemento
mediador ao que chamamos realidade e toda experiência é a
experiência do significado e um efeito da différance.
O neologismo funde as noções contidas em différer
(adiar, diferir, procrastinar) e diférer (citar,deferir).
Tomar a différance como condição para a linguagem
significa que suas peças ao mesmo diferenciam,
citam, adiam. Ou seja, em vez de revelarem uma
presença (um referente que seria indicado) a
simulam, a citam, a adiam (LIMA, 1988, p. 338).
	 A linguagem, ao simular a presença de algo ausente, constitui-
se como metáfora; e, tanto a linguagem oral quanto a escrita, operam
em sistemas que se opõem.
	 O pós-estruturalismo, por outro lado, vai se ater, através da
descontinuidade, exatamente, nas aporias desse mesmo racionalismo
ocidental, preso a sistemas lógicos dominantes e impostos a todos
23Letras VernáculasUESC
Aula1
SAIBAMAIS
Aporia: [Do gr. aporia, “caminho inexpugnável, sem saída”, “dificuldade”.] 1.
Dificuldade, impasse, paradoxo, momento de auto-contradição ou blindspot  que impede
que o sentido de um texto ou de uma proposição seja determinado. Na filosofia grega
antiga, o termo começou por servir para designar contradições entre dois juízos (o
que se chamaria depois, com mais propriedade, antinomia). Na filosofia de Zenão de
Eleia, por exemplo, podemos falar de aporias nos juízos sobre a impossibilidade do
movimento. Mais tarde, designaram-se alguns diálogos platônicos como “aporéticos”,
isto é, inconclusivos. Ao estudo das aporias chama-se aporética. Aristóteles definirá a
aporia como uma “igualdade de conclusões contraditórias” (Tópicos, 6.145.16-20). O
termo é utilizado com frequência por alguns descontrucionistas como Jacques Derrida
e Paul de Man, que, de alguma forma, são responsáveis pela sua imposição dentro da
teoria literária pós-estruturalista. A aporia é identificada pela leitura desconstrutiva do
texto, que terá como fim mostrar que o sentido nele inscrito atingirá invariavelmente
o nível da indeterminação ou da indecidibilidade. Uma aporia cria uma tensão lógico-
retórica que impede que o sentido de um texto se possa fixar. Um texto, por definição,
conterá sempre aporias que servirão para mostrar que um texto pode querer dizer algo
que escapa a uma leitura convencional. Nem o texto nem o seu autor estão obrigados
a ter conhecimento prévio ou consciência da presença de aporias. Compete ao leitor,
pela desconstrução - se se quiser, segundo os exemplos de Jacques Derrida e Paul de
Man - identificar tais impasses. Os efeitos do que  na desconstrução de Derrida se chama
différance dependem da presença inquietante destas aporias.
Fonte: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/A/aporia.htm
O Mito da Caverna: narrado por Platão no livro VII do Republica é, talvez, uma das mais poderosas
metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se
encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras à nossa frente
e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500
anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. A mais recente delas é
o livro de José Saramago A Caverna. Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz
condição. Imaginou (no Livro VII de A República, um diálogo escrito entre 380-370 a.C.) todos presos
desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam a
olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Supondo a seguir que existissem algumas
pessoas, uns prisioneiros, carregando sobre suas cabeças, estatuetas de homens, de animais, vasos,
bacias e outros vasilhames, por detrás do muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda
uma escassa iluminação vindo do fundo do subterrâneo, disse que os habitantes daquele triste lugar
só poderiam enxergar as sombras daqueles objetos, surgindo e se desfazendo diante deles. Era assim
que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos
seus olhos (que Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o especto pela realidade. A sua
existência era pois inteiramente dominada pela ignorância (agnóia). Se por um acaso, segue Platão
na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância
e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num
primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade
do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e vê. Mas, depois, aclimatado, ele iria
desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as
imagens, e, finalmente, uma infinidade de objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda confuso,
ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que
fora criado. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se apresentava
diante dele, podendo então vislumbrar e contemplar o mundo das formas perfeitas.
Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/caverna.htm
24 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
de forma etnocêntrica. Foucault, ao fazer sua arqueologia/genealogia
da modernidade, evidencia que o humano detém o cogito, portanto,
é constituinte de uma autonomia, como viu Kant em sua Crítica
da Razão Pura, mas, ao mesmo tempo, acaba constituído pelos
discursos, enquanto configurações de poder. Então, as regras de
sujeição disciplinar vão determinar as fronteiras do permitido e do não
permitido, porque se esteiam em bases dicotômicas em si mesmas
excludentes: alto/baixo, claro/escuro, natureza/cultura, homem/
mulher, centro/periferia. As disciplinas atravessam o corpo social e
a realidade mais concreta do ser humano – o próprio corpo – como
uma rede, sem que suas fronteiras sejam delimitadas, através de:
métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo,
que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem
uma relação de docilidade-utilidade (FOUCAULT,1977, p.139).
	 Se utilizamos O Mito da Caverna de Platão, como subsídio
para o nosso raciocínio, diremos que a razão das sombras, banida da
filosofia ocidental, renegada pelo discurso da modernidade em sua
forma de poder disciplinar, está de prontidão para se fazer presente,
porque dá chance à vida, ao instante. A idéia do Bem, da Luz, então,
se relativiza em nome de uma doxa, não identificável em torno de
um único logos; destruindo, assim, o discurso onto-teo-lógico do
Ocidente, que privilegiou o saber vigilante do eu diurno cartesiano,
na esteira platônica, ao se opor ao eu noturno. Este só poderia levar
ao erro, ao excesso; entretanto, apresenta-se como condição sine
qua non do pensamento para se abrir à diferença, à valorização das
inúmeras formas de organização, correspondendo a focos ligados,
evidentemente, à experiência, ao sensível.
Os Estudos Culturais (HALL; 2003), ao fazerem a releitura
do marxismo, evidenciam o ponto nodal do materialismo dialético,
quando esse se detém no trabalhador como sujeito da história, em uma
espécie de ontologia do coletivo, enquanto detentor da experiência,
e não dos meios de produção, isto é, dos instrumentos necessários
à produção, retomando a promessa messiânica do romantismo da
união do eu ao não-eu, isto é, com o devir. Os participantes da
Worker’s Educational Association (WEA), associação para educação
universitária de trabalhadores, veem-se, então, em plena guerra
fria, por volta dos anos 50 do século passado, na impossibilidade de
se utilizarem da literatura canônica entre os filhos de trabalhadores
que acorriam à Universidade, pela primeira vez na história - ainda
que em uma Universidade não tradicional - devido à necessidade de
uma qualificação rápida, visando ao soerguimento de uma Europa
destruída pela Segunda Guerra Mundial. O conteúdo curricular se
25Letras VernáculasUESC
Aula1
Oswald de Andrade: nasceu em São Paulo em 11/1/1890 e faleceu em 22/10/1954 na mesma cidade.
José Oswald de Souza Andrade era de família abastada. Ingressou na Faculdade de Direito do Largo São
Francisco (São Paulo) em 1909. Publicou seus primeiros trabalhos em “O Pirralho”, semanário paulista de
crítica e humor, que ele mesmo fundou em 1911. Em 1912, viajou para Paris, onde, convivendo com a boemia
estudantil, entrou em contato com o futurismo e conheceu Kamiá, mãe de Nonê, seu primeiro filho, nascido
em 1914. De volta a São Paulo, continuou no jornalismo literário. Em 1917, passou a viver com Maria de
Lourdes Olzani (a Deise). Defendeu a pintora Anita Malfatti de uma crítica devastadora de Monteiro Lobato e
fundou o jornal “Papel e Tinta”. Em seguida, ao lado de Anita, de Mário de Andrade e de outros intelectuais,
organizou a Semana de Arte Moderna de 22. Pelo espírito irreverente e combativo, nenhum outro escritor do
modernismo ficou mais conhecido que Oswald. Sua atuação é considerada fundamental na cultura brasileira
da primeira metade do século 20. Publicou “Os Condenados” e “Memórias de João Miramar”. Em 1924, iniciou
o movimento Pau-Brasil, juntando o nacionalismo às idéias estéticas da Semana de 22. Em 1926, casou com
a pintora Tarsila do Amaral, e os dois se tornaram a dupla mais importante das artes brasileiras (Mário de
Andrade os apelidou de “Tarsiwald”). Oswald escreveu o “Manifesto Antropofágico”, em que propôs que o Brasil
devorasse a cultura estrangeira e criasse uma cultura revolucionária própria. Assim fariam Mário de Andrade
em “Macunaíma” (1928) e Raul Bopp em “Cobra Norato” (1931). Com a crise de 1929, Oswald teve as finanças
abaladas e sofreu uma reviravolta na vida. Rompeu com Mário, separou-se de Tarsila e casou com a escritora
e militante política Patrícia Galvão (a Pagu). Da união nasceria Rudá, seu segundo filho.Filiou-se ao PCB após
a revolução de 1930 (romperia com o partido em 1945, embora continuasse sendo de esquerda). Em 1931,
quando dirigia o jornal “O Homem do Povo”, foi várias vezes detido. Em 1936, após ter-se separado de Pagu,
casou com a poetisa Julieta Bárbara. Em 1944, outro casamento, agora com Maria Antonieta D’Aikmin, com
quem permaneceria até o fim da vida. Além de poemas, escreveu o romance “Serafim Ponte Grande” (1933)
e as peças “O Homem e o Cavalo” (1934) e “O Rei da Vela” (1937). Em 1939, na Suécia, representou o Brasil
num congresso do Pen Club (a entidade internacional que congrega os literatos dos diversos países). Prestou
concurso para a cadeira de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP
com a tese “A Arcádia e a Inconfidência” e, em 1945, obteve o título de livre-docente. Oswald morreu aos 64
anos. Sua poesia seria precursora de dois movimentos distintos que marcariam a cultura brasileira na década
de 1960: o concretismo e o tropicalismo.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u316.jhtm
PARACONHECERPARACONHECER
Lévi-Strauss: foi um dos grandes pensadores do século 20 e tornou-se conhecido na França, onde seus
estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da antropologia. Filho de um artista e membro de uma
família judia francesa intelectual, estudou na Universidade de Paris. De início, cursou leis e filosofia, mas
descobriu na etnologia sua verdadeira paixão. No Brasil, lecionou sociologia na recém-fundada Universidade
de São Paulo, de 1935 a 1939, e fez várias expedições ao Brasil central. É o registro dessas viagens, publicado
no livro “Tristes Trópicos” (1955) que lhe trará a fama. Nessa obra, ele conta como sua vocação de antropólogo
nasceu durante as viagens ao interior do Brasil. Exilado nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), foi professor nesse país nos anos 1950. Na França, continuou sua carreira acadêmica,
fazendo parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre (1905-1980), e assumiu, em 1959, o departamento de
Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982. O estudioso jamais aceitou
a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e única. Sempre enfatizou que a mente selvagem
é igual à civilizada. Sua crença de que as características humanas são as mesmas em toda parte surgiu nas
incontáveis viagens que fez ao Brasil e nas visitas a tribos de indígenas das Américas do Sul e do Norte. O
antropólogo passou mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios americanos. O método
usado por ele para estudar a organização social dessas tribos chama-se estruturalismo. “Estruturalismo”,
diz Lévi-Strauss, “é a procura por harmonias inovadoras”. Suas pesquisas, iniciadas a partir de premissas
linguísticas, deram à ciência contemporânea a teoria de como a mente humana trabalha. O indivíduo passa
do estado natural ao cultural enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, produz objetos etc. Nessa
passagem, o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro. Escreveu,
em “O Pensamento Selvagem”, que a língua é uma razão que tem suas razões - e estas são desconhecidas pelo
ser humano.Lévi-Strauss não vê o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma
espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta. Membro da
Academia de Ciências Francesa (1973), integrou também muitas academias científicas, em especial européias
e norte-americanas. Também tornou-se doutor honoris causa das universidades de Bruxelas, Oxford, Chicago,
Stirling, Upsala, Montréal, México, Québec, Zaïre, Visva Bharati, Yale, Harvard, Johns Hopkins e Columbia,
entre outras. Aos 97 anos, em 2005, recebeu o 17o
Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha. Declarou
na ocasião: “Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois sou
muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para
o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter
presente”.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u642.jhtm
26 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
encontrava muito distante da experiência diária da classe operária.
Constatam, neste momento, os professores: Raymond Williams,
Richard Hoggart e, depois, Stuart Hall, exatamente, os aporia da
razão ocidental eurocêntrica, que, interessada em ampliar seu
domínio, impôs uma cultura calcada, naquilo que Benedict Anderson
afirma em suas Comunidades Imaginadas (2003), na dualidade do
esquecer para lembrar. Isto é, esquecer a experiência do colonizado,
do trabalhador, do excluído, entretanto, lembrar a cultura dominante,
mesmo que essa não reflita uma experiência da coletividade.
Explicita-se, nesse momento, o fosso entre o conteúdo curricular pré-
determinado e as demandas diárias da classe operária. Tornou-se
necessária a ampliação do referido, sob pena de uma evasão em massa.
Tais assimetrias tenderam a se acentuar com o pós-colonialismo das
ex-colônias europeias, em seus desdobramentos, como as diásporas
e o multiculturalismo, além do movimento feminista e, em 1968,
do estudantil. Tais ações aparentemente desconexas guardam,
entretanto, grandes convergências, na medida em que pretendem
colocar por terra toda uma hegemonia que legitimou o próprio conceito
de razão, vindo desde a Antiguidade Clássica, presa ao mundo das
Ideias. A tradição socrático-platônica e as religiões judaico-cristãs,
que, por sua vez, para se manterem, colocaram o mundo sempre
balizado em pares dicotômicos, cujo segundo elemento da díade, é
sempre visto em posição de falta, de demérito; justificando, dessa
forma, o avanço sobre continentes, o imperialismo europeu e, ao
mesmo tempo, o seu sistema patriarcal corrente.
	 Neste processo, as produções culturais de países periféricos
como o Brasil reforçaram, não poucas vezes, as narrativas hegemônicas
enquanto construções discursivas auto-centradas. Porém, a partir
do movimento modernista de 1922, houve uma valorização dos
elementos que fossem mais próximos de nossas raízes. O Manifesto
Antropofágico, enquanto resposta da nação híbrida, apresenta, por
seu turno, uma perspectiva que foge ao etnocentrismo europeu, ainda
que, em certa medida, o europeu permaneça como referência. Oswald
de Andrade propõe o matriarcado de Pindorama, como solução ao
concerto das noções ocidentais. Estudos etnográficos feitos por Lévi-
Strauss, em Antropologia Estrutural (1975), em uma perspectiva
estruturalista, chegam a criticar o etnocentrismo europeu, mas, ao
mesmo tempo, o defendem: “não é menos verdadeiro que [...] a
civilização ocidental mostrou-se mais cumulativa do que as outras”
(LÉVI-STRAUSS, 1975, p. 355). Acrescentando, que “toda história é
cumulativa, com diferenças de graus” (LÉVI-STRAUSS, 1975, p. 357).
	 Entretanto, a partir dos pós-estruturalistas, dos estudos
27Letras VernáculasUESC
Aula1
culturais, dos movimentos feministas e do pós-colonialismo, metáforas
alternativas surgem como possibilidade de entendimento efetivo. É
preciso levar em conta que há um relacionamento estreito entre o
social e o simbólico, em que o jogo de poder se faz presente, não
através de ações, antes pela negociação de sentido, isto é, não são os
fatos políticos ou históricos que detêm em si o poder, mas a maneira
como cada um os concebe. Logo:
O baixo invade o alto, ofuscando a imposição
hierárquica; criando, não simplesmente o triunfo
e uma estética sobre a outra, mas aquelas formas
impuras e híbridas do grotesco; revelando a
interdependência do baixo com o alto e vice-versa, a
natureza inextricavelmente mista e ambivalente de
toda a vida cultural (HALL, 2003, p. 226).
	 Assim, a construção de cada limite funda-se no exercício
arbitrário do poder cultural, da significação e da exclusão, pautados
em uma tradição ou formação canônica, em uma clausura cultural
hierárquica. Esta hierarquia simbólica é contraditória em si mesma.
Hoje, na chamada globalização, convivemos com um Estado cada
vez mais minimalista, que se desvencilhou das funções do Estado-
nação, deixando, para os movimentos sociais de base e ONGs
nacionais e internacionais, o lugar antes ocupado por instâncias
de poder. Assistimos à queda das utopias, tanto de direita quanto
de esquerda, pois essas não foram capazes de gerar, de fato, o tão
esperado bem-estar para todos, ainda que a pretensão fosse, no caso
da direita, o pluribus unum, isto é, muitos vistos com um, quando
os limites territoriais e a línguas nacionais constituíam fortes marcos
identitários; e, no caso da esquerda, a eliminação das classes sociais,
com a valorização do proletariado. Levando-nos à constatação de que
o ideário iluminista Liberdade-Igualdade-Fraternidade só conseguiu
colocar-se em parte, pois o Estado burguês em nome da Liberdade e
da Igualdade, esqueceu a Fraternidade; por outro lado, o comunismo
privilegiou a Igualdade, com uma única classe social, mas obliterou
a Liberdade e a Fraternidade. Os movimentos sociais micrológicos
anunciam a possibilidade da vida plena, mas não sabemos se, de
fato, ela chega a todos.
	 Em contraposição à tradição estética da alta literatura,
reivindicaram os culturalistas, por seu turno, a ampliação
investigativa, ao denunciarem a pretensão do literário de estar imune
ao alarido das ruas, destacando, exatamente o cunho ideológico do
cânone e a possibilidade da relativização das hierarquias conceituais
que pré-determinaram a alta cultura, a cultura de massa e a cultura
28 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
popular, ainda que o aparato teórico dos estudos literários tenham
sido aplicados aos estudos de recepção midiática, no início das
investigações; atribuindo ao receptor da mensagem a função ativa
de mediador do sentido. É o que afirma Eduardo Coutinho em
Literatura Comparada na América Latina:
Para muitos estudiosos, não há na realidade um
discurso literário – a literatura é uma prática
discursiva intersubjetiva como muitas outras – e
sua especificidade, ou melhor, sua ‘literariedade’,
não passa de uma elaboração por razões de ordem
histórico-cultural (COUTINHO, 2003, p.71).
	 Logo, tal perspectiva acaba por desentronizar as chamadas
belas-letras, vistas abstraídas de uma contextualização maior,
pois, se a representação do chamado real constitui uma produção
discursiva, então, toda enunciação remete a um enunciado
comprometido com uma determinada formação ideológica, como
quer o pensamento pós-estruturalista.
	 A quebra do cânone advém exatamente da reprodutibilidade
técnica. E Walter Benjamin, nos anos quarenta do século passado,
quando os seguidores da Escola de Frankfurt atribuíam à técnica
algo danoso para a arte, esse sem ser apocalíptico, vê o cinema
e a fotografia, como um modo de democratizar a herança cultural
da humanidade, que ficou, por muitos séculos, restrita a uma
ritualística para poucos.
E o que falar hoje da arte digital, do grafite, da
performance e de outras manifestações artísticas?
A alta cultura encontra-se, paradoxalmente,
disseminada nas baixas esquinas do mundo: nos
viadutos de Nova York, na bolsa de valores de
Tóquio e no centro das maiores cidades brasileiras
(SOUZA, 2007, p.88).
	 Não há como negar o poder de exposição que a arte ganhou.
Logo, a desierarquização ocorre no próprio fazer artístico, porque
esse não pode ser visto desarticulado da cultura, no sentido pleno
da palavra, enquanto solução de existência encontrada por seres
humanos em condições específicas.
	 Assim, a fatura estética ganha em amplitude e desvencilha-
se, principalmente, da chamada erudita, da pecha do elitismo.
Por outro lado, a visão inovadora da abrangência do fenômeno
literário não tolda a sua dimensão artística. E a arte literária atual
e mesmo as outras formas de manifestação estética, nas palavras
SAIBA MAIS
Reprodutibilidade técni-
ca: ”A Obra de Arte na Era
de sua Reprodutibilidade
Técnica”, ensaio publicado
em 1936, é o mais conhecido
e citado dos textos do filó-
sofo alemão Walter Benjamin.
Benjamin discute nesse arti-
go as novas potencialidades
artísticas -- essencialmente
numa dimensão política --
decorrentes da reprodutibi-
lidade técnica. Em épocas
anteriores, a experiência da
obra de arte era condicio-
nada pela sua «aura», isto
é, pela distância e reverên-
cia que cada obra de arte,
na medida em que é única,
impõe ao observador. Pri-
meiro -- nas sociedades tra-
dicionais ou pré-modernas
-- pelo modo como vinha
associada ao ritual ou à ex-
periência religiosa; depois
-- com o advento da socie-
dade moderna burguesa --
pelo seu valor de distinção
social, contribuindo para
colocar num plano à parte
aqueles que podem aceder à
obra “autêntica”. O apareci-
mento e desenvolvimento de
formas de arte (começando
pela  fotografia) em que dei-
xa de fazer sentido distinguir
entre original e cópia traduz-
se no fim dessa “aura”, o
que liberta a arte para novas
possibilidades, tornando o
seu acesso mais democrático
e permitindo que esta con-
tribua para uma “politização
da estética” que contrarie a
“estetização da política” típi-
ca dos movimentos fascistas
e totalitários dominantes no
momento em que Benjamin
escreve esse ensaio.
Fonte: http://www.babylon.com/
definition/A_obra_de_arte_na_era_
de_sua_reprodutibilidade_t%C3%
A9cnica/Portuguese
29Letras VernáculasUESC
Aula1
PARACONHECERPARACONHECER
Lacan: para ele, o homem não é senhor da ordem do significante, e a ordem que o constitui
como homem se desestabiliza em favor de um mundo que lhe escapa. A afirmação segundo
a qual no homem “ isso fala”, porquanto “ o inconsciente é o discurso do Outro”, parece já
prefigurada nessa crítica do cogito. O “estágio do espelho” é a experiência de uma identifi-
cação fundamental e da conquista de uma imagem, a do corpo, que estrutura o “ Eu” antes
que o sujeito entre na dialética de identificação com outrem por meio da fala. A partir daí, a
criança sabe que o reflexo do espelho é uma imagem, e que essa imagem é sua. É a partir
dessa dialética entre ser e aparência que se efetua a conquista da identidade do sujeito por
meio de uma imagem total que antecipa a unidade do corpo. Se o homem pensa a ordem do
simbólico, é que ela está imersa em seu ser. Por isso, é suprema ilusão o indivíduo crer que
ele constituiu essa ordem, pois é só por participar dela que o sujeito também pode ingressar
no “ desfiladeiro radial da fala”.
Fonte: Dicionário de Obras Filosóficas. Denis Huisman. 2000, Martins Fontes pp.192-193.
Gramsci: Antonio Gramsci foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda
no século 20, co-fundador do Partido Comunista Italiano. Nascido em Ales, na Sardenha, em
uma família pobre e numerosa, filho de Francesco Gramsci, Antonio foi vítima, antes dos 2
anos, de uma doença que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. No entanto, foi
um estudante brilhante, e aos 21 anos conseguiu um prêmio para estudar Letras na univer-
sidade de Turim. Gramsci freqüentou os círculos socialistas e entrou para o Partido Socialista
em 1913. Transformou-se num jornalista notável, um escritor articulado da teoria política,
escrevendo para o “L´Avanti”, órgão oficial do Partido Socialista e para vários jornais socia-
listas na Itália. Em 1919, rompeu com o partido. Militou em comissões de fábrica e ajudou a
fundar o Partido Comunista Italiano em 1921, junto com Amadeo Bordiga. Gramsci escreveu
mais de 30 cadernos de história e análise durante a prisão. Conhecidas como “Cadernos do
Cárcere” e “Cartas do Cárcere”, contêm seu traço do nacionalismo italiano e algumas idéias
da teoria crítica e educacional. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma lin-
guagem cifrada, em torno de conceitos originais ou de expressões novas. Seus escritos têm
forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvol-
vidas. Suas noções de pedagogia crítica e instrução popular foram teorizadas e praticadas
décadas mais tarde por Paulo Freire no Brasil. Gramsci desacreditava de uma tomada do
poder que não fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os agentes princi-
pais dessas mudanças seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes,
para a conquista da cidadania, seria a escola. Gramsci promoveu o casamento das idéias de
Marx com as de Maquiavel, considerando o Partido Comunista o novo “Príncipe”, a quem o
pensador florentino renascentista dava conselhos para tomar e permanecer no poder. Para
Gramsci, mais ainda do que para Maquiavel, os fins justificam os meios e qualquer ato só
pode ser julgado a partir de sua utilidade para a revolução comunista.
Fonte: educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u379.jhtm
30 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
de Lyotard, em O pós-moderno (1988) têm a grande função de
repensar o paradigma da modernidade:
O artista ou o escritor pós-moderno está na posição
de um filósofo. Em princípio, o texto que ele escreve,
a obra que produz não são governados por regras
preestabelecidas, e não podem ser julgados segundo
um julgamento determinante, pela aplicação de
categorias comuns ao texto ou à obra. São essas
regras e categorias que a própria obra de arte está
buscando (1988, p.81).
	 Instaura-se, portanto, a troca de um conceito sociológico de
cultura pelo antropológico, na medida em que aquele se pautava em
toda sorte de hierarquizações, envolvendo continentes, classes sociais,
gêneros e etnias. A de cunho etnológico, entretanto, encontra-se mais
na linha de Montaigne quando, em seus Ensaios (1933), desconfia das
verdades sentenciosas que balizaram o chamado mundo civilizado.
	 Os Estudos Culturais vão, então, trazer do marxismo as
releituras feitas, entre outras, por Althusser de Pour Marx. O francês
confirma a noção da ideologia como falsa consciência, quando fala
acerca dos aparelhos ideológicos de estado, ainda que atribua ao
inconsciente a impossibilidade da plena identificação de sua origem.
A ideologia é bem um sistema de representações:
mas essas representações não têm na maior parte
do tempo nada a ver com a ‘consciência’: elas são
na maior parte do tempo imagens, muitas vezes,
conceitos, mas antes de mais nada como estruturas
que elas se impõem à imensa maioria dos homens
sem passar por suas ‘consciências’ (1975, p. 239-
240).
	 Entretanto, Althusser, como leitor de Lacan que foi, acaba
reforçando a posição deste, quando advoga o estágio do espelho
como a fase da identificação fundamental do eu. Para Lacan, como
revisionista de Freud, a experiência da conquista da imagem do corpo
se dá pela projeção de uma imagem oriunda de um outro com o qual
a criança de identifica, saindo, assim, da dispersão pânica para entrar
na ordem do simbólico. A entrada na ordem no simbólico é, do ponto
de vista psicológico, sempre uma compensação.
	 Então, voltando à revisão que Althusser fez de Marx, vamos
buscar nos românticos e consequentemente, em críticos dialéticos
como T.W. Adorno, Hebert Marcuse, Walter Benjamin, Ernest Bloch,
George Lukács, Lucien Goldmann e o existencialista Jean-Paul Sartre,
o conceito de mediação, de um sujeito cognoscente, no uso de sua
31Letras VernáculasUESC
Aula1
razão, ainda que essa esteja atravessada pelo psicológico. E os Estudos
Culturais retomam esse conteúdo romântico, ao trabalharem em seus
primeiros estudos com a noção de resistência/negociação de Gramsci
presentes na decodificação das mensagens veiculadas pela mídia,
atravessados pelo contexto sócioeconômico do receptor, quando esse
atribui sentido ao que é veiculado pela mídia em consonância com
sua classe, gênero e etnia, em contraposição à ideologia dominante.
Gramsci propõe a troca da hegemonia do capitalismo através da
percepção - percebida através das várias mediações feitas não
somente pelo produtor, mas sobremodo pelo receptor da mensagem
- de que não há uma imposição de uma classe sobre as outras, antes
uma forma de adesão; cabendo aos intelectuais orgânicos, saídos
das classes dominadas, a tarefa de elaborar a sua própria visão de
mundo, tornando o senso comum em bom senso, unindo, assim, a
ação revolucionária à transformação intelectual.
	 Nessa perspectiva, a ideologia, enquanto produção discursiva,
está para o imaginário (= a fase do espelho para Lacan) e o uso que
o ser humano faz dessa, só ocorre através da linguagem - nesta
contida a cultura -, advinda da entrada do eu na ordem do simbólico,
enquanto tomada de consciência, que, em algum momento, pode ter
sido negada ao falante. Tal fato desencadeia a possibilidade efetiva
da dialética, enquanto primado da mudança, e, ao mesmo tempo,
coloca a necessidade de um outro em interação com um eu como pré-
condição para a existência da arquitetura psíquica do sujeito, como
viabilizadora da sua inserção no simbólico.
	 Se as belas letras tiveram a pretensão de esvaecer o vínculo
do artístico com a série social, através do docere cum delectare,
estavam, na verdade, escamoteando uma intenção ideológica, de
transmissão de valores interessantes à manutenção do status quo.
	 O conteúdo veiculado em uma obra não é, evidentemente,
a partir do nada, antes está em constante interação com a cultura,
como moral, com as formas de relação afetiva, com os dados sócio-
econômico-culturais, em síntese, com o ethos que lhe deu origem. O
que não podemos é destituir o literário, o artístico, ou qualquer forma
de manifestação de cultura, de um modo geral, de sua condição em
tranversalidade com o externo que lhe dá origem.
	 Hoje, por outro lado, vivemos direcionados pela imagem, pelo
ícone, levando-nos a acreditar que as atuais agências de propaganda
são as verdadeiras depositárias dos velhos manuais de estilo e
estética que balizaram a escrita artística anterior e, ao mesmo tempo,
assistimos à dissolução do autor na medida em que as produções
artístico-tecnológicas ocorrem em equipe e todos os envolvidos
Docere cum delectare:
termo latino que quer di-
zer “Ensinar deleitando”.
Trata-se da arte vista em
seu duplo sentido, isto
é, veículo de valores de
uma tradição e, ao mes-
mo tempo, e elemento
capaz de despertar o
prazer estético.
Status quo: Estado em
que se encontra
Fonte: http://www.mun-
dodosfilosofos.com.br/la-
tim.htm#S
Belas Letras: conjunto
formado por gramática,
eloquência, poesia, lite-
ratura e história
Fonte: http://www.info-
pedia.pt/lingua-portugue-
sa/belas-letras
32 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
assinam o produto final, inclusive o receptor que promove a completude
de sentido; da mesma forma que tais produções não estão imunes à
lógica capitalista da globalização. Existe, tal qual a produção artística,
desde a Antiguidade Clássica, interesses ideológicos subjacentes que
vão muito além da fatura estética, deixando em nós uma sombra de
dúvida diante do otimismo dos culturalistas.
	 Tais posições têm levado os pesquisadores em literatura,
adeptos das correntes mais atuais, a se posicionarem pela inclusão,
em suas análises, de produções culturais, antes não contempladas
no rol do cânone literário, como letras de música, clips televisivos,
filmes, cordel, entre outras. Vejamos o que nos diz, acerca dessa
temática, Eneida Maria de Souza, em sua obra Crítica Cult (2007):
No final da década de 1990, passados precisamente
21 anos do ‘IV Encontro de professores de Literatura’, um
dos traços mais fortes do discurso crítico é a gradativa
diluição dos marcos teóricos, causada pela vertente
pós-estruturalista e pelas inclinações pós-modernas da
crítica. Após o boom teórico e metodológico que dominou
os estudos literários a partir dos anos 1960, procede-
se à revalorização da história e ao exercício da prática
interdisciplinar e cultural. Tendências de ordem revisionista
irão ainda dominar o cenário teórico do nosso tempo,
ficando os discursos sujeitos a balanços e releituras [...].
A crise das ideologias e da representação, o desencanto
diante da sedução dos grandes relatos emancipatórios
iriam naturalmente influenciar o papel até então exercido
pela instituição universitária quanto à natureza de sua
produção. A proliferação de outros meios de divulgação do
saber, como as revistas culturais, os jornais e a televisão
irá acarretar transformações no discurso crítico (2007, p.
19-20).
	 Nesta ocasião, os debatedores fizeram um balanço da produ-
ção universitária, oriunda de mestrados e doutorados, em Literatura,
no Brasil, a partir de dissertações e de teses, defendidas na década
de 1970.
	 Nas próximas aulas, vamos analisar poemas de escritores da
Literatura Brasileira e da Literatura Portuguesa, que tenham traba-
lhado com temáticas comuns, sem estabelecer hierarquias, de fontes
e influências, de lugar de origem ou, muito menos, de ordem crono-
lógica de publicação. Neste sentido, optamos por entender a Litera-
tura de um país como o Brasil, como tributária sim, de uma herança
europeia, mas autônoma em suas soluções estéticas e em arranjos
formais.
33Letras VernáculasUESC
Aula1
ATIVIDADE
1.	 Como começou a Literatura Comparada?
2.	 Qual o vínculo da Literatura Comparada com o cânone literário?
3.	 Explique o que é considerado como belas letras.
4.	 Por que hoje se pensa diferente em relação à Literatura do passado?
5. O que foi chamado de cânone, no passado, para se referir às obras literárias?
6. O que Stuart Hall quis dizer com:
O baixo invade o alto, ofuscando a imposição hierárquica; criando, não
simplesmente o triunfo e uma estética sobre a outra, mas aquelas
formas impuras e híbridas do grotesco; revelando a interdependência
do baixo com o alto e vice-versa, a natureza inextricavelmente mista e
ambivalente de toda a vida cultural (HALL, 2003, p. 226).
7. Que produtos culturais podem ser incluídos no rol dos estudos da Literatura
Comparada hoje?
RESUMINDO
Foram mostrados a você conceitos acerca da Literatura Comparada; da
noção do cânone à sua queda, com a valorização de outras produções
de cultura que não a literária.
LEITURA RECOMENDADA
Capítulo “Fronteiras Imaginadas: o comparativismo e suas relações com a Teoria,
a Crítica e a Historiografia,” in: Literatura Comparada na América Latina de Eduardo
Coutinho, p.69 a 79.
Capítulo “Literatura Comparada”, in: Novo Manual de Teoria Literária, de Rogel Sa-
muel, p. 99 a 105.
Capítulo “Comparativismo”, in: Teoria da Literatura “ Revisitada” de Magaly Trinda-
de Gonçalves e Zina C. Bellodi, p. 196 a 199.
34 Módulo 4 I Volume 1 EAD
História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de
Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Lisboa: Rei dos Livros, 2002.
COUTINHO, Eduardo. Literatura Comparada na América Latina. Rio de
Janeiro: Eduerj, 2003.
CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina.
Tradução de Teodoro Cabral. Rio de Janeiro: INL,1957.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luis Felipe Baeta
Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.
GONÇALVES, Maria Magaly Trindade; BELLODI, Zina. C. Teoria da Literatura
“revisitada”. Petrópolis: Vozes, 2005.
HALL, Suart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik;
Adelaine La Guardia Resende et al. (trad.) Belo Horizonte: UFMG; Brasília:
UNESCO, 2003.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Tradução de Lilian
Shalders. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
LYOTARD, Jean-François. O Pós-Moderno. Tradução de Ricardo Correa
Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.
NITRINI, Sandra. Literatura Comparada. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2000.
PLATÃO. A República. Tradução de Jair Lot Vieira. São Paulo: EDIPRO, 1994
SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2005.
SILVA, Vitor Manuel de A. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina,1975.
SOUZA, Eneida Maria de. Crítica cult. Belo Horizonte: Editora UFMG,2007.
35Letras VernáculasUESC
Aula1
Suas anotações
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aula
Ao final desta Aula II, você deverá saber
identificar o que é a metapoesia.
Objetivos
METAPOESIA
2
AULA 2
METAPOESIA
1	 INTRODUÇÃO
	 Nesta aula II, vamos trabalhar com poesias que tematizam o
próprio fazer poético, - em alusão à função metalinguística, estudada
Roman Jakobson, centrada no código - com desdobramento para
a ação do poeta diante do seu elemento de trabalho e em relação
ao mundo. Tais opções devem-se sobremodo aos contextos em que
viveram, que vai de uma total sujeição aos modelos anteriores, à
emancipação do fazer poético e mesmo à intervenção do eu poético
diante do mundo.
39Letras VernáculasUESC
Aula2
PARACONHECER
Olavo Bilac
Olavo Braz Martins dos Guimarães foi jornalista, poeta, inspetor de ensino.
Nasceu no Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 1865, e faleceu, na mesma
cidade, em 28 de dezembro de 1918. Um dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras, criou a Cadeira nº 15, que tem como patrono Gonçalves Dias. Após os
estudos primários e secundários, matriculou-se na Faculdade de Medicina no Rio
de Janeiro, mas desistiu no 4º ano. Tentou, a seguir, o curso de Direito, em São
Paulo, mas não passou do primeiro ano. Dedicou-se desde cedo ao jornalismo e
à literatura. Teve intensa participação na política e em campanhas cívicas, das
quais a mais famosa foi em favor do serviço militar obrigatório. Fundou vários
jornais, de vida mais ou menos efêmera, como A Cigarra, O Meio, A Rua. Na seção
“Semana” da Gazeta de Notícias, substituiu Machado de Assis, trabalhando ali
durante anos. É o autor da letra do Hino à Bandeira. Fazendo jornalismo político
nos começos da República, foi um dos perseguidos por Floriano Peixoto. Teve que se esconder em Minas
Gerais, quando freqüentou a casa de Afonso Arinos em Ouro Preto. No regresso ao Rio, foi preso. Em 1891,
foi nomeado oficial da Secretaria do Interior do Estado do Rio. Em 1898, inspetor escolar do Distrito Federal,
cargo em que se aposentou, pouco antes de falecer. Foi também delegado em conferências diplomáticas
e, em 1907, secretário do prefeito do Distrito Federal. Em 1916, fundou a Liga de Defesa Nacional. Sua
obra poética enquadra-se no Parnasianismo, que teve na década de 1880 a fase mais fecunda. Embora
não tenha sido o primeiro a caracterizar o movimento parnasiano, pois só em 1888 publicou Poesias, Olavo
Bilac tornou-se o mais típico dos parnasianos brasileiros, ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.
Fundindo o Parnasianismo francês e a tradição lusitana, Olavo Bilac deu preferência às formas fixas do
lirismo, especialmente ao soneto. Nas duas primeiras décadas do século XX, seus sonetos de chave de ouro
eram decorados e declamados em toda parte, nos saraus e salões literários comuns na época. Nas Poesias
encontram-se os famosos sonetos de “Via-Láctea” e a “Profissão de Fé”, na qual codificou o seu credo
estético, que se distingue pelo culto do estilo, pela pureza da forma e da linguagem e pela simplicidade como
resultado do lavor. Ao lado do poeta lírico, há nele um poeta de tonalidade épica, de que é expressão o poema
“O caçador de esmeraldas”, celebrando os feitos, a desilusão e morte do bandeirante Fernão Dias Pais. Bilac
foi, no seu tempo, um dos poetas brasileiros mais populares e mais lidos do país, tendo sido eleito o “Príncipe
dos Poetas Brasileiros”, no concurso que a revista Fon-Fon lançou em 1o de março de 1913. Alguns anos mais
tarde, os poetas parnasianos seriam o principal alvo do Modernismo. Apesar da reação modernista contra
a sua poesia, Olavo Bilac tem lugar de destaque na literatura brasileira, como dos mais típicos e perfeitos
dentro do Parnasianismo brasileiro. Foi notável conferencista, numa época de moda das conferências, no Rio
de Janeiro, e produziu também contos, crônicas e obras didáticas. Obras: Poesias (1888); Crônicas e novelas
(1894); Crítica e fantasia (1904); Conferências literárias (1906); Dicionário de rimas (1913); Tratado de
versificação (1910); Ironia e piedade, crônicas (1916); Tarde (1919); Poesia, org. de Alceu Amoroso Lima
(1957).
Fonte: www.academia.org.br
Enjambemant: termo francês para um processo poético que consiste no desalinhamento da
estrutura métrica e sintática de uma composição, onde os versos se sucedem entre si sem
pausas no final de cada um. É normalmente traduzido para o português por encavalgamento,
por tradução direta do espanhol encabalgamiento. O processo de continuação do sentido de
um verso no verso seguinte produz versos corridos, característica de muitas composições
da nossa lírica galego-portuguesa (não significando que seja dela exclusivo, pois desde a
poesia homérica que o enjanbement pode ser identificado). Trata-se de uma alternativa ao
paralelismo tradicional e podemos testemunhá-la em cantigas de atafinda (que conduzem
ininteruptamente o pensamento “até à finda” do poema), como a célebre “Quer’ eu en
maneira de proençal / fazer agora un cantar d’amor”. Embora largamente utilizado já pelos
poetas renascentistas e maneiristas, só a partir de André Chénier (1764-1811) o processo
voltou a ganhar simpatia entre os poetas. Os poetas românticos utilizam-no com alguma
frequência, mas só a partir da poesia modernista o processo de encadeamento dos versos se
vulgarizou. Hoje são raras as composições que ainda obedecem a um alinhamento rigoroso
dos versos e da sintaxe do poema.
Fonte: www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/.../enjanbement.htm
Figura: Olavo Bilac
Fonte: http://commons.wikimedia.
org/wiki/File:Olavo_bilac.gif
40 Módulo 4 I Volume 1 EAD
MetapoesiaLiteratura Comparada I
2	 METAPOESIA
	 O soneto abaixo reproduzido é do poeta do Parnasianismo
brasileiro Olavo Bilac. Por se tratar de um poema de forma fixa,
dispõe-se de dois quartetos e dois tercetos:
A Um Poeta
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego
Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
(Olavo Bilac)
	 O poema apresenta-se em versos decassílabos, com rimas
encadeadas, assim dispostas: rua-sua, aconchego-sossego; empre-
go-grego, construa-nua; suplício-edifício-artifício; agrade-verdade-
simplicidade; respectivamente, ABBA, BAAB, CDC, DCD. Ainda em
relação ao nível fônico, ocorre o uso reiterado do polissíndeto, isto
é, da conjunção aditiva e, em: “Trabalha e teima, e lima, e sofre, e
sua!”; do cavalgamento ou enjambemant, entre outros, em: “Bene-
ditino escreve! No aconchego/Do claustro,...” ou “Não se mostre na
fábrica o suplicio/Do mestre...”.
	 No nível do conteúdo, o eu poético volta-se para o modelo
clássico greco-romano de poetar, pois, inclusive, compara o esforço
do poeta a um “templo grego”, deixando claro para o leitor que o
poeta deve ser um ser enclausurado, como vivem os monges (= so-
litários) da ordem de São Bento. Reforça a ideia de que o poema não
é produto de inspiração, mas de trabalho: “Não se mostre na fábrica
41Letras VernáculasUESC
Aula2
o suplicio/ Do mestre. E natural, o efeito agrade/ Sem lembrar os
andaimes do edifício”. Assim, o poema deve aparentar simplicidade,
a partir do sacrifício, e, para obter o alcance da “... Beleza, gêmea
da Verdade”. Tais conceitos etnocêntricos guardam a noção do Belo
para os gregos, que, por sua vez, se associa ao Justo; sem esquecer
a presença do forte componente platônico de que a Verdade está re-
servada somente aos que deixam o mundo das sombras, do sensível.
	 Veja agora o soneto A um poeta do poeta do realismo português
Antero de Quental:
A um poeta
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.
Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só o aceno...
Escuta! É a grande voz das multidões,
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
(Antero de Quental)
	 Como o poema de Olavo Bilac, já analisado, o de Antero de
Quental estrutura-se, no nível fônico, com regularidade métrica,
estrófica e das rimas encadeadas. No nível do conteúdo, por outro
lado, distancia-se do parnasiano, uma vez que o poeta, que dorme
como um levita, nômade, que vaga pelos desertos, e tem o espírito
sereno “Posto à sombra dos cedros seculares,/ Como um levita à
sombra dos altares,/ Longe da luta e do fragor terreno”. Mas deve
ter um outro comportamento diante dos problemas do mundo e não
ficar “Longe do estéril turbilhão da rua,” como afirma Bilac. O poeta
PARA CONHECER
Antero de Quental: An-
tero Tarquínio de Quental
nasceu em Ponta Delgada,
em Portugal, no dia 18 de
abril de 1842. Desenvolveu
uma intensa atividade no
campo da escrita, da políti-
ca e da produção de ideias.
Dotado de uma personali-
dade complexa, sofreu as
oscilações de um caráter
rico com uma expressão
evidente na sua obra poé-
tica. Com efeito, Quental
desenvolveu uma ativida-
de intervencionista que se
traduziu numa intensa ativi-
dade crítica. O poeta filóso-
fo acreditava no progresso
social que só poderia ser
uma realidade com a im-
plantação do socialismo. A
par do seu lado combativo,
Antero é um homem que
na sua ânsia de infinitude,
procura através da filoso-
fia descobrir os mistérios
existenciais. Faleceu no dia
11 de setembro de 1891.
Obras da primeira fase –
romântico-realista: Odes
modernas (1865); Prima-
veras românticas (1872) e
Raios de extinta luz (1892).
Segunda fase: inquietações
metafísicas – parte dos So-
netos completos.
Fonte: http://www.citi.pt/
cultura/literatura/poesia/
quental/index.html
42 Módulo 4 I Volume 1 EAD
MetapoesiaLiteratura Comparada I
não pode mais deter-se na sua “torre de marfim”, como se fosse
imune aos problemas da vida. O eu poético exorta o poeta a tornar-
se soldado do Futuro e fazer do sonho, do devaneio “a espada de
combate”, isto é, deve tornar-se solidário à multidão, aos irmãos que
cantam hinos de guerra.
	 O poema A Flor e a Náusea de Carlos Drummond de
Andrade, a ser analisado, encarna a necessidade da participação do
poeta diante do mundo. Trata-se de eu poético, alargado, que ganha
a dimensão de um nós.
A Flor e a Náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me’?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, aluci-
nações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, considera-
das sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
43Letras VernáculasUESC
Aula2
PARACONHECER
Drummond: Carlos Drummond de Andrade nasceu em
ltabira (MG) em 1902. Fez os estudos secundários em Belo
Horizonte, num colégio interno, onde permaneceu até que
um período de doença levou-o de novo para ltabira. Voltou
para outro internato, desta vez, em Nova Friburgo, no estado
do Rio de Janeiro. Pouco ficaria nessa escola: acusado de
“insubordinação mental” - sabe-se lá o que poderia ser isso! -,
foi expulso do colégio. Em 1921, começou a colaborar com o
Diário de Minas. Em 1925, diplomou-se em farmácia, profissão
pela qual demonstrou pouco interesse. Nessa época, já
redator do Diário de Minas, tinha contato com os modernistas
de São Paulo. Na Revista de Antropofagia publicou, em
1928, o poema “No meio do caminho”, que provocaria muito
comentário. Ingressou no funcionalismo público e em 1934
mudou-se para o Rio de Janeiro. Em agosto de 1987 morreu-
lhe a única filha, Julieta. Doze dias depois, o poeta faleceu.
Tinha publicado vários livros de poesia e obras em prosa -
principalmente crônica. Em vida, já era consagrado como
o maior poeta brasileiro de todos os tempos. O nome de
Drummond está associado ao que se fez de melhor na poesia
brasileira. Pela grandiosidade e pela qualidade, sua obra não
permite qualquer tipo de análise esquemática.
Para compreender e, sobretudo, sentir a obra desse escritor,
o melhor caminho é ler o maior número possível de seus
poemas. Muitos poemas de Drummond funcionam como denúncia da opressão que marcou o período da
Segunda Grande Guerra. A temática social, resultante de uma visão dolorosa e penetrante da realidade,
predomina em Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945), obras que não fogem a uma
tendência observável em todo o mundo, na época: a literatura comprometida com a denúncia da ascensão
do nazi-fascismo. A consciência do tenso momento histórico produz a indagação filosófica sobre o sentido
da vida, pergunta para a qual o poeta só encontra uma resposta pessimista. O passado ressurge muitas
vezes na poesia de Drummond e sempre como antítese para uma realidade presente. A terra natal - ltabira
- transforma-se então no símbolo da atmosfera cultural e afetiva vivida pelo poeta. Nos primeiros livros, a
ironia predominava na observação desse passado; mais tarde, o que vale são as impressões gravadas na
memória. Transformar essas impressões em poemas significa reinterpretar o passado com novos olhos.
O tom agora é afetuoso, não mais irônico. Da análise de sua experiência individual, da convivência com
outros homens e do momento histórico, resulta a constatação de que o ser humano luta sempre para
sair do isolamento, da solidão. Neste contexto questiona-se a existência de Deus. Nos primeiros livros
de Drummond, o amor merece tratamento irônico. Mais tarde, o poeta procura capturar a essência desse
sentimento e só encontra - como Camões e outros - as contradições, que se revelam no antagonismo entre
o definitivo e o passageiro, o prazer e a dor. No entanto, essas contradições não destituem o amor de sua
condição de sentimento maior. A ausência do amor é a negação da própria vida. O amor-desejo, paixão,
vai aparecer com mais freqüência nos últimos livros. Depois da morte de Drummond, reuniu-se no livro
O amor natural uma série de poemas eróticos mantidos em sigilo e que foram associados a um suposto
caso extraconjugal mantido pelo poeta. Verdadeiro ou não o caso, interessa é que se trata de poemas bem
audaciosos, em que se explora o aspecto físico do amor. Alguns verão pornografia nestes poemas; outros,
o erotismo transformado em linguagem da melhor qualidade poética. Metalinguagem: a reflexão sobre o
ato de escrever fez parte das preocupações do poeta. O tempo é um dos aspectos que concede unidade
à poesia de Drummond: o tempo passado, o presente e o futuro como tema. Toda a trajetória do poeta -
qualquer que seja o assunto tratado - marca-se por uma tentativa de conhecer-se a si mesmo e aos outros
homens, através da volta ao passado, da adesão ao presente e da projeção num futuro possível. O passado
renasce nas reminiscências da infância, da adolescência e da terra natal. A adesão ao presente concretiza-
se quando o poeta se compromete com a sua realidade histórica (poesia social). O tempo futuro aparece
na expectativa de um mundo melhor, resultante da cooperação entre todos os homens. Obras: Poesia:
Alguma poesia (1930); Brejo das almas (1934); Sentimento do mundo (1940); Poesias (1942); A rosa
do povo (1945); Claro enigma (1951); Viola de bolso (1952); Fazendeiro do ar (1954); A vida passada a
limpo (1959); Lição de coisas (1962); Boitempo (1968); As impurezas do branco (1973); A paixão medida
(1980); Corpo (1984); Amar se aprende amando (1985); O amor natural (1992). Prosa: Confissões de
Minas (1944) - ensaios e crônicas; Contos de aprendiz (1951); Passeios na ilha (1952) - ensaios e crônicas;
Fala, amendoeira (1957) - crônicas; A bolsa e a vida (1962) - crônicas e poemas; Cadeira de balanço
(1970); O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso (1972) - crônicas; Boca de luar (1984) -
crônicas; Tempo vida poesia (1986).
Fonte: www.culturabrasil.pro.br/cda.htm
Figura - Carlos Drummond de Andrade
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carlos_
Drummond_de_Andrade,_kapo.jpg
44 Módulo 4 I Volume 1 EAD
MetapoesiaLiteratura Comparada I
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do
tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco
horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegu-
ra.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolu-
mam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar,
galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o
nojo e o ódio.
(Carlos Drummond de Andrade)
	 Décio Pignatari, poeta do concretismo brasileiro e estudioso
da obra drummondiana, em A Situação Atual da Poesia no Brasil
(1971), diz que, a partir de 1945, o poeta dá o salto para a poesia-
participação; fazendo com que o verso ganhasse uma dimensão
mais da prosa; aliás, algo iniciado ainda no século XIX, como viu
o poeta francês Mallarmé, em 1897, na obra Um coup de dés (Um
golpe de sorte), ao identificar o simbolismo como a última manifes-
tação da poesia. Ainda nas palavras do concretista:
A crise do artesanato, no século XIX, é a crise
do artista, que não encontra mais função na
sociedade utilitária. Interioriza a crise e exterioriza
no próprio fazer-a-sua-arte. Na areia movediça,
45Letras VernáculasUESC
Aula2
PARACONHECER
Mallarmé: Stéphane Mallarmé é um importante nome do simbolismo na poesia francesa. Influenciado
por Charles Baudelaire, valoriza o artifício de inverter a sintaxe das frases para ressaltar a dificuldade
como elemento principal. <http://www.algosobre.com.br/images/stories/assuntos/biografias/Stephane Mallarme.
jpg>. Nasce em Paris e, em 1862, vai para Londres especializar-se em inglês. Volta a Paris um ano depois
e funda, em 1874, a revista A Última Moda, na qual escreve sobre estética literária. Colabora no jornal Le
Parnasse Contemporain, criando os poemas da primeira fase de sua carreira, influenciado por As Flores do
Mal, de Baudelaire, editado na mesma época. No Parnasse, mostra poemas que se tornam famosos, como A
Tarde de um Fauno, cuja inversão sintática atinge a incompreensão, na opinião de editores que se recusam
a lançar a obra. Em 1897, publica na revista Cosmopolis o poema Um Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso,
considerado seu trabalho mais importante, que ocupa o espaço de uma página dupla e é composto em
caracteres e tamanho de letras diferentes, podendo ser lido de inúmeras formas simultaneamente. A obra
é uma metáfora de suas indagações.
Fonte: <http://www.algosobre.com.br/biografias/stephane-mallarme.html>
Baudelaire: Charles-Pierre Baudelaire nasceu em Paris, no dia 9 de abril de
1821. Numa infância e adolescência atormentada, viu-se órfão do pai aos seis
anos, e passou a odiar o segundo marido de sua mãe, o general Aupick. Após
anos de desavenças com o padrasto, Baudelaire interrompeu seus estudos em
Lyon para iniciar uma viagem à Índia. Ao regressar, participou da revolução de
1848 e logo após dissipou seus bens em meio à boemia e à jogatina parisiense.
Lá conheceu personalidades como Mme. Sabatier, Marie Daubrun, e uma de suas
musas, a atriz Jeanne Duval. Submerso em dívidas, Baudelaire foi submetido
a um conselho judiciário iniciado por seus familiares. Assim, o tutor Ancelle foi
nomeado para controlar os gastos do escritor. Um fato marcante na vida de
Baudelaire, deu-se em 1857 com a publicação de As Flores do Mal (Les Fleurs
du Mal). Este, que é o maior título de sua carreira, contém poesias que datam
de 1841. Esta obra rendeu-lhe um processo pelo tribunal correcional do Sena;
uma multa por atentar à moral e aos bons costumes, além de ser obrigado a
retirar seis poemas (poesies damnées) do volume original, sendo publicado na íntegra apenas nas edições
póstumas, em 1911. Baudelaire também foi alvo da hostilidade da imprensa, que o julgava um subproduto
degenerado do romantismo. Porém, sua carreira foi admirada e elogiada por Vitor Hugo e Gustave Flaubert,
entre outros. Tanto As Flores do Mal como Pequenos Poemas em Prosa (Petits Poèmes en Prose, que depois seria
intitulado Le Spleen de Paris) foram publicados em revistas desde 1861, e introduziram novos elementos
na linguagem poética, fundindo os opostos existenciais como o sublime e o grotesco, e explorando as
analogias ocultas do universo. Baudelaire foi o escritor que avançou as fronteiras dos costumes em sua
época, lançando-se também como crítico de arte no Salon de 1845. Nesse momento, o poeta tornava-se
um crítico que buscava um princípio inspirador e coerente nas obras de arte. Os escritos que o revelam
nesse segmento A arte Romântica e Curiosidades Estéticas só foram publicadas em 1868. Baudelaire atuou
também como tradutor de Allan Poe a partir de 1848. Entre seus ensaios, destaca-se O Princípio Poético
(1876), onde as bases de sua poética foram fixadas.Um outro Charles-Pierre Baudelaire é revelado em
Os Paraísos Artificiais, ópio e haxixe (1860), uma especulação sobre plantas alucinógenas, parcialmente
inspirada na obra de Thomas de Quincey, Confissões de um Comedor de Ópio. Encontram-se também obras
de cunho intimista e confessional, como Meu Coração Desnudo e Diários Íntimos. Baudelaire é tido como um
dos maiores poetas da França de todos os tempos. Alguns o consideram um ensaísta do parnasianismo,
ou um romântico exacerbado. De atuação ousada, tornou-se um ícone no século XX influenciando a poesia
mundial de tendências simbolistas. De sua obra, derivam Rimbaud, Verlaine e Mallarmé. Baudelaire foi
precursor de uma linguagem moderna no romantismo, concedendo à realidade uma submissão lírica.
Assim, sua poesia é marcada pela contradição; de um lado via-se um herdeiro do romantismo obscuro
de Allan Poe e Gerard de Neval, e de outro, o poeta que se opôs ao sentimentalismo redundante do
romantismo francês. Seus últimos anos foram obscurecidos por doenças de origem nervosa. Após uma vida repleta
de atribulações, Baudelaire morreu em Paris, no dia 31 de agosto de 1867 nos braços de sua mãe, acometido pela
paralisia geral. Seu talento, capacidade intelectual e percepção romântica, só foram totalmente apreciadas após sua
morte.
Fonte: http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/baudelaire.htm
PARACONHECER
Figura: Charles-Pierre Baudelaire
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Charles_Baudelaire.jpg
46 Módulo 4 I Volume 1 EAD
MetapoesiaLiteratura Comparada I
deseja ‘conservar’, como que num instinto de defesa
‘artesanal’, e quanto mais deseja conservar, mais
parece acelerar a dissolvência da própria obra.
Instalam-se nele a mauvaise conscience e a atitude
reflexiva, crítico-analítica, não só diante da própria
obra, como face à vida, em busca de novas formas-
conteúdo [...] ( 1967, p.42-43).
	 Logo, no poema em análise, Drummond coloca uma espécie
de programa poético, e vai, ao longo do mesmo, contrapondo-se ao
que foi a poesia no passado e aquela pela qual opta. O poeta mineiro
pode ser visto na linha sucessória de Baudelaire, ao incorporar a
seu texto o spleen, o mal-estar diante da vida, que já não guarda a
aparente harmonia do passado, devido a experiências desagradáveis
causadas a humanidade por guerra, revolução, miséria, discórdia.
Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir ate o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
	
	 O poeta está preso à sua classe de poetas e sente melancolias,
mas pergunta se pode revoltar-se, ainda que sem armas.
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
	 O tempo é pobre, como o poeta também e fundem-se no
mesmo impasse. O relógio, símbolo do controle racionalista disciplinar
da Modernidade, não foi capaz de gerar um tempo de completa justiça,
por isso, é ainda de fezes, de maus poemas, alucinações, espera e
pobre como o próprio poeta.
Em vão me tento explicar, os muros são sur-
dos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, conside-
radas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
47Letras VernáculasUESC
Aula2
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
	 O poeta se solidariza com todos os homens que, como ele, não
têm nenhum problema resolvido, sequer colocado, porque sempre
soletram o mundo através da leitura de jornais, ficando impotentes,
“sabendo que o perdem”. A vacuidade da vida está por toda parte e
nada tem sentido: As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas
sem ênfase. Há como uma antropomorfização das coisas, que se
tomam tristes. Em uma sociedade que prioriza o capital, tudo vira
mercadoria e a própria poesia toma-se cifras e códigos sob a pele das
palavras.
	 Há, portanto, um novo lugar a ser ocupado pelo poético, produto
de uma crise, que se torna auto-referencial e, ao mesmo tempo,
referencial de um mundo que já não inspira repouso e harmonia,
próprios de um tempo, se assim podemos chamar, metafísico.
Notamos que o poeta se revolta e deseja vomitar esse tédio sobre a
cidade e ainda mais:
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
	 Assumindo este ódio, esta não comunhão com atos que
desumanizam, pode dar “a poucos uma esperança mínima” de um
devir melhor e, por isso, é capaz de enxergar uma saída para o
homem, visto que:
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço
do trapézio.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe
o asfalto.
Façam completo silencio, paralisem os
negócios,
Garanto que uma flor nasceu.
Sua cor, não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não esta nos livros.
48 Módulo 4 I Volume 1 EAD
MetapoesiaLiteratura Comparada I
Sendo, portanto, a flor, sinônimo de possibilidade, ainda que
seja qualificada por atributos plenos de negatividade: “é desbotada”,
“imperceptível” “suas pétalas não se abrem”, “É feia. Mas é realmente
uma flor.” “E nasce, não em um jardim, vaso ou jardineira, mas
grotescamente na rua! [...] rompe o asfalto”.
	 Esta visão do vir-a-ser, estilhaça carnavalescamente, como
diria Bakhtin, com a norma do discurso monológico e impõe uma
outra perspectiva à norma oficial, pois trabalha com uma lógica
transgressora, relativizando, dialogicamente, verdades sentenciosas
capazes de excluir outras vozes. Estabelecendo, poeticamente,
desse modo, uma síntese dialética entre passado: “Ao menino de
1918 chamavam anarquista,” no presente: “Porém o meu ódio é o
melhor de mim” e no futuro: “Uma flor nasceu na rua”, porque, numa
visão dialética tudo está em movimento, nada se encontra estático,
ainda que só aparentemente, e, como tudo se relaciona, não pode
ser desprezado o saber da rua, pois este pode ser encontrado,
alegoricamente, na flor, cujo nome não está nos livros.
	 Notamos que o autor ainda está preso à sua classe de poetas,
isto é, aquele que reforça a ordem dominante, e vai de branco,
mantendo, portanto, aquela transcendência de arte idealista, mas,
diante de uma realidade tão avassaladora, é obrigado a se aproximar de
todos os homens, que voltam para casa, ainda que reconheça, na sua
insubordinação, a possibilidade de dar a poucos a esperança mínima,
pois, todos, todos mesmo, poetas e homens, estão submetidos a uma
norma que controla mentes e corpos, em nome de um progresso que
amesquinha e diminui o gênero humano (FOUCAULT, 1997).
	 Este poema, assim, incorpora as contradições inerentes à
Modernidade, uma vez que o poeta ainda está preso à sua classe,
mas, ao mesmo tempo, compromete-se, faz sua opção interna, em
nome dos que estão à sua volta.
	 O poema a ser analisado, a seguir, é do poeta do modernis-
mo português Fernando Pessoa:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
49Letras VernáculasUESC
Aula2
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Literatura

  • 1.
  • 2.
  • 3. Universidade Estadual de Santa Cruz Reitor Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos Vice-reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro Pró-reitora de Graduação Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa Diretora do Departamento de Ciências da Educação Profª. Raimunda Alves Moreira Assis Ministério da Educação
  • 4. Ficha Catalográfica S123 Sacramento, Maria Pereira do. Literatura comparada I : a poesia da língua portuguesa: Letras Vernáculas - EAD / Sandra Maria Pereira do Sacra- mento. – Ilhéus, BA: UESC, 2010. 171p. : il. Inclui referências. ISBN: 978-85-7455-211-8 1. Literatura comparada. 2. Poesia portuguesa. 3. Poesia brasileira. I. Sacramento, Sandra Maria Pereira do. II. Título. III. Título: Letras Vernáculas: módulo 4, volume 1. CDD 809
  • 5. LETRASVERNÁCULAS EAD-UESC Coordenação UAB – UESC Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado Coordenação do Curso de Licenciatura em Letras Vernáculas (EAD) Prof. Dr. Rodrigo Aragão Elaboração de Conteúdo Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento Instrucional Design Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera Profª. Drª. Gessilene Silveira Kanthack Revisão Profª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira Coordenação de Design Profª. Msc. Julianna Nascimento Torezani Diagramação Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro Capa Sheylla Tomás Silva
  • 6.
  • 7. Ao longo do texto você encontrará alguns boxes com orientações de estudo. A seguir descrevo o que cada uma significa e como você deve proceder diante das orientações. PARA REFLETIR As pausas para reflexão são pequenas provocações feitas ao longo do texto para que você interrompa por alguns minutos a leitura e pense sobre o que está sendo estudado. Não é necessário escrever nem debater com seus colegas, mas é importante que você pare para refletir sobre o que está sendo proposto antes de dar continuidade à leitura. ATENÇÃO Nos boxes em que há o pedido de atenção são apresentadas questões ou conceitos importantes para a elaboração de sua aprendizagem e continuidade dos estudos. SAIBA MAIS Aqui são apresentados trechos de textos que complementam e enriquecem o estudo que está sendo realizado. EXERCÍCIO Momento de debates sobre questões específicas. Cada exercício possui uma orientação específica sobre como deve ser realizado. LEITURA RECOMENDADA/ NECESSÁRIA São indicações de leituras que contribuem para a complementação e aprofun- damento dos estudos realizados. ATIVIDADE As atividades devem ser realizadas de acordo com as orientações específicas de cada uma. VOCÊ SABIA? Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada. UM CONSELHO Um conselho, uma orientação feita pelo professor a respeito de algo que foi dito, auxiliando assim, na construção do conhecimento. PARA CONHECER Indicação e referências de autores, fontes de pesquisa, livros, websites, filmes (curtas-metragens e/ou longas-metragens) etc. Os desafios auxiliarão na assimilação e aplicação dos conhecimetnos adquiridos. Cada um deles deve ser realizado de acordo com as orientações específicas. PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS DESAFIOS
  • 8.
  • 9. Sumário AULA I 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 17 2 ORIGEM DA LITERATURA COMPARADA ......................................................... 18 3 AS METANARRATIVAS E A CRÍTICA À MODERNIDADE ..................................... 21 4 ATIVIDADE .............................................................................................. 34 5 REFERÊNICA ........................................................................................... 35 AULA II 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 39 2 METAPOESIA ............................................................................................ 41 3 ATIVIDADE .............................................................................................. 55 4 REFERÊNICA ........................................................................................... 56 AULA III 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 61 2 MULHER .................................................................................................. 62 3 ATIVIDADE .............................................................................................. 72 4 REFERÊNICA ........................................................................................... 73 AULA VI 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 77 2 RIO ......................................................................................................... 78 3 ATIVIDADE .............................................................................................. 87 4 REFERÊNICA ........................................................................................... 88 AULA V 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 93 2 POBREZA ................................................................................................. 94 3 ATIVIDADE .............................................................................................. 99 4 REFERÊNICA ........................................................................................... 100
  • 10. AULA VI 1 INTRODUÇÃO .................................................................................... ....... 105 2 MORTE .................................................................................................... 106 3 MORTE E ROMANTISMO ............................................................................ 109 4 ATIVIDADE .............................................................................................. 116 5 REFERÊNICA ........................................................................................... 118 AULA VII 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 123 2 VIDA CAMPESTRE – ARCADISMO ................................................................. 123 3 A VALORIZAÇÃO DA VIDA CAMPESTRE EM VÁRIOS TEMPOS: .......................... 126 4 ATIVIDADE .............................................................................................. 132 5 REFERÊNICA ........................................................................................... 133 AULA VIII 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 137 2 CIDADE ................................................................................................... 137 3 ATIVIDADE .............................................................................................. 146 4 REFERÊNICA ........................................................................................... 147 AULA VIII 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 151 2 INFÂNCIA ................................................................................................ 151 3 ATIVIDADE .............................................................................................. 157 4 REFERÊNICA ........................................................................................... 159 AULA IX 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 163 2 AMOR EM VÁRIAS ÉPOCAS ........................................................................ 164 3 ATIVIDADE .............................................................................................. 170 4 REFERÊNICA ........................................................................................... 171
  • 11. SOBRE A AUTORA Profª. Sandra Maria Pereira do Sacramento Doutora em Letras Vernáculas, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Professora Associada à Cátedra UNESCO de Leitura, Professora Plena em Teoria da Literatura do DLA/UESC. Possui vários textos publicados em periódicos na área de Letras, disponíveis on line.
  • 12.
  • 13. Ementa Análise comparativa de poesias paradig- máticas das literaturas de língua portu- guesa. DISCIPLINA LITERATURA COMPARADA I: a poesia de língua portuguesa Profª. Drª. Sandra Maria Pereira Sacramento
  • 14.
  • 15. Ao final desta Aula I, você deverá iden- tificar os conceitos básicos da Literatura Comparada. Objetivos HISTORIA DA LITERATURA COMPARADA 1aula
  • 16.
  • 17. AULA 1 HISTÓRIA DA LITERATURA COMPARADA 1 INTRODUÇÃO Nesta Aula I, vamos trazer para você informações sobre a história da Literatura Comparada desde a Antiguidade Clássica – ainda que não tivessem os escritores essa noção -, passando por sua concepção mais sistematizada à luz da construção dos Estados- nação europeus e de uma visão historicista, até os dias atuais com a contribuição dos Estudos Culturais, Pós-Coloniais e Feministas. A princípio, Literatura Comparada constitui um conjunto de procedimentos de leitura incididos sobre obras de literatura. Hoje, entretanto, com a mudança de paradigmas acerca do artístico, pode ocorrer sobre qualquer produto cultural, sem que necessariamente sejam feitas comparações entre duas ou mais obras. 17Letras VernáculasUESC Aula1
  • 18. Cânone: o termo deriva da palavra grega “kanon” que designava uma espécie de vara com funções de instrumento de me- dida; mais tarde o seu significado evoluiu para o de padrão ou modelo a ser aplicado como norma. É, no século IV, que encon- tramos a primeira utilização generaliza- da de cânone: trata-se da lista de Livros Sagrados que a Igreja cristã homologou como transmitindo a palavra de Deus, logo representado a verdade e a lei que devia alicerçar a fé e reger o comportamento da comunidade de crentes. Após a rejei- ção de certos livros denominados apócri- fos, o cânone bíblico tornou-se fechado, inalterável, distinguindo-se neste aspecto do outro referente do cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja Católica periodicamente acrescenta no- vos indivíduos, através de um processo chamado canonização. Importante para a história posterior do conceito é, pois, a ideia de que canônica é uma seleção (materializada numa lista) de textos e/ou indivíduos adotados como lei por uma co- munidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente di- tos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num mo- vimento de inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido. Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula o discurso normativo e dominante num de- terminado contexto, teológico ou outro, e é isso que subjaze a expressões como “o cânone aristotélico”, “cânones da crítica”, etc. Acompanhando o processo de secu- larização da cultura em marcha desde o Renascimento, o conceito e o termo vie- ram progressivamente a ser aplicados ao domínio da literatura, muitas vezes, sob a forma de expressões como “os clássicos” ou “as obras-primas”. O cânone literário é, assim, o corpo de obras (e seus autores) social e institucionalmente consideradas “grandes”, “geniais”, perenes, comunican- do valores humanos essenciais, por isso, dignas de serem estudadas e transmi- tidas de geração em geração. Tal defini- ção é válida, quer se trate de um cânone nacional, onde se presume que o povo se reconhece nas suas características espe- cíficas, quer se trate do cânone universal, o que significa de fato, dada a própria ori- gem histórica da categoria literatura, um cânone eurocêntrico ou, quanto muito, ocidental. Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/ verbetes/C/canone.htm 2 ORIGEM DA LITERATURA COMPARADA O conceito de Literatura Comparada prende-se ao próprio conceito de Literatura. É o que afirma Sandra Nitrini: As origens da literatura comparada se confundem com as da própria literatura. Sua pré-história remonta às literaturas grega e romana. Bastou existirem duas literaturas para se começar a compará-las, com o intuito de apreciar seus respectivos méritos, embora se estivesse ainda longe de um projeto de comparatismo elaborado, que fugisse a uma mera inclinação empírica (2000, p.19). O conceito de literatura, para a tradição greco-latina, confundia-se com a gramática (gramma), pois significava, assim como litteratus, a arte de conhecer a gramática e a poesia. Chega ao século XVIII, vinculado à noção de valor, portanto, ao ideológico, na medida em que associa o Bem, o Belo e o Justo, a uma razão etnocêntrica, como viu Platão no livro X da República. Em atenção à formação educacional do cidadão, Ernest Curtius, em Literatura Européia e Idade Média Latina justifica a ligação da literatura aos valores gregos: Porque os gregos encontraram num poeta o reflexo de seu passado, de seus deuses. Não possuíam livros nem castas sacerdotais. Sua tradição era Homero. Já no séc. VI era um clássico. Desde então é a literatura disciplina escolar, e a continuidade da literatura européia está ligada à escola (1957, p.38). A necessidade de comparação é inerente ao ser humano, como forma de reagir ao novo, ao desconhecido. A essa se soma a imitação, que segundo Aristóteles “é instintiva do homem desde a infância” (ARISTÓTELES, 1964, p.266). E, por mais que os clássicos não usassem essa expressão quando escreviam, estavam fazendo literatura comparada no próprio processo de elaboração de suas obras, como forma de manutenção de um cânone literário ao qual todos os que escreviam obra artística deviam obediência. A noção de cânone não pode passar despercebida quando se fala em classicismo, pois foi, no Renascimento, que o ideal clássico acerca da arte da Antiguidade greco-romana aproximou-se do contexto europeu do século XVI, no início da Idade Moderna. 18 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 19. E o cânone clássico significou o ideal mais acabado da tradição ocidental, tendo os parâmetros, que deviam ser imitados, em uma espécie de pastiche, e, especialmente, na literatura, significou uma estratégia de legitimação daquele que escrevia. Não é sem cabimento o que faz o poeta português Luís de Camões, já no início de Os Lusíadas, que reproduzimos a seguir: Canto I (Parte I) 3 Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandre e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Netuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta. O poeta tem necessidade, como o cânone determinava, de citar os poetas que o antecederam, em um processo de referência ao que muito contribuíram para a Literatura do Ocidente; entretanto, ele se lança para além destes, pois se encontrava em outra coordenada histórica do quinhentismo. Assim concebido, o classicismo identifica-se substan- cialmente com a doutrina de que a criação literária deve repousar em modelos, dos quais derivam a dis- ciplina e as regras necessárias para a prossecução de uma obra perfeita (SILVA, 1975, p.436). Veja que são citadas as obras dos poetas mais importantes para o mundo grego e depois romano, Homero e Virgílio, respectivamente. Nos versos camonianos, ocorre a alusão a Ulisses (sábio Grego), que peregrinou muito tempo, após a Guerra de Troia, até chegar a Ítaca, onde o esperavam sua esposa Penélope e seu filho Telêmaco, e a Eneias (Troiano), que também, após a referida guerra, migrou para o Lácio e fundou Roma. No verso: Cesse tudo o que a Musa antiga canta, ocorre a invocação à musa da inspiração. Desde Platão que o poeta é considerado um vate, capaz de conduzir as massas. Se esse foi expulso, a princípio de sua República, em Íon, entretanto, é reerguido à condição de vislumbre, porque só um ser inspirado alcança o chamado ideal musal, isto é, tem acesso Figura 1: Luís de Camões Fonte: http://pt.wikipedia.org SAIBA MAIS Leia sobre Pastiche em: Fonte: http://www.fcsh. unl.pt/edtl/verbetes/P/ pastiche.htm 19Letras VernáculasUESC Aula1
  • 20. ao mundo das musas; sendo Homero o poeta mais importante para a sociedade grega, uma vez que transmite, através de suas epopeias, Ilíada e Odisseia, os verdadeiros valores dos heróis guerreiros. Platão, em diálogo com Glauco, em Íon, afirma: Quanto a seus protetores, que, sem fazer versos, amam a poesia, permitiremos que defendam em prosa e nos mostrem que não só é agradável, mas também útil, à república e aos particulares para o governo da vida. De bom grado os ouviremos, porque com isso só temos a lucrar, se nos puderem provar que aí se junta o útil ao agradável (PLATÃO, 1994, p.403). Abaixo, reproduzimos uma estrofe do Canto I, da Eneida de Virgílio. Compare a semelhança com a Proposição de Os Lusíadas de Luís de Camões, reproduzida anteriormente. As armas dos varões eu canto, que das costas de Tróia Para a Itália, pelo fado exilados, a Lavinia vieram para as praias, por muitos mares e terras do alto agitados pela imperdoável ira de Juno e muito suportando da guerra também, até fundarem uma cidade e trazer os deuses ao Lácio, de onde nasceu a gente Latina Os pais de Alba, e as altas muralhas de Roma. Fonte: http://virgiliofreire.blogspot.com/2008/09/os-lusadas-e-o-grande-poeta-romano.html A Literatura Comparada, com a qual dialogamos hoje para negá-la, surge na modernidade, com a visão historicista do mundo e com a construção dos Estados-nação europeus, que, fundamentados em uma língua nacional e em limites territoriais, acreditaram em promessas da igualdade universal, e, para tanto, empenharam-se, através de crenças e práticas ideológico-culturais, em estabelecer socialmente esferas, sob o princípio de “separados mas iguais”; assim, a divisão de propriedade, de recursos e trabalhos, segundo as diferenças cunhadas entre homens e mulheres, brancos e negros, proprietários e trabalhadores, colonizadores e colonizados estruturaram o mundo administrado em visões hierárquicas que deviam se justificar por si sós. Hegel tem uma visão panteísta da História; para ele existe um espírito, uma intuição transcendental que constitui a origem criadora da realidade universal. A ideia evolui sob o signo da dialética do espírito. 20 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 21. Sendo o real essencialmente o devir, este avança inexoravelmente rumo à marcha ternária da tese-antítese-síntese. A História, ao ser criação do espírito, não passa de uma manifestação exterior ao desenvolvimento da ideia; por isso o curso da História segue uma linha evolutiva: os povos orientais (cultura místico-religiosa) representam a tese; a Antiguidade Clássica (cultura racional), a antítese; a Idade Média cristã (tão religiosa como intelectual) é a síntese. Marx, partindo do hegelianismo e utilizando o seu conceito dialético, transfere-o para a esfera material e econômica: o materialismo dialético substitui, portanto, a concepção intelectual do absoluto, enquanto espírito, por outra material. A sociedade, assim, teria trilhado a estrutura social hierarquizada (tese), a economia capitalista (antítese) e o socialismo moderno (síntese). Por outro lado, Augusto Comte, filósofo francês fundador da Sociologia, também bastante influenciado pelo racionalismo, via no progresso da Ciência a chave para a emancipação do gênero humano. Formaram-se assim, com o conhecimento religioso e a filosofia metafísica, explicações imaginárias presentes em setores da realidade social que ainda não haviam chegado ao conhecimento científico, completamente racional. Assim, a humanidade teria passado pelo estado religioso (politeísmo feiticista), metafísico (monoteísmo) até chegar ao estágio racional, preso à observação dos fatos (positivismo). Podemos notar que os três filósofos do século XIX, acima citados, têm uma visão presa ao continuísmo historicista e ao teleológico, com forte visão eurocêntrica, refletindo-se nas Histórias da Literatura daquele continente e daquelas advindas de sua colonização, como a História da Literatura Brasileira, por exemplo. Oromantismorefleteaambiênciaentãooperante.Oromantismo alemão, - ainda que a princípio a Alemanha não estivesse unificada - procura nas raízes folclóricas, na tradição das narrativas orais, uma forma de sedimentar o seu cânone, com o culto ao Volksgeist, com forte valorização do dado local, enquanto a França, baseada na trilogia metafísica Liberdade-Igualdade-Fraternidade, anseia pelo universalismo e pela atemporalidade. É, neste cenário, que Goethe propõe o conceito de Literatura Universal (Weltliteratur), em atenção aos valores e crenças da modernidade europeia, sustentados na nação e em suas tradições, no progresso e na ciência. Continuísmo historicis- ta: o continuísmo histori- cista culmina legitimamen- te na história universal. Ele utiliza a massa dos fatos, para com eles preencher o tempo homogêneo e va- zio. O histoticismo se con- tenta em estabelecer um nexo causal entre vários momentos da história. Mas nenhum fato, meramen- te por ser causa, é só por isso um fato histórico. Ele se transforma em fato his- tórico postumamente, gra- ças a acontecimentos que podem estar separados por milênios. Fonte: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatu- ra e história da cultura. Walter Benjamin. São Paulo: Brasilien- se, 1994, pp.222-232. Teleológico: Diz-se de argumento, conhecimento ou explicação que relacio- na um fato com sua causa final. Fonte: Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa - Aurélio Buarque de Holanda Ferreira VOCÊ SABIA? Volksgeist: segundo a Escola Histórica, o povo é um ser vivo marcado por forças interiores e silenciosas que segrega uma espécie de consciência popular, o espírito do povo (Volksgeist). O povo é anterior e superior ao Es- tado e é do espírito do povo que brota tanto a língua como o direito, consideradas produções instintivas e quase inconscientes que nascem e morrem com o próprio povo. No caso específico do direito, o costume teria de ser mais importante do que a lei, porque o que emana do Volksgeist tem de estar numa posição superior aos próprios ditames do Estado. Fonte: http://farolpolitico.blogspot.com/2007/09/esprito-do-povo-volksgeist.html 21Letras VernáculasUESC Aula1
  • 22. Encontre informações sobre metanarrativas em <http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/M/metanarrativa.htm> PARACONHECERPARACONHECER Jean-François Lyotard: lecionou filosofia no ensino secundário (em Constantina, na Argélia, entre outros) e no superior (Sorbonne, Nanterre, CNRS, Vincennes) por mais de trinta anos. Recebeu o título de agrégé em filosofia em 1958 e o de docteur ès lettres em 1971. Dedicou-se durante longos anos a trabalhos teóricos e práticos no grupo “Socialismo ou Barbárie” e em Pouvoir ouvrier. Em 1979 deu aulas na Universidade de São Paulo. Foi membro do Collège International de Philosophie, professor emérito da Universidade de Paris, professor de francês na Universidade da Califórnia (Irvine). Mudou para a Emory University, Atlanta, em 1995, onde lecionou francês e filosofia. Faleceu em Paris em abril de 1998. Seus estudos e textos centraram-se sobre as formas do discurso (Discours, figure, 1971), a análise do marxismo (L’économie libidinale, 1974), assim como as relações entre política, economia e psicanálise. Foi um arguto partícipe do debate sobre a pós-modernidade (A condição pós-moderna e O pós-moderno explicado para crianças, 1979). Fonte: www.estacaoliberdade.com.br/autores/lyotard.htm Derrida: Jacques Derrida nasceu em El-Biar, Argélia, em 15 de julho de 1930. Os anos de infância e de adolescência foram passados numa Argélia marcada pela colonização e pela guerra. Em 1949, mudou-se para Paris e ingressou no curso preparatório para a École normale supérieure, sendo admitido ali três anos mais tarde. Completou seus estudos superiores com a dissertação O problema da gênese na filosofia de Husserl. Em 1956, é aceito, na agrégation e recebe uma bolsa de special auditor para a Universidade de Havard, em Cambridge, para consultar ali microfilmes dos inéditos de Husserl, de quem começa a traduzir L’ Origine de la geométrie. Em junho de 1957, casa-se com Marguerite Aucouturier, com quem terá dois filhos: Pierre, em 1963, e Jean, em 1967. Publica, em 1967, seus três primeiros livros: Gramatologia, A Escritura e a Diferença e A Voz e o Fenômeno. A partir de então, se avolumam as publicações e sua atuação como professor palestrante se estende a várias universidades na Europa e fora dela. A partir de 1975, nos Estados Unidos, depois de ter dado seminário na Universidade Johns Hopkins, passa a ensinar, algumas semanas por ano, em Yale, junto com Paul de Man e Hillis Miller. Intensifica-se, nessa época, sua relação com os Estados Unidos, quando grande parte de sua obra começa a ser traduzida ali. Jacques Derrida esteve no Brasil por duas ocasiões. Em 1995, num evento organizado pela USP e PUC-SP, o Professor profere, no grande auditório do MASP, a palestra   História da Mentira: prolegômenos, cuja tradução foi feita por Jean Briant e publicada em Estudos Avançados 10 (27), pela Edusp em 1996.  Em junho de 2001, participou junto com René Major, no Rio de Janeiro, dos Estados Gerais da Psicanálise. Os principais temas discutidos foram: 1. Derrida e a Psicanálise; 2. Hospitalidade e Amizade; 3. Crueldade e Soberania; 4. O Futuro do Homem Face à Tecnologia. Faleceu, em Paris, 8 de outubro de 2004. Fonte: http://www.unicamp.br/iel/traduzirderrida/biografia.htm 22 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 23. 3 AS METANARRATIVAS E A CRÍTICA À MODERNIDADE As crenças e práticas ideológico-culturais da modernidade sedimentaram as chamadas metanarrativas, que se identificaram geralmente com os ideais iluministas, com o otimismo em relação ao papel da ciência e com a crença no progresso ou na busca de verdades, de valores universais e atemporais. Jean-François Lyotard, em A condição pós-moderna (1998), identifica duas narrativas que nortearam a modernidade cientificamente: a narrativa política, encerrada no discurso emancipatório da Revolução Francesa, e a narrativa filosófica, esteando-se na obra de Hegel, quando situa o conhecimento em uma dimensão histórico-evolucionista. Logo, as metanarrativas têm a pretensão de serem totalizadoras no entendimento dos fenômenos. Muito tempo depois, no pós-estruturalismo, Derrida retoma essa conceituação quando desacredita de qualquer significado fixo e estável – o que chama de significado transcendental (gramatologia). A gramatologia desconstrói o pensamento metafísico, fundamentado em princípios inquestionáveis que legitimam uma hierarquia de significações.Escreveele:“quetemdehaversignificadotranscendental para que a diferença entre significante e significado seja absoluta e irredutível em alguma parte” (DERRIDA, 1992, p.30). O significado é, pois, o resultado de uma cadeia de significantes sem referentes ou significados estáveis. O que se toma como significado é, de fato, um significante, do qual se interrompeu o jogo de disseminação. Entende-se, por jogo, a impossibilidade do significado transcendental, uma vez que a linguagem constitui o elemento mediador ao que chamamos realidade e toda experiência é a experiência do significado e um efeito da différance. O neologismo funde as noções contidas em différer (adiar, diferir, procrastinar) e diférer (citar,deferir). Tomar a différance como condição para a linguagem significa que suas peças ao mesmo diferenciam, citam, adiam. Ou seja, em vez de revelarem uma presença (um referente que seria indicado) a simulam, a citam, a adiam (LIMA, 1988, p. 338). A linguagem, ao simular a presença de algo ausente, constitui- se como metáfora; e, tanto a linguagem oral quanto a escrita, operam em sistemas que se opõem. O pós-estruturalismo, por outro lado, vai se ater, através da descontinuidade, exatamente, nas aporias desse mesmo racionalismo ocidental, preso a sistemas lógicos dominantes e impostos a todos 23Letras VernáculasUESC Aula1
  • 24. SAIBAMAIS Aporia: [Do gr. aporia, “caminho inexpugnável, sem saída”, “dificuldade”.] 1. Dificuldade, impasse, paradoxo, momento de auto-contradição ou blindspot  que impede que o sentido de um texto ou de uma proposição seja determinado. Na filosofia grega antiga, o termo começou por servir para designar contradições entre dois juízos (o que se chamaria depois, com mais propriedade, antinomia). Na filosofia de Zenão de Eleia, por exemplo, podemos falar de aporias nos juízos sobre a impossibilidade do movimento. Mais tarde, designaram-se alguns diálogos platônicos como “aporéticos”, isto é, inconclusivos. Ao estudo das aporias chama-se aporética. Aristóteles definirá a aporia como uma “igualdade de conclusões contraditórias” (Tópicos, 6.145.16-20). O termo é utilizado com frequência por alguns descontrucionistas como Jacques Derrida e Paul de Man, que, de alguma forma, são responsáveis pela sua imposição dentro da teoria literária pós-estruturalista. A aporia é identificada pela leitura desconstrutiva do texto, que terá como fim mostrar que o sentido nele inscrito atingirá invariavelmente o nível da indeterminação ou da indecidibilidade. Uma aporia cria uma tensão lógico- retórica que impede que o sentido de um texto se possa fixar. Um texto, por definição, conterá sempre aporias que servirão para mostrar que um texto pode querer dizer algo que escapa a uma leitura convencional. Nem o texto nem o seu autor estão obrigados a ter conhecimento prévio ou consciência da presença de aporias. Compete ao leitor, pela desconstrução - se se quiser, segundo os exemplos de Jacques Derrida e Paul de Man - identificar tais impasses. Os efeitos do que  na desconstrução de Derrida se chama différance dependem da presença inquietante destas aporias. Fonte: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/A/aporia.htm O Mito da Caverna: narrado por Platão no livro VII do Republica é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras à nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. A mais recente delas é o livro de José Saramago A Caverna. Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz condição. Imaginou (no Livro VII de A República, um diálogo escrito entre 380-370 a.C.) todos presos desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam a olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Supondo a seguir que existissem algumas pessoas, uns prisioneiros, carregando sobre suas cabeças, estatuetas de homens, de animais, vasos, bacias e outros vasilhames, por detrás do muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda uma escassa iluminação vindo do fundo do subterrâneo, disse que os habitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar as sombras daqueles objetos, surgindo e se desfazendo diante deles. Era assim que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o especto pela realidade. A sua existência era pois inteiramente dominada pela ignorância (agnóia). Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e vê. Mas, depois, aclimatado, ele iria desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade de objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda confuso, ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que fora criado. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se apresentava diante dele, podendo então vislumbrar e contemplar o mundo das formas perfeitas. Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/caverna.htm 24 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 25. de forma etnocêntrica. Foucault, ao fazer sua arqueologia/genealogia da modernidade, evidencia que o humano detém o cogito, portanto, é constituinte de uma autonomia, como viu Kant em sua Crítica da Razão Pura, mas, ao mesmo tempo, acaba constituído pelos discursos, enquanto configurações de poder. Então, as regras de sujeição disciplinar vão determinar as fronteiras do permitido e do não permitido, porque se esteiam em bases dicotômicas em si mesmas excludentes: alto/baixo, claro/escuro, natureza/cultura, homem/ mulher, centro/periferia. As disciplinas atravessam o corpo social e a realidade mais concreta do ser humano – o próprio corpo – como uma rede, sem que suas fronteiras sejam delimitadas, através de: métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade (FOUCAULT,1977, p.139). Se utilizamos O Mito da Caverna de Platão, como subsídio para o nosso raciocínio, diremos que a razão das sombras, banida da filosofia ocidental, renegada pelo discurso da modernidade em sua forma de poder disciplinar, está de prontidão para se fazer presente, porque dá chance à vida, ao instante. A idéia do Bem, da Luz, então, se relativiza em nome de uma doxa, não identificável em torno de um único logos; destruindo, assim, o discurso onto-teo-lógico do Ocidente, que privilegiou o saber vigilante do eu diurno cartesiano, na esteira platônica, ao se opor ao eu noturno. Este só poderia levar ao erro, ao excesso; entretanto, apresenta-se como condição sine qua non do pensamento para se abrir à diferença, à valorização das inúmeras formas de organização, correspondendo a focos ligados, evidentemente, à experiência, ao sensível. Os Estudos Culturais (HALL; 2003), ao fazerem a releitura do marxismo, evidenciam o ponto nodal do materialismo dialético, quando esse se detém no trabalhador como sujeito da história, em uma espécie de ontologia do coletivo, enquanto detentor da experiência, e não dos meios de produção, isto é, dos instrumentos necessários à produção, retomando a promessa messiânica do romantismo da união do eu ao não-eu, isto é, com o devir. Os participantes da Worker’s Educational Association (WEA), associação para educação universitária de trabalhadores, veem-se, então, em plena guerra fria, por volta dos anos 50 do século passado, na impossibilidade de se utilizarem da literatura canônica entre os filhos de trabalhadores que acorriam à Universidade, pela primeira vez na história - ainda que em uma Universidade não tradicional - devido à necessidade de uma qualificação rápida, visando ao soerguimento de uma Europa destruída pela Segunda Guerra Mundial. O conteúdo curricular se 25Letras VernáculasUESC Aula1
  • 26. Oswald de Andrade: nasceu em São Paulo em 11/1/1890 e faleceu em 22/10/1954 na mesma cidade. José Oswald de Souza Andrade era de família abastada. Ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (São Paulo) em 1909. Publicou seus primeiros trabalhos em “O Pirralho”, semanário paulista de crítica e humor, que ele mesmo fundou em 1911. Em 1912, viajou para Paris, onde, convivendo com a boemia estudantil, entrou em contato com o futurismo e conheceu Kamiá, mãe de Nonê, seu primeiro filho, nascido em 1914. De volta a São Paulo, continuou no jornalismo literário. Em 1917, passou a viver com Maria de Lourdes Olzani (a Deise). Defendeu a pintora Anita Malfatti de uma crítica devastadora de Monteiro Lobato e fundou o jornal “Papel e Tinta”. Em seguida, ao lado de Anita, de Mário de Andrade e de outros intelectuais, organizou a Semana de Arte Moderna de 22. Pelo espírito irreverente e combativo, nenhum outro escritor do modernismo ficou mais conhecido que Oswald. Sua atuação é considerada fundamental na cultura brasileira da primeira metade do século 20. Publicou “Os Condenados” e “Memórias de João Miramar”. Em 1924, iniciou o movimento Pau-Brasil, juntando o nacionalismo às idéias estéticas da Semana de 22. Em 1926, casou com a pintora Tarsila do Amaral, e os dois se tornaram a dupla mais importante das artes brasileiras (Mário de Andrade os apelidou de “Tarsiwald”). Oswald escreveu o “Manifesto Antropofágico”, em que propôs que o Brasil devorasse a cultura estrangeira e criasse uma cultura revolucionária própria. Assim fariam Mário de Andrade em “Macunaíma” (1928) e Raul Bopp em “Cobra Norato” (1931). Com a crise de 1929, Oswald teve as finanças abaladas e sofreu uma reviravolta na vida. Rompeu com Mário, separou-se de Tarsila e casou com a escritora e militante política Patrícia Galvão (a Pagu). Da união nasceria Rudá, seu segundo filho.Filiou-se ao PCB após a revolução de 1930 (romperia com o partido em 1945, embora continuasse sendo de esquerda). Em 1931, quando dirigia o jornal “O Homem do Povo”, foi várias vezes detido. Em 1936, após ter-se separado de Pagu, casou com a poetisa Julieta Bárbara. Em 1944, outro casamento, agora com Maria Antonieta D’Aikmin, com quem permaneceria até o fim da vida. Além de poemas, escreveu o romance “Serafim Ponte Grande” (1933) e as peças “O Homem e o Cavalo” (1934) e “O Rei da Vela” (1937). Em 1939, na Suécia, representou o Brasil num congresso do Pen Club (a entidade internacional que congrega os literatos dos diversos países). Prestou concurso para a cadeira de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP com a tese “A Arcádia e a Inconfidência” e, em 1945, obteve o título de livre-docente. Oswald morreu aos 64 anos. Sua poesia seria precursora de dois movimentos distintos que marcariam a cultura brasileira na década de 1960: o concretismo e o tropicalismo. Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u316.jhtm PARACONHECERPARACONHECER Lévi-Strauss: foi um dos grandes pensadores do século 20 e tornou-se conhecido na França, onde seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da antropologia. Filho de um artista e membro de uma família judia francesa intelectual, estudou na Universidade de Paris. De início, cursou leis e filosofia, mas descobriu na etnologia sua verdadeira paixão. No Brasil, lecionou sociologia na recém-fundada Universidade de São Paulo, de 1935 a 1939, e fez várias expedições ao Brasil central. É o registro dessas viagens, publicado no livro “Tristes Trópicos” (1955) que lhe trará a fama. Nessa obra, ele conta como sua vocação de antropólogo nasceu durante as viagens ao interior do Brasil. Exilado nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi professor nesse país nos anos 1950. Na França, continuou sua carreira acadêmica, fazendo parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre (1905-1980), e assumiu, em 1959, o departamento de Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982. O estudioso jamais aceitou a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e única. Sempre enfatizou que a mente selvagem é igual à civilizada. Sua crença de que as características humanas são as mesmas em toda parte surgiu nas incontáveis viagens que fez ao Brasil e nas visitas a tribos de indígenas das Américas do Sul e do Norte. O antropólogo passou mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios americanos. O método usado por ele para estudar a organização social dessas tribos chama-se estruturalismo. “Estruturalismo”, diz Lévi-Strauss, “é a procura por harmonias inovadoras”. Suas pesquisas, iniciadas a partir de premissas linguísticas, deram à ciência contemporânea a teoria de como a mente humana trabalha. O indivíduo passa do estado natural ao cultural enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, produz objetos etc. Nessa passagem, o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro. Escreveu, em “O Pensamento Selvagem”, que a língua é uma razão que tem suas razões - e estas são desconhecidas pelo ser humano.Lévi-Strauss não vê o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta. Membro da Academia de Ciências Francesa (1973), integrou também muitas academias científicas, em especial européias e norte-americanas. Também tornou-se doutor honoris causa das universidades de Bruxelas, Oxford, Chicago, Stirling, Upsala, Montréal, México, Québec, Zaïre, Visva Bharati, Yale, Harvard, Johns Hopkins e Columbia, entre outras. Aos 97 anos, em 2005, recebeu o 17o Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha. Declarou na ocasião: “Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois sou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente”. Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u642.jhtm 26 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 27. encontrava muito distante da experiência diária da classe operária. Constatam, neste momento, os professores: Raymond Williams, Richard Hoggart e, depois, Stuart Hall, exatamente, os aporia da razão ocidental eurocêntrica, que, interessada em ampliar seu domínio, impôs uma cultura calcada, naquilo que Benedict Anderson afirma em suas Comunidades Imaginadas (2003), na dualidade do esquecer para lembrar. Isto é, esquecer a experiência do colonizado, do trabalhador, do excluído, entretanto, lembrar a cultura dominante, mesmo que essa não reflita uma experiência da coletividade. Explicita-se, nesse momento, o fosso entre o conteúdo curricular pré- determinado e as demandas diárias da classe operária. Tornou-se necessária a ampliação do referido, sob pena de uma evasão em massa. Tais assimetrias tenderam a se acentuar com o pós-colonialismo das ex-colônias europeias, em seus desdobramentos, como as diásporas e o multiculturalismo, além do movimento feminista e, em 1968, do estudantil. Tais ações aparentemente desconexas guardam, entretanto, grandes convergências, na medida em que pretendem colocar por terra toda uma hegemonia que legitimou o próprio conceito de razão, vindo desde a Antiguidade Clássica, presa ao mundo das Ideias. A tradição socrático-platônica e as religiões judaico-cristãs, que, por sua vez, para se manterem, colocaram o mundo sempre balizado em pares dicotômicos, cujo segundo elemento da díade, é sempre visto em posição de falta, de demérito; justificando, dessa forma, o avanço sobre continentes, o imperialismo europeu e, ao mesmo tempo, o seu sistema patriarcal corrente. Neste processo, as produções culturais de países periféricos como o Brasil reforçaram, não poucas vezes, as narrativas hegemônicas enquanto construções discursivas auto-centradas. Porém, a partir do movimento modernista de 1922, houve uma valorização dos elementos que fossem mais próximos de nossas raízes. O Manifesto Antropofágico, enquanto resposta da nação híbrida, apresenta, por seu turno, uma perspectiva que foge ao etnocentrismo europeu, ainda que, em certa medida, o europeu permaneça como referência. Oswald de Andrade propõe o matriarcado de Pindorama, como solução ao concerto das noções ocidentais. Estudos etnográficos feitos por Lévi- Strauss, em Antropologia Estrutural (1975), em uma perspectiva estruturalista, chegam a criticar o etnocentrismo europeu, mas, ao mesmo tempo, o defendem: “não é menos verdadeiro que [...] a civilização ocidental mostrou-se mais cumulativa do que as outras” (LÉVI-STRAUSS, 1975, p. 355). Acrescentando, que “toda história é cumulativa, com diferenças de graus” (LÉVI-STRAUSS, 1975, p. 357). Entretanto, a partir dos pós-estruturalistas, dos estudos 27Letras VernáculasUESC Aula1
  • 28. culturais, dos movimentos feministas e do pós-colonialismo, metáforas alternativas surgem como possibilidade de entendimento efetivo. É preciso levar em conta que há um relacionamento estreito entre o social e o simbólico, em que o jogo de poder se faz presente, não através de ações, antes pela negociação de sentido, isto é, não são os fatos políticos ou históricos que detêm em si o poder, mas a maneira como cada um os concebe. Logo: O baixo invade o alto, ofuscando a imposição hierárquica; criando, não simplesmente o triunfo e uma estética sobre a outra, mas aquelas formas impuras e híbridas do grotesco; revelando a interdependência do baixo com o alto e vice-versa, a natureza inextricavelmente mista e ambivalente de toda a vida cultural (HALL, 2003, p. 226). Assim, a construção de cada limite funda-se no exercício arbitrário do poder cultural, da significação e da exclusão, pautados em uma tradição ou formação canônica, em uma clausura cultural hierárquica. Esta hierarquia simbólica é contraditória em si mesma. Hoje, na chamada globalização, convivemos com um Estado cada vez mais minimalista, que se desvencilhou das funções do Estado- nação, deixando, para os movimentos sociais de base e ONGs nacionais e internacionais, o lugar antes ocupado por instâncias de poder. Assistimos à queda das utopias, tanto de direita quanto de esquerda, pois essas não foram capazes de gerar, de fato, o tão esperado bem-estar para todos, ainda que a pretensão fosse, no caso da direita, o pluribus unum, isto é, muitos vistos com um, quando os limites territoriais e a línguas nacionais constituíam fortes marcos identitários; e, no caso da esquerda, a eliminação das classes sociais, com a valorização do proletariado. Levando-nos à constatação de que o ideário iluminista Liberdade-Igualdade-Fraternidade só conseguiu colocar-se em parte, pois o Estado burguês em nome da Liberdade e da Igualdade, esqueceu a Fraternidade; por outro lado, o comunismo privilegiou a Igualdade, com uma única classe social, mas obliterou a Liberdade e a Fraternidade. Os movimentos sociais micrológicos anunciam a possibilidade da vida plena, mas não sabemos se, de fato, ela chega a todos. Em contraposição à tradição estética da alta literatura, reivindicaram os culturalistas, por seu turno, a ampliação investigativa, ao denunciarem a pretensão do literário de estar imune ao alarido das ruas, destacando, exatamente o cunho ideológico do cânone e a possibilidade da relativização das hierarquias conceituais que pré-determinaram a alta cultura, a cultura de massa e a cultura 28 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 29. popular, ainda que o aparato teórico dos estudos literários tenham sido aplicados aos estudos de recepção midiática, no início das investigações; atribuindo ao receptor da mensagem a função ativa de mediador do sentido. É o que afirma Eduardo Coutinho em Literatura Comparada na América Latina: Para muitos estudiosos, não há na realidade um discurso literário – a literatura é uma prática discursiva intersubjetiva como muitas outras – e sua especificidade, ou melhor, sua ‘literariedade’, não passa de uma elaboração por razões de ordem histórico-cultural (COUTINHO, 2003, p.71). Logo, tal perspectiva acaba por desentronizar as chamadas belas-letras, vistas abstraídas de uma contextualização maior, pois, se a representação do chamado real constitui uma produção discursiva, então, toda enunciação remete a um enunciado comprometido com uma determinada formação ideológica, como quer o pensamento pós-estruturalista. A quebra do cânone advém exatamente da reprodutibilidade técnica. E Walter Benjamin, nos anos quarenta do século passado, quando os seguidores da Escola de Frankfurt atribuíam à técnica algo danoso para a arte, esse sem ser apocalíptico, vê o cinema e a fotografia, como um modo de democratizar a herança cultural da humanidade, que ficou, por muitos séculos, restrita a uma ritualística para poucos. E o que falar hoje da arte digital, do grafite, da performance e de outras manifestações artísticas? A alta cultura encontra-se, paradoxalmente, disseminada nas baixas esquinas do mundo: nos viadutos de Nova York, na bolsa de valores de Tóquio e no centro das maiores cidades brasileiras (SOUZA, 2007, p.88). Não há como negar o poder de exposição que a arte ganhou. Logo, a desierarquização ocorre no próprio fazer artístico, porque esse não pode ser visto desarticulado da cultura, no sentido pleno da palavra, enquanto solução de existência encontrada por seres humanos em condições específicas. Assim, a fatura estética ganha em amplitude e desvencilha- se, principalmente, da chamada erudita, da pecha do elitismo. Por outro lado, a visão inovadora da abrangência do fenômeno literário não tolda a sua dimensão artística. E a arte literária atual e mesmo as outras formas de manifestação estética, nas palavras SAIBA MAIS Reprodutibilidade técni- ca: ”A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, ensaio publicado em 1936, é o mais conhecido e citado dos textos do filó- sofo alemão Walter Benjamin. Benjamin discute nesse arti- go as novas potencialidades artísticas -- essencialmente numa dimensão política -- decorrentes da reprodutibi- lidade técnica. Em épocas anteriores, a experiência da obra de arte era condicio- nada pela sua «aura», isto é, pela distância e reverên- cia que cada obra de arte, na medida em que é única, impõe ao observador. Pri- meiro -- nas sociedades tra- dicionais ou pré-modernas -- pelo modo como vinha associada ao ritual ou à ex- periência religiosa; depois -- com o advento da socie- dade moderna burguesa -- pelo seu valor de distinção social, contribuindo para colocar num plano à parte aqueles que podem aceder à obra “autêntica”. O apareci- mento e desenvolvimento de formas de arte (começando pela  fotografia) em que dei- xa de fazer sentido distinguir entre original e cópia traduz- se no fim dessa “aura”, o que liberta a arte para novas possibilidades, tornando o seu acesso mais democrático e permitindo que esta con- tribua para uma “politização da estética” que contrarie a “estetização da política” típi- ca dos movimentos fascistas e totalitários dominantes no momento em que Benjamin escreve esse ensaio. Fonte: http://www.babylon.com/ definition/A_obra_de_arte_na_era_ de_sua_reprodutibilidade_t%C3% A9cnica/Portuguese 29Letras VernáculasUESC Aula1
  • 30. PARACONHECERPARACONHECER Lacan: para ele, o homem não é senhor da ordem do significante, e a ordem que o constitui como homem se desestabiliza em favor de um mundo que lhe escapa. A afirmação segundo a qual no homem “ isso fala”, porquanto “ o inconsciente é o discurso do Outro”, parece já prefigurada nessa crítica do cogito. O “estágio do espelho” é a experiência de uma identifi- cação fundamental e da conquista de uma imagem, a do corpo, que estrutura o “ Eu” antes que o sujeito entre na dialética de identificação com outrem por meio da fala. A partir daí, a criança sabe que o reflexo do espelho é uma imagem, e que essa imagem é sua. É a partir dessa dialética entre ser e aparência que se efetua a conquista da identidade do sujeito por meio de uma imagem total que antecipa a unidade do corpo. Se o homem pensa a ordem do simbólico, é que ela está imersa em seu ser. Por isso, é suprema ilusão o indivíduo crer que ele constituiu essa ordem, pois é só por participar dela que o sujeito também pode ingressar no “ desfiladeiro radial da fala”. Fonte: Dicionário de Obras Filosóficas. Denis Huisman. 2000, Martins Fontes pp.192-193. Gramsci: Antonio Gramsci foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século 20, co-fundador do Partido Comunista Italiano. Nascido em Ales, na Sardenha, em uma família pobre e numerosa, filho de Francesco Gramsci, Antonio foi vítima, antes dos 2 anos, de uma doença que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. No entanto, foi um estudante brilhante, e aos 21 anos conseguiu um prêmio para estudar Letras na univer- sidade de Turim. Gramsci freqüentou os círculos socialistas e entrou para o Partido Socialista em 1913. Transformou-se num jornalista notável, um escritor articulado da teoria política, escrevendo para o “L´Avanti”, órgão oficial do Partido Socialista e para vários jornais socia- listas na Itália. Em 1919, rompeu com o partido. Militou em comissões de fábrica e ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano em 1921, junto com Amadeo Bordiga. Gramsci escreveu mais de 30 cadernos de história e análise durante a prisão. Conhecidas como “Cadernos do Cárcere” e “Cartas do Cárcere”, contêm seu traço do nacionalismo italiano e algumas idéias da teoria crítica e educacional. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma lin- guagem cifrada, em torno de conceitos originais ou de expressões novas. Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvol- vidas. Suas noções de pedagogia crítica e instrução popular foram teorizadas e praticadas décadas mais tarde por Paulo Freire no Brasil. Gramsci desacreditava de uma tomada do poder que não fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os agentes princi- pais dessas mudanças seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, para a conquista da cidadania, seria a escola. Gramsci promoveu o casamento das idéias de Marx com as de Maquiavel, considerando o Partido Comunista o novo “Príncipe”, a quem o pensador florentino renascentista dava conselhos para tomar e permanecer no poder. Para Gramsci, mais ainda do que para Maquiavel, os fins justificam os meios e qualquer ato só pode ser julgado a partir de sua utilidade para a revolução comunista. Fonte: educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u379.jhtm 30 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 31. de Lyotard, em O pós-moderno (1988) têm a grande função de repensar o paradigma da modernidade: O artista ou o escritor pós-moderno está na posição de um filósofo. Em princípio, o texto que ele escreve, a obra que produz não são governados por regras preestabelecidas, e não podem ser julgados segundo um julgamento determinante, pela aplicação de categorias comuns ao texto ou à obra. São essas regras e categorias que a própria obra de arte está buscando (1988, p.81). Instaura-se, portanto, a troca de um conceito sociológico de cultura pelo antropológico, na medida em que aquele se pautava em toda sorte de hierarquizações, envolvendo continentes, classes sociais, gêneros e etnias. A de cunho etnológico, entretanto, encontra-se mais na linha de Montaigne quando, em seus Ensaios (1933), desconfia das verdades sentenciosas que balizaram o chamado mundo civilizado. Os Estudos Culturais vão, então, trazer do marxismo as releituras feitas, entre outras, por Althusser de Pour Marx. O francês confirma a noção da ideologia como falsa consciência, quando fala acerca dos aparelhos ideológicos de estado, ainda que atribua ao inconsciente a impossibilidade da plena identificação de sua origem. A ideologia é bem um sistema de representações: mas essas representações não têm na maior parte do tempo nada a ver com a ‘consciência’: elas são na maior parte do tempo imagens, muitas vezes, conceitos, mas antes de mais nada como estruturas que elas se impõem à imensa maioria dos homens sem passar por suas ‘consciências’ (1975, p. 239- 240). Entretanto, Althusser, como leitor de Lacan que foi, acaba reforçando a posição deste, quando advoga o estágio do espelho como a fase da identificação fundamental do eu. Para Lacan, como revisionista de Freud, a experiência da conquista da imagem do corpo se dá pela projeção de uma imagem oriunda de um outro com o qual a criança de identifica, saindo, assim, da dispersão pânica para entrar na ordem do simbólico. A entrada na ordem no simbólico é, do ponto de vista psicológico, sempre uma compensação. Então, voltando à revisão que Althusser fez de Marx, vamos buscar nos românticos e consequentemente, em críticos dialéticos como T.W. Adorno, Hebert Marcuse, Walter Benjamin, Ernest Bloch, George Lukács, Lucien Goldmann e o existencialista Jean-Paul Sartre, o conceito de mediação, de um sujeito cognoscente, no uso de sua 31Letras VernáculasUESC Aula1
  • 32. razão, ainda que essa esteja atravessada pelo psicológico. E os Estudos Culturais retomam esse conteúdo romântico, ao trabalharem em seus primeiros estudos com a noção de resistência/negociação de Gramsci presentes na decodificação das mensagens veiculadas pela mídia, atravessados pelo contexto sócioeconômico do receptor, quando esse atribui sentido ao que é veiculado pela mídia em consonância com sua classe, gênero e etnia, em contraposição à ideologia dominante. Gramsci propõe a troca da hegemonia do capitalismo através da percepção - percebida através das várias mediações feitas não somente pelo produtor, mas sobremodo pelo receptor da mensagem - de que não há uma imposição de uma classe sobre as outras, antes uma forma de adesão; cabendo aos intelectuais orgânicos, saídos das classes dominadas, a tarefa de elaborar a sua própria visão de mundo, tornando o senso comum em bom senso, unindo, assim, a ação revolucionária à transformação intelectual. Nessa perspectiva, a ideologia, enquanto produção discursiva, está para o imaginário (= a fase do espelho para Lacan) e o uso que o ser humano faz dessa, só ocorre através da linguagem - nesta contida a cultura -, advinda da entrada do eu na ordem do simbólico, enquanto tomada de consciência, que, em algum momento, pode ter sido negada ao falante. Tal fato desencadeia a possibilidade efetiva da dialética, enquanto primado da mudança, e, ao mesmo tempo, coloca a necessidade de um outro em interação com um eu como pré- condição para a existência da arquitetura psíquica do sujeito, como viabilizadora da sua inserção no simbólico. Se as belas letras tiveram a pretensão de esvaecer o vínculo do artístico com a série social, através do docere cum delectare, estavam, na verdade, escamoteando uma intenção ideológica, de transmissão de valores interessantes à manutenção do status quo. O conteúdo veiculado em uma obra não é, evidentemente, a partir do nada, antes está em constante interação com a cultura, como moral, com as formas de relação afetiva, com os dados sócio- econômico-culturais, em síntese, com o ethos que lhe deu origem. O que não podemos é destituir o literário, o artístico, ou qualquer forma de manifestação de cultura, de um modo geral, de sua condição em tranversalidade com o externo que lhe dá origem. Hoje, por outro lado, vivemos direcionados pela imagem, pelo ícone, levando-nos a acreditar que as atuais agências de propaganda são as verdadeiras depositárias dos velhos manuais de estilo e estética que balizaram a escrita artística anterior e, ao mesmo tempo, assistimos à dissolução do autor na medida em que as produções artístico-tecnológicas ocorrem em equipe e todos os envolvidos Docere cum delectare: termo latino que quer di- zer “Ensinar deleitando”. Trata-se da arte vista em seu duplo sentido, isto é, veículo de valores de uma tradição e, ao mes- mo tempo, e elemento capaz de despertar o prazer estético. Status quo: Estado em que se encontra Fonte: http://www.mun- dodosfilosofos.com.br/la- tim.htm#S Belas Letras: conjunto formado por gramática, eloquência, poesia, lite- ratura e história Fonte: http://www.info- pedia.pt/lingua-portugue- sa/belas-letras 32 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 33. assinam o produto final, inclusive o receptor que promove a completude de sentido; da mesma forma que tais produções não estão imunes à lógica capitalista da globalização. Existe, tal qual a produção artística, desde a Antiguidade Clássica, interesses ideológicos subjacentes que vão muito além da fatura estética, deixando em nós uma sombra de dúvida diante do otimismo dos culturalistas. Tais posições têm levado os pesquisadores em literatura, adeptos das correntes mais atuais, a se posicionarem pela inclusão, em suas análises, de produções culturais, antes não contempladas no rol do cânone literário, como letras de música, clips televisivos, filmes, cordel, entre outras. Vejamos o que nos diz, acerca dessa temática, Eneida Maria de Souza, em sua obra Crítica Cult (2007): No final da década de 1990, passados precisamente 21 anos do ‘IV Encontro de professores de Literatura’, um dos traços mais fortes do discurso crítico é a gradativa diluição dos marcos teóricos, causada pela vertente pós-estruturalista e pelas inclinações pós-modernas da crítica. Após o boom teórico e metodológico que dominou os estudos literários a partir dos anos 1960, procede- se à revalorização da história e ao exercício da prática interdisciplinar e cultural. Tendências de ordem revisionista irão ainda dominar o cenário teórico do nosso tempo, ficando os discursos sujeitos a balanços e releituras [...]. A crise das ideologias e da representação, o desencanto diante da sedução dos grandes relatos emancipatórios iriam naturalmente influenciar o papel até então exercido pela instituição universitária quanto à natureza de sua produção. A proliferação de outros meios de divulgação do saber, como as revistas culturais, os jornais e a televisão irá acarretar transformações no discurso crítico (2007, p. 19-20). Nesta ocasião, os debatedores fizeram um balanço da produ- ção universitária, oriunda de mestrados e doutorados, em Literatura, no Brasil, a partir de dissertações e de teses, defendidas na década de 1970. Nas próximas aulas, vamos analisar poemas de escritores da Literatura Brasileira e da Literatura Portuguesa, que tenham traba- lhado com temáticas comuns, sem estabelecer hierarquias, de fontes e influências, de lugar de origem ou, muito menos, de ordem crono- lógica de publicação. Neste sentido, optamos por entender a Litera- tura de um país como o Brasil, como tributária sim, de uma herança europeia, mas autônoma em suas soluções estéticas e em arranjos formais. 33Letras VernáculasUESC Aula1
  • 34. ATIVIDADE 1. Como começou a Literatura Comparada? 2. Qual o vínculo da Literatura Comparada com o cânone literário? 3. Explique o que é considerado como belas letras. 4. Por que hoje se pensa diferente em relação à Literatura do passado? 5. O que foi chamado de cânone, no passado, para se referir às obras literárias? 6. O que Stuart Hall quis dizer com: O baixo invade o alto, ofuscando a imposição hierárquica; criando, não simplesmente o triunfo e uma estética sobre a outra, mas aquelas formas impuras e híbridas do grotesco; revelando a interdependência do baixo com o alto e vice-versa, a natureza inextricavelmente mista e ambivalente de toda a vida cultural (HALL, 2003, p. 226). 7. Que produtos culturais podem ser incluídos no rol dos estudos da Literatura Comparada hoje? RESUMINDO Foram mostrados a você conceitos acerca da Literatura Comparada; da noção do cânone à sua queda, com a valorização de outras produções de cultura que não a literária. LEITURA RECOMENDADA Capítulo “Fronteiras Imaginadas: o comparativismo e suas relações com a Teoria, a Crítica e a Historiografia,” in: Literatura Comparada na América Latina de Eduardo Coutinho, p.69 a 79. Capítulo “Literatura Comparada”, in: Novo Manual de Teoria Literária, de Rogel Sa- muel, p. 99 a 105. Capítulo “Comparativismo”, in: Teoria da Literatura “ Revisitada” de Magaly Trinda- de Gonçalves e Zina C. Bellodi, p. 196 a 199. 34 Módulo 4 I Volume 1 EAD História da Literatura ComparadaLiteratura Comparada I
  • 35. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964. CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Lisboa: Rei dos Livros, 2002. COUTINHO, Eduardo. Literatura Comparada na América Latina. Rio de Janeiro: Eduerj, 2003. CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina. Tradução de Teodoro Cabral. Rio de Janeiro: INL,1957. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luis Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977. GONÇALVES, Maria Magaly Trindade; BELLODI, Zina. C. Teoria da Literatura “revisitada”. Petrópolis: Vozes, 2005. HALL, Suart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik; Adelaine La Guardia Resende et al. (trad.) Belo Horizonte: UFMG; Brasília: UNESCO, 2003. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Tradução de Lilian Shalders. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. LYOTARD, Jean-François. O Pós-Moderno. Tradução de Ricardo Correa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988. NITRINI, Sandra. Literatura Comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. PLATÃO. A República. Tradução de Jair Lot Vieira. São Paulo: EDIPRO, 1994 SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2005. SILVA, Vitor Manuel de A. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina,1975. SOUZA, Eneida Maria de. Crítica cult. Belo Horizonte: Editora UFMG,2007. 35Letras VernáculasUESC Aula1
  • 36. Suas anotações _ _ ________________________________________________ _ ________________________________________________ _________________________________________________ __________________________________________________ _____________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________
  • 37. aula Ao final desta Aula II, você deverá saber identificar o que é a metapoesia. Objetivos METAPOESIA 2
  • 38.
  • 39. AULA 2 METAPOESIA 1 INTRODUÇÃO Nesta aula II, vamos trabalhar com poesias que tematizam o próprio fazer poético, - em alusão à função metalinguística, estudada Roman Jakobson, centrada no código - com desdobramento para a ação do poeta diante do seu elemento de trabalho e em relação ao mundo. Tais opções devem-se sobremodo aos contextos em que viveram, que vai de uma total sujeição aos modelos anteriores, à emancipação do fazer poético e mesmo à intervenção do eu poético diante do mundo. 39Letras VernáculasUESC Aula2
  • 40. PARACONHECER Olavo Bilac Olavo Braz Martins dos Guimarães foi jornalista, poeta, inspetor de ensino. Nasceu no Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 1865, e faleceu, na mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, criou a Cadeira nº 15, que tem como patrono Gonçalves Dias. Após os estudos primários e secundários, matriculou-se na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, mas desistiu no 4º ano. Tentou, a seguir, o curso de Direito, em São Paulo, mas não passou do primeiro ano. Dedicou-se desde cedo ao jornalismo e à literatura. Teve intensa participação na política e em campanhas cívicas, das quais a mais famosa foi em favor do serviço militar obrigatório. Fundou vários jornais, de vida mais ou menos efêmera, como A Cigarra, O Meio, A Rua. Na seção “Semana” da Gazeta de Notícias, substituiu Machado de Assis, trabalhando ali durante anos. É o autor da letra do Hino à Bandeira. Fazendo jornalismo político nos começos da República, foi um dos perseguidos por Floriano Peixoto. Teve que se esconder em Minas Gerais, quando freqüentou a casa de Afonso Arinos em Ouro Preto. No regresso ao Rio, foi preso. Em 1891, foi nomeado oficial da Secretaria do Interior do Estado do Rio. Em 1898, inspetor escolar do Distrito Federal, cargo em que se aposentou, pouco antes de falecer. Foi também delegado em conferências diplomáticas e, em 1907, secretário do prefeito do Distrito Federal. Em 1916, fundou a Liga de Defesa Nacional. Sua obra poética enquadra-se no Parnasianismo, que teve na década de 1880 a fase mais fecunda. Embora não tenha sido o primeiro a caracterizar o movimento parnasiano, pois só em 1888 publicou Poesias, Olavo Bilac tornou-se o mais típico dos parnasianos brasileiros, ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. Fundindo o Parnasianismo francês e a tradição lusitana, Olavo Bilac deu preferência às formas fixas do lirismo, especialmente ao soneto. Nas duas primeiras décadas do século XX, seus sonetos de chave de ouro eram decorados e declamados em toda parte, nos saraus e salões literários comuns na época. Nas Poesias encontram-se os famosos sonetos de “Via-Láctea” e a “Profissão de Fé”, na qual codificou o seu credo estético, que se distingue pelo culto do estilo, pela pureza da forma e da linguagem e pela simplicidade como resultado do lavor. Ao lado do poeta lírico, há nele um poeta de tonalidade épica, de que é expressão o poema “O caçador de esmeraldas”, celebrando os feitos, a desilusão e morte do bandeirante Fernão Dias Pais. Bilac foi, no seu tempo, um dos poetas brasileiros mais populares e mais lidos do país, tendo sido eleito o “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, no concurso que a revista Fon-Fon lançou em 1o de março de 1913. Alguns anos mais tarde, os poetas parnasianos seriam o principal alvo do Modernismo. Apesar da reação modernista contra a sua poesia, Olavo Bilac tem lugar de destaque na literatura brasileira, como dos mais típicos e perfeitos dentro do Parnasianismo brasileiro. Foi notável conferencista, numa época de moda das conferências, no Rio de Janeiro, e produziu também contos, crônicas e obras didáticas. Obras: Poesias (1888); Crônicas e novelas (1894); Crítica e fantasia (1904); Conferências literárias (1906); Dicionário de rimas (1913); Tratado de versificação (1910); Ironia e piedade, crônicas (1916); Tarde (1919); Poesia, org. de Alceu Amoroso Lima (1957). Fonte: www.academia.org.br Enjambemant: termo francês para um processo poético que consiste no desalinhamento da estrutura métrica e sintática de uma composição, onde os versos se sucedem entre si sem pausas no final de cada um. É normalmente traduzido para o português por encavalgamento, por tradução direta do espanhol encabalgamiento. O processo de continuação do sentido de um verso no verso seguinte produz versos corridos, característica de muitas composições da nossa lírica galego-portuguesa (não significando que seja dela exclusivo, pois desde a poesia homérica que o enjanbement pode ser identificado). Trata-se de uma alternativa ao paralelismo tradicional e podemos testemunhá-la em cantigas de atafinda (que conduzem ininteruptamente o pensamento “até à finda” do poema), como a célebre “Quer’ eu en maneira de proençal / fazer agora un cantar d’amor”. Embora largamente utilizado já pelos poetas renascentistas e maneiristas, só a partir de André Chénier (1764-1811) o processo voltou a ganhar simpatia entre os poetas. Os poetas românticos utilizam-no com alguma frequência, mas só a partir da poesia modernista o processo de encadeamento dos versos se vulgarizou. Hoje são raras as composições que ainda obedecem a um alinhamento rigoroso dos versos e da sintaxe do poema. Fonte: www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/.../enjanbement.htm Figura: Olavo Bilac Fonte: http://commons.wikimedia. org/wiki/File:Olavo_bilac.gif 40 Módulo 4 I Volume 1 EAD MetapoesiaLiteratura Comparada I
  • 41. 2 METAPOESIA O soneto abaixo reproduzido é do poeta do Parnasianismo brasileiro Olavo Bilac. Por se tratar de um poema de forma fixa, dispõe-se de dois quartetos e dois tercetos: A Um Poeta Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego Não se mostre na fábrica o suplicio Do mestre. E natural, o efeito agrade Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. (Olavo Bilac) O poema apresenta-se em versos decassílabos, com rimas encadeadas, assim dispostas: rua-sua, aconchego-sossego; empre- go-grego, construa-nua; suplício-edifício-artifício; agrade-verdade- simplicidade; respectivamente, ABBA, BAAB, CDC, DCD. Ainda em relação ao nível fônico, ocorre o uso reiterado do polissíndeto, isto é, da conjunção aditiva e, em: “Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!”; do cavalgamento ou enjambemant, entre outros, em: “Bene- ditino escreve! No aconchego/Do claustro,...” ou “Não se mostre na fábrica o suplicio/Do mestre...”. No nível do conteúdo, o eu poético volta-se para o modelo clássico greco-romano de poetar, pois, inclusive, compara o esforço do poeta a um “templo grego”, deixando claro para o leitor que o poeta deve ser um ser enclausurado, como vivem os monges (= so- litários) da ordem de São Bento. Reforça a ideia de que o poema não é produto de inspiração, mas de trabalho: “Não se mostre na fábrica 41Letras VernáculasUESC Aula2
  • 42. o suplicio/ Do mestre. E natural, o efeito agrade/ Sem lembrar os andaimes do edifício”. Assim, o poema deve aparentar simplicidade, a partir do sacrifício, e, para obter o alcance da “... Beleza, gêmea da Verdade”. Tais conceitos etnocêntricos guardam a noção do Belo para os gregos, que, por sua vez, se associa ao Justo; sem esquecer a presença do forte componente platônico de que a Verdade está re- servada somente aos que deixam o mundo das sombras, do sensível. Veja agora o soneto A um poeta do poeta do realismo português Antero de Quental: A um poeta Tu, que dormes, espírito sereno, Posto à sombra dos cedros seculares, Como um levita à sombra dos altares, Longe da luta e do fragor terreno. Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno, Afugentou as larvas tumulares... Para surgir do seio desses mares, Um mundo novo espera só o aceno... Escuta! É a grande voz das multidões, São teus irmãos, que se erguem! São canções... Mas de guerra... e são vozes de rebate! Ergue-te, pois, soldado do Futuro E dos raios de luz do sonho puro, Sonhador, faze espada de combate! (Antero de Quental) Como o poema de Olavo Bilac, já analisado, o de Antero de Quental estrutura-se, no nível fônico, com regularidade métrica, estrófica e das rimas encadeadas. No nível do conteúdo, por outro lado, distancia-se do parnasiano, uma vez que o poeta, que dorme como um levita, nômade, que vaga pelos desertos, e tem o espírito sereno “Posto à sombra dos cedros seculares,/ Como um levita à sombra dos altares,/ Longe da luta e do fragor terreno”. Mas deve ter um outro comportamento diante dos problemas do mundo e não ficar “Longe do estéril turbilhão da rua,” como afirma Bilac. O poeta PARA CONHECER Antero de Quental: An- tero Tarquínio de Quental nasceu em Ponta Delgada, em Portugal, no dia 18 de abril de 1842. Desenvolveu uma intensa atividade no campo da escrita, da políti- ca e da produção de ideias. Dotado de uma personali- dade complexa, sofreu as oscilações de um caráter rico com uma expressão evidente na sua obra poé- tica. Com efeito, Quental desenvolveu uma ativida- de intervencionista que se traduziu numa intensa ativi- dade crítica. O poeta filóso- fo acreditava no progresso social que só poderia ser uma realidade com a im- plantação do socialismo. A par do seu lado combativo, Antero é um homem que na sua ânsia de infinitude, procura através da filoso- fia descobrir os mistérios existenciais. Faleceu no dia 11 de setembro de 1891. Obras da primeira fase – romântico-realista: Odes modernas (1865); Prima- veras românticas (1872) e Raios de extinta luz (1892). Segunda fase: inquietações metafísicas – parte dos So- netos completos. Fonte: http://www.citi.pt/ cultura/literatura/poesia/ quental/index.html 42 Módulo 4 I Volume 1 EAD MetapoesiaLiteratura Comparada I
  • 43. não pode mais deter-se na sua “torre de marfim”, como se fosse imune aos problemas da vida. O eu poético exorta o poeta a tornar- se soldado do Futuro e fazer do sonho, do devaneio “a espada de combate”, isto é, deve tornar-se solidário à multidão, aos irmãos que cantam hinos de guerra. O poema A Flor e a Náusea de Carlos Drummond de Andrade, a ser analisado, encarna a necessidade da participação do poeta diante do mundo. Trata-se de eu poético, alargado, que ganha a dimensão de um nós. A Flor e a Náusea Preso à minha classe e a algumas roupas, Vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me’? Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, aluci- nações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse. Em vão me tento explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos. O sol consola os doentes e não os renova. As coisas. Que tristes são as coisas, considera- das sem ênfase. Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem. Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em muitos, outros escondi. Alguns achei belos, foram publicados. Crimes suaves, que ajudam a viver. Ração diária de erro, distribuída em casa. Os ferozes padeiros do mal. 43Letras VernáculasUESC Aula2
  • 44. PARACONHECER Drummond: Carlos Drummond de Andrade nasceu em ltabira (MG) em 1902. Fez os estudos secundários em Belo Horizonte, num colégio interno, onde permaneceu até que um período de doença levou-o de novo para ltabira. Voltou para outro internato, desta vez, em Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro. Pouco ficaria nessa escola: acusado de “insubordinação mental” - sabe-se lá o que poderia ser isso! -, foi expulso do colégio. Em 1921, começou a colaborar com o Diário de Minas. Em 1925, diplomou-se em farmácia, profissão pela qual demonstrou pouco interesse. Nessa época, já redator do Diário de Minas, tinha contato com os modernistas de São Paulo. Na Revista de Antropofagia publicou, em 1928, o poema “No meio do caminho”, que provocaria muito comentário. Ingressou no funcionalismo público e em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro. Em agosto de 1987 morreu- lhe a única filha, Julieta. Doze dias depois, o poeta faleceu. Tinha publicado vários livros de poesia e obras em prosa - principalmente crônica. Em vida, já era consagrado como o maior poeta brasileiro de todos os tempos. O nome de Drummond está associado ao que se fez de melhor na poesia brasileira. Pela grandiosidade e pela qualidade, sua obra não permite qualquer tipo de análise esquemática. Para compreender e, sobretudo, sentir a obra desse escritor, o melhor caminho é ler o maior número possível de seus poemas. Muitos poemas de Drummond funcionam como denúncia da opressão que marcou o período da Segunda Grande Guerra. A temática social, resultante de uma visão dolorosa e penetrante da realidade, predomina em Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945), obras que não fogem a uma tendência observável em todo o mundo, na época: a literatura comprometida com a denúncia da ascensão do nazi-fascismo. A consciência do tenso momento histórico produz a indagação filosófica sobre o sentido da vida, pergunta para a qual o poeta só encontra uma resposta pessimista. O passado ressurge muitas vezes na poesia de Drummond e sempre como antítese para uma realidade presente. A terra natal - ltabira - transforma-se então no símbolo da atmosfera cultural e afetiva vivida pelo poeta. Nos primeiros livros, a ironia predominava na observação desse passado; mais tarde, o que vale são as impressões gravadas na memória. Transformar essas impressões em poemas significa reinterpretar o passado com novos olhos. O tom agora é afetuoso, não mais irônico. Da análise de sua experiência individual, da convivência com outros homens e do momento histórico, resulta a constatação de que o ser humano luta sempre para sair do isolamento, da solidão. Neste contexto questiona-se a existência de Deus. Nos primeiros livros de Drummond, o amor merece tratamento irônico. Mais tarde, o poeta procura capturar a essência desse sentimento e só encontra - como Camões e outros - as contradições, que se revelam no antagonismo entre o definitivo e o passageiro, o prazer e a dor. No entanto, essas contradições não destituem o amor de sua condição de sentimento maior. A ausência do amor é a negação da própria vida. O amor-desejo, paixão, vai aparecer com mais freqüência nos últimos livros. Depois da morte de Drummond, reuniu-se no livro O amor natural uma série de poemas eróticos mantidos em sigilo e que foram associados a um suposto caso extraconjugal mantido pelo poeta. Verdadeiro ou não o caso, interessa é que se trata de poemas bem audaciosos, em que se explora o aspecto físico do amor. Alguns verão pornografia nestes poemas; outros, o erotismo transformado em linguagem da melhor qualidade poética. Metalinguagem: a reflexão sobre o ato de escrever fez parte das preocupações do poeta. O tempo é um dos aspectos que concede unidade à poesia de Drummond: o tempo passado, o presente e o futuro como tema. Toda a trajetória do poeta - qualquer que seja o assunto tratado - marca-se por uma tentativa de conhecer-se a si mesmo e aos outros homens, através da volta ao passado, da adesão ao presente e da projeção num futuro possível. O passado renasce nas reminiscências da infância, da adolescência e da terra natal. A adesão ao presente concretiza- se quando o poeta se compromete com a sua realidade histórica (poesia social). O tempo futuro aparece na expectativa de um mundo melhor, resultante da cooperação entre todos os homens. Obras: Poesia: Alguma poesia (1930); Brejo das almas (1934); Sentimento do mundo (1940); Poesias (1942); A rosa do povo (1945); Claro enigma (1951); Viola de bolso (1952); Fazendeiro do ar (1954); A vida passada a limpo (1959); Lição de coisas (1962); Boitempo (1968); As impurezas do branco (1973); A paixão medida (1980); Corpo (1984); Amar se aprende amando (1985); O amor natural (1992). Prosa: Confissões de Minas (1944) - ensaios e crônicas; Contos de aprendiz (1951); Passeios na ilha (1952) - ensaios e crônicas; Fala, amendoeira (1957) - crônicas; A bolsa e a vida (1962) - crônicas e poemas; Cadeira de balanço (1970); O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso (1972) - crônicas; Boca de luar (1984) - crônicas; Tempo vida poesia (1986). Fonte: www.culturabrasil.pro.br/cda.htm Figura - Carlos Drummond de Andrade Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carlos_ Drummond_de_Andrade,_kapo.jpg 44 Módulo 4 I Volume 1 EAD MetapoesiaLiteratura Comparada I
  • 45. Os ferozes leiteiros do mal. Pôr fogo em tudo, inclusive em mim. Ao menino de 1918 chamavam anarquista. Porém meu ódio é o melhor de mim. Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima. Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegu- ra. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolu- mam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. (Carlos Drummond de Andrade) Décio Pignatari, poeta do concretismo brasileiro e estudioso da obra drummondiana, em A Situação Atual da Poesia no Brasil (1971), diz que, a partir de 1945, o poeta dá o salto para a poesia- participação; fazendo com que o verso ganhasse uma dimensão mais da prosa; aliás, algo iniciado ainda no século XIX, como viu o poeta francês Mallarmé, em 1897, na obra Um coup de dés (Um golpe de sorte), ao identificar o simbolismo como a última manifes- tação da poesia. Ainda nas palavras do concretista: A crise do artesanato, no século XIX, é a crise do artista, que não encontra mais função na sociedade utilitária. Interioriza a crise e exterioriza no próprio fazer-a-sua-arte. Na areia movediça, 45Letras VernáculasUESC Aula2
  • 46. PARACONHECER Mallarmé: Stéphane Mallarmé é um importante nome do simbolismo na poesia francesa. Influenciado por Charles Baudelaire, valoriza o artifício de inverter a sintaxe das frases para ressaltar a dificuldade como elemento principal. <http://www.algosobre.com.br/images/stories/assuntos/biografias/Stephane Mallarme. jpg>. Nasce em Paris e, em 1862, vai para Londres especializar-se em inglês. Volta a Paris um ano depois e funda, em 1874, a revista A Última Moda, na qual escreve sobre estética literária. Colabora no jornal Le Parnasse Contemporain, criando os poemas da primeira fase de sua carreira, influenciado por As Flores do Mal, de Baudelaire, editado na mesma época. No Parnasse, mostra poemas que se tornam famosos, como A Tarde de um Fauno, cuja inversão sintática atinge a incompreensão, na opinião de editores que se recusam a lançar a obra. Em 1897, publica na revista Cosmopolis o poema Um Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso, considerado seu trabalho mais importante, que ocupa o espaço de uma página dupla e é composto em caracteres e tamanho de letras diferentes, podendo ser lido de inúmeras formas simultaneamente. A obra é uma metáfora de suas indagações. Fonte: <http://www.algosobre.com.br/biografias/stephane-mallarme.html> Baudelaire: Charles-Pierre Baudelaire nasceu em Paris, no dia 9 de abril de 1821. Numa infância e adolescência atormentada, viu-se órfão do pai aos seis anos, e passou a odiar o segundo marido de sua mãe, o general Aupick. Após anos de desavenças com o padrasto, Baudelaire interrompeu seus estudos em Lyon para iniciar uma viagem à Índia. Ao regressar, participou da revolução de 1848 e logo após dissipou seus bens em meio à boemia e à jogatina parisiense. Lá conheceu personalidades como Mme. Sabatier, Marie Daubrun, e uma de suas musas, a atriz Jeanne Duval. Submerso em dívidas, Baudelaire foi submetido a um conselho judiciário iniciado por seus familiares. Assim, o tutor Ancelle foi nomeado para controlar os gastos do escritor. Um fato marcante na vida de Baudelaire, deu-se em 1857 com a publicação de As Flores do Mal (Les Fleurs du Mal). Este, que é o maior título de sua carreira, contém poesias que datam de 1841. Esta obra rendeu-lhe um processo pelo tribunal correcional do Sena; uma multa por atentar à moral e aos bons costumes, além de ser obrigado a retirar seis poemas (poesies damnées) do volume original, sendo publicado na íntegra apenas nas edições póstumas, em 1911. Baudelaire também foi alvo da hostilidade da imprensa, que o julgava um subproduto degenerado do romantismo. Porém, sua carreira foi admirada e elogiada por Vitor Hugo e Gustave Flaubert, entre outros. Tanto As Flores do Mal como Pequenos Poemas em Prosa (Petits Poèmes en Prose, que depois seria intitulado Le Spleen de Paris) foram publicados em revistas desde 1861, e introduziram novos elementos na linguagem poética, fundindo os opostos existenciais como o sublime e o grotesco, e explorando as analogias ocultas do universo. Baudelaire foi o escritor que avançou as fronteiras dos costumes em sua época, lançando-se também como crítico de arte no Salon de 1845. Nesse momento, o poeta tornava-se um crítico que buscava um princípio inspirador e coerente nas obras de arte. Os escritos que o revelam nesse segmento A arte Romântica e Curiosidades Estéticas só foram publicadas em 1868. Baudelaire atuou também como tradutor de Allan Poe a partir de 1848. Entre seus ensaios, destaca-se O Princípio Poético (1876), onde as bases de sua poética foram fixadas.Um outro Charles-Pierre Baudelaire é revelado em Os Paraísos Artificiais, ópio e haxixe (1860), uma especulação sobre plantas alucinógenas, parcialmente inspirada na obra de Thomas de Quincey, Confissões de um Comedor de Ópio. Encontram-se também obras de cunho intimista e confessional, como Meu Coração Desnudo e Diários Íntimos. Baudelaire é tido como um dos maiores poetas da França de todos os tempos. Alguns o consideram um ensaísta do parnasianismo, ou um romântico exacerbado. De atuação ousada, tornou-se um ícone no século XX influenciando a poesia mundial de tendências simbolistas. De sua obra, derivam Rimbaud, Verlaine e Mallarmé. Baudelaire foi precursor de uma linguagem moderna no romantismo, concedendo à realidade uma submissão lírica. Assim, sua poesia é marcada pela contradição; de um lado via-se um herdeiro do romantismo obscuro de Allan Poe e Gerard de Neval, e de outro, o poeta que se opôs ao sentimentalismo redundante do romantismo francês. Seus últimos anos foram obscurecidos por doenças de origem nervosa. Após uma vida repleta de atribulações, Baudelaire morreu em Paris, no dia 31 de agosto de 1867 nos braços de sua mãe, acometido pela paralisia geral. Seu talento, capacidade intelectual e percepção romântica, só foram totalmente apreciadas após sua morte. Fonte: http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/baudelaire.htm PARACONHECER Figura: Charles-Pierre Baudelaire Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Charles_Baudelaire.jpg 46 Módulo 4 I Volume 1 EAD MetapoesiaLiteratura Comparada I
  • 47. deseja ‘conservar’, como que num instinto de defesa ‘artesanal’, e quanto mais deseja conservar, mais parece acelerar a dissolvência da própria obra. Instalam-se nele a mauvaise conscience e a atitude reflexiva, crítico-analítica, não só diante da própria obra, como face à vida, em busca de novas formas- conteúdo [...] ( 1967, p.42-43). Logo, no poema em análise, Drummond coloca uma espécie de programa poético, e vai, ao longo do mesmo, contrapondo-se ao que foi a poesia no passado e aquela pela qual opta. O poeta mineiro pode ser visto na linha sucessória de Baudelaire, ao incorporar a seu texto o spleen, o mal-estar diante da vida, que já não guarda a aparente harmonia do passado, devido a experiências desagradáveis causadas a humanidade por guerra, revolução, miséria, discórdia. Preso à minha classe e a algumas roupas, Vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias, espreitam-me. Devo seguir ate o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me? O poeta está preso à sua classe de poetas e sente melancolias, mas pergunta se pode revoltar-se, ainda que sem armas. Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é pobre, como o poeta também e fundem-se no mesmo impasse. O relógio, símbolo do controle racionalista disciplinar da Modernidade, não foi capaz de gerar um tempo de completa justiça, por isso, é ainda de fezes, de maus poemas, alucinações, espera e pobre como o próprio poeta. Em vão me tento explicar, os muros são sur- dos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos. O sol consola os doentes e não os renova. As coisas. Que tristes são as coisas, conside- radas sem ênfase. Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. 47Letras VernáculasUESC Aula2
  • 48. Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem. O poeta se solidariza com todos os homens que, como ele, não têm nenhum problema resolvido, sequer colocado, porque sempre soletram o mundo através da leitura de jornais, ficando impotentes, “sabendo que o perdem”. A vacuidade da vida está por toda parte e nada tem sentido: As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Há como uma antropomorfização das coisas, que se tomam tristes. Em uma sociedade que prioriza o capital, tudo vira mercadoria e a própria poesia toma-se cifras e códigos sob a pele das palavras. Há, portanto, um novo lugar a ser ocupado pelo poético, produto de uma crise, que se torna auto-referencial e, ao mesmo tempo, referencial de um mundo que já não inspira repouso e harmonia, próprios de um tempo, se assim podemos chamar, metafísico. Notamos que o poeta se revolta e deseja vomitar esse tédio sobre a cidade e ainda mais: Pôr fogo em tudo, inclusive em mim. Ao menino de 1918 chamavam anarquista. Porém meu ódio é o melhor de mim. Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima. Assumindo este ódio, esta não comunhão com atos que desumanizam, pode dar “a poucos uma esperança mínima” de um devir melhor e, por isso, é capaz de enxergar uma saída para o homem, visto que: Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do trapézio. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silencio, paralisem os negócios, Garanto que uma flor nasceu. Sua cor, não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não esta nos livros. 48 Módulo 4 I Volume 1 EAD MetapoesiaLiteratura Comparada I
  • 49. Sendo, portanto, a flor, sinônimo de possibilidade, ainda que seja qualificada por atributos plenos de negatividade: “é desbotada”, “imperceptível” “suas pétalas não se abrem”, “É feia. Mas é realmente uma flor.” “E nasce, não em um jardim, vaso ou jardineira, mas grotescamente na rua! [...] rompe o asfalto”. Esta visão do vir-a-ser, estilhaça carnavalescamente, como diria Bakhtin, com a norma do discurso monológico e impõe uma outra perspectiva à norma oficial, pois trabalha com uma lógica transgressora, relativizando, dialogicamente, verdades sentenciosas capazes de excluir outras vozes. Estabelecendo, poeticamente, desse modo, uma síntese dialética entre passado: “Ao menino de 1918 chamavam anarquista,” no presente: “Porém o meu ódio é o melhor de mim” e no futuro: “Uma flor nasceu na rua”, porque, numa visão dialética tudo está em movimento, nada se encontra estático, ainda que só aparentemente, e, como tudo se relaciona, não pode ser desprezado o saber da rua, pois este pode ser encontrado, alegoricamente, na flor, cujo nome não está nos livros. Notamos que o autor ainda está preso à sua classe de poetas, isto é, aquele que reforça a ordem dominante, e vai de branco, mantendo, portanto, aquela transcendência de arte idealista, mas, diante de uma realidade tão avassaladora, é obrigado a se aproximar de todos os homens, que voltam para casa, ainda que reconheça, na sua insubordinação, a possibilidade de dar a poucos a esperança mínima, pois, todos, todos mesmo, poetas e homens, estão submetidos a uma norma que controla mentes e corpos, em nome de um progresso que amesquinha e diminui o gênero humano (FOUCAULT, 1997). Este poema, assim, incorpora as contradições inerentes à Modernidade, uma vez que o poeta ainda está preso à sua classe, mas, ao mesmo tempo, compromete-se, faz sua opção interna, em nome dos que estão à sua volta. O poema a ser analisado, a seguir, é do poeta do modernis- mo português Fernando Pessoa: Autopsicografia O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, 49Letras VernáculasUESC Aula2