Polícia contemporânea nova forma de se pensar e fazer segurança pública
1. Polícia Contemporânea Nova Forma de se Pensar e Fazer Segurança Pública
Fonte: FENEME - Claudete
Lehmkuhl - Ten Cel PMSC / Luís
Roberto de Carlos - Ten Cel PMSC
Resumo: Segurança pública como
questão social - reconstrução do papel
da Polícia Militar contemporânea
dentro de uma nova forma de pensar e
de cumprir o seu papel constitucional,
permitindo a otimização do efetivo, o
aumento da presença policial nas comunidades e implementação de novas estratégias e
processos de produção da ordem pública e da paz social, levando a corporação ao nível
de excelência almejada por seus integrantes e, principalmente, pelas comunidades.
Baseado em pesquisa bibliográfica e estudo de caso de experiências práticas já
realizadas com esta concepção.
Palavras Chave: segurança pública; ordem pública; paz social; comunidade.
Introdução
O mundo contemporâneo em que as organizações estão inseridas obriga as pessoas a
trabalharem cada vez mais rápido no desenvolvimento de novos produtos e tecnologias,
inovando e aperfeiçoando constantemente os processos de gestão. Definir uma
estratégia adequada é um dos principais fatores de sucesso das empresas que pretendem
estar na vanguarda dos acontecimentos.
A Polícia Militar de Santa Catarina que não foge a esta realidade, necessita
urgentemente repensar o atual modelo de Gestão de Segurança Pública, buscando novas
estratégias e processos de produção da ordem pública e paz social que evidenciem a
presença policial e sua participação no cotidiano das comunidades.
A segurança pública, por muito tempo, foi tratada como enfrentamento da violência e,
mais especificamente, da criminalidade. Só isso já constituiria uma tarefa gigantesca na
atualidade e que dificilmente é finalizada pelas instituições responsáveis por esta
política pública. O nível de organização da criminalidade com suas ramificações
2. entranhadas em nossa sociedade tornaram esta meta cada dia mais distante, mesmo com
todo o investimento feito no setor.
Nesta perspectiva, quanto mais se armam e se organizam os criminosos, mais se buscam
equipar e aprimorar as forças de segurança pública, sem, no entanto, abrirem-se
perspectivas de alteração substancial do quadro inicial.
Diante deste quadro torna-se relevante repensarmos o modelo atual de segurança
pública, priorizando uma atuação proativa em detrimento a uma atuação historicamente
reativa, tratando a segurança publica como uma questão social e buscando novas
estratégias de gestão voltadas para o cidadão, tendo como protagonista as comunidades
de maior vulnerabilidade Social.
Assim sendo, para alcançarmos este fim, necessário se faz formularmos o seguinte
questionamento: Para que a Polícia Contemporânea possa promover a ordem pública ou
a tão desejada paz social, necessário seria uma nova Forma de se Pensar e Fazer
Segurança Pública?
Para a consecução do presente trabalho elegemos como método de abordagem, o
dedutivo, onde pretendemos gerar novos conhecimentos que permitam a polícia militar
otimizar o seu efetivo, aumentar a presença policial nas comunidades e desenvolver
novas estratégias e processos de produção da ordem pública e paz social.
Com a técnica de pesquisa aplicada pretendemos apontar novos conhecimentos de
aplicação prática com base na experiência que envolve verdades locais e interesses
locais.
O objetivo do trabalho em questão é realizar uma pesquisa exploratória tendo por
técnica o Estudo de Caso e de apoio, a pesquisa Bibliográfica.
A fim de chegarmos aos resultados almejados no presente trabalho, iremos realizar uma
análise dos seguintes temas: Relação atual entre segurança pública e criminalidade;
Prevenção ao Crime com desenvolvimento social; Papel da Polícia: Coerção do Crime;
Polícia Contemporânea - Nova Forma de se Pensar e de se Fazer Segurança Pública.
3. 1. Relação atual entre Segurança Pública e Criminalidade
A segurança tem sido uma preocupação do homem desde que o mesmo começou a
ocupar a terra, tornando-se, com o passar dos tempos, cada vez mais acentuada.
Atualmente, este tema adquiriu enorme visibilidade diante dos perigos que a vida diária
oferece, com o crescimento das grandes cidades e as complexidades que envolvem as
questões sociais de nossa época.
Segurança é, paradoxalmente, uma situação, uma sensação mais presente no momento
em que falta. A insegurança debilita física e psicologicamente o homem, produzindo
reflexos individuais e sociais.
Com a globalização, a segurança deixa de possuir características regionais, para assumir
aspectos ilimitados, sem respeitar fronteiras, culturas ou camadas sociais. Com a
divulgação, principalmente através da imprensa, de uma forma direta e global, não
importando o local, as pessoas acabam tendo “sensação de insegurança”, mesmo
tratando-se de local com baixos índices de incidência de criminalidade.
Segundo LAZZARINI (1999) segurança é, sem dúvida, o campo mais vasto, além de
ser mais antiga preocupação do Estado. Entretanto, o atendimento à segurança pública
extravasa as possibilidades das medidas administrativas, e demanda atenções da
natureza política e judicial. Assim, considera-se segurança um valor social a ser mantido
ou alcançado em que o interesse coletivo na existência da ordem jurídica e na
incolumidade do Estado e dos indivíduos esteja atendido, a despeito de comportamentos
e de situações adversativas. Para manter ou alcançar esta situação, o Estado deverá
atuar, preventiva ou repressivamente, em quase todos os setores da atividade humana,
tantos são os comportamentos adversativos capazes de comprometê-la e de situações
que a ponham em risco.
Para ROLIM (2006), é inaceitável a ideia que a solução para a segurança pública está no
desenvolvimento de políticas de segurança. Ao tempo em que está convencido de que a
solução está na decisão de se construir políticas focadas na diminuição da criminalidade
e da violência. Ou seja, a melhor solução seria investimentos em políticas públicas a fim
de diminuir as desigualdades e as injustiças sociais, procurando reduzir os fatores de
riscos que levem a práticas violentas.
O referido autor reforça, ainda, que os investimentos em novas tecnologias na área de
segurança, apenas têm reforçado a atuação reativa destas e que o policiamento ostensivo
4. não resolve a criminalidade, uma vez que seu efeito resulta apenas na mudança de
região de atuação dos delinquentes.
Desta forma, reforçamos a importância de repensarmos o atual modelo de gestão de
segurança pública, ou seja, o papel da policia contemporânea. Somente assim,
alcançaremos a tão desejada “Paz Social”. Para a ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
(1992, p. 58), em sua doutrina, dentro dos Objetivos Nacionais Permanentes, encontra-
se a paz social que é assim entendida: “A paz social reflete um valor de vida não
imposto, mas decorrente do consenso, em busca de uma sociedade caracterizada pela
conciliação entre as pessoas e grupos, principalmente entre o capital e o trabalho, e por
um sentido de justiça social que beneficie todos os homens e cada um”.
Este imaginário social, de que a segurança é obrigação somente por parte do Estado,
através das Polícias, nos dias atuais, deve ser repensado.
ROLIM (2006) explica ainda, que somente os papeis cumpridos pelo estado na garantia
da segurança pública não são suficientes, necessário se faz juntarem-se a estes, ações de
pessoas, reforçando-se, desta forma, o papel da sociedade civil.
Podemos então dizer, que a relação entre Segurança Pública e Criminalidade nos
tempos atuais, não significa a inexistência do delito ou a ausência absoluta do
delinquente. Repassa por dois fatores: a certeza de que, em ocorrendo um delito, o
cidadão terá apoio com a ação efetiva de proteção oferecida pelo Estado através da
polícia ostensiva e uma ação proativa que significa participar, influir no processo social,
ser instrumento de ajuste das relações sociais e comunitárias, ir ao encontro do cidadão,
alcançar a mão antes que lhes solicitem e, ainda, ensinar técnicas de defesa social
espontaneamente, sem requisição.
2. Prevenção do crime com desenvolvimento social
Pelo exposto, verificamos que o problema da Segurança Pública vai além do bom
cumprimento das atribuições constitucionais e legais pelas Polícias, necessário se faz
também, analise as Políticas Sociais no Brasil. Para melhor compreensão da importância
destas, mister se faz, um breve estudo a respeito do tema.
5. O subdesenvolvimento brasileiro, analisado à luz dos indicadores básicos, leva-nos a
tomar consciência de que, aproximadamente, um terço da população não satisfaz, de
forma apropriada, as necessidades de alimentação, vestuário, moradia, acesso à
educação e ao lazer, e, ao mínimo de bens culturais. Há entre nós, um profundo
dualismo social, fruto da expansão capitalista, dentro do modelo concentracionista e
excludente.
Este modelo de modernização, altamente excludente e concentrador, acentuou as
desigualdades sociais e agravou a pobreza relativa e absoluta de extensas camadas das
classes trabalhadoras. Dessa forma, a modernização conservadora assentou-se sobre a
lógica permanente de privatização dos ganhos e socialização das perdas, favorecendo a
simbiose entre interesses estatais e privados, em detrimento dos interesses públicos.
Agora, a questão social passa a ser tratada por meio de articulação assistência/repressão.
Hoje se tem uma sociedade extremamente carente de Políticas Públicas, repercutindo
assim, diretamente no serviço dos policiais militares que se encontram na linha de
frente, junto à comunidade, enfrentando, as mais variadas dificuldades. A questão da
violência e da criminalidade que atinge de maneira drástica a população brasileira tem
causas múltiplas, decorrentes do processo histórico de um país marcado por profundas
desigualdades sociais, não podendo ser vista, exclusivamente, como problema de
natureza policial.
A ausência de políticas públicas eficientes que atendam às necessidades elementares de
educação, moradia, saúde, geração de emprego e melhor distribuição de renda, impede o
Estado de realizar, satisfatoriamente, o nível primário de prevenção, e agrava o quadro
de insegurança social, dificultando a atuação dos diversos órgãos que compõem o
sistema de Segurança Pública.
Enquanto o Brasil não passar a priorizar o social, ou passar a trabalhar com
desenvolvimento econômico e social, de forma integrada, teremos sérios problemas,
principalmente, na manutenção da ordem pública.
MARCINEIRO (2009) defende a importância de uma atuação sistêmica por parte dos
organismos encarregados da ordem pública. Assim como o estabelecimento de parcerias
nas comunidades e uma atuação que respeitem as peculiaridades de cada local.
Entendemos que a prevenção da criminalidade e o controle da violência dependem de
um conjunto de esforços e de integração de diversos órgãos, devendo, estes, passar a
6. atuar de forma preventiva. A participação da sociedade é indispensável. Cada cidadão
tem papel importante nessa prevenção, devendo, de forma organizada, lutar por políticas
públicas que elevem a qualidade de vida, por leis mais consentâneas com a realidade
atual e pela recuperação de valores fundamentais, hoje tão esquecidos, devido ao
individualismo exacerbado, à banalização da violência, à desagregação familiar e ao
consumismo desenfreado.
As polícias cuidam essencialmente das manifestações criminais, atuando, preventiva ou
repressivamente, elas estão lidando com o indivíduo predisposto à ilicitude, quer pelos
fatores sociais já abordados, quer pelos fatores endógenos, sobre os quais elas não têm e
nem poderiam efetivamente ter controle e, mesmo assim, as polícias são apenas parte de
um conjunto de órgãos que, de forma sistêmica, atua na ruptura da ordem pública.
Como fator suplementar, toda a população é responsável pela manutenção e preservação
da Segurança Pública. Cada indivíduo deve agir de forma a contribuir para manutenção
do estado de ordem e tranquilidade, que é esperado por todos.
A Polícia Militar dispõe de amplos poderes frente à Constituição Federal em seu Art.
144, § 5º que define que às Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação
da ordem pública. Mister se faz também observar o previsto no Art. 144 no que tange
que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,
mostrando a importância do envolvimento, juntamente com a Polícia, do cidadão, da
comunidade e principalmente outras instituições governamentais, em nível nacional,
estadual e municipal, a fim de promover a tão desejada “Paz Social”.
3. Papel da Polícia: Coerção do Crime
A maior prevenção ao crime deve resultar de um encadeamento dos ambientes
institucionais de desenvolvimento humano e da vida diária. Estas instituições incluem
comunidades, famílias, escolas, mercados e locais de trabalho, assim como, as
instituições legais de policiamento e justiça criminal. Essa prevenção é largamente mal
interpretada. O debate nacional sobre crime geralmente trata prevenção e punição como
conceitos mútuos exclusivos, opostos numa continuidade de respostas ao crime, macias
versus respostas rígidas.
Se o debate da prevenção ao crime é construído apenas em termos de rótulos simbólicos
de punição versus prevenção, as escolhas políticas podem ser feitas mais na base do
apelo emocional do que na evidência sólida de efetividade.
7. Trazer mais dados ao debate realmente alterou o entendimento público de muitos
assuntos complexos. A prevenção de doenças, por exemplo, ganhou comum e amplo
entendimento público das implicações de novas descobertas de pesquisas, especialmente
aquelas sobre escolhas no estilo de vida (por exemplo: fumo, dietas, exercícios) que as
pessoas podem controlar por si próprias. A prevenção dos ferimentos através do ajuste
dos fabricantes de veículos tem sido cada vez mais debatida em termos das
consequências empiricamente observadas, ao invés das teorias logicamente produzidas.
A condição necessária para o sucesso nas práticas de prevenção ao crime em um
ambiente é o suporte adequado para a prática em ambientes relacionados. As escolas
não podem obter sucesso sem o apoio das famílias; estas não podem obter sucesso sem
mercados de trabalho que as apoiem; e estes, por sua vez, não obterão sucesso sem ruas
seguras e bem policiadas; e a polícia não pode alcançar o sucesso sem a participação da
comunidade.
A punição legal e sua ameaça só podem ser eficazes na prevenção ao crime, se
reforçados pelos controles sociais informais de outras instituições. Assim, como os
exercícios físicos só surtem efeitos positivos num corpo bem alimentado, todos os tipos
de prevenção ao crime só podem ser eficazes quando o contexto institucional é forte o
bastante para apoiá-los.
O contexto comunitário da prevenção ao crime pode precisar de uma massa crítica de
apoio institucional para dissuadir informalmente o comportamento criminoso. Sem essa
massa crítica, nem as famílias, nem as escolas, os mercados ou áreas de trabalho, a
polícia ou as prisões obterão sucesso no que tange a prevenção ao crime.
Prevenção essa que é uma consequência de muitas forças institucionais. A maioria delas
ocorre naturalmente, sem intervenção ou suporte governamental. Tal concordância se
quebra quando as instituições familiares e comunitárias, parecem, elas próprias, se
desintegrarem, criando um vácuo de controle social informal que o governo, então, é
convidado a preencher, através de ações de polícia.
Para GIDDENS (1998) a comunidade deve ser o foco. Somente com ações de
regeneração da comunidade é possível prevenir o crime e reduzir o medo dele. É
importante às polícias priorizarem sua atenção para a prevenção ao crime, isto poderia
significar uma reintegração da polícia com a comunidade, andar de mãos dadas com
esta, restabelecer os laços de confiança.
8. Uma grande parte da literatura de prevenção ao crime se ajusta de modo ordenado
dentro de sete categorias principais: 1) Comunidades; 2) Famílias; 3) Escolas; 4)
Mercados de Trabalho; 5) Posições/Áreas; 6) Agências Policiais; e 7) outras Agências
de Justiça Criminal. As definições desses ambientes, para a prevenção ao crime, são
bem amplas e algumas vezes se sobrepõem. Mas, como sistemas para a organização de
descobertas nas pesquisas de prevenção ao crime, nós os consideramos bastantes
viáveis.
Trabalhar com a prevenção ao crime pode ser a prática mais importante que as escolas
podem oferecer. A evidência mostra que programas com base escolar apontaram um
poder de recuperação crescente, por exemplo, ensinando aos estudantes “habilidades de
pensamentos” necessárias à adaptação social, trabalhando para reduzir o uso de drogas,
são promissores no que tangem a redução da delinquência. Programas que enfocam, não
os estudantes individualmente, mas as organizações escolares, também funcionam.
A prevenção ao crime, em diferentes áreas, pode ter efeitos significativos na redução
total de crimes na comunidade. Até mesmo em bairros de alta criminalidade, muitos
lugares ficam livres de crimes durante anos. A repetição frequente de crimes, em certo
punhado de localizações faz a prevenção ao crime ainda mais importante nas ditas bocas
quentes.
Além das políticas sociais de prevenção, outro modo de prevenção ao crime é bloquear
oportunidades, tornando os crimes mais difíceis, mais arriscados, menos compensadores
ou desculpáveis. Quanto mais polícia houver, menos crimes haverá. Enquanto os
cidadãos e funcionários públicos aderem frequentemente a essa visão, os cientistas
sociais reivindicam o extremo oposto: que a polícia faz contribuições mínimas à
prevenção ao crime, no contexto de instituições sociais mais poderosas, como a família,
os mercados de trabalho. A verdade parece estar no meio termo. Se a polícia adicional,
realmente, previne o crime, pode depender de quão bem ela é enfocada em objetivos
específicos (tarefas, lugares, tempos e pessoas). Acima de tudo, pode depender da
colocação da polícia onde o crime se concentra, nas vezes em que ele é mais provável
de acontecer; policiamento focalizado em fatores de risco.
Segundo BALESTRELI (2003) a atividade de polícia tem que ser um instrumento de
garantia da cidadania. Tendo a polícia que desempenhar um papel social voltado para a
garantia dos direitos fundamentais e da melhoria da qualidade de vida. Defende que a
Polícia teria tudo para ser uma instituição respeitada e valorizada. Apontando ainda, o
policial, como sendo, quem poderia ser, o principal promotor dos direitos humanos. A
missão principal da instituição policial deveria ser a proteção dos direitos humanos da
sociedade e a prisão de criminosos, apenas uma consequência do processo.
9. A tão desejada qualidade de vida envolve inúmeros aspectos: econômicos, sociais,
educacionais, de lazer, de segurança, de conforto, e assim por diante. Destacam-se os
aspectos que dizem respeito à segurança, entendida como o sentimento que o cidadão
experimenta quando não há a ameaça de direitos inerentes à sua condição humana e
social. Ter qualidade de vida é sentir-se seguro; é poder sair de casa sem medo; é estar
em casa confiante de que não será molestado; é ter certeza de que o filho retornará são e
salvo do colégio; é poder exercer a profissão sem o medo do desemprego; é ter alimento
à mesa; é acreditar que a sociedade será melhor amanhã; é tomar um ônibus que não
esteja lotado.
É importante registrar que, as polícias são resultantes do contexto social em que atuam,
pois, são integradas por cidadãos oriundos da própria sociedade. A discussão sobre o
sistema policial brasileiro tem sido consciente ou inconscientemente, mascarada e
confusa, onde a maioria dos participantes (especialistas, intelectuais, políticos, policiais
e outros segmentos), ao analisar o problema, faz um exercício perverso de exclusão das
causas exógenas, retirando a polícia do sistema maior – a sua sociedade – e, a partir daí,
fazem as relações de causa e efeito, prejudicando ou inviabilizando o encontro de
soluções. Tudo se passa como se a inadequação do sistema policial não tivesse nada a
ver com a inadequação do sistema social; como se a arbitrariedade e a corrupção
policial não tivessem relações com o que acontece no seio das comunidades.
A sociedade brasileira tem discutido o seu sistema policial e, com frequência, é até
analisada a proposta da construção de uma nova polícia. Alguns querem uma polícia
que resolva o problema da criminalidade, outros querem uma polícia melhor, prestadora
de serviço. Uma nova polícia não resolverá o problema da criminalidade, pois trabalha
com as consequências e não com as causas. É necessária a melhoria da prestação do
serviço, independente do modelo policial escolhido, único ou múltiplo, militar ou civil,
pois, qualquer escolha não terá grandes possibilidades de êxito se não for acompanhada
de investimento adequado na qualificação e valorização do policial e na modernização
da polícia, no aspecto tecnológico e principalmente na redefinição de sua missão e na
forma de atuação.
4. Polícia Contemporânea: Nova Forma de se Pensar e de se Fazer Segurança Pública
É imprescindível que visualizemos alternativas de convívio pacífico dos cidadãos para
rever o papel da Segurança Pública neste processo.
10. Com isso, aos poucos essa questão passou a ser recolocada, tendo o cidadão como
marco referencial e considerando a Segurança Pública como um conjunto de condições
socioambientais que lhes possibilitem um nível de tranquilidade para viver. A segurança
cidadã, neste contexto, se refere a uma ordem cidadã democrática, que elimina as
ameaças da violência na população e permite a convivência segura e pacífica. Mais que
simplesmente ações preventivas, se tratam de uma verdadeira quebra de paradigmas no
campo da Segurança Pública.
Esta nova localização político-institucional da segurança pública está sintonizada com
as mais recentes conquistas da cidadania no Brasil e no mundo. Desde a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, a pessoa deve ser tomada como referência
para a organização dos Estados e, por conseguinte para a concepção das políticas
públicas. Concerne, em essência, a tutela efetiva de uma parte de amplo espectro de
direitos humanos: o direito a vida, a integridade pessoal e outros direitos inerentes ao
foro mais pessoal (não violação de domicílio, a liberdade de ir e vir etc.), assim como o
direito de desfrutar dos próprios bens. No Brasil a Constituição de 1988 afirma uma
série de Direitos aos Cidadãos e deveres ao Estado, como princípio norteador da
organização social e política nacional. Isto não isenta a identificação e a cobrança dos
deveres de cada um, mas assume o compromisso público com a qualidade de vida como
valor maior da Nação.
A Segurança Pública, neste sentido, inclui o controle da criminalidade e violência, mas
também a prevenção de acidentes e calamidades públicas e, principalmente, o
sentimento de pertencimento social que está na base do convívio pacífico. Esta quebra
de paradigma gera certamente desconforto àqueles incluídos no lado privilegiado do
maniqueísmo vigente. Aos “cidadãos de bem” interessa que as forças de segurança
afastem do convívio social aqueles que sejam considerados “perigosos”, independente
de quaisquer considerações que se faça sobre a situação. Ao senso comum, aos meios de
comunicação e mesmo aos profissionais de segurança pública tradicional, os brados por
equipamentos e legislação mais severa contra os criminosos parecem um hino repetido a
exaustão, cujo descumprimento explicaria todo agravamento da violência. Superar estes
entendimentos sem abrir espaço para o desregramento e o arrivismo é um desafio de
longo prazo, mas que exige seu início imediato, sob o risco de entrarmos na ciranda sem
fim da violência para combater a violência.
Ter o cidadão como referência para a definição das ações de segurança pública torna as
coisas menos simplistas e aumenta o compromisso de todos com a questão. Para tanto,
em primeiro lugar precisamos envolver os cidadãos e suas organizações enquanto
sujeitos na definição e construção das ações de segurança pública. Sem o protagonismo
da população moradora das áreas de maior ocorrência da violência – seja como vítimas
ou causadores da violência – quaisquer alterações que sejam feitas restam limitadas à
materialidade e não produz as transformações subjetivas, necessárias ao convívio
cidadão. Com a participação proativa dos grupos sociais mais vulneráveis como
protagonista nas ações de segurança pública se está investindo na construção do capital
11. social e restabelecendo a confiança do cidadão na capacidade de políticas públicas
sustentáveis. Esta estratégia tem o potencial para influir diretamente sobre os problemas
de segurança local, assim como para captar maior atenção da comunidade que se sente
parte do problema e de suas soluções.
A participação e o compromisso crítico com a Segurança Pública passam longe das
manifestações do tipo basta de violência, ou queremos justiça que estamos –
infelizmente – acostumados a ver. Significam um mergulho na raiz da questão,
recriando as condições para o desenvolvimento da nova cultura da convivência. O
investimento deve incidir nas ameaças à segurança das pessoas provenientes da
violência e em particular da violência cotidiana, a que surge no interior da família e do
bairro. Os cidadãos e cidadãs, as crianças e adolescentes sofrem com ela, como
resultado de situações de risco ou das atividades de organizações criminais associadas a
delitos de maior complexidade e que podem ser prevenidos ou enfrentados com
políticas integrais.
Para que os grupos sociais mais vulnerabilizados tenham aumentado seu compromisso
com a coletividade e, por conseguinte, contribuam com a Segurança Pública é
indispensável que o Estado assuma de forma clara e eficiente as políticas públicas
garantidoras dos Direitos Sociais estabelecidos na legislação. Sem que isso ocorra
permanece a animosidade construída historicamente. Dada a enorme distância entre
aqueles que gozam das melhores condições de vida possíveis e a maioria, que está
aquém do patamar mínimo estabelecido pelas leis, o Estado que por muito tempo
mostrou-se omisso a essa defasagem, aparece como adversário desta parcela da
população.
Dentre as questões que contribuem para que os grupos sociais mais vulneráveis tenham
aumentada a sensação de segurança pública e se comprometam com ela, podemos
destacar:
a) que as regras de convivência social sejam claras e trabalhadas permanentemente,
especialmente com adolescentes e jovens. Sem o investimento consistente na educação
para o acatamento voluntário das normas de convivência, abandonamos as novas
gerações aos interesses econômicos e perdemos os espaços da afetividade e da
reciprocidade nas relações humanas;
b) que o espaço em que vivem seja reconstituído em termos de organização e estética.
Sentirmo-nos bem onde moramos é a base para que nos sintamos incluídos e
cumpramos nossa parte em relação à sociedade;
12. c) que existam ações preventivas e se conheçam os procedimentos para situações de
emergências e calamidades públicas nestas comunidades. Não se podem neutralizar
todos os riscos, mas é crucial que os cidadãos saibam agir em emergências e que
conheçam as ações de prevenção em funcionamento;
d) que os profissionais de segurança pública sejam confiáveis e que estejam capacitados
para atuar junto às comunidades de maior risco, na ótica da segurança cidadã. A
legitimidade social das instituições de Segurança Pública está diretamente relacionada à
postura dos profissionais, especialmente os policiais.
e) que as famílias das áreas de risco recebam apoio e orientação para educar seus filhos.
O desafio da educação para a cidadania em um contexto de maior atratividade da
violência e do narcotráfico exige a atenção e o apoio constante às famílias.
f) que o diálogo seja a estratégia predominante para lidar com os conflitos próprios da
convivência. Nas localidades onde a qualidade de vida está deteriorada é comum que
pequenas querelas próprias do convívio resultem em casos de grave violência. A
mediação de interesses e resolução pacífica de conflitos fortalece os vínculos
comunitários e promove a cultura da paz social.
g) que haja alternativas de inserção no mercado de trabalho, especialmente para os
adolescentes e jovens. Por mais que se pretenda promover a cidadania e os valores do
convívio social, sem perspectivas de geração de renda através do trabalho não se
conseguirá afastá-los do mundo da criminalidade.
h) que os programas de atendimento à população em situação de maior vulnerabilidade,
especialmente crianças e adolescentes em situação de rua, atuem em rede. A integração
das alternativas existentes aumenta a efetividade dos trabalhos e resulta em mais
cidadania.
As propostas acima apresentadas não se tratam, todavia, de um conjunto de boas
intenções. Trata-se de um referencial de diversas ações já em curso tanto no Brasil
quanto em outros países, e que teve nos Jogos Pan-americanos um momento de intensa
aplicação. A Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, imbuída deste
entendimento, assumiu a responsabilidade e realizou oito Projetos Especiais durante os
jogos pan-americanos 2007, na cidade do Rio de Janeiro – RJ, quando a frente da
13. segurança do referido evento. Além do impacto social, ou legado social deixado,
pretendeu-se promover a capacitação dos profissionais da Segurança Pública de todo o
país através da imersão neste novo paradigma. Para o sucesso destes projetos alguns
pressupostos foram observados:
a) Articulação em Rede – Abrangendo diferentes níveis de governo, organizações não
governamentais, organismos internacionais e lideranças comunitárias, a integração
institucional, mais que tática operacional, é a afirmação da Atuação em Rede como
princípio para a proteção social;
b) Programas sob Responsabilidade da Política de Segurança Pública – Atuando na
coordenação para garantir a focalização na promoção das normas de convivência e
reforçar a imagem dos profissionais e instituições da segurança pública como aliadas da
cidadania e, além disto, qualificar os profissionais para o desenvolvimento autônomo de
novas ações a serem desenvolvidas nos estados.
c) Integralidade dos Direitos – Qualidade de vida com foco nos grupos sociais mais
vulneráveis, abrangendo diferentes dimensões dos direitos previstos na legislação
social.
d) Produção do Legado Social – potencialização do Capital Social (participação cidadã)
provocando transformações sustentáveis na realidade local.
O conjunto de ações desenvolvidas sob estas bases contribuiu, sem dúvida, para o êxito
das ações de Segurança Pública dos Jogos Pan-americanos Rio 2007. Além disto,
deixaram marcas na forma de melhorias na qualidade de vida, fortalecimento do
sentimento de pertencimento e inclusão dos grupos em maior vulnerabilidade social.
Mesmo considerando que a apuração minuciosa deste impacto só pode ser feita no
médio e longo prazo, foi possível observar uma grande adesão das comunidades,
profissionais e instituições aos projetos.
5. Conclusão
Este trabalho vislumbrou uma reflexão do Papel da Polícia contemporânea - uma nova
forma de se pensar e de se promover Segurança Pública que viesse de encontro a atual
necessidade da Polícia militar de otimizar seu efetivo, aumentar sua presença nas
14. comunidades e criar novas estratégias e processos de produção da ordem pública e paz
social.
A solução dessas inquietudes atuais foram entendidas e apresentadas no decorrer da
descrição do presente trabalho. Destacamos aqui apenas alguns pontos relevantes para a
implantação e implementação de estratégias essenciais à construção desta nova visão de
segurança pública:
· Atuação proativa em detrimento a uma ação reativa;
· Participação comunitária, principalmente de suas lideranças nas ações desenvolvidas
pela corporação;
· Atenção voltada para o cidadão tendo por protagonista as comunidades de maior
vulnerabilidade social;
· Capacitação do efetivo policial sobre este novo prisma;
· Visão sistêmica de Segurança Pública;
· Integração dos órgãos governamentais, a nível federal, estadual e municipal.
Estas são, sem dúvida, as bases sobre a quais deve se estruturar a nova Segurança
Pública em Santa Catarina, assim como, em todo o Brasil, permitindo chegar a tão
desejada “Paz Social”.
Mister, também, se faz a implementação de uma nova estrutura organizacional nas
Polícias Militares que permita a aplicação prática dos pontos levantados no presente
trabalho tendo em vista que o formato atual foi desenhado sob outra perspectiva ou
entendimento de segurança.
15. De forma empírica, sugerimos abaixo, a criação de duas novas Diretorias que
possibilitariam redirecionar a Polícia Militar contemporânea para o cumprimento ou
para esta nova forma de se pensar e de se fazer segurança pública, bem como a
fomentação, ou atenção especial à Diretoria de Instrução e Ensino:
· Diretoria de Pacificação Social;
· Diretoria de gestão da Tecnologia da informação.
As reflexões apresentadas se deram de forma superficial, frente à forma aprofundada
que esta questão deve ser tratada. Fica, no entanto, apenas a certeza de termos
evidenciado um novo direcionamento à atuação policial, vislumbrando outra forma de
cumprimento da sua missão constitucional e, principalmente, seu posicionamento como
instituição gestora ou responsável por “Tecer a paz Social”.
[...] as organizações de polícia devem buscar parcerias para identificar, priorizar e agir
criativamente sobre os problemas de desordem, violência e criminalidade das
comunidades. [...] colocando o agente de preservação da ordem pública como agente
aglutinador das demais forças vivas da comunidade para, respeitando-lhes as
peculiaridades locais, engendrar ações de construção de paz social. (MARCINEIRO,
2009, PG 223).
Anjos Guardiães