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INSPER
LLM- Direito Societário
LUIZA LEITE JUNOT
OS CONFLITOS DE INTERESSES DOS ACIONISTAS NAS SOCIEDADES
ANÔNIMAS
SÃO PAULO
2016
LUIZA LEITE JUNOT
OS CONFLITOS DE INTERESSES DOS ACIONISTAS NAS SOCIEDADES
ANÔNIMAS
Trabalho de monografia apresentado ao INSTITUTO
DE ENSINO E PESQUISA - INSPER como requisito parcial
para obtenção de título de especialista em Direito Societário.
Orientadora: Dra. Ana Cristina von Gusseck Kleindienst
SÃO PAULO
2016
Junot, Luiza Leite.Os conflitos de interesses dos acionistas nas Sociedades Anônimas.
Luiza Leite Junot, São Paulo, 2016
Monografia (LL.M- Legal Law Master). Programa de pós graduação em Direito Societário –
Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientadora: Dra. Ana Cristina von Gusseck
Kleindienst
1.Conflito de interesses. 2. Teoria do Conflito Material e do Conflito Formal. 3.
Consequências do voto proferido em situação de conflito de interesses. I. Luiza Leite
Junot. II. A Os conflitos de interesses dos acionistas nas Sociedades Anônimas.
RESUMO
O presente trabalho irá abordar, em linhas gerais, as duas teorias doutrinárias sobre o conflito
de interesses formal (que o acionista deve se abster de votar, caso haja evidência do conflito
previamente à deliberação, ou seja, a priori, proibi-se o acionista de exercer seu direito de
voto) e material ou substancial (somente após o exercício do voto do acionista será realizada
uma análise se houve ou não o conflito), e apresentaremos os principais autores que discorrem
sobre o assunto, mencionando os argumentos mais utilizados pela doutrina.
Iremos abordar os aspectos conceituais de direito de voto, o interesse social da companhia e o
conflito de interesses em si.
Serão trazidas também duas decisões polêmicas da Comissão de Valores Mobiliários,
AMBEV e Tractebel, para analisarmos os argumentos sustentados pelo colegiado, para
embasar as decisões proferidas, sempre com enfoque no conflito de interesses, tema central
deste trabalho.
Com relação às consequências do voto proferido em uma situação de conflito de interesses
nas sociedades anônimas, traremos os mecanismos para punir o acionista que agiu contra os
interesses da companhia e como a companhia ou o acionista que sofreu o prejuízo podem
reivindicar a reparação do dano, administrativa ou judicialmente.
Palvras chave: 1. Conflito de interesses. 2. Escola formal. 3. Escola material. 4. Decisões da
da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
ABSTRACT
The present work will address, in general lines, the two doctrinal theories on the formal
conflict of interests (that the shareholder must abstain from voting, if there is evidence of the
conflict prior to the deliberation, that is, a priori, the shareholder is prohibited to exercise its
voting right) and material or substantial (only after the exercise of the vote of the shareholder
will be carried out an analysis of whether or not there was a conflict), and we will present the
main authors who discuss the subject, mentioning the arguments most used by the doctrine .
We will discuss the conceptual aspects of voting rights, the social interest of the company and
the conflict of interest itself.
Two controversial decisions of the Securities and Exchange Commission, AMBEV and
Tractebel, will also be brought to analyze the arguments supported by the collegiate, to
support the decisions made, always focusing on the conflict of interest, the central theme of
this work.
In terms of the consequences of the vote cast in a situation of conflict of interest in
corporations, we will bring the mechanisms to punish the shareholder who acted against the
interests of the company and how the company or the shareholder that suffered the loss can
claim compensation for the damage, administrative or judicial.
Keywords: 1. Conflict of interests 2. Formal Conflict 3. Material Conflict 4.Decisions of the
Securities and Exchange Commission.
Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................2
CAPÍTULO PRIMEIRO - ASPECTOS CONCEITUAIS ...................................................5
1.1 Direito de Voto ............................................................................................................5
1.2 Interesse social da Companhia.....................................................................................6
1.3 Conflito de interesses...................................................................................................8
CAPÍTULO SEGUNDO - OS PRINCIPAIS ASPECTOS DO CONFLITO DE
INTERESSES ENTRE OS ACIONISTAS E A COMPANHIA NO EXERCÍCIO DO
DIREITO DE VOTO .............................................................................................................10
2.1. Teorias doutrinárias...........................................................................................................10
2.2. Defensores da Teoria do Conflito Material.......................................................................10
2.3. Defensores da Teoria do Conflito Formal.........................................................................13
CAPÍTULO TERCEIRO - CONSEQUÊNCIAS DO VOTO PROFERIDO EM
SITUAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES................................................................17
CAPÍTULO QUARTO – ENTENDIMENTO DA CVM....................................................17
CONCLUSÃO.........................................................................................................................29
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................29
2
INTRODUÇÃO
A Lei nº 6.404/76 (“LSA”) tem o condão de definir as regras para o bom funcionamento das
sociedades por ações, contudo como toda legislação deixou margem para interpretações
controvertidas.
Neste trabalho iremos tratar do artigo 115 da LSA, do capítulo X (Acionistas), Seção III
(Direito de Voto), que estabelece a obrigação do acionista em votar no interesse da
companhia. Daremos enfoque nas principais questões relacionadas aos conflitos de interesses
nas sociedades anônimas entre os acionistas e a companhia, que envolve, em linhas gerais, se
o acionista está impedido de votar a priori ou se pode votar e o potencial conflito poderá ser
analisado ex post à deliberação, sem cercear o direito do acionista.
O artigo 115 da LSA, definido na própria lei como “Abuso do Direito de Voto e Conflito de
Interesses”, diz o seguinte:
Art. 115. O acionista deve exercer o direito de voto, no interesse da
companhia, considerar-se-á abusivo o voto exercido com fim de
causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter para si
ou para outrem vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou
possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
§1º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia
geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a
formação do capital social e à aprovação de suas contas como
administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo
de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da
companhia.
§2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que
concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o
laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o §6º do artigo
8º.
§3º O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo
do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido.
§4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que
tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o
acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir
para a companhia as vantagens que tiver auferido. (grifo nosso)
Ao analisarmos o caput do artigo 115, acima transcrito, que trata do exercício abusivo do
direito de voto, resta evidente que para existir abuso de direito é condição sine qua non o
exercício do voto, para que a posteriori seja analisado se houve ou não o abuso.
3
De acordo com o entendimento de Alfredo Lazarescchi Neto1
, na Lei das Sociedades por
Ações Anotada, o voto deve ser exercido sempre no interesse da companhia quando tem por
finalidade fazê-la realizar o seu objeto e cumprir a sua função social.
Segundo Luiz Gastão Paes de Barros Leães2
, entende-se por interesse da companhia:
não como o somatório dos interesses privados dos sócios, nem como
um interesse desvinculado dos interesses dos acionistas da companhia,
mas como o interesse comum dos sócios (quaa socii e não enquanto
indivíduos), norteado no sentido da realização do objeto social.
O presente estudo irá abordar, em linhas gerais, as duas teorias doutrinárias sobre o conflito
de interesses e as respectivas consequências de cada uma, a saber:
a) Conflito de interesse formal: esta corrente entende que o acionista deve se abster de
votar, caso haja evidência do conflito previamente à deliberação, ou seja, a priori,
proibi-se o acionista de exercer seu direito de voto. São defensores desta teoria os
professores Calixto Salomão Filho, Modesto Carvalhosa, Fabio Konder Comparato,
dentre outros.
b) Conflito de interesse material ou substancial: após o exercício do voto do acionista
será analisado se houve ou não o conflito. Se for constatado que houve conflito, o voto
daquele acionista pode ser anulável. Dentre outros, os principais defensores desta tese
são os professores Erasmo Valladão A e N. França e José Alexandre Tavares
Guerreiro.
O entendimento da Comissão de Valores Mobiliários sobre o tema tende adotar a corrente que
defende a escola formal, em que o acionista em situação de potencial conflito está impedido
de exercer o direito de voto, contudo esta antiga discussão está longe de terminar, uma vez
que mudou no mínimo quatro vezes nos últimos quinze anos.
Antes de analisarmos as diferentes correntes doutrinárias acerca do tema, abordaremos
inicialmente, no capítulo primeiro, os aspectos conceituais de direito de voto, interesse social
da companhia e do conflito de interesses em si.
1
NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2012.
2
NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2012.
4
No segundo capítulo, os principais aspectos dos conflitos de interesses entre os acionistas e a
companhia, traremos as duas principais correntes (formal e substancial), e apresentaremos os
principais autores que discorrem sobre o assunto, mencionando os argumentos mais utilizados
pela doutrina para sustentar a tese formal e material.
Com relação às consequências do voto proferido em uma situação de conflito de interesses
nas sociedades anônimas, traremos no capítulo terceiro, quais os mecanismos para punir o
acionista que agiu contra os interesses da companhia e como a companhia ou o acionista que
sofreu o prejuízo podem reivindicar a reparação do dano, administrativa ou judicialmente.
Por fim, traremos dois casos emblemáticos julgados, na esfera administrativa, pela CVM
(Ambev e Tractebel), para analisarmos os argumentos sustentados pelo colegiado, para
embasar as decisões proferidas, sempre com enfoque no conflito de interesses, tema central
deste trabalho.
Entendemos ser um tema de grande relevância para o mercado de capitais, em geral, pois trata
da segurança jurídica, fundamental para a realização de investimentos no país. E somente a
partir da discussão da matéria conseguiremos consolidar o entendimento a respeito do conflito
de interesses, ainda tão controvertido.
5
CAPÍTULO PRIMEIRO – ASPECTOS CONCEITUAIS
1.1. Direito de Voto
O direito de voto é o direito do acionista de manifestar sua vontade na assembleia geral, a
favor ou contra a aprovação de proposta de deliberação, e de ter o seu voto computado na
formação da vontade social, de acordo com Marcelo Lamy Rego.3
Trata-se de um direito social inerente a todo acionista que tenha ações com direito de voto,
como é o caso daqueles que detém ações ordinárias, ou ainda, nos casos em que lhe são
conferidos os direitos de voto, tais como dos usufrutuários.
De acordo com Teixeira e Guerreiro4
, o direito de voto é norteado pelos seguintes princípios:
(i) a cada ação ordinária corresponde um voto na assembleia geral; (ii) o estatuto pode
estabelecer limitação ao número de voto de cada acionista; e (iii) é vedado atribuir voto plural
a qualquer classe de ações (art. 110 da Lei das SA)
Diferentemente do que acontece nos casos dos direitos essenciais dos acionistas, previstos no
artigo 109 da LSA, o direito de voto pode ser afastado ou até alterado.
O direito de voto não deve ser considerado como um direito subjetivo, pois o acionista tem a
obrigação legal de, ao exercê-lo, favorecer a companhia em detrimento de seus próprios
interesses. É o que a doutrina chama de “direito-dever” ou “direito-função”, uma vez que o
exercício deste direito implica necessariamente no cumprimento efetivo de sua finalidade,
qual seja, o interesse social.
Os artigos 116 e 154 da LSA definem este dever, em especial, para o controlador e para o
administrador da companhia, respectivamente, para que exerçam o poder atribuído pela lei e
pelo estatuto, com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função
social.
3
REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. In: LAMY FILHO, Alfredo. PEDREIRA, José Luiz Bulhoes
(Coords). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 377.
4
TEIXEIRA, Guerreiro. Das sociedades anônimas no direito brasileiro, p. 286.
6
De acordo com Ascarelli5
:
o voto é concedido ao acionista para a tutela de seu direito como
acionista; encontra a sua justificação e seu limite na comunhão de
interesses, só no limite de seu interesse como sócio que os acionistas
são (até com o sacrifício do seu interesse extrassocial frente ao
interesse social) sujeitos à deliberação da maioria. (grifo nosso)
Apesar de ser livre, o voto do acionista deve ser obrigatoriamente exercido no interesse da
companhia.
No próprio artigo 115 da Lei da S.A. está disposto que o voto exercido com a finalidade de
causar dano à sociedade ou a outros acionistas, ou de obter para si ou para outrem vantagem a
que não faz jus, e de que resulte, ou possa resultar prejuízo para a companhia ou para outros
acionistas será considerado abusivo (art. 115).
Erasmo França6
afirma:
Não parece haver qualquer dúvida sobre o partido tomado pelo
legislador no tocante à natureza do direito de voto. O acionista deve,
diz o artigo 115, exercer o direito de voto no interesse da companhia.
Ao votar, portanto, o acionista tem o dever legal de perseguir o
interesse social. Em fórmula feliz, assim se expressou Leães sobre o
tema: “Assim sendo, ao exercer o direito de voto, o sócio não pode
perseguir nenhum interesse particular, mas o seu interesse de
sócio itu socius, que se considera coincidente com o interesse
social. Nesse sentido, pode-se dizer que, embora o voto seja livre, o
acionista está obrigado a perseguir o interesse social. (grifo nosso)
Nosso entendimento é que o acionista deve exercer seu direito de voto sempre no interesse da
companhia, caso isso não aconteça, será necessário analisar caso a caso, se o voto foi abusivo
ou conflitante com os interesses da companhia.
1.2. Interesse social da Companhia
Ao tratarmos do conceito de interesse social, não podemos deixar de analisar as teorias
contratualista e institucionalista, que não tem o condão de esgotar o tema, uma vez que foram
criadas em outra era, e não contemplam alguns cenários econômicos vividos nos dias de hoje,
que integram o direito societário ao mercado de capitais.
5
Tulio Ascarelli, ‘Studi in tema di società’, pág. 164.
6
FRANÇA, Erasmo. Conflito de interesses nas assembleias de S.A., 1993.
7
a) Teoria Contratualista
O contratualismo define o interesse social como sendo sempre o interesse dos sócios, e
somente dos sócios atuais. Um dos principais defensores desta teoria clássica contratualista é
Jaeger7
, para ele “interesse social não constitui um conceito abstrato, mas, sim, algo de
concreto, definível apenas quando comparado com o interesse do sócio para aplicação das
regras sobre conflito de interesses.”
Nesta teoria, entende-se que o interesse social é a comunhão dos interesses comuns dos
acionistas (“shareholders”), que têm como objetivo comum a maximização do lucro para a
companhia, sendo inerente ao próprio contrato da sociedade.
b) Teoria Institucionalista
Para os institucionalistas, o interesse social não deve ser limitado aos interesses dos sócios,
devendo se levar em consideração os interesses de todos que, de alguma forma, se relacionam
com a companhia, os conhecidos como stakeholders, sujeitos vinculados economicamente à
companhia, que podem ser funcionários, clientes, fornecedores, credores, dentre outros.
No artigo 115 da LSA está disposto que “o acionista deve exercer o direito de voto no
interesse da companhia”, ou seja, este princípio legal visa proteger os interesses de todos os
acionistas, majoritários e minoritários, para que todos sempre votem no interesse da
companhia, e que pode, muitas vezes, ser contrário ao interesse individual de cada acionista.
Sendo assim, o voto do acionista deve ser sempre pautado no interesse social, sob pena de ser
considerado abuso de direito.
Para Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha8
, pode-se conceituar objetivamente o interesse em três
situações:
7
SALOMAO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, São Paulo: Malheiros. , 4. ed. 2011, p. 27.28.
8
CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. Estrutura de interesse nas Sociedades Anônimas. São Paulo: Quartier
Latin, 2007. p. 38-39.
8
(i) a de indiferença, quando a satisfação dos interesses não afeta a
satisfação do outro interesse; (ii) a de convergência, que cria,
conforme já mencionado, o direito coletivo ou difuso; e, por fim, (iii)
a situação de conflito de interesses, quando a satisfação de um
interesse impede ou prejudica a satisfação de outro deve ser limitado
ao objeto social com a finalidade de auferir renda, nas palavras dele “o
interesse social decorre do objetivo primordial de obtenção de
lucros advindos da realização das atividades da sociedade, ou seja,
aquelas previstas em seu objeto social. (grifo nosso)
Contudo, ainda que transponha os limites do objeto social da companhia, este princípio
determina que o voto do acionista sempre respeite o interesse social, mesmo que para isso
precise abdicar dos seus próprios interesses, e a função social da empresa de forma a
contribuir para a obtenção de lucro.9
A nosso ver, o acionista tem o dever de votar em busca sempre da maximização dos lucros da
companhia para que o objeto social seja alcançado, e se o acionista tiver interesses
divergentes, deverá ser coibido.
1.3. Conflito de interesses
Está previsto no artigo 115, §4º da Lei das S.A.:
A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que
tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o
acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir
para a companhia as vantagens que tiver auferido. (grifo nosso)
No artigo 156 da Lei das S.A. trata-se expressamente do administrador, que assim como o
acionista, tem a obrigação de votar em prol dos interesses sociais.
Os conflitos de interesses podem ocorrer nas diversas relações existentes dentro de uma
companhia, dentre as mais comuns, destacam-se aquelas que envolvem os administradores e a
companhia, os acionistas entre si, os detentores de ações e os titulares do direito de voto e
entre os acionistas e a própria companhia.
9
Paillusseau.Ob. Cit., p. 191.
9
Nos casos envolvendo o administrador e a companhia, o conflito pode ocorrer quando se trata
de remuneração do administrador, que, em sua maioria, é atrelada à receita ou ao lucro da
empresa, que pode divergir dos interesses sociais.
Com relação aos conflitos entre os próprios acionistas, podem ocorrer, em razão da existência
de acionistas que detêm maior participação no capital social da companhia (acionistas
majoritários), acionista controlador ou de um bloco de controle em relação aos minoritários.
Em se tratando dos detentores de ações e dos titulares do direito de voto, o eventual conflito
pode envolver os interesses daquele que detém a nua propriedade da ação quando contrários
aos interesses do detentor do direito de voto, concedidos pelo direito de usufruto.
O principal enfoque deste trabalho será a respeito do conflito existente entre os acionistas e a
companhia, em que será analisado o artigo 115 da LSA, em especial, em conjunto com os
demais artigos da LSA que estão correlacionados a este tema e serão mencionados nos
próximos capítulos.
No próximo capítulo, serão abordadas algumas questões importantes a respeito do conflito de
interesses no exercício do direito de voto, com base nas teorias dos doutrinadores e no
posicionamento administrativo da CVM, em duas decisões polêmicas e controvertidas.
10
CAPÍTULO SEGUNDO. OS PRINCIPAIS ASPECTOS DO CONFLITO DE
INTERESSES ENTRE OS ACIONISTAS E A COMPANHIA NO EXERCÍCIO DO
DIREITO DE VOTO
2.1. Teorias doutrinárias
Para interpretar o conflito de interesses, conforme preceitua o artigo 115 da LSA, a doutrina
adota as seguintes teorias:
a) Conflito Material (ou Substancial): os doutrinadores adeptos desta teoria defendem
que o acionista poderá votar em assembleia e, somente após o efetivo exercício do
voto, este será passível de análise. Se o voto foi realizado contrariamente aos
interesses sociais da Companhia, o voto será passível de anulabilidade.
b) Conflito Formal (ou Potencial): desde que presumido um potencial conflito entre o
acionista e a Companhia, o acionista não deve exercer o seu direito de voto
Importante apresentarmos os posicionamentos dos doutrinadores mais influentes, acerca das
teorias acima mencionadas.
2.2. Defensores da Teoria do Conflito Material
Dentre os doutrinadores que defendem a Teoria do Conflito Material encontram-se: Trajano
de Miranda Valverde, Marcelo Lamy Rego, Fabio Appendino, José Alexandre Tavares
Guerreiro, Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Erasmo Valladão Azevedo de Novaes França e
Nelson Eizirik, dentre outros.
Importante destacar que grande parte dos doutrinadores são adeptos desta teoria. Como muito
bem colocado pelo VALVERDE que defende a Teoria do Conflito Material, o benefício
particular previsto no artigo 115, § 1º da LSA deve ser analisado a partir de um caso concreto,
não devendo ser tratado como hipótese para proibição do direito de voto. Segundo ele: “Se –
para exemplificar – a assembleia geral resolve atribuir uma bonificação a determinados
acionistas, por este ou aquele motivo, não poderão eles, como diretamente interessados,
tomar parte nessa deliberação. Esta, com efeito, virá beneficiá-los de modo particular,
11
quebrando, ainda que justo seja o fundamento, e a lei o permita, a regra de igualdade de
tratamento para todos os acionistas da mesma classe ou categoria. ”10
Para Marcelo Lamy Rego11
, as três primeiras situações previstas no artigo 115, §1º da Lei das
S.A. são indiscutíveis no sentido de que o acionista está veementemente proibido de exercer o
seu direito de voto. Na última situação prevista no referido inciso, ele entende que se deve
analisar o caso concreto, a posteriori. Acarretando, portanto, a anulação do voto, e não a
nulidade automática, imposta às outras hipóteses.
Em se tratando de benefício particular, define que diferentemente de conflito de interesses ou
abuso de direito, deve ser entendido com uma vantagem lícita que atinge um acionista em
detrimento dos demais, infringindo, portanto, o princípio da igualdade. Nos demais casos
(conflito de interesses e abuso de direito), a previsão legal considera como vantagem ilícita
obtida pelo acionista12
.
Em resumo, este autor considera que o acionista não poderá votar nas hipóteses previstas,
conforme disposto na lei, de laudo de avaliação e aprovação de contas como administrador,
ou seja, entende que este conflito é formal. Nas hipóteses de voto abusivo ou de conflito de
interesses, deve ser analisado cada caso concreto para verificar se houve ou não prejuízo para
a companhia e ainda se aquele voto proferido foi decisivo para que a deliberação fosse
aprovada. Neste caso, será solicitada judicialmente a anulação daquele voto.
De acordo com José Alexandre Tavares Guerreiro13
, o conflito não pode ser presumido, deve
ser analisado caso a caso. O professor entende ainda que para caracterizar o conflito de
interesses é indispensável existir a materialização do nexo causal entre a satisfação do
interesse de um acionista em detrimento de outros.
10
VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 66.
11
REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 410.
12
REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 412-414.
13
GUERREIRO, Jose Alexandre Tavares. Conflitos de interesse entre sociedade controladora e controlada e
entre coligadas, no exercício do voto em assembleias gerais e reuniões sociais. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo.
12
Por sua vez, LEÃES exalta a diferença existente entre a proibição do voto e o conflito de
interesses, enquanto a primeira situação requer uma evidência formal, a segunda deve ser
objeto de análise posterior à votação.
Fazendo referência ao direito alemão e italiano, LEÃES14
diferencia o voto abusivo da
proibição de voto. O voto abusivo é aquele voto exercido com o intuito de causar dano ou de
obter vantagem indevida, que eventualmente possa ocasionar algum dano à companhia e/ou
aos demais acionistas. Neste caso, trata-se de conflito material. Na situação em que há a
proibição de votar, nas assembleias relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer
para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em
quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse
conflitante com o da companhia, são requisitos formais que devem ser verificados
previamente à realização da assembleia, e se algum dos acionistas encontrar-se em situação de
conflito, que seja proibido de exercer o seu direito de voto.
Em razão do posicionamento de LEÃES acerca do voto abusivo, pode ser considerado um
defensor da Teoria Substancial, contudo ao analisar o entendimento dele a respeito do §1º, ele
se colocaria no rol dos defensores da Teoria Formal.
Segundo VALLADÃO15
, o artigo 115 da LSA visa proteger os interesses sociais da
companhia, definido como o interesse comum dos sócios. De acordo com seu entendimento, o
abuso de voto ocorre quando o acionista vota contrariamente aos interesses sociais,
acarretando potencial dano à companhia e seus acionistas. Para ele, a análise do §1º do artigo
115 é a seguinte: nas 3 primeiras hipóteses (incluindo a do benefício particular) não há dúvida
se tratar de vedação ao exercício do direito de voto, em que é realizada uma análise prévia.
Para todas as 3 hipóteses o voto é passível de nulidade. Entende que o conflito de interesses
deve ser analisado em conjunto com os demais dispositivos da lei societária (em destaque os
artigos 117, §1º, alínea f, 156, §2º, 245 e 264), que permitem o voto em situações conflitantes,
devendo ser analisado a posteriori se o voto conflitante foi decisivo na assembleia.
14
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Conflito de interesses e vedação de voto nas assembleias das sociedades
anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo.
15
FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N. Invalidade das Deliberações de Assembleias de S.A. São Paulo:
Malheiros, 1999. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo.
13
Na visão de Nelson Eizirik16
, ao analisar o artigo 115, no caso (a) do laudo de avaliação, (b)
de aprovação de contas e (c) de benefício particular, o acionista está proibido de votar,
inexistindo questionamento com relação a esta imposição legal. Em todos estes casos, se
houver violação e o acionista tenha votado na assembleia, será anulado desde que tenha sido
decisivo para a deliberação, não sendo necessária a comprovação do dano para a companhia.
Importante destacar que seu entendimento relacionado à aprovação de contas se restringe
apenas às pessoas físicas, isto é, no caso do acionista que também atua na qualidade de
administrador da companhia. Entende que a pessoa jurídica, que possui um controlador,
pessoa física, que ocupa o cargo de administrador está autorizado a votar.
Discordamos deste entendimento, pois se este fosse o entendimento do legislador, abriria
oportunidade para que o acionista burle a lei e ingresse na companhia através de uma
empresa, para não configurar impedimento para exercer o seu direito de voto.
Ao se referir à hipótese do conflito de interesses, disposta na última parte do §1º do artigo 115
da LSA, entende que não se pode presumir o conflito, é necessário que ele seja analisado e
comprovado, o que somente é possível posteriormente à deliberação. Seguindo a linha da
Teoria Material, afirma17
:
(...) o acionista pode, em situação de conflito de interesses, votar no
interesse da sociedade, ou por razões altruístas, ou porque, dada a
relevância de sua participação acionária, obterá maior benefício
privilegiando o interesse da companhia do que o seu individual. (grifo
nosso)
2.3. Defensores da Teoria do Conflito Formal ou potencial
Com entendimento contrário aos doutrinadores que defendem a Teoria do Conflito
Material, relacionamos abaixo alguns doutrinadores que adotam a Teoria do Conflito
Formal, vejamos:
16
EIZIRIK, Nelson. A lei das S.A. Comentada. V.1. São Paulo. Quartier Latin, 2011.
17
EIZIRIK, Nelson. A lei das S.A. Comentada. V.1. São Paulo. Quartier Latin, 2011.
14
Segundo entendimento de Modesto Souza Barros Carvalhosa18
, o voto abusivo e o voto
conflitante são sempre contrários ao interesse da companhia.
Ele afirma que o voto abusivo é aquele exercido com o intuito de causar dano à companhia
e/ou aos demais acionistas ou ainda de obter vantagem a que não faz jus, devendo ser
analisado sob os critérios objetivos, sem levar em consideração os argumentos
apresentados pelo acionista.
Já o voto conflitante pode ser analisado sob dois aspectos:
(i) Lato sensu: havendo uma situação de conflito de interesses, existente em um
contrato bilateral, o acionista não poderá exercer o seu direito de voto19
.
(ii) Stricto sensu: o conflito de interesses existe quando o acionista tem interesse
próprio ou de outrem diferente daquele interesse social pregado pela
companhia, que para Carvalhosa20
é considerado um voto ilegal.
Faz-se necessário analisar a diferença entre o conflito de interesses e o benefício particular,
os quais estão dispostos no artigo 115, §1º da Lei das S.A.:
Art. 115. O acionista deve exercer o direito de voto, no interesse da
companhia, considerar-se-á abusivo o voto exercido com fim de
causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter para si
ou para outrem vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou
possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
§1º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia
geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a
formação do capital social e à aprovação de suas contas como
administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de
modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da
companhia. (grifo nosso)
Para CARVALHOSA, o benefício particular não caracteriza ato ilícito, tampouco intenção do
acionista de prejudicar os demais acionistas ou a própria companhia, mas como o nome
18
CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 464-466.
19
CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 464.
20
CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 465.
15
mesmo diz de obter benefício para si mesmo, ou seja, o impedimento do voto se deve ao fato
do acionista exercê-lo com interesse pessoal, e não social. O exemplo clássico de benefício
particular é no caso de deliberação a respeito da participação dos lucros pelo acionista
administrador, que está impedido de votar, mas se não estivesse poderia apresentar
demonstrações financeiras e aprovar a sua participação com interesse particular21
.
Sendo assim, não há que se confundir benefício particular de conflito de interesses, contudo
em ambos os casos, o acionista deve ser impedido de exercer o seu voto, para preservar os
interesses dos demais acionistas da companhia.
Em todas as hipóteses previstas no artigo 115, CARVALHOSA22
entende que o voto do
acionista não pode ser exercido:
A Lei de 1976 é clara em proibir que o acionista vote, seja
nas hipóteses específicas de conflito de interesses que
enuncia, seja residualmente, em qualquer momento no qual,
sob outras modalidades, configurar-se esta situação.
Convém enfatizar que, no caso de conflito de interesses, o
que se suspende não é o direito de voto, mas o seu exercício.
Este fica temporariamente suspenso, tendo em vista apenas
determinadas matérias sujeitas à deliberação de assembleia
geral.
Nas duas primeiras hipóteses expressas em lei (laudo de
avaliação e aprovação de suas contas como administrador), a
suspensão do exercício do voto depende de fatores objetivos
e legalmente tipificados, a que se pode facilmente obedecer.
As duas outras hipóteses pressupõem fatores subjetivos de
julgamento que cabem espontaneamente ao acionista
interessado apontar, para declarar-se impedido de votar. Se
não o fizer, caberá à mesa emitir juízo de valor a respeito.
Apesar de impedido para votar, o acionista pode comparecer à assembleia e ter a sua
presença considerada para fins de quórum de instalação da referida assembleia.
21
CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 465
22
CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 462-463
16
Caso o acionista impedido de votar exerça seu voto, sem que haja manifestação contrária,
CARVALHOSA entende que:
De qualquer forma, a deliberação tomada em decorrência
de voto de acionista que tem interesse conflitante com o
da companhia é anulável, mesmo se não tiver havido
dano para a companhia ou para os seus acionistas. O
vício, na espécie, é formal.
Evidentemente, que a nulidade da deliberação, na
hipótese, somente ocorrerá se o voto ilegalmente dado
pelo acionista interessado for decisivo para a formação
da maioria. Do contrário, não haverá anulação da
deliberação. O que poderá ocorrer será a nulidade dos
votos ilegalmente dados. (grifo nosso)
De acordo com Calixto Salomão Filho23
, o conflito de interesses mencionado no artigo 115 da Lei
das S.A. pode ser definido com precisão e, a partir daí, pode ser fiscalizado. Para ele, deve-se
analisar os interesses dos acionistas e ao detectar o conflito, o exercício de voto daquele acionista
que estiver em conflito deve ser impedido, a fim de preservar a companhia.
CALIXTO SALOMÃO define novos conceitos para as teorias clássicas a respeito do conflito
formal e material, da seguinte forma:
 Conflito Formal: é detectado, a priori, sempre que um acionista tiver em interesse direto na
matéria a ser deliberada, por exemplo, se for parte de um contrato de prestação de serviços,
que depende de aprovação prévia em assembleia.
 Conflito Material: baseia-se nos padrões adotados pelo mercado e em uma análise da
própria companhia com relação às operações semelhantes (se houver) para, a posteriori,
verificar se houve ou não conflito de interesses.
Sendo assim, para CALIXTO SALOMÃO todas as hipóteses previstas no §1º do artigo 115 são
hipóteses proibitivas para o acionista exercer seu voto. Nas duas primeiras hipóteses do inciso
considera se tratar de critérios objetivos, já o benefício particular corresponde a um interesse
pessoal que se sobrepõe ao interesse social e o conflito de interesse é hipótese de conflito formal,
sob pena de considerar o interesse da companhia como sendo o do próprio acionista conflitante.
23
SALOMAO FILHO Calixto. O Novo Direito Societário. 4ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
17
CAPÍTULO TERCEIRO. CONSEQUÊNCIAS DO VOTO PROFERIDO EM
SITUAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Neste capítulo iremos abordar as consequências decorrentes do voto proferido pelo acionista
em situação de conflito, com base em uma análise a posteriori à realização da assembleia
(escola substancial), avaliando-se as questões que levaram ao potencial conflito, relacionadas
àquele acionista que exerceu seu direito de voto.
Importante reiterar o nosso posicionamento acerca da aplicabilidade da Teoria Material, uma
vez que o acionista que detém a maioria do capital é o maior interessado em auferir lucro para
a companhia, em conformidade com o objeto social. Entendemos que inexistindo um conflito
colidente diretamente com os interesses da Companhia, o acionista não deve ter seu direito ao
voto cerceado.
Conforme disposto no artigo 115, §4º da Lei das S.A. o acionista que estiver em conflito com
a Companhia e votar, poderá ter o seu voto anulado e responderá pelos danos causados à
Companhia e aos demais acionistas, obrigando-se ainda a transferir as vantagens que tiver
recebido em decorrência da referida aprovação em assembleia:
Art. 115. O acionista deve exercer o direito de voto, no interesse da
companhia, considerar-se-á abusivo o voto exercido com fim de
causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter para si
ou para outrem vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou
possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
[...]
§4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que
tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o
acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir
para a companhia as vantagens que tiver auferido. (grifo nosso)
O voto do acionista que estiver em conflito de interesses com a companhia é anulável, e não
nulo, podendo ser proposta, por qualquer acionista da companhia, inclusive por aquele que for
titular de ações sem direito a voto, ação judicial para anular as deliberações tomadas em
assembleia geral, dentro de dois anos, a contar da data da realização da assembleia.
18
Além de requerer a anulação da deliberação assemblear, o requerente poderá pleitear
reparação dos danos causados e a devolução para a companhia das vantagens auferidas em
decorrência daquela situação conflitante, desde que sejam devidamente comprovadas.
Caso o voto daquele acionista em conflito não tenha sido computado para fins de quórum de
aprovação, a deliberação da assembleia não deve ser considerada inválida, uma vez que o
voto não interferiu na aprovação da matéria.
Nesta mesma linha, o Parecer de Orientação CVM nº 34/200624
determina que:
O impedimento de voto, portanto, se dá pela especificidade do
benefício, pela particularidade de seus efeitos em relação a um
acionista, comparado com os demais. E, mesmo em tais casos, se
falhar a proibição cautelar de voto, e o acionista impedido votar, a
deliberação somente será anulável se o voto do acionista
potencialmente beneficiado tiver sido determinante para a
formação do quorum ou da maioria assemblear. (grifo nosso)
Nossa legislação prevê que todo e qualquer acionista, independente de sua participação no
capital social da companhia, pode ser responsabilizado por exercer voto abusivo contra os
interesses da companhia, em respeito ao princípio da equidade.
Caso o voto conflitante seja decisivo para a aprovação da matéria, e por meio de um processo
judicial seja anulado, tem a sentença judicial o condão de reprovar referida matéria?
A lei não prevê esta situação. Precisaremos analisar a jurisprudência a respeito para verificar o
que os tribunais têm decidido. Na doutrina internacional, utilizam a ação anulatória de decisão
assemblear cumulada com pedido declaratório do correto resultado da votação (ação
declaratória positiva).25
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) é o órgão que fiscaliza as companhias abertas e
penaliza administrativamente os infratores que cometerem atos ilícitos.
24
NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por ações anotada.São Paulo: Ed. Saraiva. 4 ed. 2012,
p. 244.
25
NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por ações anotada.São Paulo: Ed. Saraiva. 4 ed. 2012,
p. 244.
19
A reparação pelos danos sofridos em virtude dos atos ilícitos cometidos, assim como a
anulação destes atos ficam sob a égide do Poder Judiciário decidir.
Em uma situação de conflito de interesses, a questão pode ser submetida à apreciação do
Judiciário, independentemente de ter sido submetida à CVM.
Importante destacar que a CVM e o Poder Judiciário enfrentam os mesmos problemas,
mesmo com o advento do novo Código de Processo Civil. Não há jurisprudência uniforme
sobre o tema e o poder discricionário dos juízes causa ainda mais insegurança jurídica àqueles
que se socorrem da justiça para ter o seu direito resguardado ou receber a indenização a que
fazem jus.
Os Tribunais especialmente criados para analisar assuntos empresariais (conhecidos como
Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo) não
possuem o conhecimento técnico necessário para avaliar o tema de conflito de interesses,
conforme se pode notar nas decisões proferidas por este colegiado.
Ademais, o prazo para resolução dos processos é extremamente moroso, ocasionando ainda
mais prejuízos àquele que aguarda uma decisão judicial.
A fim de amenizar os problemas encontrados nas vias administrativa e judicial, a incerteza
nas determinações da CVM, a falta de conhecimento empresarial e a demora na resolução dos
casos pelo Judiciário, para dirimir os problemas internos das companhias, existe a arbitragem
que também pode ser um meio de resolução dos conflitos mais capacitado e célere.
20
CAPÍTULO QUARTO. ENTENDIMENTO DA CVM
Para ilustrar as decisões proferidas pela CVM, iremos abordar neste capítulo dois casos
emblemáticos da CVM, dentre os vários já submetidos ao julgamento desta autarquia, Ambev
e Tractebel.
A diversidade de entendimento da CVM a respeito deste tema deve-se não só em razão das
mudanças na composição do colegiado, mas também em virtude dos diferentes argumentos
utilizados pelos diretores para sustentar as suas decisões, envolvendo o artigo 115 da Lei das
S.A., tais como abuso de direito, interesse social, benefício particular e interesse conflitante26
.
Tendo em vista as diversas opiniões sobre o assunto, não há que se falar em corrente adotada
pela CVM, pois além de cada diretor adotar uma teoria diferente, substancial ou formal,
utilizam razões próprias, embora alguns argumentos sejam os mesmos.
É importante destacar que os casos selecionados para ilustrar as decisões da CVM acerca
deste tema terão enfoque nos conflitos de interesses em si, apesar de trazerem outras
discussões que não serão abordadas neste trabalho.
Ambev
Considerada como uma das maiores operações no mercado de capitais brasileiro, em 2004, a
CVM analisou o Processo nº RJ2004/549427
, para verificar se as acionistas (Braco e Ecap)
estavam impedidas ou não de votar na assembleia que aprovou, por maioria, a incorporação
de sua controlada (Labatt Brewing Canada Holdings Ltd.) pela Ambev, uma das etapas da
operação para alienação do controle da Ambev à Interbrew S.A., via permuta de ações, uma
vez que as acionistas Braco e Ecap teriam se comprometido perante à Interbrew a aprovarem
esta deliberação, o que configuraria conflito de interesses.
26262626
“Discute-se, neste caso, a legalidade de uma das maiores operações de que se tem notícia envolvendo
companhia aberta brasileira, E nele debate-se, entre outros, talvez o tema mais complexo do direito societário,
atinente ao conflito de interesses. Mas não é só. Tal matéria é daquelas em que o colegiado da CVM tem se
manifestado de modo mais variado, conforme a sua composição do momento” – pronunciamento do ex-
presidente da CVM, Marcelo Fernandez Trindade.
272727
Trata-se de recurso interposto pela Previ contra a decisão da SEP de não instaurar inquérito administrativo
para investigar os atos praticados pela Ambev, no caso de alienação de controle.
21
A operação foi alvo de questionamento da acionista preferencialista Previ (Previdência dos
Funcionários do Banco do Brasil S.A.) que recorreu do não acolhimento pela
Superintendência de Relações com empresas (“SEP”) da denúncia contra a companhia e seus
administradores acerca da operação em referência.
Dentre os demais assuntos questionados na operação, o conflito de interesses em si foi um
deles, contudo a discussão sobre o tema foi diferente, pois a CVM entendeu que o artigo 115
da Lei das S.A. (conflito formal ou material) não seria aplicável à operação, por envolver
incorporação de sociedade sob controle comum, e, dessa forma, sujeita a aplicabilidade do
artigo 264 da Lei das S.A.
A Previ alegou conflito de interesses do acionista controlador e o colegiado da CVM decidiu-
se, por maioria, 3 votos a 1, que o controlador não estava sujeito à regra do conflito de
interesse previsto no artigo 115, § 1º, da Lei das S.A., alegando se tratar de uma hipótese
prevista no artigo 264 da Lei das S.A., a incorporação de sociedade sob controle comum.
O único voto vencido foi o da ex-diretora Norma Parente. Segundo ela, as controladoras da
Ambev não deveriam ter votado na assembleia de acionistas que aprovou a incorporação da
Labatt, por estarem em conflito de interesses. A operação não deveria ser analisada apenas
sob a ótica de uma incorporação de sociedade sob controle comum, mas como fases de uma
mesma operação, que resultaria na reestruturação do controle acionário da AMBEV,
evidenciando o conflito de interesses dos controladores.
Para Norma Parente, as controladoras estavam impedidas de votar por (i) terem aprovado o
laudo de avaliação de bens com que concorreram para a formação do capital social, (ii)
estarem em situação de benefício particular e (iii) terem interesse conflitante com o da
companhia, em consonância com o disposto no artigo 115 da Lei das S.A., atuando a
legislação previamente, não permitindo o acionista de exercer seu direito de voto.
O ex-diretor relator Wladimir Castelo Branco Castro, (que em outros casos, acompanhou a
Norma Parente na tese de conflito formal de interesses), desta vez, proferiu o voto vencedor
considerando não se aplicar neste caso o artigo 115 da Lei das S.A., uma vez que o artigo 264
da Lei das S.A. autoriza expressamente o controlador a exercer o seu direito de voto. Segundo
22
CASTELO BRANCO28
, a lei reconhece a predominância do interesse do grupo em
detrimento do interesse social, afastando o conflito de interesses nas assembleias:
Não se indaga se o acionista controlador exerceu seu direito
de voto em conflito de interesses com a companhia, sendo
sempre permitida a sua participação na formação da vontade
social. A contrapartida, para os minoritários, consiste na
garantia de uma equânime relação de substituição de ações.
Mesmo não considerando o conflito de interesses neste caso, em especial, analisou as
hipóteses do artigo 115, e caso fosse verificado algum conflito de interesses, seguiria a linha
da escola material, e não da formal, conforme voto de Norma Parente, devendo seu voto ser
analisado posteriormente.
Marcelo Trindade29
, que ocupava o cargo de diretor presidente da CVM na época,
acompanhou o voto do diretor relator, afirmando se aplicar neste caso concreto o artigo 264
da Lei das S.A., de incorporação de ações sob controle comum, em que a própria legislação
autoriza o acionista controlador exercer seu voto, inexistindo o conflito de interesses. De todo
modo, não se posiciona com relação ao conflito formal ou material de interesses, caso fosse
considerado.
Concordamos com a decisão da CVM em afastar a hipótese de conflito de interesses, prevista
no artigo 115, § 1º da Lei das S.A. neste caso, por se tratar de incorporação de empresa sob
controle comum, prevista no artigo 264 do mesmo diploma legal. A matéria a ser deliberada
na assembleia era a incorporação da Labatt, e o controlador, detentor do maior número de
ações da companhia, não pode ser impedido de exercer o seu direito de voto, desde que
respeitadas as demais regras do ordenamento jurídico.
O conflito de interesses está presente neste tipo de operação de incorporação de sociedade sob
controle comum, prevista no artigo 264 da Lei das S.A., que se preocupou em garantir a
relação equânime das ações, com o intuito de preservar os interesses dos acionistas, no nosso
entendimento.
28
Voto proferido por Wladimir Castelo Branco Castro, no caso AMBEV, parágrafos 41 a 49.
29
Voto proferido no caso AMBEV, por Marcelo Fernandez Trindade.
23
Em 2006, a CVM publicou o Parecer de Orientação nº 34 para definir as hipóteses que o
acionista controlador está impedido de votar, nos termos do artigo 115, § 1º da Lei das S.A.,
nas operações de incorporação de controladas que tenham relações de substituição distintas
para acionistas controladores e minoritários ou para diferentes espécies de ações.
Apesar deste parecer tratar apenas da incorporação de controladas com relações de troca
desiguais, referiu-se à hipótese do acionista impedido de votar, ao se tratar de benefício
particular, e não porque ele tem interesse conflitante com o da companhia.30
Tractebel
Foi submetida à análise da CVM se a acionista controladora da Tractebel Energia S.A.
(“Tractebel”) poderia votar na assembleia convocada para deliberar sobre a aquisição de
ações da Suez Energia Renovável (“Suez”), pela Tractebel, controlada da GDF Suez Energy
Latin America Participações Ltda. (“GDF”) – acionista controladora da Tractebel, no
Processo nº RJ2009/13179, julgado em 9 de setembro de 2010.
A companhia observou o procedimento especial para aprovação de operações entre
controladora e controlada, conforme disposto no Parecer de Orientação nº 3531, criando um
comitê independente para definir os termos e condições do contrato de aquisição de ações,
que seria colocado na pauta da assembleia.
Neste caso, a GDF participaria simultaneamente nos dois lados da relação contratual, por
ser controladora da Tractebel e por ser acionista da Suez, de quem as ações seriam
compradas, gerando uma situação de conflito de interesses.
De um colegiado formado por 5 membros, 4 deles decidiram tratar-se de um conflito formal
de interesses, estando a GDF impedida de exercer o seu voto nesta assembleia que
deliberaria sobre uma contratação em que ela, além de controladora da Tractebel, também
30
O colegiado da CVM reforçou este entendimento no Caso Duratex, julgado em 28 de julho de 2009, em que a
relação de troca, disposta no artigo 254-A da Lei das S.A., com base no percentual de 80% para ações ordinárias
e preferenciais detidas pelos acionistas minoritários, atribuía a essas ações valor inferior àquele atribuído às
ações de titularidade do controlador. Neste caso, o entendimento da CVM, aplicando o Parecer de Orientação nº
34 foi de que houve benefício particular do acionista controlador, estando, o acionista impedido de votar.
31
O Parecer de Orientação nº 35 estabeleceu a criação de um comitê especial independente para negociar os
termos da operação ou à sujeição da operação à maioria dos minoritários.
24
figuraria como contraparte. Afastou a hipótese regulada pelo Parecer de Orientação 35, por
ser aplicável apenas nas operações de fusão, incorporação e incorporação de ações, não
sendo aplicado no artigo 115, da Lei das S.A.
Alexsandro Broedel Lopes, ex-diretor relator, defende a teoria de conflito formal e afirmou
que o controle ex post do conflito não incentiva o minoritário a investir na companhia e que
ele estará disposto a pagar um preço inferior ao que pagaria caso os interesses estivessem
alinhados. Isso porque independentemente do comportamento do controlador ex post, existe
o risco ex ante, de que ele não se comporte, segundo os interesses dos minoritários.32
Admite que se o acionista em conflito fizer prova de que agirá de acordo com o interesse da
companhia, o seu voto deve ser exercido, mesmo que seja parte do contrato. Notamos que
os argumentos utilizados por ele, partem de uma preocupação com as consequências do
impedimento do voto.
Defende que o controlador está proibido de exercer o seu voto, por estar em potencial
situação de conflito de interesses com a companhia. Afirma também que poderá causar
efeitos econômicos à companhia, pois o minoritário poderá deixar de investir ou pagar um
preço inferior ao de mercado, em razão do risco existente, em razão da falta de assimetria de
informações, uma vez que o controlador possui maiores informações a respeito do contrato
em comparação aos demais acionistas.
Entendeu que a criação do Comitê Especial Independente para transações com partes
relacionadas, proposta pela Tractebel, não afastaria o conflito de interesses entre o
controlador e os demais acionistas. Segundo ele: “a proposta da companhia, da maneira
como foi feita, não prevê a mitigação direta desse conflito, sendo que só a presença de
membros da administração da companhia, ainda que independentes, não assegurará a
proteção aos minoritários, com relação à negociação dos termos do contrato a ser firmado
com o controlador”. O Parecer de Orientação nº 35 aplica-se apenas e tão somente na
hipótese prevista no artigo 264, da Lei das S.A., caso em que o controlador poderá exercer o
direito de voto. 33
32
Voto proferido no caso Tractebel, por Alexasandro Broedel Lopes, §41 a 51.
33
Voto proferido no caso Tractebel, por Alexasandro Broedel Lopes, §71 a 76.
25
Não concordamos com este posicionamento da CVM, por entender que o artigo 115 da Lei
das S.A que trata do conflito de interesses refere-se ao problema entre o acionista e a
companhia, e não entre acionistas. A nosso ver, a criação do comitê independente
especialmente para definir os termos e condições do contrato seria suficiente para eliminar o
potencial conflito.
A então diretora presidente da CVM Maria Helena Santana defendeu a tese da teoria formal,
contudo fundamentou seu entendimento em outros argumentos. Entende que o conflito de
interesses deve ser examinado antes da realização da assembleia, e existe quando o acionista
aufere qualquer tipo de benefício (não apenas benefício particular). Se a acionista GDF não
está impedida de votar, em razão do benefício auferido, o está em razão do conflito de
interesses existente. Afirma ainda que se o conflito fosse analisado posteriormente, o
disposto no artigo 115, §1º seria dispensável frente à proibição geral ao abuso de direito de
voto, prevista no caput do referido artigo. Segundo ela, a identificação do conflito dispensa
a comprovação de prejuízo.
Segundo Maria Helena Santana, com exceção do comentário relativo ao benefício
particular, utilizou-se dos fundamentos da escola formal. Contudo, acrescentou à sua
decisão que se deve ter prudência ao impedir o acionista de exercer o seu direito de voto,
sob pena de cercear excessivamente o acionista de exercê-lo. O acionista deve ser impedido
quando, no caso concreto, houver interesse particular. Em se tratando de contrato bilateral, o
conflito é evidente e o acionista não deve votar.
Ao analisarmos o voto da Maria Helena Santana acima, verificamos a diversidade nos
argumentos adotados, apesar de seguir a escola formal e considerar a existência de conflitos
nos contratos bilaterais, impedindo o acionista conflitado de votar, ressalta que o conflito
deve ser indubitável e analisado o caso concreto.
Marcos Pinto concordou com Maria Helena Santana no que se refere ao conceito de
benefício particular, previsto no artigo 115, §1º da Lei das S.A. Para Marcos, o dispositivo
não se restringe às vantagens conferidas ao acionista enquanto sócio, mas alcança qualquer
vantagem; considera o contrato bilateral hipótese de benefício particular, mas se não o
fosse, ainda assim seria considerado interesse conflitante; o conflito deve ser analisado a
partir de um caso concreto e se for diagnosticado a priori, o acionista não deve votar; se o
26
conflito somente pudesse ser constatado a posteriori, não teria sentido o parágrafo 1º do
artigo 115, pois nada acrescentaria ao caput e por fim, afirma que a verificação do conflito
prescinde da constatação de prejuízo para a companhia. Incluiu ainda uma análise
econômica, afirmando que o impedimento do voto, promove uma eficiência econômica,
pois se o contrato submetido à assembleia for benéfico para a companhia, os demais
acionistas irão aprovar a contratação, mesmo que na outra parte do contrato seja o acionista
controlador. 34
Somos obrigados a discordar de Marcos, pois sabemos que, em geral, os minoritários não
analisam objetivamente a matéria a ser votada, muito menos aquelas envolvendo o acionista
controlador, não se afastando, portanto, o abuso de voto por parte do minoritário.
Otavio Yazbek35
acompanhou o voto do relator, no sentido de que a GDF estaria em
situação de conflito e impedida de exercer seu voto, com base nos seguintes argumentos: (i)
o artigo 115, §1º deve ser interpretado de forma literal, “por mais que se possa criticar
técnica legislativa adotada nos dispositivos em comento, não me parece possível considerar
que, dentro de um mesmo dispositivo legal, iniciado com uma vedação (o acionista não
poderá votar [...]), se encontrem situações tão diversas (...)”; (ii) com relação aos conflitos
que não são identificados previamente, aplicam-se as penalidades previstas no §4º do artigo
115, e caso seja comprovado o dano, a deliberação poderá ser anulada; (iii) a
regulamentação que autoriza a contratação entre o acionista e a companhia não prejudica a
possibilidade de impedimento do voto do acionista contratante.36
Yazbek diferencia benefício particular de conflito de interesses, ao considerar como
benefício particular aquele benefício obtido em função da posição de acionista na
companhia, em linha com os ensinamentos de VALLADÃO, exceto com relação a
diferenciação entre benefício particular e conflito de interesse, sendo o primeiro lícito e o
segundo ilícito. Para Yazbek, o conflito de interesses pode não ser uma ilicitude, assim
como a contratação, analisada neste caso, em especial.
34
Voto proferido no caso Tractebel, por Marcos Pinto.
35
Voto proferido no caso Tractebel, por Otavio Yasbek..
36
Voto proferido no caso Tractebel, por Otavio Yasbek.
27
VALLADÃO não ensina que a contratação é ilícita, mas sim que o exercício do voto em
situação de conflito é ilícito, pois ao acionista não é autorizado votar contra os interesses
sociais da companhia. Por esta razão, não concordamos com a colocação de Yazbek.
Para o diretor Eli Loria, a GDF poderia votar, pois entendeu que o conflito de interesses
somente pode ser verificado a posteriori, desde que o prejuízo causado à companhia seja
comprovadamente provado. Exceto nas duas primeiras hipóteses previstas no parágrafo
primeiro do artigo 115 (laudo de avaliação de bens que concorrer para a formação do capital
social e aprovação de contas como administrador), “não tem o condão de impedir o voto do
acionista a priori, mas indica que o voto contrário ao interesse social é passível de anulação,
considerando o prazo prescricional de dois anos do artigo 286.” 37
Segundo os argumentos colocados por Loria: (i) a Lei nº 10.303/01 que tentou reforçar o
espírito do legislador pela corrente da teoria substancial no artigo 115, (ii) nos termos do
artigo 256, a não configuração de conflito pelo fato do acionista e da companhia ocuparem
diferentes posições, (iii) caso o acionista não pudesse votar a priori, impediria o acionista
que detém o maior capital e que conhece com maior profundidade os negócios da
companhia, afinal, é o maior investidor, e consequentemente, seria o maior prejudicado,
infringindo o princípio da boa-fé, (iv) o dever do acionista controlador votar consoante o
disposto no artigo 115, caput e artigo 116, parágrafo único, (v) o direito dos acionistas de
fiscalizar e ser informado e (vi) a previsão legal para a anulação da assembleia pelo Poder
Judiciário, caso o voto exercido em situação de conflito, pelo acionista que se sentir
prejudicado, pelo prazo de dois anos.
Este caso evidencia bem uma situação de grande assimetria de informações entre os
acionistas (minoritários e majoritários). A GDF tinha acesso a muitas informações, que não
foram divulgadas aos demais acionistas da companhia. É incontestável a necessidade de
divulgar as informações, de forma a atingir igualmente todos os acionistas.
Para que seja possível aumentar o grau de transparência das empresas, divulgando todas as
informações para que o acionista tome as decisões buscando o interesse social, as
37
Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembleia-geral ou especial, irregularmente
convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve
em dois anos, contados da deliberação.
28
companhias devem investir em práticas de governança corporativa, tais como auditorias
externas, criação de um comitê especial independente (recomendado pelo Parecer de
Orientação nº 35), contratação de laudos técnicos, dentre outros mecanismos que podem ser
incorporados à cultura da companhia, com o condão de minimizar posturas contrárias aos
interesses sociais.
As decisões acima descritas retratam o desalinhamento nos entendimentos dos diretores da
CVM, que resultam em decisões não consolidadas do colegiado.
Esta questão é bastante polêmica e está longe de ser pacificada, considerando as mudanças
na composição do colegiado da CVM.
Apesar das divergências nas decisões relatadas, acreditamos que as discussões sobre o tema
são extremamente valiosas para todos que atuam no mercado de ações, advogados,
investidores e shareholders, que buscam alcançar o mínimo de segurança jurídica para
desenvolver o mercado de capitais brasileiro e alavancar o desenvolvimento econômico do
país.
29
CONCLUSÃO
Neste trabalho trouxemos alguns aspectos do artigo 115 da Lei das S.A., relacionados às
hipóteses de conflitos de interesses, os conceitos de direito de voto, interesse social da
companhia e do conflito de interesses em si.
Ao analisarmos o caput do artigo 115 nos deparamos com a definição de abuso de direito que
ocorre ao acionista que votar contra os interesses da companhia, causando danos à companhia
e/ou aos demais acionistas, ou ainda com o fim de obter para si ou para outrem vantagem
indevida, que cause ou possa causar prejuízo para a companhia ou aos acionistas.
Na primeira e segunda hipótese, previstas no §1º do artigo 115 da Lei das S.A. não há
controvérsias, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, quanto ao impedimento do acionista
de exercer o seu direito de voto, uma vez que a existência do conflito de interesses é detectada
objetivamente, qual seja, (i) nas deliberações de assembleia geral relativas ao laudo de
avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e (ii) à aprovação de
suas contas como administrador.
Contudo, na terceira e quarta hipótese do artigo 115 do mesmo diploma legal, o legislador
trouxe o benefício particular e o interesse conflitante com o da companhia, conceitos abstratos
que geram diversas interpretações.
A nosso ver, o benefício particular deve ser considerado uma vantagem lícita concedida a um
ou mais acionistas em detrimento dos demais, mesmo que indiretamente, e que apesar de
infringir o princípio da igualdade entre os demais acionistas é permitida por lei.
Com relação ao conflito de interesses, como se sabe, o tema é bastante polêmico e
controvertido, principalmente pelo fato de existirem duas escolas (formal e substancial), em
que uma proíbe o acionista de votar em caso de conflito ou potencial conflito, e a outra,
analisa o conflito posteriormente à deliberação, ambas com argumentos muito
fundamentados, o que comprova a falha na legislação e a necessidade de medidas urgentes
para resolver esta questão.
30
Na esfera administrativa, a CVM utilizou-se das duas correntes para sustentar as suas
decisões, entretanto, nos últimos anos, desde 2010, tem se mostrado seguidora da teoria
formal. Inclusive, houve intenção do colegiado de consolidar este entendimento. Sem
questionar o posicionamento adotado pela CVM, é imprescindível a uniformização do
assunto, para trazer mais segurança jurídica.
De uma forma geral, os acionistas em situação de potencial conflito têm deixado de votar nas
assembleias, para evitar possíveis penalidades impostas pela CVM, o que não entendemos ser
a melhor solução.
No caso do acionista que exercer o voto com abuso de direito, será responsabilizado civil e
administrativamente, pelos danos que causar à companhia, nos termos do §3º do artigo 115,
no primeiro caso, a matéria de responsabilidade civil, decorrente do dano causado pelo
acionista será submetida à apreciação do Poder Judiciário, e na esfera administrativa, pela
própria CVM que, na qualidade de órgão regulador tem autonomia para editar normas,
fiscalizar o cumprimento das referidas normas, instaurar procedimentos administrativos, e se
for comprovada a prática ilegal, poderá aplicar sanções ao acionista infrator.
Ao considerarmos as discussões doutrinárias a respeito do conflito de interesses, a
inexistência de jurisprudência e as decisões da CVM, concluímos que o ideal seria adotarmos
práticas de governança corporativa para que as companhias, por meio de um comitê ou
conselho independente, avalie a priori a situação de conflito, com base nas informações
relevantes para a deliberação, as quais devem ser disponibilizadas pela companhia e/ou
acionista potencialmente conflitado. Caso o comitê não detecte o conflito e autorize o
acionista a exercer o seu voto, deverá ser responsabilizado pelos prejuízos que causar à
companhia e aos demais acionistas.
Entendemos que a verificação prévia do conflito de interesses, realizada internamente pela
própria companhia, de forma consistente e analisando o mérito da questão, seria a alternativa
mais benéfica (i) para o acionista, pois não seria impedido de votar, nos casos em que não
fosse comprovado o real conflito com os interesses da companhia, e (ii) para os prejudicados
em decorrência do voto proferido irregularmente, uma vez que não precisariam recorrer à
lentidão do Poder Judiciário ou à onerosa Câmara Arbitral para serem indenizados pelos
prejuízos que tiveram.
31
Repetindo as palavras de Alexsandro Broedel Lopes38
, em voto proferido no Caso Tractebel:
“Não podemos afirmar que o conflito de interesses não poderá ser resolvido ex ante. Essa
possibilidade precisa manter-se aberta.” Concordamos plenamente com esta colocação e a
nossa sugestão de criação de um comitê, para analisar previamente o conflito, segue
justamente este racional.
Dessa forma, entendemos que conseguiríamos proporcionar ao mercado de capitais brasileiro
uma maior segurança jurídica, para viabilizar investimentos cada vez mais agressivos, capazes
de resultar em retornos financeiros acima da expectativa para as companhias.
38
Voto proferido no Caso Tractebel, por Alexsandro Broedel Lopes.
32
BIBLIOGRAFIA
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acionária. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; MOURA AZEVEDO, Luis André N. de.
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Empresarial. São Paulo: Saraiva, 2010.
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de dezembro de 1976, artigos 75 a 137, v. 2. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. 901 p.
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sociedade anônima. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014. 502 p.
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aproveitamento da atuação do CAF, CVM, 31 jul. 2013. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2013/20130731-1.html>. Acesso em: 09 jun. 2016.
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S.A: (e outros escritos sobre conflito de interesses).2. ed., rev. e aum. São Paulo, SP:
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33
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SILVIA, Gisélia da; CAMARGO, André Antunes Soares da. A orientação de voto aos
conselheiros da administração e seus deveres e responsabilidades legais. Insper, São
Paulo, 2011.
SILVA, Tatitana Buzalaf de Andrade e. Responsabilidades legais dos administradores das
sociedades comerciais. São Paulo: Textonovo, 2005.

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  • 1. INSPER LLM- Direito Societário LUIZA LEITE JUNOT OS CONFLITOS DE INTERESSES DOS ACIONISTAS NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS SÃO PAULO 2016
  • 2. LUIZA LEITE JUNOT OS CONFLITOS DE INTERESSES DOS ACIONISTAS NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS Trabalho de monografia apresentado ao INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA - INSPER como requisito parcial para obtenção de título de especialista em Direito Societário. Orientadora: Dra. Ana Cristina von Gusseck Kleindienst SÃO PAULO 2016
  • 3. Junot, Luiza Leite.Os conflitos de interesses dos acionistas nas Sociedades Anônimas. Luiza Leite Junot, São Paulo, 2016 Monografia (LL.M- Legal Law Master). Programa de pós graduação em Direito Societário – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientadora: Dra. Ana Cristina von Gusseck Kleindienst 1.Conflito de interesses. 2. Teoria do Conflito Material e do Conflito Formal. 3. Consequências do voto proferido em situação de conflito de interesses. I. Luiza Leite Junot. II. A Os conflitos de interesses dos acionistas nas Sociedades Anônimas.
  • 4. RESUMO O presente trabalho irá abordar, em linhas gerais, as duas teorias doutrinárias sobre o conflito de interesses formal (que o acionista deve se abster de votar, caso haja evidência do conflito previamente à deliberação, ou seja, a priori, proibi-se o acionista de exercer seu direito de voto) e material ou substancial (somente após o exercício do voto do acionista será realizada uma análise se houve ou não o conflito), e apresentaremos os principais autores que discorrem sobre o assunto, mencionando os argumentos mais utilizados pela doutrina. Iremos abordar os aspectos conceituais de direito de voto, o interesse social da companhia e o conflito de interesses em si. Serão trazidas também duas decisões polêmicas da Comissão de Valores Mobiliários, AMBEV e Tractebel, para analisarmos os argumentos sustentados pelo colegiado, para embasar as decisões proferidas, sempre com enfoque no conflito de interesses, tema central deste trabalho. Com relação às consequências do voto proferido em uma situação de conflito de interesses nas sociedades anônimas, traremos os mecanismos para punir o acionista que agiu contra os interesses da companhia e como a companhia ou o acionista que sofreu o prejuízo podem reivindicar a reparação do dano, administrativa ou judicialmente. Palvras chave: 1. Conflito de interesses. 2. Escola formal. 3. Escola material. 4. Decisões da da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
  • 5. ABSTRACT The present work will address, in general lines, the two doctrinal theories on the formal conflict of interests (that the shareholder must abstain from voting, if there is evidence of the conflict prior to the deliberation, that is, a priori, the shareholder is prohibited to exercise its voting right) and material or substantial (only after the exercise of the vote of the shareholder will be carried out an analysis of whether or not there was a conflict), and we will present the main authors who discuss the subject, mentioning the arguments most used by the doctrine . We will discuss the conceptual aspects of voting rights, the social interest of the company and the conflict of interest itself. Two controversial decisions of the Securities and Exchange Commission, AMBEV and Tractebel, will also be brought to analyze the arguments supported by the collegiate, to support the decisions made, always focusing on the conflict of interest, the central theme of this work. In terms of the consequences of the vote cast in a situation of conflict of interest in corporations, we will bring the mechanisms to punish the shareholder who acted against the interests of the company and how the company or the shareholder that suffered the loss can claim compensation for the damage, administrative or judicial. Keywords: 1. Conflict of interests 2. Formal Conflict 3. Material Conflict 4.Decisions of the Securities and Exchange Commission.
  • 6.
  • 7. Sumário INTRODUÇÃO ........................................................................................................................2 CAPÍTULO PRIMEIRO - ASPECTOS CONCEITUAIS ...................................................5 1.1 Direito de Voto ............................................................................................................5 1.2 Interesse social da Companhia.....................................................................................6 1.3 Conflito de interesses...................................................................................................8 CAPÍTULO SEGUNDO - OS PRINCIPAIS ASPECTOS DO CONFLITO DE INTERESSES ENTRE OS ACIONISTAS E A COMPANHIA NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO .............................................................................................................10 2.1. Teorias doutrinárias...........................................................................................................10 2.2. Defensores da Teoria do Conflito Material.......................................................................10 2.3. Defensores da Teoria do Conflito Formal.........................................................................13 CAPÍTULO TERCEIRO - CONSEQUÊNCIAS DO VOTO PROFERIDO EM SITUAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES................................................................17 CAPÍTULO QUARTO – ENTENDIMENTO DA CVM....................................................17 CONCLUSÃO.........................................................................................................................29 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................29
  • 8. 2 INTRODUÇÃO A Lei nº 6.404/76 (“LSA”) tem o condão de definir as regras para o bom funcionamento das sociedades por ações, contudo como toda legislação deixou margem para interpretações controvertidas. Neste trabalho iremos tratar do artigo 115 da LSA, do capítulo X (Acionistas), Seção III (Direito de Voto), que estabelece a obrigação do acionista em votar no interesse da companhia. Daremos enfoque nas principais questões relacionadas aos conflitos de interesses nas sociedades anônimas entre os acionistas e a companhia, que envolve, em linhas gerais, se o acionista está impedido de votar a priori ou se pode votar e o potencial conflito poderá ser analisado ex post à deliberação, sem cercear o direito do acionista. O artigo 115 da LSA, definido na própria lei como “Abuso do Direito de Voto e Conflito de Interesses”, diz o seguinte: Art. 115. O acionista deve exercer o direito de voto, no interesse da companhia, considerar-se-á abusivo o voto exercido com fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter para si ou para outrem vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. §1º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. §2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o §6º do artigo 8º. §3º O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. §4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. (grifo nosso) Ao analisarmos o caput do artigo 115, acima transcrito, que trata do exercício abusivo do direito de voto, resta evidente que para existir abuso de direito é condição sine qua non o exercício do voto, para que a posteriori seja analisado se houve ou não o abuso.
  • 9. 3 De acordo com o entendimento de Alfredo Lazarescchi Neto1 , na Lei das Sociedades por Ações Anotada, o voto deve ser exercido sempre no interesse da companhia quando tem por finalidade fazê-la realizar o seu objeto e cumprir a sua função social. Segundo Luiz Gastão Paes de Barros Leães2 , entende-se por interesse da companhia: não como o somatório dos interesses privados dos sócios, nem como um interesse desvinculado dos interesses dos acionistas da companhia, mas como o interesse comum dos sócios (quaa socii e não enquanto indivíduos), norteado no sentido da realização do objeto social. O presente estudo irá abordar, em linhas gerais, as duas teorias doutrinárias sobre o conflito de interesses e as respectivas consequências de cada uma, a saber: a) Conflito de interesse formal: esta corrente entende que o acionista deve se abster de votar, caso haja evidência do conflito previamente à deliberação, ou seja, a priori, proibi-se o acionista de exercer seu direito de voto. São defensores desta teoria os professores Calixto Salomão Filho, Modesto Carvalhosa, Fabio Konder Comparato, dentre outros. b) Conflito de interesse material ou substancial: após o exercício do voto do acionista será analisado se houve ou não o conflito. Se for constatado que houve conflito, o voto daquele acionista pode ser anulável. Dentre outros, os principais defensores desta tese são os professores Erasmo Valladão A e N. França e José Alexandre Tavares Guerreiro. O entendimento da Comissão de Valores Mobiliários sobre o tema tende adotar a corrente que defende a escola formal, em que o acionista em situação de potencial conflito está impedido de exercer o direito de voto, contudo esta antiga discussão está longe de terminar, uma vez que mudou no mínimo quatro vezes nos últimos quinze anos. Antes de analisarmos as diferentes correntes doutrinárias acerca do tema, abordaremos inicialmente, no capítulo primeiro, os aspectos conceituais de direito de voto, interesse social da companhia e do conflito de interesses em si. 1 NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2012. 2 NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2012.
  • 10. 4 No segundo capítulo, os principais aspectos dos conflitos de interesses entre os acionistas e a companhia, traremos as duas principais correntes (formal e substancial), e apresentaremos os principais autores que discorrem sobre o assunto, mencionando os argumentos mais utilizados pela doutrina para sustentar a tese formal e material. Com relação às consequências do voto proferido em uma situação de conflito de interesses nas sociedades anônimas, traremos no capítulo terceiro, quais os mecanismos para punir o acionista que agiu contra os interesses da companhia e como a companhia ou o acionista que sofreu o prejuízo podem reivindicar a reparação do dano, administrativa ou judicialmente. Por fim, traremos dois casos emblemáticos julgados, na esfera administrativa, pela CVM (Ambev e Tractebel), para analisarmos os argumentos sustentados pelo colegiado, para embasar as decisões proferidas, sempre com enfoque no conflito de interesses, tema central deste trabalho. Entendemos ser um tema de grande relevância para o mercado de capitais, em geral, pois trata da segurança jurídica, fundamental para a realização de investimentos no país. E somente a partir da discussão da matéria conseguiremos consolidar o entendimento a respeito do conflito de interesses, ainda tão controvertido.
  • 11. 5 CAPÍTULO PRIMEIRO – ASPECTOS CONCEITUAIS 1.1. Direito de Voto O direito de voto é o direito do acionista de manifestar sua vontade na assembleia geral, a favor ou contra a aprovação de proposta de deliberação, e de ter o seu voto computado na formação da vontade social, de acordo com Marcelo Lamy Rego.3 Trata-se de um direito social inerente a todo acionista que tenha ações com direito de voto, como é o caso daqueles que detém ações ordinárias, ou ainda, nos casos em que lhe são conferidos os direitos de voto, tais como dos usufrutuários. De acordo com Teixeira e Guerreiro4 , o direito de voto é norteado pelos seguintes princípios: (i) a cada ação ordinária corresponde um voto na assembleia geral; (ii) o estatuto pode estabelecer limitação ao número de voto de cada acionista; e (iii) é vedado atribuir voto plural a qualquer classe de ações (art. 110 da Lei das SA) Diferentemente do que acontece nos casos dos direitos essenciais dos acionistas, previstos no artigo 109 da LSA, o direito de voto pode ser afastado ou até alterado. O direito de voto não deve ser considerado como um direito subjetivo, pois o acionista tem a obrigação legal de, ao exercê-lo, favorecer a companhia em detrimento de seus próprios interesses. É o que a doutrina chama de “direito-dever” ou “direito-função”, uma vez que o exercício deste direito implica necessariamente no cumprimento efetivo de sua finalidade, qual seja, o interesse social. Os artigos 116 e 154 da LSA definem este dever, em especial, para o controlador e para o administrador da companhia, respectivamente, para que exerçam o poder atribuído pela lei e pelo estatuto, com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social. 3 REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. In: LAMY FILHO, Alfredo. PEDREIRA, José Luiz Bulhoes (Coords). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 377. 4 TEIXEIRA, Guerreiro. Das sociedades anônimas no direito brasileiro, p. 286.
  • 12. 6 De acordo com Ascarelli5 : o voto é concedido ao acionista para a tutela de seu direito como acionista; encontra a sua justificação e seu limite na comunhão de interesses, só no limite de seu interesse como sócio que os acionistas são (até com o sacrifício do seu interesse extrassocial frente ao interesse social) sujeitos à deliberação da maioria. (grifo nosso) Apesar de ser livre, o voto do acionista deve ser obrigatoriamente exercido no interesse da companhia. No próprio artigo 115 da Lei da S.A. está disposto que o voto exercido com a finalidade de causar dano à sociedade ou a outros acionistas, ou de obter para si ou para outrem vantagem a que não faz jus, e de que resulte, ou possa resultar prejuízo para a companhia ou para outros acionistas será considerado abusivo (art. 115). Erasmo França6 afirma: Não parece haver qualquer dúvida sobre o partido tomado pelo legislador no tocante à natureza do direito de voto. O acionista deve, diz o artigo 115, exercer o direito de voto no interesse da companhia. Ao votar, portanto, o acionista tem o dever legal de perseguir o interesse social. Em fórmula feliz, assim se expressou Leães sobre o tema: “Assim sendo, ao exercer o direito de voto, o sócio não pode perseguir nenhum interesse particular, mas o seu interesse de sócio itu socius, que se considera coincidente com o interesse social. Nesse sentido, pode-se dizer que, embora o voto seja livre, o acionista está obrigado a perseguir o interesse social. (grifo nosso) Nosso entendimento é que o acionista deve exercer seu direito de voto sempre no interesse da companhia, caso isso não aconteça, será necessário analisar caso a caso, se o voto foi abusivo ou conflitante com os interesses da companhia. 1.2. Interesse social da Companhia Ao tratarmos do conceito de interesse social, não podemos deixar de analisar as teorias contratualista e institucionalista, que não tem o condão de esgotar o tema, uma vez que foram criadas em outra era, e não contemplam alguns cenários econômicos vividos nos dias de hoje, que integram o direito societário ao mercado de capitais. 5 Tulio Ascarelli, ‘Studi in tema di società’, pág. 164. 6 FRANÇA, Erasmo. Conflito de interesses nas assembleias de S.A., 1993.
  • 13. 7 a) Teoria Contratualista O contratualismo define o interesse social como sendo sempre o interesse dos sócios, e somente dos sócios atuais. Um dos principais defensores desta teoria clássica contratualista é Jaeger7 , para ele “interesse social não constitui um conceito abstrato, mas, sim, algo de concreto, definível apenas quando comparado com o interesse do sócio para aplicação das regras sobre conflito de interesses.” Nesta teoria, entende-se que o interesse social é a comunhão dos interesses comuns dos acionistas (“shareholders”), que têm como objetivo comum a maximização do lucro para a companhia, sendo inerente ao próprio contrato da sociedade. b) Teoria Institucionalista Para os institucionalistas, o interesse social não deve ser limitado aos interesses dos sócios, devendo se levar em consideração os interesses de todos que, de alguma forma, se relacionam com a companhia, os conhecidos como stakeholders, sujeitos vinculados economicamente à companhia, que podem ser funcionários, clientes, fornecedores, credores, dentre outros. No artigo 115 da LSA está disposto que “o acionista deve exercer o direito de voto no interesse da companhia”, ou seja, este princípio legal visa proteger os interesses de todos os acionistas, majoritários e minoritários, para que todos sempre votem no interesse da companhia, e que pode, muitas vezes, ser contrário ao interesse individual de cada acionista. Sendo assim, o voto do acionista deve ser sempre pautado no interesse social, sob pena de ser considerado abuso de direito. Para Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha8 , pode-se conceituar objetivamente o interesse em três situações: 7 SALOMAO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, São Paulo: Malheiros. , 4. ed. 2011, p. 27.28. 8 CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. Estrutura de interesse nas Sociedades Anônimas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 38-39.
  • 14. 8 (i) a de indiferença, quando a satisfação dos interesses não afeta a satisfação do outro interesse; (ii) a de convergência, que cria, conforme já mencionado, o direito coletivo ou difuso; e, por fim, (iii) a situação de conflito de interesses, quando a satisfação de um interesse impede ou prejudica a satisfação de outro deve ser limitado ao objeto social com a finalidade de auferir renda, nas palavras dele “o interesse social decorre do objetivo primordial de obtenção de lucros advindos da realização das atividades da sociedade, ou seja, aquelas previstas em seu objeto social. (grifo nosso) Contudo, ainda que transponha os limites do objeto social da companhia, este princípio determina que o voto do acionista sempre respeite o interesse social, mesmo que para isso precise abdicar dos seus próprios interesses, e a função social da empresa de forma a contribuir para a obtenção de lucro.9 A nosso ver, o acionista tem o dever de votar em busca sempre da maximização dos lucros da companhia para que o objeto social seja alcançado, e se o acionista tiver interesses divergentes, deverá ser coibido. 1.3. Conflito de interesses Está previsto no artigo 115, §4º da Lei das S.A.: A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. (grifo nosso) No artigo 156 da Lei das S.A. trata-se expressamente do administrador, que assim como o acionista, tem a obrigação de votar em prol dos interesses sociais. Os conflitos de interesses podem ocorrer nas diversas relações existentes dentro de uma companhia, dentre as mais comuns, destacam-se aquelas que envolvem os administradores e a companhia, os acionistas entre si, os detentores de ações e os titulares do direito de voto e entre os acionistas e a própria companhia. 9 Paillusseau.Ob. Cit., p. 191.
  • 15. 9 Nos casos envolvendo o administrador e a companhia, o conflito pode ocorrer quando se trata de remuneração do administrador, que, em sua maioria, é atrelada à receita ou ao lucro da empresa, que pode divergir dos interesses sociais. Com relação aos conflitos entre os próprios acionistas, podem ocorrer, em razão da existência de acionistas que detêm maior participação no capital social da companhia (acionistas majoritários), acionista controlador ou de um bloco de controle em relação aos minoritários. Em se tratando dos detentores de ações e dos titulares do direito de voto, o eventual conflito pode envolver os interesses daquele que detém a nua propriedade da ação quando contrários aos interesses do detentor do direito de voto, concedidos pelo direito de usufruto. O principal enfoque deste trabalho será a respeito do conflito existente entre os acionistas e a companhia, em que será analisado o artigo 115 da LSA, em especial, em conjunto com os demais artigos da LSA que estão correlacionados a este tema e serão mencionados nos próximos capítulos. No próximo capítulo, serão abordadas algumas questões importantes a respeito do conflito de interesses no exercício do direito de voto, com base nas teorias dos doutrinadores e no posicionamento administrativo da CVM, em duas decisões polêmicas e controvertidas.
  • 16. 10 CAPÍTULO SEGUNDO. OS PRINCIPAIS ASPECTOS DO CONFLITO DE INTERESSES ENTRE OS ACIONISTAS E A COMPANHIA NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO 2.1. Teorias doutrinárias Para interpretar o conflito de interesses, conforme preceitua o artigo 115 da LSA, a doutrina adota as seguintes teorias: a) Conflito Material (ou Substancial): os doutrinadores adeptos desta teoria defendem que o acionista poderá votar em assembleia e, somente após o efetivo exercício do voto, este será passível de análise. Se o voto foi realizado contrariamente aos interesses sociais da Companhia, o voto será passível de anulabilidade. b) Conflito Formal (ou Potencial): desde que presumido um potencial conflito entre o acionista e a Companhia, o acionista não deve exercer o seu direito de voto Importante apresentarmos os posicionamentos dos doutrinadores mais influentes, acerca das teorias acima mencionadas. 2.2. Defensores da Teoria do Conflito Material Dentre os doutrinadores que defendem a Teoria do Conflito Material encontram-se: Trajano de Miranda Valverde, Marcelo Lamy Rego, Fabio Appendino, José Alexandre Tavares Guerreiro, Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Erasmo Valladão Azevedo de Novaes França e Nelson Eizirik, dentre outros. Importante destacar que grande parte dos doutrinadores são adeptos desta teoria. Como muito bem colocado pelo VALVERDE que defende a Teoria do Conflito Material, o benefício particular previsto no artigo 115, § 1º da LSA deve ser analisado a partir de um caso concreto, não devendo ser tratado como hipótese para proibição do direito de voto. Segundo ele: “Se – para exemplificar – a assembleia geral resolve atribuir uma bonificação a determinados acionistas, por este ou aquele motivo, não poderão eles, como diretamente interessados, tomar parte nessa deliberação. Esta, com efeito, virá beneficiá-los de modo particular,
  • 17. 11 quebrando, ainda que justo seja o fundamento, e a lei o permita, a regra de igualdade de tratamento para todos os acionistas da mesma classe ou categoria. ”10 Para Marcelo Lamy Rego11 , as três primeiras situações previstas no artigo 115, §1º da Lei das S.A. são indiscutíveis no sentido de que o acionista está veementemente proibido de exercer o seu direito de voto. Na última situação prevista no referido inciso, ele entende que se deve analisar o caso concreto, a posteriori. Acarretando, portanto, a anulação do voto, e não a nulidade automática, imposta às outras hipóteses. Em se tratando de benefício particular, define que diferentemente de conflito de interesses ou abuso de direito, deve ser entendido com uma vantagem lícita que atinge um acionista em detrimento dos demais, infringindo, portanto, o princípio da igualdade. Nos demais casos (conflito de interesses e abuso de direito), a previsão legal considera como vantagem ilícita obtida pelo acionista12 . Em resumo, este autor considera que o acionista não poderá votar nas hipóteses previstas, conforme disposto na lei, de laudo de avaliação e aprovação de contas como administrador, ou seja, entende que este conflito é formal. Nas hipóteses de voto abusivo ou de conflito de interesses, deve ser analisado cada caso concreto para verificar se houve ou não prejuízo para a companhia e ainda se aquele voto proferido foi decisivo para que a deliberação fosse aprovada. Neste caso, será solicitada judicialmente a anulação daquele voto. De acordo com José Alexandre Tavares Guerreiro13 , o conflito não pode ser presumido, deve ser analisado caso a caso. O professor entende ainda que para caracterizar o conflito de interesses é indispensável existir a materialização do nexo causal entre a satisfação do interesse de um acionista em detrimento de outros. 10 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 66. 11 REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 410. 12 REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 412-414. 13 GUERREIRO, Jose Alexandre Tavares. Conflitos de interesse entre sociedade controladora e controlada e entre coligadas, no exercício do voto em assembleias gerais e reuniões sociais. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo.
  • 18. 12 Por sua vez, LEÃES exalta a diferença existente entre a proibição do voto e o conflito de interesses, enquanto a primeira situação requer uma evidência formal, a segunda deve ser objeto de análise posterior à votação. Fazendo referência ao direito alemão e italiano, LEÃES14 diferencia o voto abusivo da proibição de voto. O voto abusivo é aquele voto exercido com o intuito de causar dano ou de obter vantagem indevida, que eventualmente possa ocasionar algum dano à companhia e/ou aos demais acionistas. Neste caso, trata-se de conflito material. Na situação em que há a proibição de votar, nas assembleias relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia, são requisitos formais que devem ser verificados previamente à realização da assembleia, e se algum dos acionistas encontrar-se em situação de conflito, que seja proibido de exercer o seu direito de voto. Em razão do posicionamento de LEÃES acerca do voto abusivo, pode ser considerado um defensor da Teoria Substancial, contudo ao analisar o entendimento dele a respeito do §1º, ele se colocaria no rol dos defensores da Teoria Formal. Segundo VALLADÃO15 , o artigo 115 da LSA visa proteger os interesses sociais da companhia, definido como o interesse comum dos sócios. De acordo com seu entendimento, o abuso de voto ocorre quando o acionista vota contrariamente aos interesses sociais, acarretando potencial dano à companhia e seus acionistas. Para ele, a análise do §1º do artigo 115 é a seguinte: nas 3 primeiras hipóteses (incluindo a do benefício particular) não há dúvida se tratar de vedação ao exercício do direito de voto, em que é realizada uma análise prévia. Para todas as 3 hipóteses o voto é passível de nulidade. Entende que o conflito de interesses deve ser analisado em conjunto com os demais dispositivos da lei societária (em destaque os artigos 117, §1º, alínea f, 156, §2º, 245 e 264), que permitem o voto em situações conflitantes, devendo ser analisado a posteriori se o voto conflitante foi decisivo na assembleia. 14 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Conflito de interesses e vedação de voto nas assembleias das sociedades anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo. 15 FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N. Invalidade das Deliberações de Assembleias de S.A. São Paulo: Malheiros, 1999. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo.
  • 19. 13 Na visão de Nelson Eizirik16 , ao analisar o artigo 115, no caso (a) do laudo de avaliação, (b) de aprovação de contas e (c) de benefício particular, o acionista está proibido de votar, inexistindo questionamento com relação a esta imposição legal. Em todos estes casos, se houver violação e o acionista tenha votado na assembleia, será anulado desde que tenha sido decisivo para a deliberação, não sendo necessária a comprovação do dano para a companhia. Importante destacar que seu entendimento relacionado à aprovação de contas se restringe apenas às pessoas físicas, isto é, no caso do acionista que também atua na qualidade de administrador da companhia. Entende que a pessoa jurídica, que possui um controlador, pessoa física, que ocupa o cargo de administrador está autorizado a votar. Discordamos deste entendimento, pois se este fosse o entendimento do legislador, abriria oportunidade para que o acionista burle a lei e ingresse na companhia através de uma empresa, para não configurar impedimento para exercer o seu direito de voto. Ao se referir à hipótese do conflito de interesses, disposta na última parte do §1º do artigo 115 da LSA, entende que não se pode presumir o conflito, é necessário que ele seja analisado e comprovado, o que somente é possível posteriormente à deliberação. Seguindo a linha da Teoria Material, afirma17 : (...) o acionista pode, em situação de conflito de interesses, votar no interesse da sociedade, ou por razões altruístas, ou porque, dada a relevância de sua participação acionária, obterá maior benefício privilegiando o interesse da companhia do que o seu individual. (grifo nosso) 2.3. Defensores da Teoria do Conflito Formal ou potencial Com entendimento contrário aos doutrinadores que defendem a Teoria do Conflito Material, relacionamos abaixo alguns doutrinadores que adotam a Teoria do Conflito Formal, vejamos: 16 EIZIRIK, Nelson. A lei das S.A. Comentada. V.1. São Paulo. Quartier Latin, 2011. 17 EIZIRIK, Nelson. A lei das S.A. Comentada. V.1. São Paulo. Quartier Latin, 2011.
  • 20. 14 Segundo entendimento de Modesto Souza Barros Carvalhosa18 , o voto abusivo e o voto conflitante são sempre contrários ao interesse da companhia. Ele afirma que o voto abusivo é aquele exercido com o intuito de causar dano à companhia e/ou aos demais acionistas ou ainda de obter vantagem a que não faz jus, devendo ser analisado sob os critérios objetivos, sem levar em consideração os argumentos apresentados pelo acionista. Já o voto conflitante pode ser analisado sob dois aspectos: (i) Lato sensu: havendo uma situação de conflito de interesses, existente em um contrato bilateral, o acionista não poderá exercer o seu direito de voto19 . (ii) Stricto sensu: o conflito de interesses existe quando o acionista tem interesse próprio ou de outrem diferente daquele interesse social pregado pela companhia, que para Carvalhosa20 é considerado um voto ilegal. Faz-se necessário analisar a diferença entre o conflito de interesses e o benefício particular, os quais estão dispostos no artigo 115, §1º da Lei das S.A.: Art. 115. O acionista deve exercer o direito de voto, no interesse da companhia, considerar-se-á abusivo o voto exercido com fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter para si ou para outrem vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. §1º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. (grifo nosso) Para CARVALHOSA, o benefício particular não caracteriza ato ilícito, tampouco intenção do acionista de prejudicar os demais acionistas ou a própria companhia, mas como o nome 18 CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 464-466. 19 CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 464. 20 CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 465.
  • 21. 15 mesmo diz de obter benefício para si mesmo, ou seja, o impedimento do voto se deve ao fato do acionista exercê-lo com interesse pessoal, e não social. O exemplo clássico de benefício particular é no caso de deliberação a respeito da participação dos lucros pelo acionista administrador, que está impedido de votar, mas se não estivesse poderia apresentar demonstrações financeiras e aprovar a sua participação com interesse particular21 . Sendo assim, não há que se confundir benefício particular de conflito de interesses, contudo em ambos os casos, o acionista deve ser impedido de exercer o seu voto, para preservar os interesses dos demais acionistas da companhia. Em todas as hipóteses previstas no artigo 115, CARVALHOSA22 entende que o voto do acionista não pode ser exercido: A Lei de 1976 é clara em proibir que o acionista vote, seja nas hipóteses específicas de conflito de interesses que enuncia, seja residualmente, em qualquer momento no qual, sob outras modalidades, configurar-se esta situação. Convém enfatizar que, no caso de conflito de interesses, o que se suspende não é o direito de voto, mas o seu exercício. Este fica temporariamente suspenso, tendo em vista apenas determinadas matérias sujeitas à deliberação de assembleia geral. Nas duas primeiras hipóteses expressas em lei (laudo de avaliação e aprovação de suas contas como administrador), a suspensão do exercício do voto depende de fatores objetivos e legalmente tipificados, a que se pode facilmente obedecer. As duas outras hipóteses pressupõem fatores subjetivos de julgamento que cabem espontaneamente ao acionista interessado apontar, para declarar-se impedido de votar. Se não o fizer, caberá à mesa emitir juízo de valor a respeito. Apesar de impedido para votar, o acionista pode comparecer à assembleia e ter a sua presença considerada para fins de quórum de instalação da referida assembleia. 21 CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 465 22 CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 462-463
  • 22. 16 Caso o acionista impedido de votar exerça seu voto, sem que haja manifestação contrária, CARVALHOSA entende que: De qualquer forma, a deliberação tomada em decorrência de voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável, mesmo se não tiver havido dano para a companhia ou para os seus acionistas. O vício, na espécie, é formal. Evidentemente, que a nulidade da deliberação, na hipótese, somente ocorrerá se o voto ilegalmente dado pelo acionista interessado for decisivo para a formação da maioria. Do contrário, não haverá anulação da deliberação. O que poderá ocorrer será a nulidade dos votos ilegalmente dados. (grifo nosso) De acordo com Calixto Salomão Filho23 , o conflito de interesses mencionado no artigo 115 da Lei das S.A. pode ser definido com precisão e, a partir daí, pode ser fiscalizado. Para ele, deve-se analisar os interesses dos acionistas e ao detectar o conflito, o exercício de voto daquele acionista que estiver em conflito deve ser impedido, a fim de preservar a companhia. CALIXTO SALOMÃO define novos conceitos para as teorias clássicas a respeito do conflito formal e material, da seguinte forma:  Conflito Formal: é detectado, a priori, sempre que um acionista tiver em interesse direto na matéria a ser deliberada, por exemplo, se for parte de um contrato de prestação de serviços, que depende de aprovação prévia em assembleia.  Conflito Material: baseia-se nos padrões adotados pelo mercado e em uma análise da própria companhia com relação às operações semelhantes (se houver) para, a posteriori, verificar se houve ou não conflito de interesses. Sendo assim, para CALIXTO SALOMÃO todas as hipóteses previstas no §1º do artigo 115 são hipóteses proibitivas para o acionista exercer seu voto. Nas duas primeiras hipóteses do inciso considera se tratar de critérios objetivos, já o benefício particular corresponde a um interesse pessoal que se sobrepõe ao interesse social e o conflito de interesse é hipótese de conflito formal, sob pena de considerar o interesse da companhia como sendo o do próprio acionista conflitante. 23 SALOMAO FILHO Calixto. O Novo Direito Societário. 4ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
  • 23. 17 CAPÍTULO TERCEIRO. CONSEQUÊNCIAS DO VOTO PROFERIDO EM SITUAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES Neste capítulo iremos abordar as consequências decorrentes do voto proferido pelo acionista em situação de conflito, com base em uma análise a posteriori à realização da assembleia (escola substancial), avaliando-se as questões que levaram ao potencial conflito, relacionadas àquele acionista que exerceu seu direito de voto. Importante reiterar o nosso posicionamento acerca da aplicabilidade da Teoria Material, uma vez que o acionista que detém a maioria do capital é o maior interessado em auferir lucro para a companhia, em conformidade com o objeto social. Entendemos que inexistindo um conflito colidente diretamente com os interesses da Companhia, o acionista não deve ter seu direito ao voto cerceado. Conforme disposto no artigo 115, §4º da Lei das S.A. o acionista que estiver em conflito com a Companhia e votar, poderá ter o seu voto anulado e responderá pelos danos causados à Companhia e aos demais acionistas, obrigando-se ainda a transferir as vantagens que tiver recebido em decorrência da referida aprovação em assembleia: Art. 115. O acionista deve exercer o direito de voto, no interesse da companhia, considerar-se-á abusivo o voto exercido com fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter para si ou para outrem vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. [...] §4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. (grifo nosso) O voto do acionista que estiver em conflito de interesses com a companhia é anulável, e não nulo, podendo ser proposta, por qualquer acionista da companhia, inclusive por aquele que for titular de ações sem direito a voto, ação judicial para anular as deliberações tomadas em assembleia geral, dentro de dois anos, a contar da data da realização da assembleia.
  • 24. 18 Além de requerer a anulação da deliberação assemblear, o requerente poderá pleitear reparação dos danos causados e a devolução para a companhia das vantagens auferidas em decorrência daquela situação conflitante, desde que sejam devidamente comprovadas. Caso o voto daquele acionista em conflito não tenha sido computado para fins de quórum de aprovação, a deliberação da assembleia não deve ser considerada inválida, uma vez que o voto não interferiu na aprovação da matéria. Nesta mesma linha, o Parecer de Orientação CVM nº 34/200624 determina que: O impedimento de voto, portanto, se dá pela especificidade do benefício, pela particularidade de seus efeitos em relação a um acionista, comparado com os demais. E, mesmo em tais casos, se falhar a proibição cautelar de voto, e o acionista impedido votar, a deliberação somente será anulável se o voto do acionista potencialmente beneficiado tiver sido determinante para a formação do quorum ou da maioria assemblear. (grifo nosso) Nossa legislação prevê que todo e qualquer acionista, independente de sua participação no capital social da companhia, pode ser responsabilizado por exercer voto abusivo contra os interesses da companhia, em respeito ao princípio da equidade. Caso o voto conflitante seja decisivo para a aprovação da matéria, e por meio de um processo judicial seja anulado, tem a sentença judicial o condão de reprovar referida matéria? A lei não prevê esta situação. Precisaremos analisar a jurisprudência a respeito para verificar o que os tribunais têm decidido. Na doutrina internacional, utilizam a ação anulatória de decisão assemblear cumulada com pedido declaratório do correto resultado da votação (ação declaratória positiva).25 A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) é o órgão que fiscaliza as companhias abertas e penaliza administrativamente os infratores que cometerem atos ilícitos. 24 NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por ações anotada.São Paulo: Ed. Saraiva. 4 ed. 2012, p. 244. 25 NETO, Alfredo Sergio Lazzareschi. Lei das Sociedades por ações anotada.São Paulo: Ed. Saraiva. 4 ed. 2012, p. 244.
  • 25. 19 A reparação pelos danos sofridos em virtude dos atos ilícitos cometidos, assim como a anulação destes atos ficam sob a égide do Poder Judiciário decidir. Em uma situação de conflito de interesses, a questão pode ser submetida à apreciação do Judiciário, independentemente de ter sido submetida à CVM. Importante destacar que a CVM e o Poder Judiciário enfrentam os mesmos problemas, mesmo com o advento do novo Código de Processo Civil. Não há jurisprudência uniforme sobre o tema e o poder discricionário dos juízes causa ainda mais insegurança jurídica àqueles que se socorrem da justiça para ter o seu direito resguardado ou receber a indenização a que fazem jus. Os Tribunais especialmente criados para analisar assuntos empresariais (conhecidos como Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo) não possuem o conhecimento técnico necessário para avaliar o tema de conflito de interesses, conforme se pode notar nas decisões proferidas por este colegiado. Ademais, o prazo para resolução dos processos é extremamente moroso, ocasionando ainda mais prejuízos àquele que aguarda uma decisão judicial. A fim de amenizar os problemas encontrados nas vias administrativa e judicial, a incerteza nas determinações da CVM, a falta de conhecimento empresarial e a demora na resolução dos casos pelo Judiciário, para dirimir os problemas internos das companhias, existe a arbitragem que também pode ser um meio de resolução dos conflitos mais capacitado e célere.
  • 26. 20 CAPÍTULO QUARTO. ENTENDIMENTO DA CVM Para ilustrar as decisões proferidas pela CVM, iremos abordar neste capítulo dois casos emblemáticos da CVM, dentre os vários já submetidos ao julgamento desta autarquia, Ambev e Tractebel. A diversidade de entendimento da CVM a respeito deste tema deve-se não só em razão das mudanças na composição do colegiado, mas também em virtude dos diferentes argumentos utilizados pelos diretores para sustentar as suas decisões, envolvendo o artigo 115 da Lei das S.A., tais como abuso de direito, interesse social, benefício particular e interesse conflitante26 . Tendo em vista as diversas opiniões sobre o assunto, não há que se falar em corrente adotada pela CVM, pois além de cada diretor adotar uma teoria diferente, substancial ou formal, utilizam razões próprias, embora alguns argumentos sejam os mesmos. É importante destacar que os casos selecionados para ilustrar as decisões da CVM acerca deste tema terão enfoque nos conflitos de interesses em si, apesar de trazerem outras discussões que não serão abordadas neste trabalho. Ambev Considerada como uma das maiores operações no mercado de capitais brasileiro, em 2004, a CVM analisou o Processo nº RJ2004/549427 , para verificar se as acionistas (Braco e Ecap) estavam impedidas ou não de votar na assembleia que aprovou, por maioria, a incorporação de sua controlada (Labatt Brewing Canada Holdings Ltd.) pela Ambev, uma das etapas da operação para alienação do controle da Ambev à Interbrew S.A., via permuta de ações, uma vez que as acionistas Braco e Ecap teriam se comprometido perante à Interbrew a aprovarem esta deliberação, o que configuraria conflito de interesses. 26262626 “Discute-se, neste caso, a legalidade de uma das maiores operações de que se tem notícia envolvendo companhia aberta brasileira, E nele debate-se, entre outros, talvez o tema mais complexo do direito societário, atinente ao conflito de interesses. Mas não é só. Tal matéria é daquelas em que o colegiado da CVM tem se manifestado de modo mais variado, conforme a sua composição do momento” – pronunciamento do ex- presidente da CVM, Marcelo Fernandez Trindade. 272727 Trata-se de recurso interposto pela Previ contra a decisão da SEP de não instaurar inquérito administrativo para investigar os atos praticados pela Ambev, no caso de alienação de controle.
  • 27. 21 A operação foi alvo de questionamento da acionista preferencialista Previ (Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil S.A.) que recorreu do não acolhimento pela Superintendência de Relações com empresas (“SEP”) da denúncia contra a companhia e seus administradores acerca da operação em referência. Dentre os demais assuntos questionados na operação, o conflito de interesses em si foi um deles, contudo a discussão sobre o tema foi diferente, pois a CVM entendeu que o artigo 115 da Lei das S.A. (conflito formal ou material) não seria aplicável à operação, por envolver incorporação de sociedade sob controle comum, e, dessa forma, sujeita a aplicabilidade do artigo 264 da Lei das S.A. A Previ alegou conflito de interesses do acionista controlador e o colegiado da CVM decidiu- se, por maioria, 3 votos a 1, que o controlador não estava sujeito à regra do conflito de interesse previsto no artigo 115, § 1º, da Lei das S.A., alegando se tratar de uma hipótese prevista no artigo 264 da Lei das S.A., a incorporação de sociedade sob controle comum. O único voto vencido foi o da ex-diretora Norma Parente. Segundo ela, as controladoras da Ambev não deveriam ter votado na assembleia de acionistas que aprovou a incorporação da Labatt, por estarem em conflito de interesses. A operação não deveria ser analisada apenas sob a ótica de uma incorporação de sociedade sob controle comum, mas como fases de uma mesma operação, que resultaria na reestruturação do controle acionário da AMBEV, evidenciando o conflito de interesses dos controladores. Para Norma Parente, as controladoras estavam impedidas de votar por (i) terem aprovado o laudo de avaliação de bens com que concorreram para a formação do capital social, (ii) estarem em situação de benefício particular e (iii) terem interesse conflitante com o da companhia, em consonância com o disposto no artigo 115 da Lei das S.A., atuando a legislação previamente, não permitindo o acionista de exercer seu direito de voto. O ex-diretor relator Wladimir Castelo Branco Castro, (que em outros casos, acompanhou a Norma Parente na tese de conflito formal de interesses), desta vez, proferiu o voto vencedor considerando não se aplicar neste caso o artigo 115 da Lei das S.A., uma vez que o artigo 264 da Lei das S.A. autoriza expressamente o controlador a exercer o seu direito de voto. Segundo
  • 28. 22 CASTELO BRANCO28 , a lei reconhece a predominância do interesse do grupo em detrimento do interesse social, afastando o conflito de interesses nas assembleias: Não se indaga se o acionista controlador exerceu seu direito de voto em conflito de interesses com a companhia, sendo sempre permitida a sua participação na formação da vontade social. A contrapartida, para os minoritários, consiste na garantia de uma equânime relação de substituição de ações. Mesmo não considerando o conflito de interesses neste caso, em especial, analisou as hipóteses do artigo 115, e caso fosse verificado algum conflito de interesses, seguiria a linha da escola material, e não da formal, conforme voto de Norma Parente, devendo seu voto ser analisado posteriormente. Marcelo Trindade29 , que ocupava o cargo de diretor presidente da CVM na época, acompanhou o voto do diretor relator, afirmando se aplicar neste caso concreto o artigo 264 da Lei das S.A., de incorporação de ações sob controle comum, em que a própria legislação autoriza o acionista controlador exercer seu voto, inexistindo o conflito de interesses. De todo modo, não se posiciona com relação ao conflito formal ou material de interesses, caso fosse considerado. Concordamos com a decisão da CVM em afastar a hipótese de conflito de interesses, prevista no artigo 115, § 1º da Lei das S.A. neste caso, por se tratar de incorporação de empresa sob controle comum, prevista no artigo 264 do mesmo diploma legal. A matéria a ser deliberada na assembleia era a incorporação da Labatt, e o controlador, detentor do maior número de ações da companhia, não pode ser impedido de exercer o seu direito de voto, desde que respeitadas as demais regras do ordenamento jurídico. O conflito de interesses está presente neste tipo de operação de incorporação de sociedade sob controle comum, prevista no artigo 264 da Lei das S.A., que se preocupou em garantir a relação equânime das ações, com o intuito de preservar os interesses dos acionistas, no nosso entendimento. 28 Voto proferido por Wladimir Castelo Branco Castro, no caso AMBEV, parágrafos 41 a 49. 29 Voto proferido no caso AMBEV, por Marcelo Fernandez Trindade.
  • 29. 23 Em 2006, a CVM publicou o Parecer de Orientação nº 34 para definir as hipóteses que o acionista controlador está impedido de votar, nos termos do artigo 115, § 1º da Lei das S.A., nas operações de incorporação de controladas que tenham relações de substituição distintas para acionistas controladores e minoritários ou para diferentes espécies de ações. Apesar deste parecer tratar apenas da incorporação de controladas com relações de troca desiguais, referiu-se à hipótese do acionista impedido de votar, ao se tratar de benefício particular, e não porque ele tem interesse conflitante com o da companhia.30 Tractebel Foi submetida à análise da CVM se a acionista controladora da Tractebel Energia S.A. (“Tractebel”) poderia votar na assembleia convocada para deliberar sobre a aquisição de ações da Suez Energia Renovável (“Suez”), pela Tractebel, controlada da GDF Suez Energy Latin America Participações Ltda. (“GDF”) – acionista controladora da Tractebel, no Processo nº RJ2009/13179, julgado em 9 de setembro de 2010. A companhia observou o procedimento especial para aprovação de operações entre controladora e controlada, conforme disposto no Parecer de Orientação nº 3531, criando um comitê independente para definir os termos e condições do contrato de aquisição de ações, que seria colocado na pauta da assembleia. Neste caso, a GDF participaria simultaneamente nos dois lados da relação contratual, por ser controladora da Tractebel e por ser acionista da Suez, de quem as ações seriam compradas, gerando uma situação de conflito de interesses. De um colegiado formado por 5 membros, 4 deles decidiram tratar-se de um conflito formal de interesses, estando a GDF impedida de exercer o seu voto nesta assembleia que deliberaria sobre uma contratação em que ela, além de controladora da Tractebel, também 30 O colegiado da CVM reforçou este entendimento no Caso Duratex, julgado em 28 de julho de 2009, em que a relação de troca, disposta no artigo 254-A da Lei das S.A., com base no percentual de 80% para ações ordinárias e preferenciais detidas pelos acionistas minoritários, atribuía a essas ações valor inferior àquele atribuído às ações de titularidade do controlador. Neste caso, o entendimento da CVM, aplicando o Parecer de Orientação nº 34 foi de que houve benefício particular do acionista controlador, estando, o acionista impedido de votar. 31 O Parecer de Orientação nº 35 estabeleceu a criação de um comitê especial independente para negociar os termos da operação ou à sujeição da operação à maioria dos minoritários.
  • 30. 24 figuraria como contraparte. Afastou a hipótese regulada pelo Parecer de Orientação 35, por ser aplicável apenas nas operações de fusão, incorporação e incorporação de ações, não sendo aplicado no artigo 115, da Lei das S.A. Alexsandro Broedel Lopes, ex-diretor relator, defende a teoria de conflito formal e afirmou que o controle ex post do conflito não incentiva o minoritário a investir na companhia e que ele estará disposto a pagar um preço inferior ao que pagaria caso os interesses estivessem alinhados. Isso porque independentemente do comportamento do controlador ex post, existe o risco ex ante, de que ele não se comporte, segundo os interesses dos minoritários.32 Admite que se o acionista em conflito fizer prova de que agirá de acordo com o interesse da companhia, o seu voto deve ser exercido, mesmo que seja parte do contrato. Notamos que os argumentos utilizados por ele, partem de uma preocupação com as consequências do impedimento do voto. Defende que o controlador está proibido de exercer o seu voto, por estar em potencial situação de conflito de interesses com a companhia. Afirma também que poderá causar efeitos econômicos à companhia, pois o minoritário poderá deixar de investir ou pagar um preço inferior ao de mercado, em razão do risco existente, em razão da falta de assimetria de informações, uma vez que o controlador possui maiores informações a respeito do contrato em comparação aos demais acionistas. Entendeu que a criação do Comitê Especial Independente para transações com partes relacionadas, proposta pela Tractebel, não afastaria o conflito de interesses entre o controlador e os demais acionistas. Segundo ele: “a proposta da companhia, da maneira como foi feita, não prevê a mitigação direta desse conflito, sendo que só a presença de membros da administração da companhia, ainda que independentes, não assegurará a proteção aos minoritários, com relação à negociação dos termos do contrato a ser firmado com o controlador”. O Parecer de Orientação nº 35 aplica-se apenas e tão somente na hipótese prevista no artigo 264, da Lei das S.A., caso em que o controlador poderá exercer o direito de voto. 33 32 Voto proferido no caso Tractebel, por Alexasandro Broedel Lopes, §41 a 51. 33 Voto proferido no caso Tractebel, por Alexasandro Broedel Lopes, §71 a 76.
  • 31. 25 Não concordamos com este posicionamento da CVM, por entender que o artigo 115 da Lei das S.A que trata do conflito de interesses refere-se ao problema entre o acionista e a companhia, e não entre acionistas. A nosso ver, a criação do comitê independente especialmente para definir os termos e condições do contrato seria suficiente para eliminar o potencial conflito. A então diretora presidente da CVM Maria Helena Santana defendeu a tese da teoria formal, contudo fundamentou seu entendimento em outros argumentos. Entende que o conflito de interesses deve ser examinado antes da realização da assembleia, e existe quando o acionista aufere qualquer tipo de benefício (não apenas benefício particular). Se a acionista GDF não está impedida de votar, em razão do benefício auferido, o está em razão do conflito de interesses existente. Afirma ainda que se o conflito fosse analisado posteriormente, o disposto no artigo 115, §1º seria dispensável frente à proibição geral ao abuso de direito de voto, prevista no caput do referido artigo. Segundo ela, a identificação do conflito dispensa a comprovação de prejuízo. Segundo Maria Helena Santana, com exceção do comentário relativo ao benefício particular, utilizou-se dos fundamentos da escola formal. Contudo, acrescentou à sua decisão que se deve ter prudência ao impedir o acionista de exercer o seu direito de voto, sob pena de cercear excessivamente o acionista de exercê-lo. O acionista deve ser impedido quando, no caso concreto, houver interesse particular. Em se tratando de contrato bilateral, o conflito é evidente e o acionista não deve votar. Ao analisarmos o voto da Maria Helena Santana acima, verificamos a diversidade nos argumentos adotados, apesar de seguir a escola formal e considerar a existência de conflitos nos contratos bilaterais, impedindo o acionista conflitado de votar, ressalta que o conflito deve ser indubitável e analisado o caso concreto. Marcos Pinto concordou com Maria Helena Santana no que se refere ao conceito de benefício particular, previsto no artigo 115, §1º da Lei das S.A. Para Marcos, o dispositivo não se restringe às vantagens conferidas ao acionista enquanto sócio, mas alcança qualquer vantagem; considera o contrato bilateral hipótese de benefício particular, mas se não o fosse, ainda assim seria considerado interesse conflitante; o conflito deve ser analisado a partir de um caso concreto e se for diagnosticado a priori, o acionista não deve votar; se o
  • 32. 26 conflito somente pudesse ser constatado a posteriori, não teria sentido o parágrafo 1º do artigo 115, pois nada acrescentaria ao caput e por fim, afirma que a verificação do conflito prescinde da constatação de prejuízo para a companhia. Incluiu ainda uma análise econômica, afirmando que o impedimento do voto, promove uma eficiência econômica, pois se o contrato submetido à assembleia for benéfico para a companhia, os demais acionistas irão aprovar a contratação, mesmo que na outra parte do contrato seja o acionista controlador. 34 Somos obrigados a discordar de Marcos, pois sabemos que, em geral, os minoritários não analisam objetivamente a matéria a ser votada, muito menos aquelas envolvendo o acionista controlador, não se afastando, portanto, o abuso de voto por parte do minoritário. Otavio Yazbek35 acompanhou o voto do relator, no sentido de que a GDF estaria em situação de conflito e impedida de exercer seu voto, com base nos seguintes argumentos: (i) o artigo 115, §1º deve ser interpretado de forma literal, “por mais que se possa criticar técnica legislativa adotada nos dispositivos em comento, não me parece possível considerar que, dentro de um mesmo dispositivo legal, iniciado com uma vedação (o acionista não poderá votar [...]), se encontrem situações tão diversas (...)”; (ii) com relação aos conflitos que não são identificados previamente, aplicam-se as penalidades previstas no §4º do artigo 115, e caso seja comprovado o dano, a deliberação poderá ser anulada; (iii) a regulamentação que autoriza a contratação entre o acionista e a companhia não prejudica a possibilidade de impedimento do voto do acionista contratante.36 Yazbek diferencia benefício particular de conflito de interesses, ao considerar como benefício particular aquele benefício obtido em função da posição de acionista na companhia, em linha com os ensinamentos de VALLADÃO, exceto com relação a diferenciação entre benefício particular e conflito de interesse, sendo o primeiro lícito e o segundo ilícito. Para Yazbek, o conflito de interesses pode não ser uma ilicitude, assim como a contratação, analisada neste caso, em especial. 34 Voto proferido no caso Tractebel, por Marcos Pinto. 35 Voto proferido no caso Tractebel, por Otavio Yasbek.. 36 Voto proferido no caso Tractebel, por Otavio Yasbek.
  • 33. 27 VALLADÃO não ensina que a contratação é ilícita, mas sim que o exercício do voto em situação de conflito é ilícito, pois ao acionista não é autorizado votar contra os interesses sociais da companhia. Por esta razão, não concordamos com a colocação de Yazbek. Para o diretor Eli Loria, a GDF poderia votar, pois entendeu que o conflito de interesses somente pode ser verificado a posteriori, desde que o prejuízo causado à companhia seja comprovadamente provado. Exceto nas duas primeiras hipóteses previstas no parágrafo primeiro do artigo 115 (laudo de avaliação de bens que concorrer para a formação do capital social e aprovação de contas como administrador), “não tem o condão de impedir o voto do acionista a priori, mas indica que o voto contrário ao interesse social é passível de anulação, considerando o prazo prescricional de dois anos do artigo 286.” 37 Segundo os argumentos colocados por Loria: (i) a Lei nº 10.303/01 que tentou reforçar o espírito do legislador pela corrente da teoria substancial no artigo 115, (ii) nos termos do artigo 256, a não configuração de conflito pelo fato do acionista e da companhia ocuparem diferentes posições, (iii) caso o acionista não pudesse votar a priori, impediria o acionista que detém o maior capital e que conhece com maior profundidade os negócios da companhia, afinal, é o maior investidor, e consequentemente, seria o maior prejudicado, infringindo o princípio da boa-fé, (iv) o dever do acionista controlador votar consoante o disposto no artigo 115, caput e artigo 116, parágrafo único, (v) o direito dos acionistas de fiscalizar e ser informado e (vi) a previsão legal para a anulação da assembleia pelo Poder Judiciário, caso o voto exercido em situação de conflito, pelo acionista que se sentir prejudicado, pelo prazo de dois anos. Este caso evidencia bem uma situação de grande assimetria de informações entre os acionistas (minoritários e majoritários). A GDF tinha acesso a muitas informações, que não foram divulgadas aos demais acionistas da companhia. É incontestável a necessidade de divulgar as informações, de forma a atingir igualmente todos os acionistas. Para que seja possível aumentar o grau de transparência das empresas, divulgando todas as informações para que o acionista tome as decisões buscando o interesse social, as 37 Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembleia-geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em dois anos, contados da deliberação.
  • 34. 28 companhias devem investir em práticas de governança corporativa, tais como auditorias externas, criação de um comitê especial independente (recomendado pelo Parecer de Orientação nº 35), contratação de laudos técnicos, dentre outros mecanismos que podem ser incorporados à cultura da companhia, com o condão de minimizar posturas contrárias aos interesses sociais. As decisões acima descritas retratam o desalinhamento nos entendimentos dos diretores da CVM, que resultam em decisões não consolidadas do colegiado. Esta questão é bastante polêmica e está longe de ser pacificada, considerando as mudanças na composição do colegiado da CVM. Apesar das divergências nas decisões relatadas, acreditamos que as discussões sobre o tema são extremamente valiosas para todos que atuam no mercado de ações, advogados, investidores e shareholders, que buscam alcançar o mínimo de segurança jurídica para desenvolver o mercado de capitais brasileiro e alavancar o desenvolvimento econômico do país.
  • 35. 29 CONCLUSÃO Neste trabalho trouxemos alguns aspectos do artigo 115 da Lei das S.A., relacionados às hipóteses de conflitos de interesses, os conceitos de direito de voto, interesse social da companhia e do conflito de interesses em si. Ao analisarmos o caput do artigo 115 nos deparamos com a definição de abuso de direito que ocorre ao acionista que votar contra os interesses da companhia, causando danos à companhia e/ou aos demais acionistas, ou ainda com o fim de obter para si ou para outrem vantagem indevida, que cause ou possa causar prejuízo para a companhia ou aos acionistas. Na primeira e segunda hipótese, previstas no §1º do artigo 115 da Lei das S.A. não há controvérsias, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, quanto ao impedimento do acionista de exercer o seu direito de voto, uma vez que a existência do conflito de interesses é detectada objetivamente, qual seja, (i) nas deliberações de assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e (ii) à aprovação de suas contas como administrador. Contudo, na terceira e quarta hipótese do artigo 115 do mesmo diploma legal, o legislador trouxe o benefício particular e o interesse conflitante com o da companhia, conceitos abstratos que geram diversas interpretações. A nosso ver, o benefício particular deve ser considerado uma vantagem lícita concedida a um ou mais acionistas em detrimento dos demais, mesmo que indiretamente, e que apesar de infringir o princípio da igualdade entre os demais acionistas é permitida por lei. Com relação ao conflito de interesses, como se sabe, o tema é bastante polêmico e controvertido, principalmente pelo fato de existirem duas escolas (formal e substancial), em que uma proíbe o acionista de votar em caso de conflito ou potencial conflito, e a outra, analisa o conflito posteriormente à deliberação, ambas com argumentos muito fundamentados, o que comprova a falha na legislação e a necessidade de medidas urgentes para resolver esta questão.
  • 36. 30 Na esfera administrativa, a CVM utilizou-se das duas correntes para sustentar as suas decisões, entretanto, nos últimos anos, desde 2010, tem se mostrado seguidora da teoria formal. Inclusive, houve intenção do colegiado de consolidar este entendimento. Sem questionar o posicionamento adotado pela CVM, é imprescindível a uniformização do assunto, para trazer mais segurança jurídica. De uma forma geral, os acionistas em situação de potencial conflito têm deixado de votar nas assembleias, para evitar possíveis penalidades impostas pela CVM, o que não entendemos ser a melhor solução. No caso do acionista que exercer o voto com abuso de direito, será responsabilizado civil e administrativamente, pelos danos que causar à companhia, nos termos do §3º do artigo 115, no primeiro caso, a matéria de responsabilidade civil, decorrente do dano causado pelo acionista será submetida à apreciação do Poder Judiciário, e na esfera administrativa, pela própria CVM que, na qualidade de órgão regulador tem autonomia para editar normas, fiscalizar o cumprimento das referidas normas, instaurar procedimentos administrativos, e se for comprovada a prática ilegal, poderá aplicar sanções ao acionista infrator. Ao considerarmos as discussões doutrinárias a respeito do conflito de interesses, a inexistência de jurisprudência e as decisões da CVM, concluímos que o ideal seria adotarmos práticas de governança corporativa para que as companhias, por meio de um comitê ou conselho independente, avalie a priori a situação de conflito, com base nas informações relevantes para a deliberação, as quais devem ser disponibilizadas pela companhia e/ou acionista potencialmente conflitado. Caso o comitê não detecte o conflito e autorize o acionista a exercer o seu voto, deverá ser responsabilizado pelos prejuízos que causar à companhia e aos demais acionistas. Entendemos que a verificação prévia do conflito de interesses, realizada internamente pela própria companhia, de forma consistente e analisando o mérito da questão, seria a alternativa mais benéfica (i) para o acionista, pois não seria impedido de votar, nos casos em que não fosse comprovado o real conflito com os interesses da companhia, e (ii) para os prejudicados em decorrência do voto proferido irregularmente, uma vez que não precisariam recorrer à lentidão do Poder Judiciário ou à onerosa Câmara Arbitral para serem indenizados pelos prejuízos que tiveram.
  • 37. 31 Repetindo as palavras de Alexsandro Broedel Lopes38 , em voto proferido no Caso Tractebel: “Não podemos afirmar que o conflito de interesses não poderá ser resolvido ex ante. Essa possibilidade precisa manter-se aberta.” Concordamos plenamente com esta colocação e a nossa sugestão de criação de um comitê, para analisar previamente o conflito, segue justamente este racional. Dessa forma, entendemos que conseguiríamos proporcionar ao mercado de capitais brasileiro uma maior segurança jurídica, para viabilizar investimentos cada vez mais agressivos, capazes de resultar em retornos financeiros acima da expectativa para as companhias. 38 Voto proferido no Caso Tractebel, por Alexsandro Broedel Lopes.
  • 38. 32 BIBLIOGRAFIA APPENDINO, Fabio. O instituto do direito de voto em um contexto de dispersão acionária. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; MOURA AZEVEDO, Luis André N. de. (coord) Poder de Controle e outros temas do direito Societário e Mercado de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2010. CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. EIZIRIK, Nelson. Estudos de Direito Empresarial. São Paulo: Saraiva, 2010. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas : lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, artigos 75 a 137, v. 2. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. 901 p. CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson Laks. A nova lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002. 552 p. COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014. 502 p. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. CVM aprova celebração de convênio para aproveitamento da atuação do CAF, CVM, 31 jul. 2013. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2013/20130731-1.html>. Acesso em: 09 jun. 2016. CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. Estrutura de interesses nas Sociedades Anônimas. Herarquia e Conflitos. São Paulo: Quartier Latin, 2007. EIZIRIK, Nelson. A Lei das S.A. comentada. v. 2. São Paulo. Quartier Latin, 2011. EIZIRIK. Temas de Direito Societário. São Paulo: Renovar, 2005. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo Novaes. Conflito de interesses formal ou substancial? Nova decisão da CVM sobre a questão. Revista do Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 128, p. 225-262, out./dez. 2002. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo Novaes. Conflito de interesses nas assembléias de S.A: (e outros escritos sobre conflito de interesses).2. ed., rev. e aum. São Paulo, SP: Malheiros, 2014. 322 p. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo Novaes. Invalidade das deliberações de assembléia das SA.São Paulo: Malheiros, 1999. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo Novaes. Temas de direito societário e empresarial contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011. GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Abstenção de voto e conflito de interesses. In: KUYVEN, Luiz Fernando Martins (coord.). Temas essenciais de Direito Empresarial. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • 39. 33 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sergio. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 4 ed. São Paulo. Saraiva, 2012. LEAES, Luiz Gastão Paes de Barros. Conflito de Interesses e vedação de voto nas assembleias das sociedades anônimas. Revista do Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, n 92, ano XXXII, p. 107-110, out./dez. 1993. Lobo, Carlos Augusto da Silveira, e Ney, Rafael de Moura Rangel. Conflito de interesses entre o administrador e a companhia, RDM n. 144:275-286. LOBO, Carlos Augusto da Silveira; NEY, Rafael de Moura Rangel. Conflito de interesses entre o administrador e a companhia. RDM, n. 144:275-286. MARTINS, Fran; SILVA, David Gonçalves de Andrade; PAPINI, Roberto (Col.) (At.). Comentários à lei das sociedades anônimas: artigo por artigo. 4. ed. Rio de Janeiro: Gen, 2010. Forense 1228 p. MERLUSSI, Natália Parmigiani. Aspectos do Conflito de Interesses entre Acionistas e a Companhia Aberta. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. Faculdade de Direito. São Paulo. 2016. NEVES, Vanessa Ramalhete Santos. Responsabilidade dos administradores de sociedade anônimas. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2002. PACHECO, João Marcelo Gonçalves; CASTORRI, Ricardo Canguçu Fontenelle. A jurisprudência recente da CVM sobre o conflito de interesses do acionista, Migalhas, 15 jun. 2005. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI13137,91041- >. Acesso em: 09 jun. 2016. RIBEIRO, Renato Ventura. Direito de Voto nas sociedades anônimas. São Paulo. Quartier Latin, 2009. SALOMAO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2011. SILVIA, Gisélia da; CAMARGO, André Antunes Soares da. A orientação de voto aos conselheiros da administração e seus deveres e responsabilidades legais. Insper, São Paulo, 2011. SILVA, Tatitana Buzalaf de Andrade e. Responsabilidades legais dos administradores das sociedades comerciais. São Paulo: Textonovo, 2005.