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Fracasso e esperança (parte 3)
31/08/2014 Escrito por Marcel Beer Kremnitzer Sem categoria
Nas partes anteriores do artigo (um e dois), foi demonstrado que operações militares
extensas não podem eliminar o terrorismo do Hamas, assim como o assassinato ou a
prisão de seus membros também seguirão fracassando. As sucessivas empreitadas
israelenses, por meio desses métodos, acabaram por ter o efeito oposto ao desejado. O
Hamas passou de um grupo marginal e minúsculo (Sheik Yassin e outras seis pessoas
fundaram o grupo em dezembro de 19871) para uma força bem armada de milhares de
membros, com capacidade de fechar o aeroporto Ben Gurion por dois dias, foguetes que
podem alcançar as principais cidades israelenses e causador de um abrupto esvaziamento
populacional do sul de Israel. Na atual Operação Margem Protetora, o governo e o exército
israelense empregaram exclusivamente os métodos acima para combater o Hamas. O
resultado foi o esperado.
Ainda no contexto da pesquisa da RAND sobre como eliminar o terrorismo, antes de
analisar a alternativa restante – pacificação e adesão ao processo político – é indispensável
ressaltar três verdades frequentemente esquecidas ou negadas.
1. O Estado de Israel existe, é permanente e indestrutível; por mais que self-hating jews,
antissemitas, antissionistas ou qualquer pessoa com senso crítico questione a
legitimidade e a necessidade de Israel existir, isso não fará com que o país
desapareça.
2. A nação palestina existe, tem direito ao seu Estado e não abandonará a resistência
enquanto não atingir esse objetivo; a narrativa de negação desse fato, bradada por
radicais e ignorantes, é inútil e prolonga, artificialmente, uma situação passageira.
3. A convivência pacífica e igualitária entre o povo judeu e o povo palestino é inviável
num mesmo Estado. Diversos traumas, preconceitos e sentimentos negativos estão
incrustados permanentemente no imaginário coletivo de ambos. Isso não implica em
limpeza étnica; minorias de um povo poderiam habitar o Estado do outro, desde que
tenham o seu próprio Estado nacional constituído, pronto para recebê-los se
necessário.
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Ehud Barak, Madeleine Albright e Yasser Arafat em Camp David
Com essas premissas, as quais já deveriam ter sido encaradas com seriedade por todos os
envolvidos no conflito, a pacificação do Hamas acontecerá no contexto da criação do
Estado soberano da Palestina, ao lado do Estado de Israel. A evolução histórica nessa
direção vem acontecendo com coerência. Nas negociações de paz entre Egito e Israel, em
1978, Anwar Sadat exigiu que Menachem Begin fizesse concessões para um futuro Estado
palestino; o israelense julgou a demanda ridícula. Em 1988, o Rei Hussein da Jordânia
transfere para a OLP de Arafat o pleito pelo território da Cisjordânia; assim, a Palestina
deveria ser criada com base nesse território e em Gaza. Rabin, nos acordos de Oslo, deu
passos indubitáveis para a solução de dois estados, como a evacuação de Gaza, a criação
de uma força policial palestina e a auto-administração palestina (parcial ou total) em 27,8%
da Cisjordânia. Finalmente, na Cúpula de Camp David do ano 2000, Ehud Barak fez uma
oferta que, apesar de incompleta e repleta de problemas, culminaria na criação do Estado
da Palestina. Dali em diante, todas os planos e rodadas de negociação tiveram como
objetivo a solução de dois estados. Em adição a essa evolução, a opinião pública reitera
qual a solução que ambas as nações querem. Mesmo sem nenhuma iniciativa significativa
desde 2007, israelenses e palestinos seguem favoráveis à solução de dois estados.
O caminho para a paz e o fim do terrorismo palestino é longo. A pesquisa da RAND
classifica os objetivos do Hamas como sendo principalmente nacionalistas, mas também
religiosos; em adição a isso, na página 15 da mesma pesquisa:
…grupos terroristas motivados por objetivos nacionalistas e religiosos duram
mais. Tipicamente, possuem fontes sólidas de suporte na população local da
mesma etnia que eles (…)
Por isso, a sociedade israelense e seus líderes precisam estar dispostos a fazer concessões,
abandonar preconceitos e medos ao longo do trajeto e manter os extremistas sob
controle. Estes são organizados e violentos e tentarão sabotar o processo, como já foi feito
antes. Abandonar a caminhada antes do fim trará mais desilusão e pessimismo, como
facilmente observa-se hoje em Israel e entre os palestinos. Por isso, é importante abordar
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as mudanças de postura e de política que Israel precisa realizar, se pretende chegar ao fim
desse percurso e ver-se livre de morteiros em kibbutzim, ataques suicidas em pizzarias ou
em discotecas. Tais mudanças não trarão, isoladamente, o resultado esperado; os
palestinos precisam, também, realizar muitas concessões e corrigir inúmeros erros que
vêm sendo cometidos. Mesmo assim, e por ser muito mais desenvolvido e forte que os
palestinos, o Estado de Israel precisa concentrar todo seu poder na realização desse
projeto. Após dezenas de anos de conflito, o desejo de resolvê-lo é quase uma premissa,
para as maiorias das populações, para melhorar suas condições de vida. Se os palestinos
não estivessem interessados em fazer a paz, a iniciativa israelense certamente despertaria
esse desejo.
De acordo com a pesquisa da RAND, na página 16,
…grupos terroristas tendem a durar mais em países pobres. (…) um caminho
para eliminar o terrorismo é melhorar a condição econômica de países onde o
terrorismo é comum.
Economicamente, Gaza é terra fértil para o crescimento do terrorismo. De acordo com as
estatísticas disponíveis, a taxa de desemprego bate em 45,1%, a pobreza atinge 59,9% da
população e o Produto Interno Bruto real (descontada a inflação) está estagnado desde
1996. Para o terrorismo palestino, especialmente do Hamas, ver-se sem apoio ou
justificativa entre a população, Israel precisa cooperar com a desenvolvimento econômico
de Gaza. Isso passa, obrigatoriamente, pelo fim gradual do bloqueio e pela reconexão da
economia de Gaza com o resto do mundo. Os 7 anos do fechamento desse território
causaram a piora das condições econômicas da população local. Os méritos pelo fim do
bloqueio e o desenvolvimento econômico devem ser explicitamente atribuídos às
negociações, aos palestinos moderados e ao processo de paz, e não à violência do Hamas.
O governo israelense precisa passar a mensagem correta aos palestinos: moderação e
autocontrole geram ganhos, enquanto violência e terrorismo geram perdas.
Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, o braço militar do Hamas
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Tão importante quanto o desenvolvimento econômico da Faixa de Gaza é a interrupção do
crescimento dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, para que sejam devolvidos aos
palestinos no curso do processo de paz. Desde antes da conquista desse território – um
resultado não esperado da surpreendente Guerra dos Seis Dias2 – diversos personagens
centrais ao sionismo ressaltaram o quão errado seria levar judeus para construir e habitar
na Judéia e na Samaria: Ya’akov Shimson Shapira³, Pinhas Sapir³, Yeshayahu Leibowitz e
David Ben Gurion4. Em essência, aqueles que assentavam em 1967 julgavam dar
continuidade ao sionismo de 1948, quando uma nação agia corajosamente, desafiando leis
e atores hostis, para conseguir estabelecer-se e erigir seu Estado. No entanto, em 1967, o
Estado de Israel já existia, era reconhecido pela comunidade internacional, possuia
exército, leis e governo; a elite política e os novos colonizadores falharam em fazer a
passagem de “revolução” para “instituição”, de “movimento nacional” para “Estado”. Se,
antes, assentar era um método para estabelecer um Estado, veio por metamorfosear-se
em um objetivo em si, santificado por uma minoria religiosa judaica e erroneamente
legitimado pelo governo israelense.
Um dos propósitos dos assentamentos é evitar o surgimento do Estado da Palestina.
Quando foi chefe do Comitê Ministerial de Assentamentos, no fim dos anos 70, Ariel
Sharon criou e fez crescer muitos assentamentos na Cisjordânia, com o intuito de separar
cidades palestinas e criar facts on the ground5. Entre 1993 (acordos de Oslo) e 2000 (2a
Cúpula de Camp David), o número de judeus na Cisjordânia – excluída Jersualém Oriental –
foi de 116 mil para 198 mil6, um aumento de 70%; para efeito de comparação, a população
total de Israel cresceu somente 33% entre 1990 e 2000. Quanto maior essa população,
mais difícil torna-se a devolução dessa terra aos palestinos. Para defender a existência dos
assentamentos, usa-se também o argumento de que a desocupação desse território
aumentaria a insegurança do Estado e colocaria em xeque a existência de Israel. No
entanto, os assentamentos são um fardo extra para o Exército israelense, que precisa
defendê-los; durante o ataque sírio na Guerra de Yom Kippur, assentamentos nas colinas
do Golan tiveram de ser evacuados ao mesmo tempo que tanques de Hafez al-Assad eram
repelidos7. A evacuação de Gaza, ordenada por Ariel Sharon em 2005, encaixa-se nessa
lógica como o negativo de uma foto; a cessão abrupta e unilateral serviu para proteger o
projeto dos assentamentos como um todo, e colocou colonos e o Exército israelense em
confronto. Dov Weisglas, um dos conselheiros mais próximos de Sharon, descreveu a
evacuação como
…a quantidade apropriada de formaldeído (para embalsamar o Roadmap para
a paz dos EUA) para que não haja um processo diplomático com os palestinos8.
Após o fim da Operação Margem Protetora, o Hamas veio a público relembrar a todos de
sua intransigência e de seu propósito de libertar a Palestina, eliminando Israel.
Concomitantemente, o atual governo israelense confiscou terras palestinas na Cisjordânia,
enfatizando sua indisponibilidade para entrar em qualquer processo de paz. Os terroristas
reiteraram que não são um parceiro para um processo diplomático, enquanto as
lideranças israelenses seguem inculcando em seus cidadãos a mentirosa ideia que o fim do
terrorismo deve vir antes das negociações serem iniciadas. O pessimismo das populações
é plenamente justificado: a violência na região seguirá, já que o ódio palestino e o cinismo
israelense determinam as movimentações políticas. No entanto, o cenário sombrio e a
falta de perspectiva não puderam e não poderão afetar os desejos mais profundos dos
sofridos civis da região: o encerramento do terrorismo e da violência são partes, e
consequências, da paz entre os povos e da criação do Estado da Palestina. Ao contrário do
que propagam governantes israelenses e de Gaza, não são pré-requisitos, mas sim
5. 27/01/2016 Fracasso e esperança (parte 3) , Fórum 18
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resultados.
1 – MORRIS, Benny. Righteous Victims: A History of the Zionist-Arab Conflict, 1881-2001.
New York: Vintage, 2001, p. 577
2 – GORENBERG, Gershon. The Unmaking of Israel. New York: Harper Perennial, 2012, p.
61
3 – idem, p. 66
4 – idem, p. 28
5 – idem, p.69
6 – idem, p. 108
7 – idem, p.81
8 – idem, p. 115
1a parte
2a parte
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4 Respostas para
“Fracasso e esperança (parte 3)”
1.
Jaime Cohen →
03/09/2014 em 23:50 #
Excelentes os 3 artigos. Precisam de tradução para o inglês, o hebraico e o árabe.
Que tal?
Responder
Marcel Beer Kremnitzer →
06/09/2014 em 14:13 #
Jaime, para o inglês é fácil. Para o hebraico, nenhum sabra vai ler o que um
brasileiro tem a dizer sobre Israel. Para o árabe, não sei quem traduziria!
Obrigado pelos elogios!
Responder
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