2. Antes de argumentar, de procurar apresentar
uma tese que convença o interlocutor, é
necessário fixar premissas amplamente
aceitáveis, que sirvam como base de percurso
argumentativo
3. Narrativa dos fatos
→ auxilia a argumentação
→ permite ao interlocutor compreender os
limites e as premissas da argumentação que
terá de desenvolver.
→precede sempre a argumentação jurídica
propriamente dita
→tem um conteúdo meramente informativo
4. → esse conteúdo informativo não é puro,
porque é contaminado pela vontade do
argumentante de persuadir, ainda que, em tese,
o momento seja apenas de informar.
5. Ao narrar, apresentam-se os fatos sobre os
quais recairá a argumentação.
Se pretendo comprovar que existe dano moral
indenizável na conduta de uma pessoa ao
acusar injustamente outra de haver cometido
determinado delito, devo a princípio mostrar
como os fatos originários ocorreram e em que
circunstâncias.
6. 1.figuratividade→a narrativa se desenvolve
por meio de personagens, figuras (pessoas e
coisas) que atuam sobre a realidade de
determinada maneira, transformando-a.
Essas pessoas e coisas interagem para
determinar a mudança de uma realidade.
7. A mudança na realidade, ou seja, a alteração do
status quo ante, representa o núcleo de toda a
narrativa, e somente pode ocorrer pela ação e
combinação das figuras apresentadas.
8. Homicídio consumado → existe a alteração da
realidade anterior pela intervenção de
personagens: alguém que era vivo perde, no
transcurso do tempo, essa qualidade, pela
intervenção de um segundo personagem que,
com determinada ação, vem provocar a morte
do primeiro.
9. Quando narramos os fatos apresentamos a
relação com as figuras. São elas o fator
determinante do texto.
A narrativa dos fatos que conceda pouca
atenção a elas, desviando em digressões a
temas mais genéricos, perde clareza e prejudica
em coerência
10. Transcurso do tempo → ordem em que as
figuras são apresentadas ao leitor de acordo
com uma ordem
Lapso temporal → eixo principal da coerência
narrativa
Indicação do transcurso do tempo
→é essencial ao discurso narrativo
→pode aparecer de modo explícito
(determinação de data e hora) ou
11. de modo implícito ( a referência a um marco
histórico ou a própria sequência das ações, que
permite ao leitor depreender o passar do tempo
etc)
12. Progressão da argumentação =lógica
(representa o encadeamento de idéias que se
combinam)
Progressão da narrativa= temporal (indicado
ou não, o tempo é o único elemento que ordena
as ações narradas)
13. Tal diferença entre os eixos narrativo e
argumentativo é que fundamenta a separação
usual no discurso forense escrito, ou seja,
os fatos → a narrativa
o direito a argumentação
A argumentação não se rege pela passagem do
tempo.
14. A distinção entre narrativa e argumentação é
conceitual, pois não existe texto narrativo puro
nem mesmo discurso argumentativo em que a
narração não interfira.
15. Toda narrativa é exposição de fatos (reais ou
fictícios) que se passam em determinado lugar
e com certa duração, em atmosfera carregada
de elementos circunstanciais
16. O quê: o fato que se pretende contar
Quem: as partes envolvidas
Como: o modo como o fato aconteceu
Quando: a época, o momento, o tempo do fato
Onde: o registro especial do fato
Porque: a causa, o motivo do fato
Por isso: resultado ou consequência do fato
17. No dia 15 de maio do corrente ano, o autor,
tendo vendido o réu o imóvel constituído do
apartamento nº 56 do prédio denominado
“Monte Castelo”, na Rua José do Patrocínio,
603, confiou a este o telefone de número 813-
4672, que ali se encontrava instalado, e do qual
o autor é assinante, conforme recibo da TELESP
(doc. 1)
18. Tal fato se deveu à única e exclusiva
circunstância de que, tendo de proceder à
entrega do imóvel vendido, nos termos da
escritura de compra e venda, lavrada em notas
do Tabelião do 26º Ofício, Livro nº 2, fls. 56, não
conseguiu o autor a retirada do referido
aparelho telefônico, embora tenha pedido, por
escrito, tal retirada, desde o dia 16 de maio
(doc. 3)
19. Quando, em argumentação, damos um
exemplo, fazemos uma analogia ou mesmo
relembramos fatos a título de argumentos
específicos para determinado efeito suasório,
recorrermos à figuratividade e ao transcurso
do tempo porque nos servem naquele
momento, tomando de empréstimo o eixo de
progressão específico da narrativa.
20. O texto argumentativo utiliza-se também do
discurso narrativo porque é impossível a
argumentação pura, mas mantém sua
progressividade lógica, não se aprofundando
no transcurso do tempo.
21. O texto narrativo, por sua vez, tem o transcurso
do tempo como fator regente principal, mas
não único.
Por isso a técnica narrativa do texto assume
sempre a progressão temporal.
O discursante atribui um marco temporal em
seu texto, um centro que tem como presente o
instante do momento da fala
22. Do momento da enunciação e, a partir dali,
situa os fatos narrados como anteriores,
concomitantes ou posteriores a esse marco
temporal
23. A questão do ponto de vista do narrador
Em muitos procedimentos judiciais importa
mais no convencimento do leitor a narrativa
dos fatos que a argumentação propriamente
dita, ou seja, em algumas petições o julgador
dá maior atenção à narrativa dos fatos do que à
persuasão referente ao direito.
24. Muitas sustentações orais, profícuas, de
advogados, concentram-se no esclarecimento
de fatos ocorridos durante o processo.
Ao construir uma narrativa, o enunciador,
grosso modo, transforma fatos em elementos
linguísticos.
25. Portanto, é obrigado a selecionar de uma
realidade os fatos mais importantes para um
fim pretendido.
O narrador esportivo encarregado da
transmissão, pelo rádio de um jogo de futebol
escolhe os fatos mais importantes:
26. geralmente, o comportamento dos jogadores
que interferem na trajetória da bola, se é que
não há uma peleja mais importante na
arquibancada.
Os espectadores vão conhecer o ponto de vista
do narrador esportivo, de acordo com sua
intenção.
27. Não se pode dizer que a narrativa daquele
locutor esportivo não vise à informação; mas a
informação não é pura: pelo modo como relata
os fatos, torce para este ou aquele time.
O bom narrador seleciona elementos da
realidade que conduzem o interlocutor a um
ponto de vista que ele pretenderá demonstrar.
28. Não pode afastar-se da verdade, pois tem
vínculo estreito com os fatos comprovados no
processo, mas pode selecionar os fatos que
mais contribuem para o contexto, sobre o qual
certamente defenderá sua tese: a turbação
mental do autor do crime, apaixonado, que
deverá levar a uma reprovabilidade menor de
sua conduta.
29. Essa tese não é parte da narrativa, mas nela
ficará sedimentada.
Se o enunciador, no relato, deixar transparecer
o comprometimento de seu ponto de vista com
a tese que posteriormente irá defender, sua
versão na mesma medida perderá credibilidade
(argumentação e narrativa dos fatos).
30. A argumentação tem um ponto de vista
explícito.
O jurado espera que a narrativa dos fatos seja
meramente informativa, não comprometida
com pontos de vista.
O ponto de vista existe, permeia toda a
narrativa dos fatos, mas nela jamais deve ser
revelado.
31. Ao contrário da argumentação, na narrativa o
ponto de vista tem de ser implícito.
32. Pedro e Paulo, caminhando no centro da
cidade, encontram um amigo comum, que
havia longa data não viam. Trata-se de
Hermes, que estava vestido de paletó e gravata,
esta meio frouxa no colarinho; bem mais obeso
que da última vez que o encontraram, tinha a
barba por fazer e, sorridente, descendo de seu
Mercedes-Benz ano 1980,
33. Conversível, brilhando muito porque bem
encerado, cumprimentou rapidamente ambos
os amigos, deu-lhes um cartão da empresa em
que trabalhava, pediu para que os dois não
deixassem de visitá-los, escusou-se por estar
apressado, despediu-se também sorridente,
entrou novamente em seu carro e foi embora.
34. Encontramos Hermes. Estava muito
bem, ficou felicíssimo em nos ver. Deve
estar muito bem de vida! Gordo,
corado, um ar desleixado, o protótipo
do big boss, de quem está por cima
mesmo: barba por fazer, gravata
frouxa, blasée.
35. Saiu de um Mercedes-Benz enorme,
limusine mesmo, que brilhava de doer
os olhos, bancos de couro que eu não
via há anos.. Demonstrou toda
satisfação com o encontro e, muito
apressado como todo homem de
negócios , insistiu bravamente para que
voltássemos a nos encontrar.
36. Encontramos Hermes. Foi bastante cordial
quando nos viu, não muito mais que isso.
Coitado, não deve estar muito bem de vida
não. Muito obeso e fora de forma, mal vestido,
a gravata frouxa. Barba por fazer, um desleixo
que dava um mau aspecto. Saiu de um carro
velho, daquelas banheironas mesmo, sabe?
37. Tudo bem, tentou dar uma valorizada e, pra
disfarçar, lascou tanta cera naquela lata velha
que ela brilhava de doer os olhos. Rapidamente
deu a desculpa de que estava apressado e saiu
correndo, deu-nos o cartão e disse para
ligarmos pra ele; aquela história, formalidades,
nem insistiu muito.
38. A mudança na realidade, ou seja, a alteração do
status quo ante, representa o núcleo de toda a
narrativa, e somente pode ocorrer pela ação e
combinação das figuras apresentadas.
39. RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação
jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal.
4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.