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 Antes de argumentar, de procurar apresentar
uma tese que convença o interlocutor, é
necessário fixar premissas amplamente
aceitáveis, que sirvam como base de percurso
argumentativo
 Narrativa dos fatos
 → auxilia a argumentação
 → permite ao interlocutor compreender os
limites e as premissas da argumentação que
terá de desenvolver.
 →precede sempre a argumentação jurídica
 propriamente dita
 →tem um conteúdo meramente informativo
 → esse conteúdo informativo não é puro,
porque é contaminado pela vontade do
argumentante de persuadir, ainda que, em tese,
o momento seja apenas de informar.
 Ao narrar, apresentam-se os fatos sobre os
quais recairá a argumentação.
 Se pretendo comprovar que existe dano moral
indenizável na conduta de uma pessoa ao
acusar injustamente outra de haver cometido
determinado delito, devo a princípio mostrar
como os fatos originários ocorreram e em que
circunstâncias.
 1.figuratividade→a narrativa se desenvolve
por meio de personagens, figuras (pessoas e
coisas) que atuam sobre a realidade de
determinada maneira, transformando-a.
 Essas pessoas e coisas interagem para
determinar a mudança de uma realidade.
 A mudança na realidade, ou seja, a alteração do
status quo ante, representa o núcleo de toda a
narrativa, e somente pode ocorrer pela ação e
combinação das figuras apresentadas.
 Homicídio consumado → existe a alteração da
realidade anterior pela intervenção de
personagens: alguém que era vivo perde, no
transcurso do tempo, essa qualidade, pela
intervenção de um segundo personagem que,
com determinada ação, vem provocar a morte
do primeiro.
 Quando narramos os fatos apresentamos a
relação com as figuras. São elas o fator
determinante do texto.
 A narrativa dos fatos que conceda pouca
atenção a elas, desviando em digressões a
temas mais genéricos, perde clareza e prejudica
em coerência
 Transcurso do tempo → ordem em que as
figuras são apresentadas ao leitor de acordo
com uma ordem
 Lapso temporal → eixo principal da coerência
narrativa
 Indicação do transcurso do tempo
 →é essencial ao discurso narrativo
 →pode aparecer de modo explícito
(determinação de data e hora) ou
 de modo implícito ( a referência a um marco
histórico ou a própria sequência das ações, que
permite ao leitor depreender o passar do tempo
etc)
 Progressão da argumentação =lógica
(representa o encadeamento de idéias que se
combinam)
 Progressão da narrativa= temporal (indicado
ou não, o tempo é o único elemento que ordena
as ações narradas)
 Tal diferença entre os eixos narrativo e
argumentativo é que fundamenta a separação
usual no discurso forense escrito, ou seja,
 os fatos → a narrativa
 o direito  a argumentação
 A argumentação não se rege pela passagem do
tempo.
 A distinção entre narrativa e argumentação é
conceitual, pois não existe texto narrativo puro
nem mesmo discurso argumentativo em que a
narração não interfira.
 Toda narrativa é exposição de fatos (reais ou
fictícios) que se passam em determinado lugar
e com certa duração, em atmosfera carregada
de elementos circunstanciais
 O quê: o fato que se pretende contar
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 Como: o modo como o fato aconteceu
 Quando: a época, o momento, o tempo do fato
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 Porque: a causa, o motivo do fato
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 No dia 15 de maio do corrente ano, o autor,
tendo vendido o réu o imóvel constituído do
apartamento nº 56 do prédio denominado
“Monte Castelo”, na Rua José do Patrocínio,
603, confiou a este o telefone de número 813-
4672, que ali se encontrava instalado, e do qual
o autor é assinante, conforme recibo da TELESP
(doc. 1)
 Tal fato se deveu à única e exclusiva
circunstância de que, tendo de proceder à
entrega do imóvel vendido, nos termos da
escritura de compra e venda, lavrada em notas
do Tabelião do 26º Ofício, Livro nº 2, fls. 56, não
conseguiu o autor a retirada do referido
aparelho telefônico, embora tenha pedido, por
escrito, tal retirada, desde o dia 16 de maio
(doc. 3)
 Quando, em argumentação, damos um
exemplo, fazemos uma analogia ou mesmo
relembramos fatos a título de argumentos
específicos para determinado efeito suasório,
recorrermos à figuratividade e ao transcurso
do tempo porque nos servem naquele
momento, tomando de empréstimo o eixo de
progressão específico da narrativa.
 O texto argumentativo utiliza-se também do
discurso narrativo porque é impossível a
argumentação pura, mas mantém sua
progressividade lógica, não se aprofundando
no transcurso do tempo.
 O texto narrativo, por sua vez, tem o transcurso
do tempo como fator regente principal, mas
não único.
 Por isso a técnica narrativa do texto assume
sempre a progressão temporal.
 O discursante atribui um marco temporal em
seu texto, um centro que tem como presente o
instante do momento da fala
 Do momento da enunciação e, a partir dali,
situa os fatos narrados como anteriores,
concomitantes ou posteriores a esse marco
temporal
 A questão do ponto de vista do narrador
 Em muitos procedimentos judiciais importa
mais no convencimento do leitor a narrativa
dos fatos que a argumentação propriamente
dita, ou seja, em algumas petições o julgador
dá maior atenção à narrativa dos fatos do que à
persuasão referente ao direito.
 Muitas sustentações orais, profícuas, de
advogados, concentram-se no esclarecimento
de fatos ocorridos durante o processo.
 Ao construir uma narrativa, o enunciador,
grosso modo, transforma fatos em elementos
linguísticos.
 Portanto, é obrigado a selecionar de uma
realidade os fatos mais importantes para um
fim pretendido.
 O narrador esportivo encarregado da
transmissão, pelo rádio de um jogo de futebol
escolhe os fatos mais importantes:
 geralmente, o comportamento dos jogadores
que interferem na trajetória da bola, se é que
não há uma peleja mais importante na
arquibancada.
 Os espectadores vão conhecer o ponto de vista
do narrador esportivo, de acordo com sua
intenção.
 Não se pode dizer que a narrativa daquele
locutor esportivo não vise à informação; mas a
informação não é pura: pelo modo como relata
os fatos, torce para este ou aquele time.
 O bom narrador seleciona elementos da
realidade que conduzem o interlocutor a um
ponto de vista que ele pretenderá demonstrar.
 Não pode afastar-se da verdade, pois tem
vínculo estreito com os fatos comprovados no
processo, mas pode selecionar os fatos que
mais contribuem para o contexto, sobre o qual
certamente defenderá sua tese: a turbação
mental do autor do crime, apaixonado, que
deverá levar a uma reprovabilidade menor de
sua conduta.
 Essa tese não é parte da narrativa, mas nela
ficará sedimentada.
 Se o enunciador, no relato, deixar transparecer
o comprometimento de seu ponto de vista com
a tese que posteriormente irá defender, sua
versão na mesma medida perderá credibilidade
(argumentação e narrativa dos fatos).
 A argumentação tem um ponto de vista
explícito.
 O jurado espera que a narrativa dos fatos seja
meramente informativa, não comprometida
com pontos de vista.
 O ponto de vista existe, permeia toda a
narrativa dos fatos, mas nela jamais deve ser
revelado.
 Ao contrário da argumentação, na narrativa o
ponto de vista tem de ser implícito.
 Pedro e Paulo, caminhando no centro da
cidade, encontram um amigo comum, que
havia longa data não viam. Trata-se de
Hermes, que estava vestido de paletó e gravata,
esta meio frouxa no colarinho; bem mais obeso
que da última vez que o encontraram, tinha a
barba por fazer e, sorridente, descendo de seu
Mercedes-Benz ano 1980,
 Conversível, brilhando muito porque bem
encerado, cumprimentou rapidamente ambos
os amigos, deu-lhes um cartão da empresa em
que trabalhava, pediu para que os dois não
deixassem de visitá-los, escusou-se por estar
apressado, despediu-se também sorridente,
entrou novamente em seu carro e foi embora.
Encontramos Hermes. Estava muito
bem, ficou felicíssimo em nos ver. Deve
estar muito bem de vida! Gordo,
corado, um ar desleixado, o protótipo
do big boss, de quem está por cima
mesmo: barba por fazer, gravata
frouxa, blasée.
Saiu de um Mercedes-Benz enorme,
limusine mesmo, que brilhava de doer
os olhos, bancos de couro que eu não
via há anos.. Demonstrou toda
satisfação com o encontro e, muito
apressado  como todo homem de
negócios , insistiu bravamente para que
voltássemos a nos encontrar.
 Encontramos Hermes. Foi bastante cordial
quando nos viu, não muito mais que isso.
Coitado, não deve estar muito bem de vida
não. Muito obeso e fora de forma, mal vestido,
a gravata frouxa. Barba por fazer, um desleixo
que dava um mau aspecto. Saiu de um carro
velho, daquelas banheironas mesmo, sabe?
 Tudo bem, tentou dar uma valorizada e, pra
disfarçar, lascou tanta cera naquela lata velha
que ela brilhava de doer os olhos. Rapidamente
deu a desculpa de que estava apressado e saiu
correndo, deu-nos o cartão e disse para
ligarmos pra ele; aquela história, formalidades,
nem insistiu muito.
 A mudança na realidade, ou seja, a alteração do
status quo ante, representa o núcleo de toda a
narrativa, e somente pode ocorrer pela ação e
combinação das figuras apresentadas.
RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação
jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal.
4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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  • 1.
  • 2.  Antes de argumentar, de procurar apresentar uma tese que convença o interlocutor, é necessário fixar premissas amplamente aceitáveis, que sirvam como base de percurso argumentativo
  • 3.  Narrativa dos fatos  → auxilia a argumentação  → permite ao interlocutor compreender os limites e as premissas da argumentação que terá de desenvolver.  →precede sempre a argumentação jurídica  propriamente dita  →tem um conteúdo meramente informativo
  • 4.  → esse conteúdo informativo não é puro, porque é contaminado pela vontade do argumentante de persuadir, ainda que, em tese, o momento seja apenas de informar.
  • 5.  Ao narrar, apresentam-se os fatos sobre os quais recairá a argumentação.  Se pretendo comprovar que existe dano moral indenizável na conduta de uma pessoa ao acusar injustamente outra de haver cometido determinado delito, devo a princípio mostrar como os fatos originários ocorreram e em que circunstâncias.
  • 6.  1.figuratividade→a narrativa se desenvolve por meio de personagens, figuras (pessoas e coisas) que atuam sobre a realidade de determinada maneira, transformando-a.  Essas pessoas e coisas interagem para determinar a mudança de uma realidade.
  • 7.  A mudança na realidade, ou seja, a alteração do status quo ante, representa o núcleo de toda a narrativa, e somente pode ocorrer pela ação e combinação das figuras apresentadas.
  • 8.  Homicídio consumado → existe a alteração da realidade anterior pela intervenção de personagens: alguém que era vivo perde, no transcurso do tempo, essa qualidade, pela intervenção de um segundo personagem que, com determinada ação, vem provocar a morte do primeiro.
  • 9.  Quando narramos os fatos apresentamos a relação com as figuras. São elas o fator determinante do texto.  A narrativa dos fatos que conceda pouca atenção a elas, desviando em digressões a temas mais genéricos, perde clareza e prejudica em coerência
  • 10.  Transcurso do tempo → ordem em que as figuras são apresentadas ao leitor de acordo com uma ordem  Lapso temporal → eixo principal da coerência narrativa  Indicação do transcurso do tempo  →é essencial ao discurso narrativo  →pode aparecer de modo explícito (determinação de data e hora) ou
  • 11.  de modo implícito ( a referência a um marco histórico ou a própria sequência das ações, que permite ao leitor depreender o passar do tempo etc)
  • 12.  Progressão da argumentação =lógica (representa o encadeamento de idéias que se combinam)  Progressão da narrativa= temporal (indicado ou não, o tempo é o único elemento que ordena as ações narradas)
  • 13.  Tal diferença entre os eixos narrativo e argumentativo é que fundamenta a separação usual no discurso forense escrito, ou seja,  os fatos → a narrativa  o direito  a argumentação  A argumentação não se rege pela passagem do tempo.
  • 14.  A distinção entre narrativa e argumentação é conceitual, pois não existe texto narrativo puro nem mesmo discurso argumentativo em que a narração não interfira.
  • 15.  Toda narrativa é exposição de fatos (reais ou fictícios) que se passam em determinado lugar e com certa duração, em atmosfera carregada de elementos circunstanciais
  • 16.  O quê: o fato que se pretende contar  Quem: as partes envolvidas  Como: o modo como o fato aconteceu  Quando: a época, o momento, o tempo do fato  Onde: o registro especial do fato  Porque: a causa, o motivo do fato  Por isso: resultado ou consequência do fato
  • 17.  No dia 15 de maio do corrente ano, o autor, tendo vendido o réu o imóvel constituído do apartamento nº 56 do prédio denominado “Monte Castelo”, na Rua José do Patrocínio, 603, confiou a este o telefone de número 813- 4672, que ali se encontrava instalado, e do qual o autor é assinante, conforme recibo da TELESP (doc. 1)
  • 18.  Tal fato se deveu à única e exclusiva circunstância de que, tendo de proceder à entrega do imóvel vendido, nos termos da escritura de compra e venda, lavrada em notas do Tabelião do 26º Ofício, Livro nº 2, fls. 56, não conseguiu o autor a retirada do referido aparelho telefônico, embora tenha pedido, por escrito, tal retirada, desde o dia 16 de maio (doc. 3)
  • 19.  Quando, em argumentação, damos um exemplo, fazemos uma analogia ou mesmo relembramos fatos a título de argumentos específicos para determinado efeito suasório, recorrermos à figuratividade e ao transcurso do tempo porque nos servem naquele momento, tomando de empréstimo o eixo de progressão específico da narrativa.
  • 20.  O texto argumentativo utiliza-se também do discurso narrativo porque é impossível a argumentação pura, mas mantém sua progressividade lógica, não se aprofundando no transcurso do tempo.
  • 21.  O texto narrativo, por sua vez, tem o transcurso do tempo como fator regente principal, mas não único.  Por isso a técnica narrativa do texto assume sempre a progressão temporal.  O discursante atribui um marco temporal em seu texto, um centro que tem como presente o instante do momento da fala
  • 22.  Do momento da enunciação e, a partir dali, situa os fatos narrados como anteriores, concomitantes ou posteriores a esse marco temporal
  • 23.  A questão do ponto de vista do narrador  Em muitos procedimentos judiciais importa mais no convencimento do leitor a narrativa dos fatos que a argumentação propriamente dita, ou seja, em algumas petições o julgador dá maior atenção à narrativa dos fatos do que à persuasão referente ao direito.
  • 24.  Muitas sustentações orais, profícuas, de advogados, concentram-se no esclarecimento de fatos ocorridos durante o processo.  Ao construir uma narrativa, o enunciador, grosso modo, transforma fatos em elementos linguísticos.
  • 25.  Portanto, é obrigado a selecionar de uma realidade os fatos mais importantes para um fim pretendido.  O narrador esportivo encarregado da transmissão, pelo rádio de um jogo de futebol escolhe os fatos mais importantes:
  • 26.  geralmente, o comportamento dos jogadores que interferem na trajetória da bola, se é que não há uma peleja mais importante na arquibancada.  Os espectadores vão conhecer o ponto de vista do narrador esportivo, de acordo com sua intenção.
  • 27.  Não se pode dizer que a narrativa daquele locutor esportivo não vise à informação; mas a informação não é pura: pelo modo como relata os fatos, torce para este ou aquele time.  O bom narrador seleciona elementos da realidade que conduzem o interlocutor a um ponto de vista que ele pretenderá demonstrar.
  • 28.  Não pode afastar-se da verdade, pois tem vínculo estreito com os fatos comprovados no processo, mas pode selecionar os fatos que mais contribuem para o contexto, sobre o qual certamente defenderá sua tese: a turbação mental do autor do crime, apaixonado, que deverá levar a uma reprovabilidade menor de sua conduta.
  • 29.  Essa tese não é parte da narrativa, mas nela ficará sedimentada.  Se o enunciador, no relato, deixar transparecer o comprometimento de seu ponto de vista com a tese que posteriormente irá defender, sua versão na mesma medida perderá credibilidade (argumentação e narrativa dos fatos).
  • 30.  A argumentação tem um ponto de vista explícito.  O jurado espera que a narrativa dos fatos seja meramente informativa, não comprometida com pontos de vista.  O ponto de vista existe, permeia toda a narrativa dos fatos, mas nela jamais deve ser revelado.
  • 31.  Ao contrário da argumentação, na narrativa o ponto de vista tem de ser implícito.
  • 32.  Pedro e Paulo, caminhando no centro da cidade, encontram um amigo comum, que havia longa data não viam. Trata-se de Hermes, que estava vestido de paletó e gravata, esta meio frouxa no colarinho; bem mais obeso que da última vez que o encontraram, tinha a barba por fazer e, sorridente, descendo de seu Mercedes-Benz ano 1980,
  • 33.  Conversível, brilhando muito porque bem encerado, cumprimentou rapidamente ambos os amigos, deu-lhes um cartão da empresa em que trabalhava, pediu para que os dois não deixassem de visitá-los, escusou-se por estar apressado, despediu-se também sorridente, entrou novamente em seu carro e foi embora.
  • 34. Encontramos Hermes. Estava muito bem, ficou felicíssimo em nos ver. Deve estar muito bem de vida! Gordo, corado, um ar desleixado, o protótipo do big boss, de quem está por cima mesmo: barba por fazer, gravata frouxa, blasée.
  • 35. Saiu de um Mercedes-Benz enorme, limusine mesmo, que brilhava de doer os olhos, bancos de couro que eu não via há anos.. Demonstrou toda satisfação com o encontro e, muito apressado  como todo homem de negócios , insistiu bravamente para que voltássemos a nos encontrar.
  • 36.  Encontramos Hermes. Foi bastante cordial quando nos viu, não muito mais que isso. Coitado, não deve estar muito bem de vida não. Muito obeso e fora de forma, mal vestido, a gravata frouxa. Barba por fazer, um desleixo que dava um mau aspecto. Saiu de um carro velho, daquelas banheironas mesmo, sabe?
  • 37.  Tudo bem, tentou dar uma valorizada e, pra disfarçar, lascou tanta cera naquela lata velha que ela brilhava de doer os olhos. Rapidamente deu a desculpa de que estava apressado e saiu correndo, deu-nos o cartão e disse para ligarmos pra ele; aquela história, formalidades, nem insistiu muito.
  • 38.  A mudança na realidade, ou seja, a alteração do status quo ante, representa o núcleo de toda a narrativa, e somente pode ocorrer pela ação e combinação das figuras apresentadas.
  • 39. RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.